Grupos familiares
Esgotados os modelos familiares vigentes durante séculos e séculos, urge uma mudança nesse tipo de conglomerado, o que, aliás, já vem acontecendo paulatinamente.
Na minha prática médica ao longo de todos esses anos tenho constatado os inúmeros dramas oriundos dessa organização arcaica.
A velha companheira, apenas reprodutora, se transformou numa força de trabalho ativa e, portanto, fundamental para a economia do grupo.
Com as mudanças econômicas vieram as alterações comportamentais. Novos modelos se impõem para que os vários membros de um mesmo clã não adoeçam entre si, como vem acontecendo nos últimos anos.
Com o aparecimento de novas tecnologias facilitadoras dos trabalhos caseiros, a liberdade pessoal feminina tem se tornado uma meta. Mulheres não mais se conformam com ausência de tempo para si mesmas, impossível até poucos anos atrás.
Já percebemos esses profundos sinais de mudanças nos países mais desenvolvidos, em que os filhos são intimados a prover o seu próprio sustento a partir dos dezoito anos e, portanto, abandonar o teto familiar.
Nada mais saudável e promissor, ainda que para nós, subdesenvolvidos, nos pareça um ato de desamor.
As interdependências familiares são altamente adoecedoras para todos os seus membros, chegando, algumas vezes, a níveis insuportáveis, apenas disfarçados pelas hipocrisias que as circunstâncias exigem.
Pais subjugando filhos na sua juventude e sendo por eles subjugados na velhice, é o quadro mais frequente.
Sob a capa da proteção, em ambos os casos, se estabelece a mais cruel das relações, sempre baseada em mentiras e desamor.
É como se podada fosse qualquer iniciativa de autodirecionamento, e o ódio subliminar que daí advém, vai se acumulando através dos anos, tudo no mais profundo disfarce da compreensão.
Dessa forma, festas tradicionais que exacerbam os valores familiares, como o Natal e o Réveillon, com muita frequência redundam em espetáculos desastrosos, normalmente liberados graças à exclusão da censura promovida pela ingestão de bebidas alcoólicas.
Que as pessoas passem a entender e a respeitar a individualidade de cada um.
Que os idosos não se transformem em perspectivas de novos ganhos após o seu desaparecimento e que lhes seja permitido, e até mesmo, incentivado, a usufruir do justo fruto de seu trabalho na plena satisfação dos seus desejos. O que mata é infelicidade e tédio, e não, prazer.
Que a família passe a funcionar como seres que se amam e se protegem mutuamente, sem cobranças de qualquer espécie.
Que o respeito ao outro e às suas escolhas seja o moto propulsor para a felicidade de todos.
Que as pessoas se encontrem por puro prazer de estarem juntas, e não por regras comportamentais pré-estabelecidas, tais como almoços dominicais enfadonhos e obrigatórios, principalmente quando envolvem terceiros nesses compromissos.
Enfim, que cada um tenha presente que o ser humano foi feito para ser feliz do jeito que der e quer, mesmo que não corresponda às metas, ditas de sucesso, que são traçadas para ele.
Quem sabe assim não teremos um dia grupos familiares verdadeiramente felizes?
Gabriel Novis Neves
08-01-2014
A PASSAGEM DE UM ÍCONE POPULAR
Habita outro plano, Gegé de Oyá. Você, figura proeminente em nossa sociedade, que sonhou com uma família, achando força na espiritualidade e na contenda com os reflexos da escravidão e na sua ancestralidade. Esta que foi tão dura aqui na baixada cuiabana, e que levou negros a serem jogados tal qual buchas de canhões ao morticínio da Guerra do Paraguai, com a promessa de libertação. Você, que condoía com o sofrimento da escravidão negra nas minas do Sutil. Como primeiro colunista social da nossa cidade, saudado e bajulado pelas elites da terra na fotogenia narcísica dos demandantes no desfile das colunas sociais. Mais do que isto, guia espiritual até de curas, de reencontros, de amores clandestinos guardados a chaves possíveis nas intempéries das falsas e reais relações amorosas, que levou tantos para terreiros, a conhecer um pouco da crença na religiosidade afro. Que construiu em terreno fértil a poética da resistência, do enfrentamento ostensivo das diferenças, do conservadorismo e da intolerância. Enfrentou de peito aberto, nunca recuando no orgulho à dignidade e na conquista dos seus desejos. Menino que nasceu na síndrome da fome, no velho sertão de Rosário Oeste. Acolhido e apoiado em pequeno, pela família Cuiabano. Que foi estudar Artes e Ofícios desde o primário no Colégio São Gonçalo, já encantado com a arte da costura, que continuou na antiga Escola Artífice. Gegé sempre se postou como um príncipe negro, incorporando como marca em seu talento, criatividade, a estética e o vestuário afro. Estudou, pesquisou, desde os trabalhos como alfaiate (dizia costureiro), até a de colunista social badalado nas hostes ditas “chiques”. Nunca deixou de lado as referências das famílias pobres e tradicionais em seus textos. Sobretudo, sarcástico com as incoerências das superficialidades que marcam um tipo de colunismo servil, mercantil e vazio. Tinha uma visão crítica sensata e 'finória' da alta sociedade, sabendo que acumulou poder e força através deste ofício, vendo isto como um instrumento de resistência em sua ligação sincrética com o catolicismo e a religiosidade afro. Foi amigo desde Dom Aquino, outras referências católicas em Cuiabá, até os núcleos de Candomblé, Umbanda e Espiritismo. Referências como Dandi, Pai Edésio, Joãozinho do Axé, Jojô, Robson e Seo Arlindo. Certa feita, em Brasília (levado por Isabel Campos, amizade forte), foi recepcionado com honras de Chefe de Estado, confundido com o Rei da Nigéria, que ainda não tinha chegado. Sua indumentária afro era componente da sua arte e estética. Carnavalesco, sua presença era marcante, o povo aplaudia em delírios, as crianças adoravam suas performances nos velhos carnavais e batalhas de rua. Assinava ponto nas madrugadas em bares e espaços como Choppão e Sayonara, passando por clubes como Operário, o Dandi, Náutico, Grêmio Antonio João, além dos clubes Feminino e Dom Bosco. Sua entrada foi vetada no Dom Bosco em uma comitiva dirigida pelo saudoso Mestre Batista, que culminou com contendas e o encerramento da festa naquela noite. Quando podia, “dava bananas” ao racismo e machismo da cidade, com o desprezo e elegância de sempre, ele, que enfrentou centenas de hostilidades desta natureza. Também produziu na rádio Difusora o programa denominado “ Uma Rosa para uma Dama Triste”. Gegé de Oyá foi fortemente identitário, pioneiro e verdadeiro no seu pertencimento cultural, racial, no gênero e na orientação sexual. Em tempos dificílimos. Sempre ancorado na religiosidade e no sincretismo. Gegé de Oyá é história, memória e orgulho da nossa terra!
Waldir Bertúlio
Professor aposentado da UFMT
Mais lidas
Leio no G1 que, das cinco notícias mais lidas da semana, duas são referentes a assassinatos e uma da escravidão sexual durante a guerra entre a Coreia e Japão.
As outras anunciam abertura de concurso público e exemplo de quem está superando a crise.
Nem a tremenda dificuldade política e financeira que assola o país interessa mais ao leitor que, ao que parece, jogou a toalha no chão.
Nada auspicioso para 2015, que já é chamado por muitos como um ano perdido e de retrocesso.
Perdemos a nossa credibilidade externa como países bons pagadores e ganhamos o não honroso título de caloteiros.
De fato não temos nada a comemorar do ano que passou.
A inflação e desemprego voltaram, a nossa moeda foi desvalorizada, a educação não evoluiu, a saúde não funcionou e os hospitais estão fechando.
A indústria sendo vendida a preço de banana, para festa dos países ricos e moedas fortes.
Neste momento temos muita falação de aumento de impostos e nenhuma ação propositiva do governo para amenizar a dificuldade que nos sufoca.
O corte de dezenove ministérios não iria resolver o gravíssimo problema de recursos financeiros, porém, transmitiria à população um bem estar psicológico.
Impossível mexer nos ministérios, pois temos um Congresso Nacional totalmente voltado aos seus próprios interesses e não os da nação.
Esse efeito cascata atinge as Assembleias Legislativas, Câmara dos Vereadores e órgãos fiscalizadores do governo.
Por isso as notícias mais lidas são consequência dessa brutal desigualdade social, gerando a violência e impunidade dominando este país.
Que surjam melhores notícias para serem lidas neste tenebroso ano de 2015.
Gabriel Novis Neves
29-12-2015
Valores
Importantíssimo que todos os responsáveis pela educação infantil saibam diferenciar os valores apregoados pela sociedade, dos verdadeiros valores éticos. Estarão assim contribuindo para que a criança exerça a sua cidadania com atitudes íntegras e solidárias.
Como diz um velho adágio, “um indivíduo não nasce moral, torna-se moral”.
Os valores éticos, atualmente bastante desprezados, são os mais importantes para a formação de um adulto saudável, tanto na sua individualidade quanto na sociedade em que vive.
No mundo moderno, em que os pais cumprem tarefas rígidas de trabalho, o que tem se observado é a terceirização na educação dos filhos. Isso tem contribuído, e muito, para um total descompasso de ideias e comportamentos na fase adulta.
Pais e filhos se veem de repente como estranhos que coabitam num clima de total indiferença, movidos por valores absolutamente desencontrados.
Até os seis anos de idade, fase em que toda a personalidade é formada, todos os responsáveis pela orientação dos pequenos aprendizes, deveriam estar, tão somente, preocupados com o legado ético moral que querem deixar para eles.
No entanto, o que vemos são crianças assoberbadas por atividades como natação, cursos de inglês, de mandarim, de judô, de computação, tudo focado no seu sucesso financeiro futuro.
Dessa maneira, delas é roubado o melhor tempo da vida, o da infância, em que o ócio criativo é o grande responsável pelas nossas mais belas memórias.
O incentivo aos jogos eletrônicos é maciço e, inúmeros pais se vangloriam da facilidade com que seus filhos manuseiam precocemente máquinas digitais sofisticadas.
Ocorre que nessa fase deveriam estar sendo absorvidas, ou não, as noções de integridade, de solidariedade e de respeitabilidade com o próximo e consigo mesmo.
Inversamente, com o aumento da atividade produtiva da sociedade, pais, pouco ou nada presentes, procuram preencher os espaços de tempo de seus filhos cada vez mais, imaginando assim estarem contribuindo para uma boa educação.
Um papel que deveria ser cumprido pelas escolas, infelizmente não ocorre dado às más condições da educação em nosso país.
O resultado é o aumento de adolescentes desrespeitosos com os colegas, com os pais, com os professores, com os idosos, enfim, com a sociedade em que vivem.
Não há que se culpar os jovens por comportamentos com os quais não concordamos, mas, tão simplesmente, corrigir os erros de formação através de uma cultura educacional mais moderna e mais eficiente, dissociada do que nos impõem as diversas mídias que, logicamente, se mostram comprometidas com um sistema desumano que prioriza o ter e não o ser.
Com o distanciamento dos valores éticos pela família, e, posteriormente, pelas escolas, formam-se seres competitivos, totalmente dirigidos ao sucesso material e emocionalmente bastante anestesiados.
Gabriel Novis Neves
01-12-2013
Comer bem
Dia desses fui jantar na casa de um jovem casal. Além da novidade, uma grande expectativa tomava conta do ambiente-surpresa. Esta ficou por conta do chefe da cozinha, um profissional liberal.
Ele revelou-se um grande cozinheiro. Especializado em comida portuguesa. O bacalhau que nos foi servido foi de dar inveja a muitos experts da arte de comer bem.
Nada de excessos. O suficiente para saber como cultivar o hábito de uma boa mesa para manter uma perfeita saúde.
A gastronomia é arte e cultura, aliada ao prazer de uma higiênica e saudável refeição.
Para completar o cenário, um belo ambiente com música “digestiva”, quase imperceptível aos ouvidos, como manda o bom tom, e uma conversa quase em sussurros.
Pequenas porções de guloseimas eram substituídas por novas iguarias, impossível controlar a gula, mesmo de um bem comportado e discreto apreciador de “quitutes saborosos”.
Duas taças de vinho acompanhadas do mesmo número de copos de água completavam a mesa do “pecado”.
Sorvete de chocolate feito em casa e o infalível cafezinho com as duas gotinhas do “regime” encerraram o jantar, menos a conversa que continuou num ritmo sem fim.
Sendo a primeira visita de encontro de gerações tão distantes, segui o protocolo do século XIX de conhecer a pequena casa com detalhes, ouvindo explicações feitas com orgulho pela jovem dona da casa.
Gostei do que vi e escutei. Bom gosto e discrição em todos os ambientes. Tudo foi planejado para o lazer após um dia de trabalho.
Mas, o principal, foi ter constatado que aquele ambiente familiar é dos mais propícios para uma boa educação para os filhos, pois as crianças adquirem os primeiros valores da vida em casa.
Lá, todos trabalham, podendo fazer o que gostam sem importunar ou depender de ninguém para usufruírem das alegrias que o fruto do trabalho oferece.
Como é bom ser independente e, com bom nível educacional e cultural, viver a vida que escolheu! Muitos acham, erroneamente, que só a riqueza produz a felicidade.
A sensação de independência financeira para compromissos domésticos, principalmente, faz bem à nossa saúde e a do ambiente em que estamos inseridos, desde que possuamos esses mínimos pré-requisitos para uma vida honrada.
Sou um forte candidato habilitado a ser bisavô. Espero que a educação para o trabalho e para o lazer continue para sempre regando os meus descendentes.
É o caminho mais ético e digno para se acompanhar o ciclo vital. O mundo é redondo e dá voltas. Por isso mesmo, nos nossos bons momentos, não podemos nunca nos esquecer do dia de amanhã.
Nosso lema é viver uma vida com dignidade, sem humilhação. Entenda-se humilhação uma subsistência dependente de outrem, por não terem sabido ou querido aproveitar todas as oportunidades que a vida oferece.
O pior é pensar que as pessoas escolhidas para essa “ajuda” têm essa obrigação.
Retornei do jantar satisfeito e com a impressão de que nem tudo está perdido nos nossos jovens.
Está provada que a alavanca da ascensão social é a educação recebida em casa e aprimorada pelas instruções adquiridas na escola.
Nada acontece por acaso. O talento é essencial, mas sem o trabalho ele se anula.
Sinto-me com forças renovadas para continuar a minha missão de valorizar a educação e o ambiente em que é criada uma criança.
Gabriel Novis Neves
18-05-2014
Sofrimento antecipado
De todas as doenças que estudei a mais incomodativa, em minha opinião, é a do sofrimento antecipado.
Sou vítima dessa patologia e sei o que isso significa para a saúde humana.
Dia desses fiz um exame de prevenção dentária. Procedimento simples: exame da arcada dentária e retirada de tártaros (depósitos de cálcio que se formam nos dentes), mais intensa em velhos.
Poucos dias depois, a secretária da clínica me telefonou para confirmar o meu retorno e solicitou que eu chegasse um pouquinho mais cedo. Eu seria examinado por um odontólogo especialista em implante dentário.
Pronto! Estava instalado em mim o sofrimento antecipado.
Algo de muito grave fez com que a minha periodontista solicitasse um parecer especializado.
Só me tranquilizei após o exame do cirurgião que me liberou dizendo que tudo estava normal para a minha idade.
Que alívio! Interessante que nesta fase da vida sempre que procuro um profissional de saúde ouço essa sentença – “para a sua idade tudo está normal!”.
Entendo que os desgastes naturais sofridos pelo nosso organismo no decorrer dos anos são considerados normais até o fechamento do nosso ciclo vital.
Os que sofrem por antecipação passam horas, dias, semanas e meses sempre pensando na pior das hipóteses.
No caso da revisão odontológica, o mínimo que imaginei foi um implante de dentes e, na pior das hipóteses, numa moderna dentadura.
Isso vale para as outras surpresas que a vida nos aponta.
No ambiente político nacional e internacional o sofrimento antecipado é uma realidade.
Há séculos estão mexendo com fogo no Oriente Médio, tendo como pano de fundo a religião e as riquezas naturais.
Recentemente, o resultado foi o maior ato terrorista contra a cidade mais charmosa do mundo, deixando centenas de inocentes vítimas.
Aqui na terrinha de Pedro Álvares Cabral o desmando administrativo, símbolo da falta de governo, é o nosso maior sofrimento por antecipação.
O mundo precisa passar por uma grande terapia analítica para encontrar a paz e se libertar do terrível sofrimento do que provavelmente virá, nem sempre confirmado.
Quanto mais pavor, mais precisamos manter a racionalidade. Isso serve para tudo na vida.
Precisamos muito da leveza do viver...
Gabriel Novis Neves
19-11-2015
Alerta do CFM
“Precisamos de governos democráticos que não se aproximem do Estado enquanto poder, mas que se aproximem do Estado enquanto povo” - assim se pronunciou o Presidente do CFM ao analisar as políticas públicas e a saúde em nosso país.
Nos países desenvolvidos que adotam as políticas como prioridade de Estado, a expectativa média de vida pode ultrapassar aos oitenta anos, e as principais causas de mortes são as doenças cardiovasculares, o câncer, o acidente vascular cerebral e a demência.
Antigamente, nascia-se e morria-se em casa. Agora, a maioria das mortes foi transferida para os hospitais, com passagem obrigatória pelas UTIs (Unidades de Tratamento Intensivo) nos poucos municípios brasileiros que possuem esse recurso tecnológico.
Assim, surgiu um novo padrão moral, com ênfase à dignidade humana como mais importante que o saber científico ou o lucro.
Comenta o Presidente do CFM que se instituiu o dever do financiamento da assistência à saúde pública.
De acordo com o relatório do Banco Mundial (2013) referente ao ano de 2012, os 10 maiores gastos per capita em saúde no mundo foram, em ordem decrescente, os da Noruega, Suíça, Estados Unidos, Luxemburgo, Mônaco, Dinamarca, Canadá, Holanda e Áustria.
Enquanto a média mundial de gastos públicos em saúde era de 6.08 do Produto Interno Bruto (PIB), o Brasil investia nesse setor apenas 4.32, contrastando ainda mais com o dos países não situados nos 10 primeiros lugares do ranking dos de gasto per capita e com modelos assistenciais semelhantes ao SUS como a Inglaterra (7.78) e a Alemanha (8.61).
A expectativa de vida dos brasileiros é de 73,62 anos quando comparada a dos ingleses (81.5) e dos alemães (80,89).
Na Alemanha 76,28% de todo o gasto de saúde é bancada pelo Estado e na Inglaterra esse índice é de 82,51%, números bem mais significativos que do atual índice brasileiro de 46,42%.
A dimensão desses paradoxos assume maior relevância se considerar que em nosso país 150 milhões de pessoas (75% da população) dependem totalmente dos gastos públicos para a promoção e prevenção das doenças e realização de diagnósticos e tratamentos.
“Se levarmos em conta o índice de analfabetismo funcional, a corrupção, a falta de racionalidade no planejamento e operacionalização do SUS, aumenta a distância entre a saúde pública no Brasil daquela praticada na Inglaterra, Alemanha e nos 10 países que mais lhe dão prioridade para investimento” - lastima Carlos Vital Tavares Corrêa Lima.
Pelos dados divulgados pelo IBGE no ano passado, mais da metade dos 5.570 municípios brasileiros precisou mandar pacientes do SUS para outros locais em busca de internação.
Além disso, 52,1% dos municípios do país foram obrigados a encaminhar pacientes para realização de exames em outras cidades.
Na Alta e Média Complexidade o quadro é calamitoso! Apenas em 6.5% das cidades brasileiras existem disponibilidade de UTI Neonatal em estabelecimentos públicos ou conveniados ao SUS.
Os serviços de hemodiálise, indicados a pacientes com insuficiência renal, estão disponíveis em somente 8.7% dos municípios. Somente 49.6% dos municípios do Brasil têm estabelecimentos que realizam o parto.
Segundo o Presidente do CFM, Corrêa Lima, em profunda reflexão, disse ser possível superar os desafios e construir o nosso destino.
No momento em que vivemos gravíssima dificuldade financeira, com falta de credibilidade internacional, lesões da ética e da moral e profunda crise política, o primeiro passo é compreender as nossas dificuldades na saúde.
Decidir politicamente que saúde pública é prioridade nacional, sem fronteiras entre a saúde dos ricos e dos pobres, aproximando o Estado do povo brasileiro.
Gabriel Novis Neves
04-11-2015
MAIS UM ANO DE CRISE
JUACY DA SILVA*
Costuma-se dizer que o brasileiro é por profissão um sofredor e ,ao mesmo tempo um sonhador. Por pior que seja a situação nacional, estadual, municipal, pessoal, familiar sempre resta uma réstea de esperança de que no próximo ano, enfim, no futuro tudo vai mudar. Afinal este é o país abençoado por Deus, pelas divindades e pela sorte.
Basta ver que em um país em que cassinos são proibidos, mas muitos funcionam a todo vapor; onde o jogo de azar, se praticado pelos contraventores é crime, mas o governo federal, através da Caixa Econômica Federal, promove a maior jogatina de que se tem notícia ao redor do mundo, atraindo principalmente as pessoas mais humildes e parte da classe média que tenta se tornar milionários sem trabalhar, sem dar o duro. Outros, ocupando cargos públicos, nomeados, concursados ou eleitos imaginam que meter a mão no dinheiro público é sinal de esperteza e jamais uma prática desonesta. Alguns gatos pingados deste turma ultimamente andam sendo pegos pela justiça e tirados de circulação, passando a ser hóspedes do sistema penitenciário, custeado pelo contribuinte, mas representam apenas a exceção para confirmar a regra.
Assim é fácil perceber que existem duas realidades. Uma criada pelos governantes que adoram mentir para a população, dizendo que a origem de nossos problemas econômicos, políticos, de gestão, ambientais, de governabilidade decorrem de uma grande crise mundial e ao mesmo tempo de uma conspiração internacional, de uma armadilha criada pelas “elites” que por séculos dominaram o país e que o atual governo, por exemplo, que tem em seu núcleo central o PT e como coadjuvantes ou sub-legendas os demais partidos, com destaque para o PMDB que divide com o partido do governo o botim, culpa diuturnamente.
Nesta forma de manipulação os governos federal, estaduais e municipais costumam culpar a natureza, principalmente quando ocorrem desastres “naturais”, com destaque para o El Ninho, La ninha, São Pedro que ora manda mais chuva ora não manda nada de chuva, ou as vezes alguns de forma mais cínica culpam nossas origens históricas, jogando a culpa nos portugueses, nos indígenas e nos negros, mesmo que esses dois últimos grupos tenham sido vítimas de exploração e violência por parte da elite branca.
Nunca a população ouve dos governantes que as razões verdadeiras é a incompetência dos governantes e gestores públicas, a falta de planejamento estratégico, a corrupção que corre solta dentro do governo e nas empresas que transacionam com o poder público, no compadresco, no loteamento do poder, no imediatismo e no vampirismo dos partidos políticos.
Basta darmos uma olhada nas declarações de nossos governantes e nossas autoridades em uma retrospectiva histórica, incluindo os períodos das campanhas eleitorais, como os candidatos que representam os governantes de plantão no momento considerado, “pintam” um quadro cor de rosa da realidade, seus balanços só tem números bonitos, enquanto seus opositores tentam abrir as caixas pretas das administrações que estão se findando.
Sugiro ao leitor e eleitor uma análise, por exemplo, dos discursos da então candidata Dilma entre julho e novembro de 2014, como era o Brasil que sua propaganda eleitoral transmitia ao povo, basta tomar temas como corrupção, emprego/desemprego, carga tributária, inflação, dívida pública, taxas de juros, contas públicas, andamento de obras federais, saúde pública, educação, segurança pública/violência, reforma agrária, meio ambiente, gestão pública, burocracia, reforma política, reforma fiscal, direitos trabalhistas e outros mais.
Compare os discursos da candidata Dilma daqueles três ou quatro meses, com a realidade que “surgiu” como uma bomba no decorrer de 2015 e as explicações esfarrapadas tanto da própria presidente, quanto de seu mentor o ex-Presidente Lula, ou por parte do PT e dos partidos aliados, tudo enganação, meias verdades , muitas mentiras tentando tapar o sol com a peneira.
Só agora quando o barco está cada vez mais à deriva é que “vozes dissidentes” ou não tão fiéis começam a fazer o mea culpa, como o que disse o ministro chefe da casa civil Jacques Wagner qe disse de forma clara que o PT e o governo se lambuzaram, perderam o rumo, ou então a turma do PMDB de Temer e Eduardo Cunha que tentam pular do barco antes que o mesmo afunde.
Esse posicionamento de uma parte do governo, do PT e alguns setores de partidos aliados demonstra de forma clara o oportunismo desses grupos pois sabem, e os números das pesquisas de opinião pública indicam, que nas próximas eleições municipais deste ano e nas eleições gerais de 2018 o PT e toda esta turma poderão ser varridos do mapa politico brasileiro, pois 2016 poderá ser muito pior do que foi 2015 e ai não adianta procurar bodes expiatórios, o povo sabe que governos corruptos, incompetentes e demagogos não combinam com desenvolvimento, nem com democracia , muito menos com justiça, cidadania e sustentabilidade, pilares de um país decente.
*JUACY DA SILVA, professor universitário, titular e aposentado UFMT, mestre em sociologia, articulista de A Gazeta há mais de 20 anos. E-mail O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Blog www.professorjuacy.blogspot.com Twitter@profjuacy
Sono e vigília
Os escritores muitas vezes elaboram durante a noite todas as suas fantasias, traduzidas como sonhos, principalmente naquele pequeno lapso de tempo que separa o sono da vigília.
Tal como os que costumam ingerir com frequência fármacos psicotrópicos, alguns de nós, mais que outros, elaboram no próprio organismo um excesso de componentes dessas substâncias que costumam ativar as percepções.
Quem sabe a qualidade dos textos gerados tenha relação com essa química pessoal?
Conta a história que o grande poeta francês Baudelaire convidou o filósofo Balzac a participar de uma dessas sessões regadas ao uso de substâncias químicas, tão comuns entre alguns intelectuais e artistas.
Um dos nossos maiores neurocientistas, Sidharta, acredita que drogas psicotrópicas como, por exemplo, a maconha, podem ativar áreas cerebrais responsáveis por uma maior criatividade.
Eu, por exemplo, avesso a qualquer substância que possa de alguma forma obnubilar o meu livre pensar e agir, tenho tido algumas experiências interessantes, justo nesse período entre o sono e a vigília.
Algumas vezes chego a me levantar da cama para fazer anotações que, no dia seguinte, são transformadas em crônicas.
Há algum tempo fui dormir dizendo a mim mesmo que queria fazer uma viagem ao exterior naquela noite.
Por incrível que pareça acordei na manhã seguinte lembrando-me do belo sonho que tive - em que revia em Paris um grande amigo já falecido.
Contou-me coisas de sua vida artística. Suas últimas obras escultóricas estavam fazendo sucesso nas galerias da Cidade Luz.
Em seguida falamos de nossas vidas amorosas. Ele me disse que estava no momento muito apaixonado pela Anita, simples assim.
Claro, na minha memória, Anita, era a bela Ekberg, a musa que tanto sucesso fez no filme “Dolce Vita” do mestre do cinema, Fellini.
Ela foi uma das nossas mais fortes referências femininas dos anos sessenta, ao lado de Brigitte Bardot, Sofia Loren e Claudia Cardinale.
Com certeza os mais jovens não sabem de quem estou falando.
Convenhamos que nem sempre temos a oportunidade de fazer uma viagem gratuita a Paris, tendo como pano de fundo as fantasias juvenis que tanto nos embalaram nos famosos anos dourados.
A nossa caixa cerebral ainda tem muito a ser conhecida, pois apenas nas últimas décadas tem havido progressos nos estudos neurocientíficos do cérebro.
Muitos Sidhartas ainda virão até que o grande mistério da vida comece a ser desvendado.
Mas, enquanto isso, vamos sonhar e deixar que os sonhos, apenas eles, sem psicotrópicos, nos levem a uma criatividade sem limites!
E que as pessoas que conseguem transmitir para o papel toda a magia dos sonhos, que continuem a fazê-lo, para o deleite de todos.
Gabriel Novis Neves
06-12-2015
Crise sanitária
Como se já não bastassem as crises política, econômica, ambiental, social, moral e racial pelas quais temos sido assolados nos últimos anos, terminamos 2015 com uma sombria crise sanitária.
Todas estão interligadas e não podem ser separadas por ordem de importância.
De dimensões imprevisíveis, por inédita como se apresenta, vem desafiando os meios científicos em busca de correlacioná-la com o mosquito aedes aegypti, já responsável pelo vírus da dengue e da febre chicungunha.
Esse mosquito, catalogado como capaz de transmitir mais de cem tipos de vírus, agora nos alarma pela transmissão do vírus Zika, sendo este responsável pelas graves alterações morfológicas nos cérebros de recém-natos, conhecida como microcefalia.
Só o tempo vai dizer a gravidade desse novo problema sanitário que, segundo as mídias, está tomando proporções alarmantes.
O fato é que as nossas classes dirigentes nunca se preocuparam muito com o saneamento básico, primordial, nos países desenvolvidos.
Um país tropical como o nosso mostra o mais profundo desprezo em cuidar dos seus mares poluídos, seus rios assoreados, suas colinas desmatadas, enfim, de nossos sistemas ambientais.
Isso sem falar no desinteresse criminoso no controle de nossas barragens, todas passíveis de grandes desastres ecológicos com o ocorrido recentemente na barragem de Mariana.
Há algumas décadas fomos eficientes no combate à malária, à sífilis e à tuberculose, conseguindo praticamente erradicá-las em nosso país.
Graças, entretanto, à miséria sanitária que nos ronda, essas doenças, não só têm voltado com força, como também várias outras, como a dengue, a febre chicungunha e agora toda essa interrogação com o vírus Zika.
Como profissional de saúde durante os últimos cinquenta anos venho batendo nessa tecla do desprezo das nossas classes dirigentes com relação ao saneamento básico, apenas focado durante as campanhas eleitorais.
Mais uma vez, sem educação não há cobrança da sociedade civil por esse saneamento fundamental para a saúde de nossa população.
O que fizemos para merecer esse potencial de crises que, diante do desprezo pelo seu acúmulo, vem tornando todo um país refém de desse lamaçal de incompetências?
Nesse momento crítico de nossa história ou reunimos todas as nossas forças para reverter essa ordem de políticas menores, ou chafurdaremos todos nesse pântano de subdesenvolvimento não sei por quantos outros séculos.
Onde andará o espírito democrático de “governar para o povo e pelo povo”?
Por que pagamos tão caro por serviços tão omissos?
Seria o momento ideal para que nossa classe dirigente passasse a agir em função de um interesse maior, o da nação, e não, em função de interesses mesquinhos, politiqueiros, que apenas conseguem levá-los ao câncer ou ao cárcere.
Não precisamos de um salvador da pátria, até porque ele não existe, precisamos é de uma compreensão global da gravidade do momento que vivemos.
Sem utopias, ainda é tempo de mudar os destinos desse belo país através de uma grande união nacional baseada no entendimento e na solidariedade, sem vínculos corporativistas nem vaidades pessoais, mas visando o bem estar desses duzentos e dez milhões de brasileiros desvalidos.
Gabriel Novis Neves
10-12-2015