Sexta, 09 Outubro 2015 09:51

Carta a meu amigo Rômulo

De repente, fiquei sabendo que você se despediu de nós. Nem tempo de dizer adeus tivemos. Até entendo: você foi poetar noutros recantos. 

Jamais me esqueço daquilo que, um dia, você me disse: A vida é uma festa. Merece ser bem vivida. Estou convencido de que você não queria ir tão cedo, preocupado sempre com suas duas princesas. Deus é o dono da vida. Que sua vontade prevaleça! 

Sabe, Rômulo, não de hoje acredito que, quando a gente nasce, nasce à semelhança de uma estrela. Brilha com grande intensidade. Aos poucos, essa luz vai se apagando com a sequência de nossas primaveras. Vão minguando seus lampejos. Até que chega um dia em que, de novo, somos convidados a luzir noutro palco, brilhando na companhia do Pai, por tempos que não morrem. 

Isto nos conforta: em cada um de nós repousa um poderoso Deus. Este, sim, eterno! 

Há bem pouco, você me assegurava que velho tem todo o direito a rabugice. Mas a sua, meu compadre, era carga pesada. Agora sei por quê: também os poetas são rabugentos. Aí a explicação da dose dupla... 

Nisto eu acredito: fomos criados para viver. Afinal, se é verdade que Deus é vida, o fato de sermos seus filhos nos garante – por si só – que nosso ciclo não se encerra. O Pai nos convoca à vida sem fim! 

Não lastimamos sua partida, apenas choramos sua ausência. Como sua falta nos faz falta! Amigo, você foi presenteado pelo destino com uma alma grande. Some a isso a sorte de ter tido a seu lado o companheirismo e o amor da Beth. Açucarou-lhe a existência. 

Defeitos você tinha, mas quem não os tem. Nem de longe chegaram a deslustrar suas extraordinárias qualidades. Dou meu testemunho: você foi um escritor de mão-cheia. Sua adega mental esteve sempre abastecida de vinhos do mais erguido conhecimento. 

Em nossos encontros, uma coisa me chamava a atenção: você sempre desdenhou os bens deste mundo. Esperto, aspirava continuamente a bens que jamais findam. Agora, tem todo o direito de curti-los. 

Receba meu muito-obrigado. Valeu, Rômulo! O bem que você espalhou é obra que tempo nenhum consome. O Pai – estamos certos disto – já o acolheu, abrindo- lhe os braços.

Quem vive no coração dos que o amam de verdade, não morre nunca. Você vive!  Com Deus! 

Lúcia Helena e Germano, amigos para sempre.

Quinta, 08 Outubro 2015 10:48

GATOS PINGADOS NA HISTÓRIA

Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT 

Hoje falo da expressão “gatos pingados”, que, geralmente, vem acompanhada de outra expressão: “meia dúzia”. Juntas, tem-se a duplicidade de uma carga semântica que aponta para um grau fabuloso da depreciação de um grupo de pessoas. Quando se quer desqualificar o trabalho coletivo exercido por poucos cidadãos, basta afirmar tratar-se de algo feito por “meia dúzia de gatos pingados”. Paradoxalmente, na história do Brasil, a força dos gatos pingados é constante, é vibrante.

Os estudiosos de nossa cultura não têm acordo sobre as origens da expressão. Por si, o termo “gato” traz uma gama de informações, dais quais destaco alguns tópicos. De chofre, lembro da suposta dificuldade que se diz ter para matar gatos, prática cruel entre diversos povos. Disso decorre a fama de que esses felinos têm sete vidas; logo, por natureza, são resistentes.

Resistente também é o couro de seus corpos. Daí que do couro dos gatos, faziam-se os tamborins e as cuícas que, juntos, na passagem do século XIX para o XX, ajudavam a dar os melhores sons de percussão entre os escravos recém libertos.

Já uma das acepções do verbo “pingar”, de onde vem o complemento da expressão, refere-se aos suplícios que pingos de líquidos ferventes, como a água e o óleo, causavam nos seres em que eram “pingados”. No Brasil, pingavam-se os escravos, os gatos e outros animais, a depender do sadismo do algoz.

Há algumas décadas, Henfil criou a personagem “Gato Pingado” para representar os pouquíssimos torcedores do América Futebol Clube.

Em agosto deste ano, um vereador de Jacarezinho-PR depreciou um grupo de moradores da cidade – chamando-os de “gatos pingados” – que se revoltaram com as mordomias dos políticos locais. Os gatos pingados procriaram-se e algumas das mordomias foram cortadas.

Mas por que estou falando disso?

Porque ajudo na construção de uma greve – que agora já se aproxima do término – de resistência contra a destruição das federais. E nossa greve tem sido conduzida por “meia dúzia de gatos pingados”, como dizem alguns colegas que sempre se opõem às lutas; por isso, nunca resistem a nada.

Mas como é possível um professor universitário se opor a uma greve necessária, num panorama de humilhação a uma das profissões mais importantes a uma nação?

Por vários motivos. Com a imersão do programa neoliberal nas universidades, elas vêm sendo privatizadas aos poucos. Esse processo só ganha espaço porque muitos docentes parecem ter mentes colonizadas. Com a abundância desse tipo de mentalidade, tem sido fácil aos governos imporem a lógica do mercado entre nós.

Logo, por bem pouco e sempre com algo circunstancial (bolsas de projetos de pesquisa, participação em cargos administrações etc), muita gente tem esquecido de olhar para o futuro.  

Aliás, o olhar de muitos é turvo, politicamente falando. Há pouco dias, uma colega dizia sobre seu horror de estar em uma greve, coordenada por meia dúzia de gatos pingados, por mais de 120 dias.

De fato, uma greve longa é um horror, pois demonstra a falta de disposição do governo ao diálogo; no mais, os prejuízos são enormes, principalmente aos estudantes. Todavia, horror bem maior do que isso foi o anúncio do pacote de ajuste do governo, lançado no dia 14/09.

Portanto, é desse pacote, que corta orçamento para todas as políticas públicas, incluindo as verbas para as universidades, que todos os cidadãos deveriam ter horror. Perante os “ajustes fiscais”, tudo é fichinha em termos de tragédia coletiva, inclusive uma greve de resistência como a que estamos vivendo.

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