- “Intolerância e dogmatismo: “as doenças infantis” do sindicalismo sectário” -

 Marcos Macedo Caron. Doutor em Educação/UnB; Professor do IE/ UFMT.

Nas mentes de sã consciência, uma greve que se estende por praticamente quatro meses tem alguma coisa de força, por durar tanto tempo, e alguma coisa de fraqueza, exatamente pelo mesmo motivo. Saber qual dos dois polos predomina num dado momento é um enigma tão complexo que, como é de se esperar, dificilmente conseguimos decifrá-lo de forma exata no calor da luta.

Desse modo, questionar a forma como vem sendo comandada a continuidade de uma greve (ou das greves do setor público em geral) é condição natural de reflexão não só acadêmica, obrigação primeira da nossa natureza profissional, mas de preocupação real e honesta com os destinos da categoria e da comunidade universitária.

Foi essencialmente na linha desta preocupação que elaborei, junto com outros companheiros da base da nossa categoria, dos mais variados posicionamentos e opiniões políticas, o “Manifesto à Razão” (anexo aqui ao texto), documento exposto de forma aberta e “sem tergiversação ou subterfúgios de propósitos e ideias” (como antecipava já no seu primeiro parágrafo) na última assembleia da Adufmat, em 17/09, na qual tratamos sobre o tema em debate.

O que dissemos ali? Basicamente, o que uma parte significativa da categoria (não saberíamos, nem poderíamos, dizer o percentual exato) provavelmente deve estar pensando neste difícil momento da luta, ou seja: 1º) “Há outras táticas e estratégias de fortalecimento da greve?” 2º) “Devemos buscar outros caminhos e saídas de negociação que não apenas a extensão “ad infinitum” dos dias paralisados?”

No entanto, para as posturas intolerantes e sectárias, esta preocupação legítima consiste em “grave heresia” ou “traição de classe” pelo simples fato de debater, em algum dado momento da luta, o “pecado original” da suspensão da greve, mesmo que esta se dê claramente sob a defesa de condições favoráveis à categoria e exigindo do governo uma pauta digna para o acordo. Infelizmente, a referida postura foi a escolhida por um membro do comando local de greve (e por vezes do comando nacional), contumaz colunista aqui do “Espaço Aberto”, ao comentar de forma bastante descortês as questões por nós levantadas no “Manifesto à Razão”. Ao invés de polemizar conosco politicamente sobre as divergências em pauta neste fórum - direito pleno e necessário do colunista – ele optou por ataques pessoais em um nível ético que não condiz com o respeito que nos esforçamos em cultivar no cotidiano profissional acadêmico.

Críticas políticas, e por vezes duras, são necessárias e nada temos contra, nem as tememos, até porque também as fazemos. Porém, em nenhum momento resvalamos para o campo do ataque pessoal. Nesse sentido, ao nos chamar de “lunáticos”, ao dizer que “destilamos o nosso ódio contra os trabalhadores e a categoria nas assembleias”, ao afirmar que nosso lugar “não é na universidade pública” e ao insistir que “deixamos a categoria constrangida, no sentido ético e profissional, pela nossa presença e opinião, bem como outros impropérios (como o absurdo de supor que nossos alunos devem ser “infelizes” e “mal preparados” em função das nossas reflexões, além de outros termos que a boa educação me impede em dizê-los), o frequente colunista entorpece o debate e não contribui para sairmos do impasse do conflito, mas sim o agrava, ao criar a funesta ficção de que há “inimigos por todos os lados”, marca comum nas análises de viés autoritário.

Ao tentar nos imputar a falsa imagem de “agressores da classe trabalhadora” e de “capituladores da categoria”, simplesmente por divergências na condução do movimento, nosso oponente parece que avalia, numa versão moderna e adaptada do lema, como se “La Classe Ouvrière c’est moi”, ou seja, “A Classe Trabalhadora sou eu”. Trata-se de uma personificação despropositada que não corresponde em hipótese alguma à realidade, uma vez que a classe trabalhadora, na sua verdadeira integridade histórica, é muito maior do que o nosso meio e nossas polêmicas internas, ainda que dela façamos parte. Não sei de onde nosso oponente retirou sua “autorização” para falar exclusivamente em nome dela, talvez por se identificar com uma direção sindical nacional que se sente “orgulhosa” por não terminar as greves, mas sim em esgotá-las.

Contudo, obviamente que reconhecemos que nossas reflexões não são isentas de defeitos nem imunes às críticas. Nesse sentido, convidamos o leitor a analisar o “Manifesto à Razão” e tirar dali suas próprias conclusões. A despeito de concordar ou não com o que propusemos no documento, cremos que o leitor, desde que liberto do sectarismo dogmático, reconhecerá que ao menos há esforços e tentativas de contribuição sobre questões que nos aflige no campo imediato da greve e no nosso cotidiano profissional, além de propostas concretas e objetivas de reajuste e carreira no sentido sindical dos termos.

Por último, como acadêmicos que somos e eternos crentes na capacidade de reflexão e tolerância de nossos colegas, chamamos o nosso oponente, tal como o título do nosso “Manifesto”, à razão. Pela capacidade e preparo que tem como professor e intelectual da UFMT, temos a certeza que refletirá com ponderação sobre o que disse sobre nós e, principalmente, da forma como o disse. Estaremos sempre de alma e coração abertos ao debate político de alto nível, como é da tradição de todos aqueles que lutam verdadeiramente em prol da emancipação dos trabalhadores e por um mundo mais justo e igualitário.

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Segunda, 28 Setembro 2015 18:46

DO SACERDÓCIO À PROLETARIZAÇÃO

“Cada hora, de cada dia, a gente aprende

uma qualidade nova de medo!”

GUIMARÃES ROSA, Grande Sertão Veredas. 

Confesso que não imaginava que a ideia de radicalização, evocada na assembleia de greve dos docentes da UFMT, realizada no dia 17/09/2015, provocasse tanto temor em alguns colegas, a exemplo do que fora manifestado em Carta publicada no Espaço Aberto, do dia 18/09/2015.

É bem verdade que tempos sombrios parecem querer instaurar-se, outra vez, na vida de muitos de nós, afugentando-nos da luta interminável pela conquista de direitos políticos e sociais em nosso país, distanciando-nos do reconhecimento de nós mesmos como sujeitos da própria ação política.

Creio que a organização social do trabalho na universidade, especialmente nos dias de hoje, oculta a sua relação com o mundo real, com a dinâmica do capital em sua etapa globalizada. A produção e a difusão do conhecimento, já faz tempo, deixou de ser um exercício filosófico artesanal diletante (se um dia o foi), praticado em nome do sacerdócio. Cada vez mais o trabalho docente, nas universidades e fora delas, subsume-se aos ditames do mercado nos moldes do capitalismo avançado, reduzindo a sua autonomia intelectual e científica às técnicas de controle e reprodução da ordem social, segundo os interesses das forças hegemônicas.

Sem que nos apercebêssemos, fomos gradativamente reduzidos à condição de trabalhadores assalariados, regidos pela lógica da produção de mercadorias em sentido lato, submetidos à cadeia de produção de bens e serviços. Querendo ou não, somos todos vendedores de força de trabalho no mercado, somos todos proletários modernos, apesar da distinção que gostamos de evocar em relação ao produto do nosso próprio trabalho.

Sei que o desvelamento de nossa condição proletária consiste em um processo difícil, complexo. Trata-se de uma dimensão relacionada ao exercício da própria prática política, nela residem os limites estruturais impostos pela ordem social vigente, impossibilitando-nos de nos reconhecer como sujeitos historicamente determinados.

Todavia, são nos momentos de crise estrutural, como esta que estamos enfrentando agora, que o capital revela as suas formas mais plenas de produção e reprodução social, expondo de maneira mais aberta a força de trabalho ao processo de mercantilização geral em curso na sociedade.

É, também, nos momentos de crise que os trabalhadores reagem às ofensivas do capital no processo de exploração e precarização de seus direitos e conquistas sociais e políticas. A greve é, nesse contexto, o instrumento mais radical de luta empreendida pelos trabalhadores, inclusive pelos setores classificados como trabalhadores abstratos, produtores de bens imateriais como é o nosso caso.

Diante das considerações acima, creio que podemos pontuar alguns elementos relacionados à noção de “radicalidade”, a partir de pressupostos filosóficos. A radicalidade, nessa perspectiva, pressupõe a capacidade de realizar uma reflexão rigorosa e de conjunto sobre os problemas apresentados em uma dada realidade, mas não problemas quaisquer. Nesse particular, cabe então, recuperar a nossa pauta de greve, a centralidade da nossa LUTA.

Desde a sua fundação, o ANDES-SN defende, incondicionalmente, a Educação como um direito social, pública e socialmente referenciada, cabendo às Universidades, em especial, a produção e difusão do conhecimento gratuitamente a todos os segmentos sociais, na perspectiva de sua universalização.

Na contra face da centralidade exposta acima, o que vem ocorrendo é exatamente o seu contrário. As possibilidades de concretização desse direito distanciam-se do horizonte de seus defensores, mediante as ofensivas, cada vez mais agressivas, de governos e agencias de desenvolvimento, a fim de colocar a Educação a serviço da lógica mercantil. As práticas e os instrumentos aplicados são inúmeros e eficazes. Debates e denúncias sobre essa questão já vêm de longa data, em vários fóruns locais e nacionais.

Concomitante, e como parte do processo de desmonte da Educação Pública em geral, e da Universidade Pública em particular, verifica-se a precarização acelerada das condições de trabalho nessa instituição, reveladas, entre outras, pelo desmonte da carreira docente e pelos baixos salários pagos pelos sucessivos governos. É contra isso que estamos em greve. Radicalizar significa, sobretudo, ser capaz de identificar a raiz dessas questões, por meio do debate coletivo entre professores e estudantes, na interface mais geral com a sociedade.

Não se trata aqui de fechar e/ou quebrar laboratórios, tampouco manchar a imagem de nossa instituição. Definitivo e irrecuperável é deixar, pelo medo ou pela omissão, que o patrimônio público seja reduzido tão somente à sanha do lucro desenfreado de alguns em detrimento da perda de direitos da maioria. A Universidade hoje, diferentemente daquilo que supõe alguns, está carregada de interesses privados, de caráter mercadológico. Perdeu a sua dimensão de instituição social, afastou-se da crítica dos problemas da sociedade em que se insere.

Vejamos a greve como a oportunidade de ação pedagógica e política para além dos horizontes de nossos gabinetes de produção científica. Quanto mais negamos a nossa condição de sujeitos coletivos, as nossas entidades de organização política - os sindicatos, os partidos - e os nossos instrumentos de resistência e luta, a exemplo da greve como forma de mobilização e ação político-social, a opressão e precariedade invadem o nosso cotidiano no trabalho e na vida privada.

Como nos ensinam os estudiosos dessa questão, “A proletarização não é apenas proletarização da vida produtiva strictu sensu, mas proletarização da totalidade da vida social [...]”, expressa na perda de direitos, no aumento da exploração da força de trabalho, entre outros.

Vejamos a organização, a mobilização e a pressão coletiva como requisitos para o êxito da ação política.Somente a democratização dos direitos políticos e sociais pode libertar-nos da barbárie em curso, e a socialização do conhecimento como conquista coletiva é imprescindível nesse processo. 

Sirlei Silveira

Professora do Departamento de Sociologia e Ciência Política/ICHS/UFMT

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