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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Juacy da Silva*

 

Dizem, principalmente os especialistas, psicólogos, comunicólogos, psiquiatras, enfim, profissionais que dedicam todo o seu tempo ao estudo do comportamento coletivo, nas manisfestações de massa, melhor dizendo, na manipulação das massas pela ideologia e pela propaganda política, que a melhor forma de se criar um MITO é transforma-lo em vítima, e nada melhor do que prende-lo, encarcera-lo.

Minha “tese” de que Bolsonaro não deve ser preso, não é porque comungo das idíeas e das maluquices dele e de seus seguidores, alguns tão fanáticos que ficaram dias, meses diante dos quartéis no Brasil inteiro, rezando, orando, adorando pneus como se os mesmos fossem divindidades, de que o tal mito, que demonstrou ter pés de barro, tão logo deixou os píncaros da política nacional, jamais foi ungido ou escolhido pelo Grande Eleitor do Universo, que é Deus, o supremo criador, que, ao que se saiba, não é filiado a qualquer partido político no Brasil; de que o slogam Deus, Patria Família, que o bolsonarismo e a extrema direita, tanto no Brasil quanto em inúmeros países utilizam não é nada novo e nem original, mas sim, é a copia fiel do mesmo slogan que estava na base do nazi-facismo e que levou o mundo `a catástrofe da Segunda Grande Guerra, que provocou mais de 50 milhões de mortes, destruiu a Europa toda, o Japão e resultou em mais de 200 milhões de vítimas ao redor do mundo.

Meu raciocínio é simples, mesmo que para alguns doutos juristas já existem muito mais evidências para que Bolsonaro possa ser preso e ser conduzido para a Papuda, para juntar-se a vários, talvez centenas de outros bolsonaristas, seus seguidores, principalmente militares, das Forças Armadas e da Polícia Militar, principalmente do Distrito Federal, os quais, juntamente com civis tresloucados que, em nome de defender o Brasil da sanha do comunismo ou coisas do gênero, teimavam e continuam teimando em não aceitar o veredícto das urnas, onde a maioria, pouco importa qual o percentual de votos a menos do que o então presidente recebeu, de forma democrática, possibilitando que Lula, o candidato que a ele se opunha, que era taxado o tempo todo de ex prisioneiro, ladrão, nove dedos, corrupto, tivesse a preferência da maioria dos eleitores e tenha sido eleito para seu terceiro mandato como Presidente da República.

Tem um provérbio que diz, “nada resiste ao tempo” ou nada como um dia depois do outro. Lula foi fustigado muito, por um juiz incompetente e parcial, foi preso, acietou todas as formas de humilhação, mas resistiu, não como Nelson Mandela que por 28 anos foi encarcerado por lutar contra o racismo e o appartheid em seu pais, a África do Sul, de onde saiu como heroi nacional, para ser eleito presidente daquele país, mas sim, com apoio da militância que dia e noite davam bom dia e boa noite Presidente.

Repito, Lula esteve preso por mais de 500 dias e consegiu através dos recursos e espaços demarcados pelo sistema jurídico brasileiro, anular todos os processos e recuperar seus direitos políticos e voltar ao cenário político nacional, não como um pária, carregando o ônus da roubalheira, mas como , ai sim, um mito, um heroi ou o maior e mais popular líder político brasileiro, que veio de baixo, de família e origem humilde e, as vezes, fala e promove ações que não fazem parte do figurino dos donos do poder e das elites dominantes em nosso país.

Bolsonaro, diferente de Lula, durante 28 anos como parlamentar, bastante apagado, sem nunca ter abraçado causa popular alguma, mas reconhecido pela sua forma rompante e autoritária, a defesa do arbítrio e da tortura, perpetratada durante os governos militares e valores considerados sagradas pela população, mas que jamais fizeram parte de seu dia-a-dia, como os escândalos que a ele estão associados e que as diversas investigações em curso tem demonstrando como seus subordinados e amigos estavam tão longe da verdade. Os fatos que estao sendo revelados e falam por si mesmos!

Enquanto durante os últimos quatro anos a comunicação palaciana era calcada na indústria da “fake news” e no negacionismo, promovidas pelo chamado Gabinete do ódio ou das milícias digitais que estão sendo investigadas pelo SPT, nos porões do poder estava sendo gestado um golpe de estado para burlar o resultados das eleições, impedir a posse do presidente Lula, eleito democraticamente, permitindo que Bolsonaro e seus correligionários e seguidores continuassem no poder ou disseminando as “narrativas” que alimentavam pessoas incautas ou que já sofreram lavagem cerebral.

Mesmo que diversos de seus auxiliares imediatos e seguidores militares ou civis já estejam presos e Bolsonaro ja tenha sido considerado INELEGÍVEL por oito anos, ou seja, carta fora do baralho na política nacional, criando um verdadeiro caos interno tanto no partido do ex presidente quanto entre outros partidos e aliados que se situam entre o centro, a direita e a extrema direita, dificultando o surgimento e escolha de um novo lider nacional, ainda assim, a figura do Bolsonaro Mito, ungido de Deus para dirigir os destinos do Brasil, estimula debates e reflexões políticas.

Assim, imagino que , se é que o sistema judiciário julga além dos fatos e provas produzidos e anexadas aos autos, mas imaginando que juizes e ministros das Cortes Superiores também incluem em seus julgados aspectos políticos e ideológicos, juntamente com a pura e simples interpretação das Leis, com certeza, poderão ou não em qualquer momento, diante de fatos novos, determinar, como o Ministro Alexandre de Moraes determinou há poucos dias a prisão preventiva de toda a cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal e do  então dirigente máximo da PRF (Polícia Rodoviária Nacional) e, anteriormente, do ex ministro da Justiça de Bolsonaro, de seu ajudante de ordens, um coronel do Glorioso Exército brasileiro ou de outros civis e militares graduados, repito, somente diante de algum fato novo e grave poderá levar Bolsonaro `a prisão.

Todavia, isto poderá transforma-lo em uma vítima do sistema político e jurídio existente legitimamente no Brasil, fortalecendo sua imagem de mito, ungido de Deus perante seus seguidores, que a cada dia estão minguando e  da debandada que suas hostes tem sofrido ultimamente, partidos e quadros políticos que sempre estiveram ao lado de bolsonaro o estão abandonando e passando a fazer parte da base do governo Lula, como aliás ja fizeram nos governos anteriores de Lula e Dilma. Refiro-me a partidos como o União Brasil, PP, Republicanos, PSD , parte do PL e outros mais que sempre se alinharam e se alinham mais a direita, no momento estão abraçando o Governo Lula, fazendo o “L” felizes da vida, afinal, vão continuar barganhando cargos e emendas em nome da garantia da governabilidade do atual Governo (Lula e a frente ampla e democrática que o elegeu no ano passado).

Por tudo isso é que em minha modesta forma de observar o cenário político brasileiro a opinião pública não pode estar ávida pela prisão de Bolsonaro, ela só deverá acontecer, se acontecer, depois da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal, enfim, da garantia de todos os seus direitos, inclusive recursos juridiciais a serem interpostos por seus advogados, não como ex presidente, mas sim como um cidadão comum, para que a Justiça seja feita plenamente!

Se provado e considerado culpado, Bolsonaro deverá sim, ser preso e pagar pelos crimes cometidos. Se considerado inocente, como aconteceu com Lula, deverá recuperar seus direitos políticos e , se assim o desejar, apresentar-se, novamente como candidato a qualquer cargo que lhe aprouver, até mesmo como sindico de condomínio!

Por isso, concluo esta reflexão dizendo “não prendam Bolsonaro ainda, por favor, pelo amor de Deus”. Não podemos e nem devemos transforma-lo em vítima, um heroi ou mito verdadeiro. Vamos esperar mais um pouco, aguardar todas as investigações em curso e os fatos que realmente a ele forem imputados. Assim é que o sistema judiciário de um país que vive em pleno estado de direito e democrático tem que julgar as pessoas, não importa o seu pedigree, cargos ocupados, medalhas, condecorações ou joias que tenha ou ostente!

Afinal a nossa Carta Magna estabelece que “todos são iguais perante a Lei” e como tais é que devem ou devemos ser investigados, julgados e punidos, quando considerados culpados!

 

*Juacy da Silva, professor aposentado Universidade Federal de Mato Gtosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da PEI Pastoral da Ecologia Integral. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy 

Segunda, 21 Agosto 2023 14:14

COPO D’ÁGUA - Aldi Nestor de Souza

 

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Por Aldi Nestor de Souza*

 

 

“Traga-me um copo d'água, tenho sede
E essa sede pode me matar
Minha garganta pede um pouco d'água
E os meus olhos pedem o teu olhar”
Dominguinhos – Tenho Sede

 
Beber água, fazendo as mãos de cuia, na beira de um córrego, é uma coisa. Beber água, abrindo uma geladeira, escolhendo uma garrafa e um copo adequados, é outra muito diferente.  A sede pode até ser semelhante, o ato social de matá-la, não.

Quando a água era coisa que dava nos rios, de graça e não cogitava virar uma mercadoria, bastava à humanidade, acossada pela sede, talvez após uma caminhada, curvar o corpo, esticar os braços e tomá-la natural, pura e à vontade, direto da fonte, sem intermediários, numa relação certamente próxima de natural. Não havia, nessa altura da história, com respeito a forma de matar a sede, muita diferença entre o ser humano e os outros animais.

Com o passar do tempo, a água foi invadindo as moringas, os potes, os tonéis, os barris, os tanques, os filtros até, finalmente, as geladeiras, seu estágio atual. Cada mudança dessa foi forjando a sede e, fundamentalmente, foi desnaturalizando a forma de matá-la. Diversos intermediários foram se aproximando, entrecruzando e intervindo na trajetória da sede. O artesão do pote, do barril, do tonel, o fabricante da geladeira são alguns exemplos. O ser humano também foi se alterando. O que bebe água gelada certamente é outro tipo de ser, tem o paladar muito distinto daquele que fazia as mãos de cuia.

A água, hoje, tem dono, está privatizada, inclusive a do subsolo, dos confins da terra. Está até na bolsa de valores. Virou uma commoditie. Ganhou rótulos, marca, código de barras, data de vencimento, enfileirou-se em prateleiras.  Uma cadeia produtiva, de proporções gigantescas, está por trás de um simples copo d’água. E a humanidade nem se assemelha àquela natural, que ia ao córrego. Também se distanciou daquela que usava moringas, potes, barris, filtros e que ia aos artesãos. Matar a sede se tornou algo muito mais complexo, exige até conhecimento científico.

A geladeira depende de uma linha de montagem e de uma quantidade quase incontável de pessoas no seu entorno. Tem modelo específico, cor, design, nível de consumo de energia, capacidade em litros, marca. É produzida por certo tipo de trabalhadores, com variadas formas de direitos trabalhistas. É vendida numa loja, por outros trabalhadores, com outra configuração e outra forma de trabalho. É entregue nas casas dos compradores por outros trabalhadores, sujeitos também a outras regras do mundo do trabalho.  A geladeira é um produto do trabalho assalariado, que a humanidade das mãos de cuia nem em sonhos imaginava que viesse a existir.

Uma fonte de energia é necessária para gelar a água. Talvez a construção de uma hidrelétrica, talvez a tecnologia da energia solar ou eólica, um certo tipo de política energética, uma agenda governamental. Aqui, outros milhares de trabalhadores envolvidos: engenheiros de diversos tipos, advogados, cobradores de impostos, trabalhadores da companhia de energia;  e uma classe de políticos: vereadores, deputados, governadores, senadores e até  presidentes da república. Da confluência e da disputa entre toda essa gente sai uma fonte de energia.

Para construir uma hidrelétrica, outros milhões de pessoas, além dos trabalhadores da construção, são afetadas diretamente, populações inteiras, cidades inteiras são remanejadas. Mas também a fauna e a flora do entorno do rio a ser contido. Uma operação invasiva e de dimensões profundas é realizada e está por trás do ato, aparentemente singelo, de se beber um copo de água gelada.

A garrafa também mobiliza outras gigantes da indústria, outros incontáveis trabalhadores, milhões de outras relações sociais, inclusive a indústria petrolífera e a ciência mais avançada. Uma simples mudança no formato da garrafa, para economizar plástico e baixar os custos de produção, envolve modelos matemáticos de otimização, a engenharia química e o estudo da resistência de materiais. Muito distante dos reservatórios de água e de quem vai matar a sede, uma frota industrial trama, intervém, media e controla os passos da sede.

O copo também tem sua existência e suas mediações. Também é consequência de uma cadeia produtiva. Assim como a garrafa e a geladeira, tem modelo, cor, marca, tamanho, design. E para cada uma dessas coisas, trabalhadores com diversos tipos de habilidades são necessários. Tem copo para adulto e para criança, tem de vidro e tem de plástico. O copo também impõe que a ciência se mexa, que a tecnologia lhe atenda. Também depende das decisões de estado sobre os direitos e as políticas trabalhistas, pois assim como a geladeira e a garrafa, depende do trabalho.

A indústria de água mineral é um capítulo à parte. Retirada de certas propriedades privadas, a água mineral é embalada em garrafões e comercializada. A compra desses garrafões de água, em geral, depende de uma companhia de telefonia ou de uma rede de internet. Novamente, outro sem número de trabalhadores envolvidos, entregadores por aplicativos, com tecnologia de ponta nas mãos e submetidos a condições de trabalho precárias.

Beber um copo d’água, hoje em dia, aquece a economia, mexe com o produto interno bruto, agita o mercado financeiro, inflama os especuladores. Beber um simples copo d’água, mesmo no silêncio da noite, mesmo se estando em casa, com as portas trancadas, é um ato que obriga o mundo inteiro a ficar sabendo. Ninguém, hoje em dia, bebe um copo d’água impunemente.

E é um mistério, algo como um feitiço, que toda essa avalanche de gente e de acontecimentos estejam por trás de um simples copo d’água e a gente nem se dê conta. É fascinante, intrigante, o número de funções que um copo d’água cumpre. Matar a sede parece ser apenas o mais aparente, o mais simples de se entender.

 
*Aldi Nestor de Souza
Professor do Departamento de Matemática- UFMT/Cuiabá
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