Segunda, 11 Janeiro 2016 12:18

Império da cabeça oca

Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT 

 

Quando fui aprovado em concurso público para lecionar em uma universidade federal, confesso que senti extrema felicidade. 

Passada a euforia, e já me preparando para os primeiros encontros com os colegas de profissão, metaforicamente, comecei a limpar meus sapatos. Eu os achava sujos demais para pisar em lugar tão especial de uma sociedade. Essa idealizada visão ainda era a de um aluno recém-formado. Aluno que tivera o maior respeito por seus mestres, quase todos exemplares. 

E fiz bem ter aquele cuidado de limpar meus sapatos. No início da carreira, encontrei a maioria de meus colegas cheia de ensinamentos a compartilhá-los com quem quisesse. Sem que nos adoecêssemos ou morrêssemos de trabalhar, trabalhávamos muito, mas sem competições entre nós. Sabíamos que nossa atividade não podia ser quantificada como a de um profissional de loja de departamentos. 

Por isso, tínhamos tempo até para tomar um café em grupo e conversar sobre tudo. Tínhamos, enfim, vidas acadêmica e social saudáveis. Muito saudáveis! Agora, apenas, saudosas. Muito saudosas! 

A saudade que já experimento hoje foi prenunciada – e pouco compreendida, ou pouco aceita por mim – no decorrer do primeiro dos inúmeros encontros de professores universitários dos quais participei. Isso foi lá por 88, durante um evento do Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior (Andes), ocorrido em Londrina-PR. 

Daquilo que o Andes chamava de “Análise de Conjuntura”, vieram as primeiras leituras sobre os desdobramentos da possível vitória do projeto neoliberal, que nos seria imposto com a chegada de Collor de Mello à presidência da República. Daquele projeto, sobre outras tantas, sobrepunha-se a exacerbação das individualidades, em detrimento de visões e práticas coletivas. 

Seria um absurdo, se aquilo viesse a ocorrer, pensava eu, em minha “debutância” naquele meio de tantos pensadores; aliás, os melhores que conheci até hoje na ambiência universitária. 

Infelizmente, aquela análise estava correta. O projeto neoliberal ganhou as eleições de 89. Depois disso, ao longo dos anos, fomos nos metamorfoseando em seres individualistas por excelência. 

E já no início desse lastimável processo, um muro caiu no meio do caminho da academia ocidental. A necessária queda do Muro de Berlim foi mal compreendida por muitos colegas que se sentiram sem chão. Pior: foi como se tivessem recebido estilhaços do muro em suas cabeças. 

Assim, na mesma cartilha de superficialidades, exposta diuturnamente pela mídia, a maioria dos colegas das universidades leu aquele marco histórico de nossa contemporaneidade como a vitória incontestável do modelo capitalista sobre outros quaisquer. 

Logo, não podendo mais lutar contra o sistema, a ele se aliaram. Como novos aliados do “deus mercado” passaram a contribuir com diferentes governos (Collor, Itamar, e em dose dupla com FHC, Lula e Dilma) na implantação de projetos e programas, tornados legais, para a educação brasileira. 

Desse conjunto legal, o mais recente concretizar-se-á na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), advinda dos Parâmetros Nacionais Curriculares, oriundos da Lei de Diretrizes e Bases. 

Na BNCC, a desqualificação das disciplinas que exigem mais teorização é impressionante. Para sustentar essa desqualificação, em seu lugar entra a “praticidade que os tempos modernos exigem da escola”. 

E assim, vamos formando seres cada vez mais “práticos”. Todavia, paradoxalmente, em nome do agir, do aqui e do agora, vamos perdendo a capacidade de pensar, de elaborar, de sentir a vida como de fato ela é. 

Segunda, 11 Janeiro 2016 12:17

Comer bem

Dia desses fui jantar na casa de um jovem casal. Além da novidade, uma grande expectativa tomava conta do ambiente-surpresa. Esta ficou por conta do chefe da cozinha, um profissional liberal. 

Ele revelou-se um grande cozinheiro. Especializado em comida portuguesa. O bacalhau que nos foi servido foi de dar inveja a muitos experts da arte de comer bem. 

Nada de excessos. O suficiente para saber como cultivar o hábito de uma boa mesa para manter uma perfeita saúde. 

A gastronomia é arte e cultura, aliada ao prazer de uma higiênica e saudável refeição. 

Para completar o cenário, um belo ambiente com música “digestiva”, quase imperceptível aos ouvidos, como manda o bom tom, e uma conversa quase em sussurros. 

Pequenas porções de guloseimas eram substituídas por novas iguarias, impossível controlar a gula, mesmo de um bem comportado e discreto apreciador de “quitutes saborosos”. 

Duas taças de vinho acompanhadas do mesmo número de copos de água completavam a mesa do “pecado”. 

Sorvete de chocolate feito em casa e o infalível cafezinho com as duas gotinhas do “regime” encerraram o jantar, menos a conversa que continuou num ritmo sem fim. 

Sendo a primeira visita de encontro de gerações tão distantes, segui o protocolo do século XIX de conhecer a pequena casa com detalhes, ouvindo explicações feitas com orgulho pela jovem dona da casa. 

Gostei do que vi e escutei. Bom gosto e discrição em todos os ambientes. Tudo foi planejado para o lazer após um dia de trabalho. 

Mas, o principal, foi ter constatado que aquele ambiente familiar é dos mais propícios para uma boa educação para os filhos, pois as crianças adquirem os primeiros valores da vida em casa. 

Lá, todos trabalham, podendo fazer o que gostam sem importunar ou depender de ninguém para usufruírem das alegrias que o fruto do trabalho oferece. 

Como é bom ser independente e, com bom nível educacional e cultural, viver a vida que escolheu! Muitos acham, erroneamente, que só a riqueza produz a felicidade. 

A sensação de independência financeira para compromissos domésticos, principalmente, faz bem à nossa saúde e a do ambiente em que estamos inseridos, desde que possuamos esses mínimos pré-requisitos para uma vida honrada. 

Sou um forte candidato habilitado a ser bisavô. Espero que a educação para o trabalho e para o lazer continue para sempre regando os meus descendentes. 

É o caminho mais ético e digno para se acompanhar o ciclo vital. O mundo é redondo e dá voltas. Por isso mesmo, nos nossos bons momentos, não podemos nunca nos esquecer do dia de amanhã. 

Nosso lema é viver uma vida com dignidade, sem humilhação. Entenda-se humilhação uma subsistência dependente de outrem, por não terem sabido ou querido aproveitar todas as oportunidades que a vida  oferece. 

O pior é pensar que as pessoas escolhidas para essa “ajuda” têm essa obrigação. 

Retornei do jantar satisfeito e com a  impressão de que nem tudo está perdido nos nossos jovens. 

Está provada que a alavanca da ascensão social é a educação recebida em casa e aprimorada pelas instruções adquiridas na escola. 

Nada acontece por acaso. O talento é essencial, mas sem o trabalho ele se anula. 

Sinto-me com forças renovadas para continuar a minha missão de valorizar a educação e o ambiente em que é criada uma criança. 

Gabriel Novis Neves

18-05-2014

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