Coral Universitário – 35 anos
Benedito Pedro Dorileo
Devíamos aliar a inteligência à criatividade para aprofundar o humanismo, pois, aquele tempo, mais do que o debate político, exigia doação e fervor. Não podia perecer a decisão do governo federal em instituir a Universidade Federal em Cuiabá, ainda no papel, para torná-la palpitante realidade – diante de fracassos de gestão em desperdiçar por incúria tantos programas advindos de Brasília. Enfrentando a empreitada, lembramos como âncora o escultor Augusto Rodin (França: 1840-1917), quando escreveu L’Art, em seu diálogo com Paul Gsell: ? ‘Hoje, a arte está ausente da vida cotidiana. Buscam a utilidade da vida moderna, esforçam-se para melhorar materialmente a existência, apenas’. Ao que Gsell rebateu: ‘Eu sei, mas desejo que este livro seja um protesto contra as ideias de hoje; que vossa voz desperte nossos contemporâneos para o amor à arte e à beleza’. Esta a inspiração: extirpar o marasmo e a bestealidade para produção do encanto do pensamento, robustecer os sentimentos para o serviço da implantação da Universidade, a pioneira. Precisávamos encontrar beleza até na cólera, como, na paisagem, a ave desfere o grito de guerra, para, desconhecendo a selvageria, identificar o belo.
Já se disse que Gabriel, o reitor da arrancada inaugural, tocava obra dia e noite, ensejando pensar que o trabalho só é bendito quando se realiza cantando. Dessa maneira, a vontade tinha dimensão acentuada no décimo ano da criação, em 1980. Urgia a cantante voz humana na desenvoltura dos esforços – dos laços que o amor arma brandamente (Camões). Foi que, na fremente colmeia, houve o alargar do voo em busca do banimento da descrença. – Felizes o povo, professores, técnicos e estudantes do Instituto de Ciências e Letras e da Faculdade Federal de Direito que acreditaram. Prevaleceu a premência do fazejamento pela angústia do tempo – fazer à toda brida.
A Orquestra Sinfônica Universitária iniciou os passos em 1974; muito cedo foram as suas raízes na banda sinfônica – resposta à desoladora baforada: ‘banda de música no interior é com prefeitura’. Com música erudita, em 1979, estava ela organizada, sob direção do maestro fundador, Konrad Wimmer, acolitado por Domingos Vieira de Assunção. Nenhuma ideologia ou escola literária exerceram influência, tampouco contribuíram, ainda que à distância na organização da OSU e do Coral Universitário. Foi arte pela arte.
Nasceu o Coral, em 29 de abril de 1980, visando à construção de um veículo de cultura musical do mais alto valor artístico, objetivando atuar como elemento de integração da universidade com a comunidade. Tanto Orquestra quanto Coral foram organizados pelo vice-reitor, autor deste texto, mediante delegação de competência.
Tempo de inigualável inventividade, nas décadas de 1970 e 80, com editora, cineclube, núcleo de documentação e história regional, museus, biblioteca, audiovisual, departamento de artes, esportes e teatro. Sôfregas tarefas à procura de recomposição de energias na música e na revivescência das atividades culturais.
Buscamos almas solícitas, sob as virtuosidades de Peter Ens e Lydia Ens, o primeiro, o maestro fundador, admitidos como professores visitantes, dados os admiráveis currículos na arte musical e experiência vivenciada em Estados da Federação. Organizar um Núcleo Permanente foi ato ímpar com membros da comunidade universitária e da sociedade cuiabana. Para tanto, criamos o quadro de Colaborador de Ensino, convertido depois em Agente Didático. Privilegiada improvisação que deu certo. Como Agentes, tivemos figuras ilustres: Rubens de Mendonça, Pedro Rocha Jucá, Dunga Rodrigues e outros, além dos coralistas. Logo o Coral atinge 130 componentes, ganhando os estudantes partícipes incentivos de créditos nos estudos.
Em 5 de maio de 1980, Dia Nacional da Comunicação, houve apresentação inaugural em homenagem à memória do patrono, o cuiabano, marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, um nome universal (nasceu em Mimoso, Santo Antônio, distrito na época, em 1865, do município de Cuiabá). O repertório avantajava-se progressivamente, cantando à ‘capella’ ou com a OSU. Ouvia-se o Hino de Mato Grosso, obrigatoriamente nos eventos cívicos. Também: O Coro dos caçadores, de Antônio Carlos Gomes; Jesus, alegria dos homens, de J. Sebastian Bach; Saudade de Matão, de Raul Torres e Galati. Ou Aleluia, de George F. Händel. E mais. Chegou-se ao Laboratório Coral em 1981, integrando instituições de ensino e cultura. Decorridos, neste 2015, os 35 anos de existência, o Coral Universitário da UFMT tem o condão de harmonizar trabalho e engenho artístico, integrar a formação do ‘homo totus’e liderar o canto coral em Mato Grosso, que muito tem expandido.
Benedito Pedro Dorileo é
Advogado e foi reitor da UFMT.
PROTESTOS DE CRISTÃOS
Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT
Há muito que de religioso, na originalidade do termo, não tenho nada. Em vários artigos já deixei isso claro. Meus dois últimos textos (“Inquisidores da irmandade evangélica” e “Pedradas do caos”) são provas desse tipo de liberdade pessoal que tenho construído. Logo, procuro cultivar meu humanismo pela leitura política que faço do cotidiano.
Por que abri este artigo com essas afirmações?
Porque algumas opiniões que aqui exporei têm tudo para ser confundidas com o pior dos conservadorismos religiosos.
Há um ano, o Brasil aprovou o Plano Nacional de Educação (PNE) para o decênio 2014-24. Os estados e os municípios deveriam fazer o mesmo até o dia 26/06.
Muitos não fizeram.
Em nove estados, os projetos sequer chegaram às Assembleias. Em cinco, estão em tramitação. Em outros cinco – incluindo o DF – foram aprovados, mas aguardam sanção. Em oito, foram aprovados e sancionados.
Dos municípios, quase metade (2.942) tem um plano local aprovado. 707 já o aprovaram, mas aguardam sanção.
Como todo plano, o PNE contém diversos itens que deveriam ter sido debatidos de forma democrática. Isso não ocorreu. Os “debates” promovidos não passaram de jogos de cartas marcadas.
De qualquer forma, dos itens, destaco o encaminhamento da aprovação, ainda em 2015, da Lei de Responsabilidade da Educação, que jogará a bomba pela má qualidade do ensino no colo dos gestores das escolas, livrando a cara (de pau) dos primeiros responsáveis pela tragédia.
O PNE, dentre tantos tópicos, trata do número de alunos em sala de aula, bem como da remuneração, geralmente, humilhante, dos professores. Isso, aliás, tem afugentado da educação os melhores recém-formados no magistério, que já são poucos.
Todavia, o que tem mobilizado a sociedade no tocante ao PNE são alguns dos temas transversais, com destaque aos de orientação sexual e identidade de gênero.
Dos segmentos sociais, os ditos religiosos (católicos e evangélicos unidos) são os mais alvoraçados. Muitos, até de batinas pretas, foram protestar em frente a assembleias legislativas e câmaras municipais contra a inserção de tais temas nos planos educacionais.
Ignorando problemas reais de tantos “enviados de Deus”, como os macacos fazem com os rabos, os protestos desses sujeitos são ferozmente conservadores. Em Cuiabá, chegou-se ao cúmulo de em uma faixa poder-se ler: “Deixem os meninos serem meninos e as meninas serem meninas. Não à ideologia de gênero”. Ignorância pura.
Em Minas Gerais, um deputado disse que a “Ideologia de gênero é uma praga que veio do marxismo, passa pelo feminismo e visa destruir a família tal qual nós a conhecemos”. Estupidez completa.
Pois bem. Não pelos motivos acima, expostos por esses seres vinculados às religiões de cunho cristão, também tenho reservas no que tange às transversalidades do PNE, com destaque a dois tópicos: gênero e religião.
Por que?
Porque as licenciaturas das universidades, já transformadas em colegiões, não estão dando mais conta sequer da formação acadêmica convencional. Logo, não preparam quase ninguém intelectualmente para esses complexos debates.
Ademais, como o país já virou uma praça de guerra, se isso for imposto, os conservadores, “em nome de Jesus”, estarão lá nas escolas disputando espaços com os carregadores das bandeiras LGBTT. As escolas virarão palco de pequenas tragédias. Será um tormento a mais na vida de nossas maiores vítimas: as novas gerações.
Saída para a situação: aprendermos, desde a infância, a cultura do respeito às leis gerais que produzimos. Isso bastaria.