FRATERNIDADE, SANEAMENTO E JUSTIÇA SOCIAL
JUACY DA SILVA
Há pouco mais de 50 anos, mais precisamente em 1962, em Natal, RN, no início da quaresma, alguns padres realizaram o que, acabaria se transformando na Campanha da Fraternidade, a partir de 1964 em caráter nacional.
Esta iniciativa foi encampada pela Cáritas Brasileira e pela CNBB, sob a influência do Concílio Vaticano 2, a Igreja Católica no Brasil procurava uma nova forma de evangelização, voltando-se de uma forma mais direta para as necessidades do povo, incluindo uma mensagem do Papa, como forma de apoio `a esta forma de ação, denominada de caridade libertadora.
Ao longo dessas décadas a Campanha da Fraternidade pode ser dividida em tres fases. A primeira, abordando temas voltados para uma busca da renovação interna da igreja que vai de 1962 a 1972; a segunda cobrindo temas que denotam a preocupação da Igreja com a realidade social do povo, denunciando o pecado social e buscando a promoção da justiça social, esta fase vai de 1973 a 1984 e a Terceira fase que vai de 1984 até este ano de 2016, quando são abordados temas que representam as situações existenciais do povo, incluindo questões como água, terra, negros, mulheres, trabalho, emprego, juventude, educação, encarcerados, idosos, deficientes, enfim, um grande mosaico que representa a vida de nossa gente, com seus sofrimentos, angústias e ao mesmo tempo a esperança de um mundo e uma sociedade melhores.
A Campanha da Fraternidade deste ano, que tem início na próxima quarta feira de cinzas e deve encerrar-se no final da semana santa, é a quarta realizada sob o manto do ecumenismo, como aconteceu com as Campanhas de 2000; 2005; 2010. É, portanto uma Campanha que conta coma participação das igrejas evangélicas pertencentes ao CONIC Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, onde estão incluidas as igrejas Luterana, Episcopal Anglicana, Sirian Ortodoxa Antioquia, Aliança de Batistas do Brasil, Presbiteriana Unida, visão mundial e fundo misereor. Como se percebe, um conjunto de igrejas evangélicas, juntamente com a Igreja Católica, com apoio da CNBB, que representam uma grande parcela, na verdade a maioria do povo brasileiro.
O Tema deste ano está voltado para a questão ambiental, tendo como referenciais básicos a Enciclica Verde do Papa Francisco e o programa de desenvolvimento sustentável, lançado recentemente pela ONU para dar continuidade aos objetivos do milênio. A enunciado do tema “ Nossa casa comum, nossa responsabilidade” e o Lema “ Quero ver o direito brotar como fonte e corer a justiça qual riacho que não seca”. Tema e lema representam um chamamento para as condições de vida no planeta, a partir da realidade concreta de cada país, cada estado, cada município, cada bairro ou paróquia, enfim, nossa casa comum.
O referencia da Capanha é a questão do saneamento básico no Brasil, incluindo um diagnóstico da situação, as implicações da falta de saneamento como uma realidade degradante e que ofende profundamente a dignidade do ser humano e também, o saneamento como um direito das pesssoas, como expressam recententes resoluções e documentos da ONU. Sem saneamento não pode exisitr saúde, sem saneamento não existe direitos humanos, sem saneamento não existe vida dígna, sem saneamento estamos degradando o planeta, nossa casa comum.
A Campanha desenvolve-se segundo uma metodologia utilizada pela CNBB há várias décadas e inclui tres dimensões: Ver, julgar e agir, indo desde o diagnóstico da situação, ao planejamento das ações, incluindo os planos nacional, estaduais e municipais de saneamento e também a participação popular nas ações públicas e privadas.
No Brasil 61% da população, ou seja, aproximadamente 125 milhões de pessoas não contam com coleta de esgoto; 13% ou 26,5 milhões tem coleta mas não tem tratamento. Em resumo, os dejetos e também boa parte do lixo de quase 152 milhões de pessoas são jogados nos rios, córregos, lagoas e o mar, além dos lixões a céu aberto, onde seres humanos vivem misturados com urubus, ratos e outros animais em busca de seu sustento, o que não deixa de ser uma situação degradante.
A situação do seneamentlo básico no Brasil é uma calamidade pública, no Nordeste 71,2% da população não tem esgoto tratado; na região norte 85,3%; e nas demais regiões mais da metade também não tem esgoto tratado. Nas capitais e nas cem maiores cidades do país a situação também é de descaso, apenas 41% da população conta com esgoto tratado. Existem capitais, como Porto Velho e Belém, onde mais de 90% da população não tem esgoto tratado. Em Cuiabá são 346 mil pessoas que não contam com esgoto tratado e em Várzea Grande, 204 mil, totalizando 550 mil habitantes, poluindo o Rio Cuiabá e seus afluentes e degradando o Pantanal.
Segundo relatórios do TCU 47% das obras do PAC saneamento, lançadas pelo Governo Federal em 2009, estão atrasadas, paralizadas, suspensas ou sujeitas a investigações por irregularidades.
A Campanha da Fraternidade é uma boa oportunidade para que cristões, cidadãos, contribuintes e eleitores possam fazer um balanço de como está o saneamento básico em nossos municípios, Estados e no Brasil como um todo. Em poucos meses teremos eleições municipais e este poderá ser um ótimo ano para passar a limpo esta triste realidade.
JUACY DA SILVA, professor universitário, titular e aposentado UFMT, mestre em sociologia, articulista de A Gazeta. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Blog http://www.professorjuacy.blogspot.com/ Twitter@profjuacy
NÃO VOU POR AÍ
Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT
Ainda que tamborins e outros instrumentos que animam o carnaval já ecoem Brasil afora, continuo no artigo de hoje abordando o mesmo tema que me tem movido a escrever desde que 2016 chegou: a versão preliminar da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), lançada há pouco pelo MEC. E, agora, já não me sentindo tão solitário nesse embate.
Entre pierrôs e colombinas – todos já bem inebriados –, para além de dois ou três professores que já haviam botado a boca no trombone, dentre os quais me incluo, outros docentes – preparados também para as discussões políticas – começaram a se pronunciar em consolidados veículos de nossa mídia.
Em meu segundo artigo deste ano, dialogo com o professor João Batista Araújo e Oliveira, que publicou, na Folha de S.Paulo (12/01/16), o artigo “O debate que não houve”. Pelo título, o leitor já pode deduzir que o MEC, mais uma vez, tenta impor uma nova proposta de educação ao País, e sem debate algum.
Antes de Oliveira, quiçá de quaisquer outros, o professor Marco Antônio Villa, no final de 2015, antecipava alguns absurdos contidos na BNCC para a disciplina de História. Dela, está extraída, p. ex., a obrigatoriedade do ensino de histórias antiga e medieval. O mesmo ocorre com o tópico “Revolução Francesa”.
De minha parte, no artigo “O debate que não haverá” (Diário de Cuiabá: 14/01/16), antecipo a subtração da Literatura Portuguesa na BNCC. Logo, denuncio a desobrigação de apresentarmos aos estudantes do ensino médio escritores como Gil Vicente, Camões, Fernando Pessoa, Saramago et ali.
Para meu alento, dias depois, em “Tendências/Debates”, da Folha de São Paulo, de 28/01/16, Flora Bender Garcia e José Ruy Lozano fizeram a mesma denúncia por meio do artigo “Literatura Portuguesa naufraga no Brasil”. Suas inquietações são praticamente as mesmas por mim expostas.
Além dessas contestações individuais de que pude saber, o 35º Encontro Nacional do Sindicato Docentes do Ensino Superior (ANDES-SN), reunido durante a semana passada, em Curitiba, aprovou a elaboração de uma nota pública ao país, denunciando os principais problemas contidos na BNCC.
E os problemas não são poucos; tampouco superficiais. Todos são de profundidade. Todos visam redirecionar o cerne do ensino do país para o conforto da lógica ordenada por agentes internacionais do capital.
Tais agentes – sabedores da falência de nossa educação, fruto de experiências iniciadas ainda na ditadura militar – sentem-se confortáveis para impor novas experiências. Aliás, de experiência em experiência, vamos perdendo nossa inteligência.
Agora, as novidades do momento que os agentes internacionais estão nos impondo encontram-se ancoradas em pelo menos duas grandes linhas: 1ª) as novas tecnologias; 2ª) a necessidade de uma formação mais voltada para a realidade do estudante. Leia-se: para a necessidade do mercado, que requer apenas mão-de-obra, não seres pensantes que tenham alguma visão de universalidade.
De repente, desconhecer a acidez social de um Gil Vicente, p. ex., ajudaria na pavimentação dessa necessidade dos agentes do capital. Ignorar processos históricos, idem. Acoplados a essas subtrações de conteúdo, ainda vêm os discursos sedutores da primazia da subjetividade de nossos estudantes. É o império do umbigo, não do cérebro.
Penso que mais do que nunca é preciso termos a coragem do eu-poético do escritor português José Régio, que em “Cântico Negro”, nos dá uma lição de como recusar imposições, dizendo um sonoro:
“Não, não vou por aí.
Só vou por onde me levam meus próprios passos”.