Quinta, 15 Outubro 2015 11:27

HOMENAGENS NO VAREJO

Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT 

Hoje é 15 de outubro!

É o primeiro 15 de outubro da falsa “Pátria Educadora”. É o primeiro da mais longa greve das universidades federais; greve que tende a terminar sem obter sequer uma audiência com o ministro da Educação. “Nunca antes...”, os professores foram tão maltratados por um governo civil tão desdenhoso quanto autoritário.

Por conta do contexto que envolve esta data, neste ano, eu deveria contribuir, no plano do discurso, para o massacre político a esse governo, que merece toda punição que venha do povo brasileiro; por consequência, eu deveria prestar homenagens a todos os professores, muitas vezes, vistos, equivocadamente, como missionários, e não como profissionais.

Não farei isso. Minhas homenagens serão no varejo. No atacado, elas poderiam abranger gente demais. Honrarias indevidas (des)educam.

E minhas seletivas homenagens surgem por conta das considerações de uma leitora sobre meu último artigo – “Gatos pingados na história” –, no qual ressalto a força de pequenos grupos de sujeitos organizados ao longo de nossa história. Culmino aquelas reflexões falando da greve das federias, conduzida por “meia dúzia de (resistentes) gatos pingados”.

A leitora – entremeando acertos e erros – chamou minha atenção, afirmando que a maioria das universidades federais apoiou o PT nas últimas eleições, e que “grande parte dos professores dessas universidades é esquerdista, assim como o atual governo”.

Começo pedindo licença para trocar o termo “esquerdista”, que é pejorativo, pela expressão “de esquerda”, que é respeitosa aos que verdadeiramente se opõem à lógica do capital.

E assim, afirmo: o governo petista não é de esquerda que, em tese, deveria optar pela classe trabalhadora, de onde veio. O PT no poder – negando suas origens – é tão neoliberal quanto o PSDB e outros. O PT engrossa a ala dos que contemplam os interesses do capital, adversos aos trabalhadores. O pacotaço do “ajuste fiscal” (de 14/09) escancarou, de vez, a triste verdade.

A metamorfose petista atingiu, sim, grande parte de meus colegas das federais, país afora. Muitos, principalmente os gestores, mas não apenas, passaram a seguir cegamente as determinações neoliberais. Isso fê-los defenestrar princípios e práticas. Hoje, até identificá-los como “esquerditas”, que é pejorativo, já seria homenagem indevida.

Esse grupo, que não é pequeno nas federais, de fato, ainda dá apoio político ao governo de coalizão do PT. Na reeleição de Dilma, houve quem posasse para uma foto de propaganda política. À época, condenei a cena no artigo “Seguradores de pirulitos” (02/10/14).

Portanto, pela condenação pública feita àquele apoio político dado pelos reitores das federais à reeleição de Roussef, a leitora com quem ora dialogo precisa reconhecer que nem todos os professores das federais estão no mesmo saco de farinha estragada.

Ainda que sejamos “meia dúzia de gatos pingados”, mantivemos nossos princípios. Por isso, lutamos bravamente para ver as universidades públicas realmente públicas, gratuitas, laicas e socialmente referenciadas. Longe de nos preocuparmos em primeiro lugar com nossos interesses particulares, e mesmo corporativistas, pensamos no futuro de nossas gerações, prestes a receber uma herança de condenados sociais. Pena que nossos discursos não cheguem a todos da mesma forma como chegam os de nossos adversários, tantos os internos quanto os externos.

Diante do exposto, homenageio apenas os professores que, com autonomia, pensam e lutam por um porvir digno para as nossas novas gerações. 

Terça, 13 Outubro 2015 12:40

Fomos colonizados

A rotina da vida foi-se instituindo de forma radicalmente fundamentada no “trabalho”, mas não no sentido ontológico marxiano, e sim no sentido capitalista que elevou essa ontologia à máxima potência matemática, e em contradição nos despotencializou subjetiva, coletivamente e, por fim, humanamente.

Temos nossa casa, nossos horários, nossas relações permeadas pela rotina da atividade laboral; e a consequência disso?

Perdemos a capacidade para lidar com o extraordinário no sentido estrito do termo, como aquilo que está fora da ordem, sem programação, aquilo que não é o trivial, rotineiro, ou seja, ordinário. E quando os eventos extraordinários acontecem nos deslumbramos e paralisamos, depois buscamos encaixá-los na ordem, racionalizamos e nos incomodamos com sua existência, não sabemos lidar com os “estados de exceção” que tais eventos proporcionam. É assim quando nos apaixonamos, por exemplo, quando somos tomados de um sentimento que nos inunda a vida e que não faz sentido algum, a não ser o de tornar-se o sentido próprio da vida, até que transformemos esse sentimento em ordinário e, então, o encaixamos na rotina.

Este é também, o incômodo que nos causa o rompimento com a rotina laboral que uma greve nos provoca. Assim, vamos racionalizando sua função, seu objetivo, criticando a paralisação que ela causa, em última instância, em nossas vidas, afinal, em nossa sociedade, instituiu-se a máxima de que “somos aquilo que fazemos” enquanto atividade produtiva para o capital, ou seja, enquanto capacidade de produzir riqueza para o capital. Quantas vezes nos apresentamos às pessoas nos referindo a nossa atividade laboral? (Oi prazer, sou fulana, sou professora, psicóloga etc.). E quantas vezes, muitos de nós, julgamos como “vagabundos” aqueles que não produzem essa riqueza? FHC e seu discurso sobre os aposentados ilustra bem esse juízo de valores, que remunera mais às profissões que melhor servem ao capital.

Somos tão colonizados que transportamos para nossa vida íntima as metas produtivas que nos impõem o capital, num estado de competição eterno competimos com nossos pares, instauramos a competição em nossas relações cotidianas afetivas (sejam elas de amizade, de amor ou de trabalho). Quem cumpre melhor a meta ideal para ter uma vida perfeita e feliz?! Entre “ser feliz ou ter razão”, não há escolhas quando se faz da própria felicidade uma competição mascarada! Uma eterna busca do cumprimento da meta “felicidade”. Para tanto, aceitamos sem questionar que devemos ter isso, fazer aquilo e as eternas listas com receitas de como conseguir aquilo que não se tem ainda.

Na lógica social que nos damos e que nos é dada, de modo muito superficial, devemos ter uma boa casa, uma profissão em que sejamos socialmente reconhecidas e competimos com nossos colegas para sermos melhores, lógica absurda em que “melhor” se resume em ser “mais” (mais artigos, mais citações de seu nome, mais metas alcançadas, mais... mais... sempre mais!). Vivemos uma época das quantidades! E de “mais” em “mais” vamos nos tornando subjetivamente “menos” humanos, “mais” máquinas!

E seguimos na ilusão “máquina” de não sentir; o império da razão se sobrepôs à emoção e se instituiu (desde os gregos) que a razão coincide com pensamento e, em nossa sociedade atual, institui-se que pensar/razão é o que nos faz fortes e “melhores”. Aos sentimentos é relegada a fraqueza, a instabilidade, a insanidade. Não descumpra, não questione as regras, seja policamente correto! Controle-se! Não seja LOUCO! Não chores, não ria, não se irrite, não “perca a cabeça”, pois é nela, por herança de Platão, onde mora a razão.

Somos tão máquinas, que não aprendemos a lidar com a humanidade e a transformamos em superstição, transcendência, já dizia Espinosa: “(...) os homens são dominados pela superstição enquanto dura o temor (...)”. E seguimos cumprindo as metas das provas, das datas de formatura, dos prazos que nos impomos, em suma, aprisionamos a vida pública e privada, nossa razão e emoção à meta das quantidades.

Fomos colonizados, emoldurados, formatados para seguir o absurdo das conquistas imediatistas (a tão almejada meta). Agimos em prol dos resultados. E que resultados têm uma intensa atividade política que ultrapassou longos quatro meses?

Acúmulo histórico, político e resistente. It´s bullshit! Qual foi a meta, o resultado concreto, real e imediato alcançado?

Em tempos de imediatismo, “cagamos” para o acúmulo histórico, para as conquistas que não nos são palpáveis. Esquecemos que a política é parte de nosso “fazer ser” seres humanos. Deixamos o estágio abstrato e nos fixamos no concreto. Pobre Piaget, que entendia como natural, a partir da interação com o meio, essa passagem; talvez se sentisse perdido com a capacidade humana de não apenas aceitar, como “lutar” por permanecer na mediocridade concreta e imediatista.

 Pois bem, na contramão dessa lógica dos absurdos (eu invoco como um mantra) nosso saudoso poeta-menino Manoel de Barros e lhes digo: “Perdoai eu preciso ser outros!”.

 

Profa. Vanessa C. Furtado

Professora do Departamento de Psicologia

Instituto de Educação/ UFMT

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