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para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Juacy da Silva* e Aline Grasielli Monçale**
 

Estamos iniciando o mês de junho e nesse mês contamos com inúmeras datas significativas para o meio ambiente e ecologia integral, tais assuntos de suma importância estarão sendo relembrados em diversos eventos especiais e celebrações em inúmeros países e continentes.

Entre 01 e 08 deste mês de junho, estará sendo comemorada a SEMANA DO MEIO AMBIENTE, com destaque para o Dia Nacional da Educação Ambiental em 03/06; o Dia do Meio Ambiente, da Ecologia e Dia Nacional da Reciclagem em 05/06; Dia Mundial da Segurança dos Alimentos e Segurança Alimentar em 07/06 e, em 08/06, o Dia Mundial dos Oceanos, que estão em risco permanente decorrente da degradação por toda sorte de resíduos sólidos, principalmente pelo lixo plástico, o que motivou um discurso por parte do Secretário Geral da ONU enfatizando que nos oceanos e tantos outros cursos d’água existem mais plásticos do que peixes.

Ainda no decorrer deste mês, o JUNHO VERDE 2023 será celebrado, como forma de despertar a consciência planetária, o Dia Mundial de combate à desertificação e à seca, uma das formas de degradação dos solos, em todos os biomas e ecossistemas mundiais, especialmente no dia 17/06, mesmo dia em que será comemorado o Dia do Gestor Ambiental.

Da mesma forma que acontece em junho, em todos os demais meses do ano existem dias especiais voltados para o despertar da consciência individual e coletiva, inclusive e principalmente dos governantes, quanto ao processo acelerado de destruição da biodiversidade animal e vegetal, do aumento contínuo em ritmo mais acelerado do que o aumento demográfico em geral ou da população urbana, provocando aumento na emissão de gases de efeito estufa que estão na origem e na base do aquecimento global e das mudanças, enfim, da Crise Climática que, se não for reduzida, poderá aumentar a destruição de todos os biomas e ecossistemas, em meio a uma vivência social utilitarista e imediatista parece distante pensar sobre consequências a longo prazo, mas tudo começa a fazer sentido quando nos damos conta que a própria humanidade está destruindo o único planeta que temos, afinal, não existe ainda ao nosso alcance um plano B, ou “um planeta B”, para onde os seres humanos poderão migrar quando a Terra não mais oferecer condições de vida, vegetal e animal, inclusive para a vida humana; e antes disso, estamos por diminuir consideravelmente a qualidade de vida de nossa própria casa.

Há mais de 70 anos, na primeira Conferência Mundial sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente, em 1972, realizada em Estocolmo, na Suécia, sob os auspícios e a coordenação da ONU, foram feitos diversos alertas quanto à responsabilidade de todos, governantes, setor empresarial e a população em geral sobre a necessidade de mudarmos os paradigmas das relações dos seres humanos, dos sistemas e modelos econômicos, do estilo de vida e hábitos de consumo, como única forma de evitarmos o agravamento da degradação ambiental.

Exatamente com este objetivo de despertar a humanidade, governantes, empresários, igrejas e a população quanto à urgente necessidade de mudança de rumo em relação ás nossas práticas ambientais, foi aprovada a instituição do DIA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE, a ser comemorado, a partir de 1973, anualmente, no dia 05 de junho.

E assim tem sido feito, mas que, lamentavelmente, parece que não passa de belos discursos, algumas comemorações bem singelas enquanto a destruição dos biomas, o desmatamento, as queimadas urbanas e rurais, a contaminação dos cursos d’água e dos mananciais, a poluição do ar, do solo e dos lagos, mares e oceanos, o uso abusivo dos agrotóxicos continuam contaminando os alimentos e a saúde da população, os desastres ambientais, a maioria provocados pela ação humana que degrada a natureza, enfim, apesar de tantas celebrações ao longo do ano, parece que continuamos na mesma corrida irracional rumo a mais destruição ambiental.

A cada ano, em todos esses eventos ecológicos-ambientais são selecionados alguns temas para servirem de base para as reflexões. Neste ano, no DIA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE, o tema escolhido foi “Vamos combater a poluição por plásticos”, o mesmo tema que também foi “celebrado” no Dia Mundial do Meio Ambiente em 2018.

O País anfitrião para as celebrações oficiais por parte da ONU será a Costa do Marfim, em parceira com a Holanda. E a ênfase será: Como incrementar as ações ecológicas/ambientais nos diversos países e promover a transição dos atuais modelos que promovem a degradação ambiental para que o mundo consiga estabelecer as bases de uma nova economia, que seria a Economia Circular.

Na base deste desafio estariam as ações de combate ao uso dos plásticos, que hoje e no futuro é um ou talvez o maior desafio quando se fala em economia verde, economia de baixo carbono, em economia circular e, também, para o que o Papa Francisco tanto tem insistido quando destaca o papel da Economia de Francisco e Clara, como novo paradigma, capaz de “realmar esta nova economia”, ou seja, que nesta nova economia o setor produtivo deve respeitar tanto os direitos dos trabalhadores, quanto dos consumidores, quanto os direitos da natureza e os limites dos biomas e do planeta Terra e, também, o direito das próximas gerações de poderem viver em um mundo social e economicamente justo e ambientalmente sustentável.

Segundo dados estatísticos da ONU e de diversas instituições de estudos e pesquisas ao redor do mundo, em 2022, no mundo foram produzidas 430 milhões de toneladas de “lixo” plástico e tais estudos tem demonstrado que a produção do “lixo” plástico tem aumentado em ritmo muito superior tanto em relação ao crescimento populacional em geral quanto da população urbana em particular.

Esta explosão quanto à produção de plásticos e do “lixo” plástico passa de 1,5 milhões de toneladas por ano, quando a população urbana mundial era de “apenas” 751 milhões de habitantes, ou seja, “apenas” 30% da população total.

Tendo em vista que mais de 90% da produção de lixo plástico é de origem urbana, podemos concluir inicialmente que entre 1950 e 2022, o crescimento da população total foi de 320%; a população urbana cresceu em 692% e a produção de “lixo” plastico urbano aumentou em 3.844%, ou seja, passou de 1,8kg per capita anual para 69,2 kg per capita anual.

As estimativas e projeções indicam que em 2030 a população mundial será se 8,5 bilhões de pessoas, a população urbana de 5,2 bilhões de habitantes ou seja, 61,2% da população total e a produção de lixo plástico será de 470,0 milhões de toneladas. Convenhamos, a produção de lixo plástico, se nada for feito para mudar este panorama radicalmente, será no mínimo catastrófico. 

Por isso, alguns países, em graus diferentes estão “encarando” com muita seriedade a questão da poluição por plástico e diversos desses estão tomando medidas legais, para proibir ou reduzir radicalmente o uso de plásticos em todos os setores da economia, principalmente nas embalagens e na fabricação de outros produtos.

O que é mais preocupante é que a tendência ou projeções indicam que, se nada for feito para combater esta forma de degradação ambiental em 2050, o aumento da produção de lixo plástico será mais de 300%, ou seja, dentro de menos de tres décadas, a população total do planeta será de 9,8 bilhões de pessoas, a população urbana será de 6,7 bilhões de pessoas, e a produção anual de lixo plástico será de 1.050 trilhão de toneladas ou seja, 156,7 kg per capita anualmente.
 
A reciclagem é uma saída, mitigada, pois se não forem tomadas medidas radicais para que o plástico seja eliminado das cadeias produtivas, a reciclagem, que no momento não chega sequer a 10% em nível mundial, não irá resolver este desafio.

Conforme matéria publicada recentemente pelo Jornal Folha de São Paulo, tendo por base relatório de 2021, da União Européia (OCDE) "Apenas 9% dos resíduos plásticos foram reciclados, enquanto 19% foram incinerados e cerca de 50% acabaram em aterros controlados. Os 22% restantes foram deixados em aterros ilegais, queimados ou abandonados no meio da natureza"

Em relação ao Brasil, apenas 4% do lixo reciclável é reciclado, sendo quando se fala em reciclagem de lixo plástico este percentual fica entre 1% e 2%.  De acordo com matéria divulgada pela ONG internacional WWF, em 2019, Brasil é o 4º país que mais produz lixo no mundo, só está atrás dos Estados Unidos, China e Índia”.

Em 2019 o Brasil produziu 11,4 milhões de toneladas de lixo plástico, mesmo tendo caído para a 13ª posição no ranking global das maiores economias do mundo, o que demonstra que, proporcionalmente, o Brasil produz muito mais lixo plástico per capita ano do que a China e a Índia e até mesmo os EUA, razão pela qual nossos governantes e o setor empresarial precisam implementar tanto políticas públicas quando modelos e sistemas de produção que promovam tanto a transição energética, com a substituição urgente e radical dos combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás natural) por combustíveis renováveis, principalmente a energia solar e eólica, a bio energia e o hidrogênio verde.

Da mesma forma, o Brasil precisa reduzir e eliminar ao máximo possível tanto a produção quanto o uso do plástico, reduzindo e eliminando também a produção de lixo plástico.

De pouco adianta campanhas educativas, visando alterar os hábitos e costumes da população em relação ao uso de embalagens e outros materiais, inclusive utilidades domésticas oriundas ou fabricadas com plásticos, se o setor produtivo, o empresariado continuar a utilizar plásticos em suas atividades econômicas.

Tendo em vista esses aspectos, podemos utilizar tanto o Dia Mundial do Meio Ambiente, quanto a Semana Mundial do Meio Ambiente e o Junho Verde, para aprofundarmos nossas reflexões.


Oxalá, possamos combater a poluição decorrente do lixo plástico de uma forma mais efetiva, racional e com urgência, antes que nosso planeta seja destruído pelas ações humanas que não respeitam as Obras da Criação, os limites da natureza e do Planeta Terra.

 

*Juacy da Silva, professor aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da PEI Pastoral da Ecologia Integral, Região Centro Oeste. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy 

**Aline Grasielli Monçale é Médica Dermatologista SBD, Mestre em Saúde Coletiva UFMT, Miss Beleza Baixada Cuiabana/MT, comunicadora, palestrante e fundadora do projeto social Dermatroller. O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.  Instagram @alinemoncale_dermato

 

 

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para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Juacy da Silva*
 

Que minha solidão me sirva de companhia. Que eu tenha a coragem de me enfrentar. Que eu saiba ficar com o nada. E mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo.”  Clarice Lispector
 
“Permita que sua solidão seja bem aproveitada, que ela não seja inútil. Não a cultive como uma doença, e sim como uma circunstância”. Martha Medeiros
 
Em 1982, quando eu integrava o Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra, no Rio de Janeiro, moramos por quase dez anos, na época com meus 40 anos apenas, menos da metade do que tenho hoje, fui designado para proferir uma palestra em um curso de Extensão, com aproximadamente 50 mulheres, senhoras na faixa dos 50 a 60  ou 70 anos, no Clube Militar da Lagoa, no Jardim Botânico.

O tema da palestra, ainda me lembro muito bem, era “O papel e os desafios da mulher na sociedade brasileira atual” (este atual eram os anos oitenta do século passado) e o objetivo era promover um diálogo com aquele grupo de mulheres, todas ou a quase totalidade, esposas ou viuvas de militares, sobre os desafios que, naquele período, as mulheres estavam enfrentando, no Brasil e no resto do mundo.

A conjuntura nacional era marcada pelo que seria considerado o início do fim do ciclo de governos militares, governo Figueiredo, ja se falava em abertura, as passeatas pelas diretas já estavam iniciando suas articulações e ja se vislumbrava um período de distenção política a institucional.
Falei sobre a evolução da luta das mulheres por emancipação, igualdade (de gênero), violência contra as mulheres, no mundo e no Brasil, sobre a mulher e o mercado de trabalho, sobre o papel da mulher na filantropia e nas ações sociais e também algumas reflexões sobre a presença e participação da mulher na politica.

Depois de 45 ou 50 minutos de palestra, havia um intervalo para um lanche, um cafezinho e alguns diálogos mais coloquiais com as participantes, todas ávidas por questionamentos, perguntas e sugestões para que eu retornasse e pudesse ampliar aquele diálogo, o que acabou acontecendo por duas ou tres vezes, abordando o mesmo tema, mas com outros enfoques.

Retornando ao recinto do curso, um auditório bonito, arejado e com uma vista magnifica tanto para a Lagoa Rodrigo de Freitas quanto para o Cristo Redentor, o que estimulava ainda mais as reflexões.

Iniciado o segundo período que era denomiando de “debates”, a coordenadora, se não me falha a memória era uma Procuradora aposentada do Estado do Rio Grande do Norte, chamada Zélia Madruga, não se hoje ainda está viva ou já partiu para o “andar de cima”, que há alguns anos havia realizado o Curso na Escola Superior de Guerra, selecionava as perguntas, que eram “feitas” por escrito, em um formulário próprio, e chamava cada participante que havia feita as perguntas.

O tempo entre pergunta e explicações complementares era de tres minutos, cabendo ao palestrante um tempo um pouco maior, de cinco minutos, para responder ou refletir sobre os questionamentos. Diversas perguntas foram feitas, sobre os temas tratados durante a exposição.

Em um dado momento, a coordenadora chamou uma determinada pasticipante, confesso que não me lembro o nome da mesma, quando ela ao iniciar o que seria a pergunta, apresentou-se disse o nome e alguns dados de praxe, informando que era viuva há alguns anos, filhos criados e ela estava morando sozinha.

A pergunta foi , mais ou menos a seguinte, “professor eu gostaria que o senhor discorresse um pouco mais sobre um assunto que afeta muito as mulheres, principalmente, mas não exclusivamente, as viuvas, que é a solidão, a angústia que atacam a gente, principalmente `a noite”, como podemos resolver isto?”

Confesso que fui pego de surpresa diante daquela indagação, que, imediatamente, percebi que era uma situação real, concreta, o que poderiamos denominar de um “drama existencial”. Eu jamais, em toda a minha caminhada como professor e palestrante, em constantes viagens por diversos estados participando de cursos de extensão e de especialização sobre temas variados, jamais havia me defrontado com semelhante questionamento e que pela minha formação como sociólgo, mestre em sociologia e curioso em questões políticas, geopolíticas e miliares, não era afeito a reflexões de natureza existencial, sobre dramas reais de pessoas que, seja pela viuvez ou por outras razões são obrigadas a viverem sozinhas, as vezes mesmo roadeadas de outras pessoas, mas sozinhas por dentro.

Informei `a participante que a indagação, com certeza, seria melhor respondida ou objeto de reflexão mais profunda por parte de profissionais de outras áreas como psicologia, psicanálise, psiquiatria ou analista, mas que eu iria aventuar algumas reflexões, mesmo sabendo que não conseguiria responder a contento `aquela senhora.

Quase 40 anos se passaram desde aquela indagação, eis que o destino ou a fatalidade veio colocar fim `a nossa vida conjugal, quando no dia 20 de novembro de 2021, tres dias após chegarmos aos EUA, para passar mais uma temporada de seis ou mais meses, com nossas filhas, netos e neta, Afife Bussiki da Silva, minha esposa querida e amada, exatamente durante 52 anos, 4 meses e 18 dias, teve sua vida terrena interrompida, por uma parada caríaca fulminante, sem que qualquer socorro pudesse restaurar-lhe a vida. O nosso juramento matrimonial estava sendo cumprido... “até que a morte os separe”, e assim, muitos planos e sonhos foram interrompidos de forma definitiva.

Foi a experiência mais profunda, triste e dramática de minha vida, eu nunca havia presenciado a morte de alguém e, de repente, mesmo rodeado de minhas filhas, netos e neta, senti o que aquela senhora colocara como fundamento de seu questionamento, a solidão, a angústia e a tristeza mais profunda que jamais havia sentido, passaria a fazer parte de meu cotidiano, dia e noite, mas principalmente `a noite quando a gente consegue ouvir o “barulho” de um silêncio profundo que nos invade a alma e teima em falar bem de mansinho, como um diálogo com o nosso interior e também nos induz a um dialogo com o criador, com a divindade em que a gente acredita, pouco importa o nome que a gente costuma dar a este Ser que transcende `a nossa compreensão que, para nós cristãos, denominamos de Deus.

Há poucos dias celebramos na Catedral Senhor Bom Jesus de Cuiabá, na presença de apenas algumas pessoas amigas e parentes, uma missa para rememorarmos os 18 meses, exatamente um ano e meio do falecimento de Afife, mãe dedicada, avó super carinhosa, esposa maravilhosa, companheira em todas as horas, tanto em meio `as alegrias quanto aos dissabores, tristezas e desafios que a vida nos reserva.

Na celebração, a missa rezada pelo nosso amigo e conselheiro, Padre Deusdédit, foi, por um momento, poucos minutos, em que consgui realizar uma viagem mental, interior, ao longo de mais de meio século de vida conjungal e familiar, consegui relembrar tantos detalhes, nossas mudanças no Brasil e nos EUA, mais de 15 ou quase 20; o nascimento das filhas, dos netos e da neta, o período da adolescência, juventude e idade adulta das mesmas, a experiência delas vindo a ser também mães e o tempo em que, Afife e Eu, viviamos sozinhos aqui em Cuiabá enquanto as filhas, netos e neta nos EUA e depois parte da familia na Europa.

Mesmo quando viviamos sozinhos em Cuiabá, Afife e Eu, na mesma casa onde moramos desde que casamos, há mais de 52 anos, voltavamos a ocupar, toda impregnada de lembranças de quando duas de nossas tres filhas viveram seus primeiros anos de existência.

Como eramos apenas nós dois, Ela e Eu, viviamos sozinhos, vez por outra recebendo a visita de parentes e algumas pessoas amigas,  mas em completa harmonia e não nos sentiamos sozinhos, “fazíamos companhia mutuamente”, costumávamos caminhar diariamente de mãos dadas, o que sempre chamava a atenção das pessoas e, neste sentido a solidão não tinha lugar e vez em nossas vidas.

Todavia, como há algum tempo escrevi um artigo intitulado “Mulheres invisíveis”, tentando reflefir sore a vida das viuvas, principalmente das que vivem totalmente solitárias, as vezes em estado de extrema pobreza, apesar de que muitas após a partida do cônjuge continuam a viver na companhia de filhos/filhas, netos/netas, cujas situações emocionais e existenciais são diferentes, pelo fato de que as primeiras vivem realmente sozinhas.
No artigo abordei apenas a situação das viuvas, ja que representam a grande maioria das pessoas cujos cônjuges deixaram este plano terreno. Os viuvos são muito menos em quantidade em todos os países, inclusive no Brasil, quando comparados com as viuvas.

Não sei o que se passa com os viuvos, pois ainda não me foi dada a oportunidade de “pesquisar”, indagar de alguns desses sobre os desafios existenciais e emocionais que enfrentam. Mas sei como eu me sinto, uma luta permanente para impedir que a angustia, o medo, a solidão e, o que é mais grave, a depressão e ansiedade tomem conta de minha saúde mental e emocional.

Ao longo desses 18 meses de vida solitária, “curtindo” a solidão, se é que este termo pode ser utilizado neste contexto, ou “experiançando” ou seja tendo a experiência real, concreta de viver sozinho, em uma casa, relativamente  grande, onde tudo relembra uma vida familiar e conjugal longa, confesso, não tem sido fácil.

Por inúmeras vezes parentes e amigos resolvem me dar consellhos, sugestões e falam “voce deveria ir morar em um apto”, que é mais seguro, tem vizinhos, tem movimento e isto ajudaria a voce vencer esta fase de solidão e as vezes tristeza ou entao “porque voce não vai morar definitivamente com suas filhas nos EUA?”. Outros parentes, amigos e amigas me recomendam procurar um analista, psicólogo/psicóloga; tomar chá disto ou chá daquilo ou remédio para dormir etc etc.

Entendo a preocupação, a atenção e carinho dessas pessoas para comigo, afinal,  já estou entrando na quarta idade, do alto de meus 81 anos de vida, mas com boa saúde física, mental, emocional , enfim, saúde total e plena. Ainda consigo viver, mesmo sendo idoso, com autonomia e liberdade. Mas sei que pessoas idosas não devem não deveriam morar e viver sozinhas, seja por questões de segurança ou algum problema mais grave que possa acontecer.

Graças a Deus e aos meus esforços, tenho conseguido encarar esta minha nova companheira, companhia que é exatamente a mesma sobre a qual aquela senhora me havia feito a pergunta há praticamente 41 anos, lá no Rio de Janeiro.

As vezes não consigo dormir, como seria necessário, sei que isto não é bom, que o sono é um dos pilares, um dos fundamentos, ao lado dos exercícios físicos, da alimentação saudável e correta, da participação social, dos cuidados com as doenças que acometem de forma mais grave e mais intensa as pessoas idosas, a tomar as medicações (recomendadas pelos profissionais da saúde – médicos, médicas), a exercitar meu cérebro, principalmente através de muita leitura e a escrita sobre temas variados, a praticar alguma forma de espiritualidade, enfim, procurar ter uma vida plena, mesmo diante das limitações da idade e da conjuntura.

Assim, não fico angustiado diante da solidão; quando ela se aproxima, principalmente `a noite, as vezes de madrugada, procuro dialogar com ela, refazendo a jornada já percorrida e pensando na continuidade da mesma, que pode ser de pouco tempo, dias, semanas, anos ou bem longa, como costumo referir, meu horizonte temporal, de existência terrena eu tenho colocado em termos de Centenário, ou seja, em meus planos, até mesmo quando estou dialogando com minha, agora eterna companheira – que é a solidão – faço planos, tento detalhar minhas próximas viagens, no Brasil e no exterior; tento participar ao máximo que eu posso de projetos que representam a continuidade de lutas do passado, em defesa dos direitos dos pobres, excluídos, do meio ambiente, da justiça social.

Isto também tem um significado mágico, faz-me voltar ao período da juventude, dos tempos e dos movimentos estudantis, dos desafios e dos sonhos de criança, de adolescente e de jovem, irriquieto, destemido, após ter saído do convívio familiar, com apenas 13 anos de idade, de uma pequena cidade - Dourados, hoje, Mato Grosso do Sul, então apenas Mato Grosso, para ir sozinho estudar em São Paulo, naquela época, já uma grande metrópole, sempre a maior do Brasil. Tempos também complicados, difíceis, mas tempo de muitos sonhos e desafios que continuam povoando meu ser.

Lá aprendi a viver sozinho, a ter que enfrentar todos os desafios, inclusive também outra forma de solidão, diferente da que hoje é minha companhia e comphaneira.

Ler, escrever, ouvir música, meditar, rezar, orar, enfim falar com Deus,  fazer longas caminhadas de 6; 8; 10 ou até 15 ou 19 km, sozinho, quando dialogo com meu Eu interior e com Deus, fazer o  bem a outras pessoas que enfretam algum tipo de dificuldades materiais ou existenciais, refletir sobre o real significado da vida, são algumas formas que utilizo para encarar o que para muita gente é um verdadeiro “bicho papão”, que para essas pessoas causam até medo, um verdadeiro terror, mas que para mim é apenas uma companheira invisível com a qual dialogo, como se diz, “numa boa”.
“Nós nascemos sozinhos, vivemos sozinhos e morremos sozinhos. Somente através do amor e das amizades é que podemos criar a ilusão, durante um momento, de que não estamos sozinhos”. Orson Welles


*Juacy da Silva, professor universitário aposentado, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da PEI Pastoral da Ecologia Integral. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy

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