Quinta, 22 Outubro 2015 08:30

MINHA BOLSA MINHA VIDA

Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT 

“A praça é do povo como o céu é do condor”, já dizia Castro Alves. Por isso, há de tudo nas praças: casais de namorados; aposentados jogando dama; damas assuntando a vida alheia; vendedores ambulantes; histéricos pastores; crianças brincando; malandros; trabalhadores em manifestações; estudantes gazeteando aulas; cegos arranhando instrumentos; surdos-mudos conversando animadamente; mendigos aos montes; o homem da cobra... Todavia, no último dia 15, em praças de algumas cidades brasileiras, apareceram seres inesperados. Em Cuiabá, fui vê-los pessoalmente.

Sabem o que vi?

Um grupo de “pibidianos”.

Sabem o que é isso?

Provavelmente, não; afinal, é pedir demais a quem não precisa viver o cotidiano das universidades federais.

Por que é pedir demais?

Porque um pibidiano, dentro das universidades, seria como um pedacinho da unha lascada da falange distal do dedo mindinho. Significa dizer que sem as mãos e sem os dedos, a unha sequer existiria para poder ser lascada.

A unha é importante?

Sim, mas não é sequer a falange do dedo da mão.

Em outra imagem, ao estilo clichê, um pibidiano seria como uma gota d’água no oceano.

A gota é importante?

Sim, mas é uma gota, não é o oceano. É provável que o oceano exista sem aquela gota. A gota sem o oceano tem vida efêmera.

E foi por conta da unha lascada da falange distal do dedo mindinho, e não pela mão em si, bem como da importância de uma gota d’água, e não pela existência do oceano, que os pibidianos – alguns professores e alguns estudantes de licenciaturas das federais – foram às praças para lutar pela manutenção do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID).

Por que os pibidianos se apavoraram só depois que as universidades encerraram a greve mais longa de sua história?

Porque a maioria acreditou nas promessas de campanha de Dilma. Acreditou que as bolsas de programas das universidades, incluindo as do PIBID, não sofreriam cortes.

Agora, tardiamente perplexos, viram o ministro Mercadante – do MEC – dizer em seu discurso de (re)posse (em 07/10) que o PIBID também poderá sofrer cortes. Assim, os alunos pibidianos poderão perder 400 reais/mês. Os professores de escolas públicas vinculados ao programa, R$ 750,00. Docentes universitários que coordenam áreas de ensino, R$ 1.400,00. Desconheço os valores que a elite do PIBID recebe, mas a teta é farta.

Entenderam o pavor exposto?

Com exceções, pibidianos demonstram pouco apreço à educação pública, ainda que precisem dela para receber a bolsa, pois o programa se realiza em escolas públicas. Durante a greve, raros foram os pibidianos que se fizeram presentes em atividades do movimento. Fiéis ao governo e a seus interesses particulares, ignoraram a tragédia pela qual vivem as federais, embora sobrevivam delas.

Diante desse quadro, não acredito que pessoas com visão política tão egoísta possam engrandecer alguém no plano da cidadania. No mais, a maioria dos alunos pibidianos, conforme dados do MEC, não demonstra disposição para, no futuro, atuar em escolas públicas.

Detalhe: fruto dessa visão política egoísta, professores/coordenadores não se constrangeram quando “convidaram” os estudantes pibidianos para ir às praças. Poucos, aos quais cumprimento, recusaram o “convite”.

Em contrapartida, quem foi às praças defender o PIBID deu aula magna de como olhar apenas para seus interesses. A grande luta sempre estará na defesa pela manutenção da universidade pública. Por isso, com base em uma cantiga popular, pergunto: “como pode o peixe vivo viver fora da água fria?”.

Quarta, 21 Outubro 2015 18:48

Pensar (e reagir?} na crise.

Gostei muito  do livro “Subversion feminista de la economia”. Aportes para um debate sobre o conflito capital x vida, editado em Maio de 2014 na Espanha. A autora é Amaia Perez Orozco, Doutora em economia e ativista em movimentos sociais e feministas. Deu ao livro o nome poético de “Traficantes de Sonhos”. Na verdade, ela ultrapassa a concepção capital x trabalho e suas contradições, para situar-se no que denomina capital x vida. Critica o desprezo na sociedade ao olhar feminista e a crítica ecológica, vendo a desigualdade e seus impactos sobre os segmentos sociais como uma resposta complexa a serdada np processo social. Aponta que devemos deixar os coletivos homogêneos e conflitos simples, para priorizar o entendimento de como as assimetrias e conflitos sociais atuam entre si. Dá relevo a maior precariedade entre as mulheres, em uma reflexão sobre quem está na base e no topo da pirâmide social? Ela sustenta que há um conflito sem resolução entre a acumulação de capital e sustentabilidade da vida. Então, o mercado abre portas para que, vidas se coloquem por cima de outras, daí, somente algumas ou poucas valem verdadeiramente. Coloca como padrão de referência uma sociedade que é apoderada por uma elite branca, masculina, adulta e heterossexual. Quanto mais distantes deste padrão mais sofrem variados níveis de precariedade e exclusão, no escore da pirâmide populacional de desigualdades. Existe aqui uma identidade política, construída para sustentar o mercado, onde o capital é o elemento central. Diz que quanto a mulher, não é suficiente reconhecer o eixo da opressão de gênero. Os países do Sul foram e continuam sendo espoliados, desde gênero, a destruição da natureza, até ao trabalho escravo dissimulado por leis que retiram os direitos de quem trabalha. No entanto, coloca como urgente e central, a defesa do caráter público, apesar das perdas e deficiências estruturais dos Estados como um caminho para um lugar diferente, onde o centro, o eixo das políticas públicas seja a vida de todas (os). Coloca a idéia de pensar em formas de gestão do público de maneira comunitária e democrática, até a auto-gestão. O trabalho deveria ser produzido antes, pelo seu sentido social do que pelo salário. É importante que trabalhos invisíveis historicamente como o das mulheres em suas casas sejam considerados. A economia deveria estar a serviço das pessoas, e o trabalho a serviço da vida. Significa dizer, ser parte da vida, e não um tempo que se rouba a vida! Para isto, seria necessária uma mudança social, desde os lugares de moradia,  Não bastam leis, serviços e instituições. É preciso tentar uma repartição eqüitativa de trabalho e renda entre as pessoas. Aponta que redistribuir trabalhos não remunerados implica aos que o não fazem, perder comodidades e privilégios na vida cotidiana. Diz que o endeusamento do mercado nega a vulnerabilidade e interdependência das vidas humanas e seu espelho oculto, incluindo aí a dependência  feminilizada. A pergunta é, qual vida merece ser sustentada pelo sistema sócio econômico? Ele é um jogo de poder, impondo passar por cima do resto das vidas desfavorecidas pelas desigualdades. Quer dizer, em tempos de crise abissal que vivemos, o valor da vida para o modelo econômico adotado no Brasil e MT, é rigorosamente trágico. A saída então, seria colocar o sistema econômico a serviço da vida de todas pessoas. Para isso, viver tem que ser uma responsabilidade coletiva. Penso que, no caso do Brasil, é não deixar nas mãos dos protagonistas da crise moral e financeira que assola o país. Será que existe um limite de desigualdade social aceitável? Qual  modelo de desenvolvimento?

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