Terça, 05 Agosto 2025 14:18

 

O governo dos Estados Unidos, sob a liderança de Donald Trump, anunciou a aplicação de uma sobretaxa de 40% sobre os produtos brasileiros exportados ao país, que já estavam sujeitos a uma tarifa de 10%. Com isso, o total da tarifa chega a 50% e entrará em vigor a partir de quarta-feira (6). Embora o governo estadunidense tenha recuado parcialmente em relação ao anúncio feito em junho — retirando 694 itens da lista, como petróleo, suco de laranja, minérios e aeronaves —, a medida é vista como parte de uma ofensiva mais ampla, de caráter imperialista, contra o Brasil e sua soberania.

A sobretaxa foi acompanhada por uma série de ações e declarações que colocam em xeque o respeito dos Estados Unidos (EUA) à democracia e ao Estado de Direito no Brasil. Entre elas, estão acusações infundadas de ataques à liberdade de expressão, utilizadas como pretexto para proteger os interesses das big techs* norte-americanas, interferências no processo judicial contra Jair Bolsonaro pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 e suspeitas de um ataque especulativo ao Real, que teria gerado lucros bilionários a grupos com acesso privilegiado a informações.

Segundo comunicado da Casa Branca, a medida seria uma resposta a ações do governo brasileiro que, na avaliação dos EUA, representam uma “ameaça incomum e extraordinária” à segurança nacional, à política externa e à economia norte-americana.

Diante desse cenário, manifestações contra o tarifaço e a ofensiva imperialista vêm sendo organizadas em várias partes do país. Na última sexta-feira (1º), ocorreram atos em locais públicos e em frente a representações diplomáticas dos Estados Unidos.

Para analisar esse contexto e refletir sobre os caminhos da luta sindical e popular diante dessa conjuntura, Marcos Soares, 1º vice-presidente da Regional São Paulo e encarregado de Relações Sindicais do ANDES-SN, deu uma entrevista ao site do Sindicato Nacional.

ANDES-SN: Quais os impactos econômicos e sociais da sobretaxa para os trabalhadores e as trabalhadoras brasileiras, especialmente nos setores mais afetados pela exportação?

Marcos Soares: Agora que o tarifaço, ou a sobretaxa, foi anunciada, alguns itens e setores foram mais afetados, outros menos, mas, de forma geral, não houve muita mudança em relação ao que havia sido anunciado previamente. Se observarmos as áreas econômicas do Brasil mais impactadas, destacam-se o café, o açúcar (com toda a cadeia da cana-de-açúcar), as carnes e os calçados — setores com forte presença nas exportações brasileiras para os Estados Unidos.

Os representantes e empresários desses setores têm defendido que o governo brasileiro continue tentando negociar com os EUA, buscando reduzir o percentual da sobretaxa ou até conseguir isenções, como ocorreu com outros setores. Além da via diplomática e política, alguns também têm cobrado que o governo adote uma política de apoio financeiro, nos moldes do que foi implementado, ainda que parcialmente, durante a pandemia.

Essa estratégia, no entanto, tem impacto direto na economia brasileira, pois implica a entrada do Estado com recursos, financiamento e apoio aos setores produtivos, em especial ao setor privado. É uma discussão importante, já que envolve grandes segmentos da economia nacional. O impacto imediato, no entanto, recai sobre os trabalhadores. O setor de calçados, por exemplo, já anunciou que, se a sobretaxa for mantida, até 8 mil postos de trabalho poderão ser eliminados.

ANDES-SN: Quais medidas o governo brasileiro deveria adotar diante desta sanção comercial dessa magnitude, imposta unilateralmente pelos EUA?

MS: O governo Lula procurou os empresários para discutir e negociar, demonstrando, assim, um caráter de forte conciliação com esse setor. Ainda que, em essência, esses setores também sejam vítimas de um processo absolutamente arbitrário, por um governo de um país muito rico e poderoso do ponto de vista econômico. No entanto, até o momento, Lula não chamou os trabalhadores para essa discussão, o que considero um problema.

É claro que o governo brasileiro está sob grande pressão, sobretudo porque essas medidas do Trump têm um caráter conspiratório, intervencionista e de aliança com a extrema direita brasileira. Por isso, a discussão no Brasil não é tranquila. Estamos assistindo, por exemplo, ao próprio filho do ex-presidente Bolsonaro, nos Estados Unidos, conspirando contra o Brasil e contra setores que, em tese, até poderiam apoiá-lo politicamente, como o agronegócio. Portanto, esse diálogo interno não é fácil de ser feito no Brasil, mas, seguramente, ele fica mais difícil se não houver um diálogo com as centrais sindicais, os movimentos sociais, enfim, com a classe trabalhadora.

Acredito que uma das medidas que o governo deveria tomar, além das econômicas, que visem mitigar os impactos da sobretaxa e das tarifas, seria abrir um canal de diálogo com o movimento sindical, os trabalhadores e as trabalhadoras e os movimentos sociais em geral. A possibilidade de demissão é latente, porque é a resposta imediata que o capital faz para tentar diminuir o impacto do aumento do custo de produção e impostos. Então, o governo brasileiro precisaria chamar os trabalhadores para discutir essa situação.

 

 

ANDES-SN: Antes do anúncio oficial do tarifaço, os EUA vincularam as tarifas a uma suposta “censura” no Brasil e saíram em defesa de Bolsonaro, acusado de tentativa de golpe. De que forma essa postura ameaça a soberania do Judiciário brasileiro e enfraquece nossas instituições democráticas?

MS: O Trump lidera hoje um projeto global da extrema direita, com articulações em países da Europa, Israel, alguns contatos no Oriente Médio e a Argentina, na América Latina — onde se alinha diretamente a figuras como Bolsonaro e sua equipe. O tarifaço anunciado pelos EUA não mira apenas o Brasil, mas aqui teve um tratamento particular: não houve negociação oficial, e a medida veio acompanhada de pressões políticas, como a defesa pública de Bolsonaro e críticas infundadas ao sistema judiciário brasileiro. Trata-se de uma ofensiva em duas frentes — econômica e política — para proteger aliados e interferir em processos internos, como não culpabilizar Bolsonaro por tentativa de golpe. Recentemente, um general chegou a admitir que cogitou o assassinato de Lula, do vice Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, o que revela a gravidade da ameaça à democracia brasileira.

Não haverá um apoio substancial da União Europeia, ou de outros países, muito menos da Rússia ou da China, à ideia de que há uma “caça às bruxas” no Brasil ou de que a Justiça esteja perseguindo Jair Bolsonaro. Até porque, pela lógica da política internacional e da diplomacia, os países costumam evitar interferências diretas nos assuntos internos de outras nações. Isso é, em certa medida, uma regra da diplomacia internacional. Na verdade, o que temos visto é o contrário. No dia 25 de julho, o ANDES-SN esteve presente na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, na Universidade de São Paulo (USP), durante o lançamento da campanha Soberania Nacional. Foram mais de 300 entidades, a maioria ligada aos movimentos sociais, à luta por democracia, por direitos humanos, mas, no evento, havia também representantes do empresariado, discutindo que a soberania de um país não se negocia.

Nós, trabalhadoras e trabalhadores organizados, sabemos que o Judiciário no Brasil é muito seletivo. No entanto, na discussão específica que envolve a acusação contra Jair Bolsonaro e sua equipe numa trama golpista, a Justiça está seguindo os ritos legais e as provas estão aí para todos e todas verem. Há uma ameaça à soberania nacional. Por isso, é fundamental que os movimento sociais e os sindicatos estejam atentos e atuem para impedir qualquer manifestação no sentido de dar a um país estrangeiro a outorga de se inserir e fazer algum tipo de ingerência na soberania do nosso país, do ponto de vista das suas instituições, da luta geral e do próprio governo. Soberania não se negocia.

ANDES-SN: A AGU tem apurado possíveis operações no mercado financeiro brasileiro com base em informações privilegiadas, envolvendo lucros com câmbio antes e depois dos anúncios de taxação feitos por Donald Trump. O que essa possível operação especulativa revela sobre os mecanismos de dominação financeira internacional e seus impactos sobre a economia brasileira?

MS: Demonstrou como o sistema financeiro internacional, embora pareça ter regras e uma estrutura formal, é uma grande farsa. No campo da discussão que nos traz István Mészáros, com a incontrolabilidade do capital, mostra que o capital é incontrolável. O Brasil foi o país, até aqui, com a taxação mais alta, de 50%, o que envolve muito dinheiro.

Há uma farsa em termos de controle sobre a lógica do capitalismo em nível mundial e expõe os mecanismos de dominação financeira. Grupos que se beneficiam com informações privilegiadas, com movimentos especulativos que afetam a economia, porque isso significa essa volatilidade de capital, que entra e sai do país a partir dessas informações, desse circuito informativo que acontece entre pessoas que dominam o capital, ligadas a governos, ou diretamente ao capital especulativo, Bolsa de Valores etc.

ANDES-SN: De que forma a política externa dos EUA, marcada pelo unilateralismo e por ações imperialistas, impacta países do Sul Global como o Brasil?

MS: É importante dizer que, desde o final do século XIX, quando os Estados Unidos começam a se consolidar e, principalmente, pós-Segunda Guerra, como a principal potência imperialista do planeta. É importante dizer que a relação com os demais países sempre foi uma relação de dominação, seja ela econômica ou militar. Podemos pegar o exemplo das políticas econômicas lideradas pelo FMI [Fundo Monetário Internacional] para os países da periferia do capital, ou as intervenções militares, como no Iraque, no Afeganistão e em outros países.

O unilateralismo é uma marca deste atual momento dos Estados Unidos, ou seja, um país que vai se dirigindo aos demais de forma quase que individual, não por blocos. Um ponto interessante é que, mesmo em relação aos seus grandes parceiros europeus, já há divergências públicas. Essas divergências já existiam, mas eram tratadas de forma mais velada. Agora, são abertamente expostas, inclusive no que diz respeito aos gastos militares.

Me parece que o unilateralismo é uma resposta a essa conjuntura marcada por um tipo de governo de extrema direita, com traços até protofascistas. No campo econômico, essa postura se expressa por meio de pressões feitas a países de forma isolada, o que, na prática, aumenta ainda mais essa pressão. Uma coisa é pressionar um bloco como o Mercosul, outra é pressionar individualmente países como Argentina, Brasil, Venezuela e México. A saída, do ponto de vista da soberania dos países, seria buscar a unificação dessas economias.

Nós temos os Brics**, que ampliaram sua participação com a entrada de novos países como membros e parceiros. Alguns analistas dizem que essa ação dos Estados Unidos tem a ver, inclusive, com a expansão dos Brics. Ou seja, seria uma forma protecionista de se proteger economicamente.

O grande problema da América Latina é que não há uma certa unidade, mesmo nos governos ditos progressistas. Atualmente, temos governos assim no Chile, na Colômbia e no Brasil, mas já houve outro momento na América Latina em que mais países tinham governos chamados progressistas e, ainda assim, não buscaram uma linha política e econômica que lhes garantisse alguma segurança frente às políticas expansionistas do imperialismo estadunidense, como ocorre agora.

Ao mesmo tempo, outros analistas apontam que esse impacto pode abrir outros caminhos para exportações que antes eram minoritárias, voltadas a outros países. O Brasil, por exemplo, anunciou que muitos empresários estão procurando mercados, como o mexicano, para comercializar seus produtos.

ANDES-SN: Como as trabalhadoras, os trabalhadores, os movimentos sociais e entidades como o Sindicato Nacional podem se posicionar diante dessas ofensivas econômicas e políticas? E por que é fundamental que entidades sindicais e populares se manifestem contra as medidas que ferem a soberania nacional e favorecem o capital internacional?

MS: Do ponto de vista político, trata-se de defender a soberania nacional. Estamos assistindo uma aliança da extrema direita dos Estados Unidos, com Donald Trump como liderança global desse campo, em conluio com a extrema direita brasileira. É essa mesma extrema direita brasileira que colocou o boné da campanha do Trump “Fazer a América grande novamente”. América, aqui, entendida como Estados Unidos. E agora, parte dessa direita, como os governadores de São Paulo, Minas Gerais e Paraná, tem se posicionado a favor de Trump, se colocando, inclusive, em situações delicadas, como no caso de São Paulo, onde o agronegócio pode ser impactado em grande medida pelos tarifaços. Isso gerou questionamentos ao governador [Tarcísio de Freitas (Republicanos)], eleito com o apoio desse setor, a respeito de qual lado ele está.

Temos ainda um parlamentar em licença, nos Estados Unidos, o filho de Jair Bolsonaro [Eduardo], que atua como um embaixador da extrema direita brasileira e que, junto a Donald Trump, ataca a soberania brasileira.

É uma prova cabal de que a pecha de “patriotas” não cabe a essas pessoas, porque estão defendendo interesses de um país estrangeiro em detrimento dos do Brasil. É um conluio entre a extrema direita brasileira e estadunidense. Então, do ponto de vista político, os movimentos sociais devem denunciar essa aliança e defender a soberania nacional.

Do ponto de vista da classe, nós, trabalhadores e trabalhadoras, temos que nos posicionar em defesa dos empregos e da economia nacional. Ou seja, se o tarifaço gerar desemprego, é preciso pressionar empresas e governos a criarem novos postos de trabalho, que substituam aqueles eventualmente perdidos em função dessas políticas, responsabilizando o governo dos Estados Unidos, Donald Trump e os seus aliados no Brasil. Além da soberania nacional, a campanha deve focar na defesa do emprego para todos e todas.

ANDES-SN: O pretexto de “ataque à liberdade de expressão” tem sido utilizado para justificar a resistência das big techs norte-americanas à regulação de suas atividades no Brasil. Como esse discurso vem sendo manipulado por grandes corporações para evitar o cumprimento das leis brasileiras e a atuação do Estado?

MS: Liberdade de expressão é um termo que, no capitalismo, é um conceito polissêmico, porque envolve certos limites daquilo que se fala e daquilo que se faz. No caso das big techs, mas sem entrar muito nessa discussão, trata-se de um tema relativamente novo, tanto no Brasil quanto no mundo, e ainda é difícil consolidar uma compreensão clara na opinião pública. De modo geral, penso que a população tende a acreditar que tudo se enquadra como liberdade de expressão. E isso atrapalha o debate sobre a regulação das big techs.

O discurso mais fácil, quando se fala em regulação, é o da censura. Mas há diferença entre regular e censurar. Eu penso que a regulação seja necessária. Se pegarmos, por exemplo, o processo eleitoral, essas grandes empresas tiveram um papel preponderante no pleito que elegeu Jair Bolsonaro, divulgando informações falsas, muitas delas mentirosas.

De qualquer jeito, a legislação brasileira e o próprio debate público vêm sendo alvo de tentativa de desmoralização por parte da extrema direita, que tenta deslegitimar instituições como o Supremo Tribunal Federal (STF), como se o Judiciário fosse um poder autoritário, que quer controlar o país e se sobrepor aos demais poderes.

A ideia, amplamente veiculada na mídia, de que essas plataformas apenas permitem a comunicação entre pessoas e não têm controle sobre o que se fala ou escreve, não corresponde à realidade. Quem produz um instrumento de comunicação controla esse instrumento, seja diretamente ou por meio de algoritmos. Essas plataformas muitas vezes direcionam os usuários a determinados conteúdos ou opiniões, moldando percepções e comportamentos. Portanto, é necessário conquistar a opinião pública para entender que a chamada liberdade de expressão precisa, hoje, ter limites. Liberdade de expressão é uma coisa. Preconceito, mentira e fake news são outra.

É fundamental construir um debate nacional sobre a regulação dessas grandes empresas de tecnologia e pensar uma legislação brasileira que o faça sem cair na censura. Porque nosso país viveu uma ditadura de 21 anos, e os legisladores se acostumaram a censurar. Mas, no caso das fakes news , regular não seria censura.

Apostar todas as fichas apenas na via judicial, entretanto, me parece temerário. Os movimentos sociais e sindicais precisam assumir esse debate, com suas bases, sobre a necessidade de se estabelecer critérios para a atuação dessas empresas. É fundamental construir coletivamente uma compreensão sólida sobre o que é regulação e o que é censura. E, sobretudo, saber diferenciar uma coisa da outra.
 

*Big techs, ou gigantes de tecnologia, são as grandes empresas que exercem domínio no mercado de tecnologia e inovação, como Apple, Google, Amazon, Microsoft e Meta.


**Composto por onze países - Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã -, o Brics atua como um fórum de articulação político-diplomática entre nações do Sul Global, promovendo a cooperação em diversas áreas.

 

Fonte: Andes-SN

 

Terça, 28 Janeiro 2025 09:43

 

 

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para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. em Ciências da Comunicação/USP


              Nas primeiras séries de vida escolar, tive aquelas clássicas aulas sobre “sinônimos” e “antônimos”. Dos primeiros, aprendi que as palavras tinham o mesmo, ou significados semelhantes, como, p. ex., “carro” e “automóvel”. Os “antônimos”, dessemelhantes, como os binômios “branco/preto” e “amigo/inimigo”.
              Hoje, considero que os termos “presidente” e “bispa”, que, dentro da lógica semântica, até poderiam fazer parte dos sinônimos, posto serem substantivos que apontam para tipos de lideranças (no caso, política e religiosa) em diferentes sociedades, também podem ser antônimos! Isso depende apenas do presidente, da bispa e, acima de tudo, do contexto, tão bem estudado por Mikhail Bakhtin e seguidores.
              Foi preciso a maior democracia do planeta realizar suas últimas eleições, e o mundo assistir a um conjunto ritualístico da posse de seu atual presidente, para ser escancarado um antológico antagonismo – portanto, na esteira dos “antônimos” – entre um presidente (Trump) e uma bispa (Mariann Budde). Não que, antes, religiosos já não tivessem tido embates com o “status quo” alhures. Do Brasil mesmo, dentre outros, destaco a coragem do bispo Pedro Casáldaliga, durante a ditadura militar/64. Todavia, o detalhe do momento em pauta esteve no jogo dos olhares que ambos trocaram durante um culto, quando foi pregado um sermão de doer a alma de um cristão (desde que o fosse de fato), transmitido ao vivo e em cores, com destaque à laranja. Hai capito?
              Pois bem. De minha parte, avalio que o antagonismo exibido pelos dois sujeitos citados, dia 21 pp., na Catedral de Washington, pode nos servir como uma das imagens mais emblemáticas para a tentativa de compreensão deste turvado tempo, pois elas “fotografam”, num mesmo espaço (por ironia, um templo), a coexistência de dois tipos tão distintos de nossa espécie, politicamente falando: a) os providos de humanidade; b) os desprovidos de humanidade. Sempre partindo dessa oposição, infinitas singularidades nos formatam como indivíduos, desde um certo “princípio” até se sabe lá quando...
              Isso posto, realço que a firmeza de Mariann para aquele embate teve de vencer seu confessado medo, até porque Trump não fala apenas por meio de palavras. Vindo de um tipo de circo midiático, onde, de saída, valem dancinhas e requebros com braços e mãos para aprisionar a atenção/audiência de uma massa idiotizada desde tenra idade, ele também se expressa por meio de um amplo gestual corpóreo, inspirado na sombria figura do Tio Sam, aquele ser de olhar amedrontador que sempre está apontando o indicador da mão direita ao seu interlocutor.
              Mas, afinal, o que fez a bispa?
              Com determinação, mas com o devido respeito, na condição de representante de Deus naqueles lugar e momento, ela pediu misericórdia aos imigrantes ilegais e aos LGBTQIA+, dois dos alvos políticos mais mirados pelo ódio de Trump. Alicerçando-se na Bíblia, aliás, outrora, por coincidência, ostentada pelo próprio presidente, à porta da mesma Igreja, Mariann apelou para o lado cristão de Trump.
              Em vão. Assim, Mariann contrariou Mateus, 7:6, que já pedia que não se desse “o que é sagrado aos cães”, nem atirassem “pérolas aos porcos”. Trump, como que se vingando, adiantou o desmonte das políticas de inclusão e acentuou a truculência policial contra imigrantes não-legalizados.
              Antes disso, o engano da bispa já se explicitara, durante o transcorrer do culto, pelas caras e bocas do presidente, como fazem crianças e adolescentes mimados, quando contrariados ou invadidos em seus segredos. A propósito, adultos infantilizados me inquietam, pois ofendem as crianças, seres graciosos, pelo menos enquanto são infantes. Pior é ver criaturas assim se elegendo para cargos políticos, pois isso significa conivência “de espelho” (In: “Sampa”/Caetano Veloso) entre eleitor e eleito.
              Essa conivência tem significados políticos e sociais gravíssimos, pois o discurso e as ações de ódio têm sido alimentados por avalanches de fake news, recebidas e compartilhadas por pessoas capturadas pelas bolhas de criminosas redes sociais, que alimentam e alavancam lideranças autoritárias. Para isso, a desinformação ganha terreno inimaginável de mensuração social, pondo em risco as democracias. Hoje, já no poder ou na expectativa de tê-lo, esses agentes autoritários estão por diversas lugares, como nos EUA, Coreia do Norte (e até na do Sul!), Belarus, Rússia, Venezuela, Argentina...
              No Brasil, também temos um líder assim, embora sem a menor capacidade para o gracejo de outros por aí. Quando tentou ser cômico, zombou a morte de milhares de brasileiros por covid-19, imitando pacientes intubados: desumanidade de um negacionista convicto. Seu ódio é sempre potencializado por sua visão de um mundo acorrentado ao medievo. Até para sorrir, o que lhe é raro, seus dentes estão sempre cerrados.
              Enfim, sujeitos tais, da política contemporânea, são invariavelmente agentes dos extremismos, cujos berços mais recentes podem estar no fascismo e/ou no nazismo. Não à toa, Elon Musk, ministro de Trump, afrontando a humanidade, expôs, gestualmente, um dos abomináveis signos nazistas no meio dos festejos ao presidente recém-eleito. Depois, precisou negar.
              Tarde demais. Conforme o ICL Notícias (25/01/25), por aqui, pelo menos “Um perfil no Instagram postou vídeo de um grupo de homens de Catanduva (SP) fazendo a mesma saudação nazista ao som de “Amerika”, música do grupo alemão de metal Rammstein”. Já no “Fantástico” (Globo: 26/01/25), foi revelado que vem aumentando o número de bandas brasileiras extremistas (mais de 125 já estão identificadas), que fazem letras para atacar negros, LGBTQIAP+ e judeus.
              Na contramão disso, no dia 27 de janeiro pp., o mundo celebrou o 80º aniversário da libertação de Auschwitz. Alguns dos raros sobreviventes daquele campo de concentração, logo, de horrores indescritíveis, estiveram durante as comemorações. Suas lembranças e apelos para a paz, tudo transmitido ao vivo pela BBC/Londres, foram de arrepiar. Diante de tantas atrocidades, só mesmo um ser inominável, absolutamente desumano, pode saudar o nazismo, querendo imitar Hitler; pior: e ser seguido por uma legião de criaturas igualmente abjetas.
              Infelizmente, hoje, convivemos com isso, mas isso pode mudar, felizmente. Tudo depende da consciência crítica e da postura de cada um de nós. Daí a importância de compreendermos os diversos cenários políticos, nossos e de outros territórios; para nos auxiliar, mais do que antes, o jornalismo profissional e responsável se faz indispensável em todos os lugares. Daí a importância de leituras responsáveis, de estudos aprofundados, da imersão na cultura comprometida e respeitosa com o seu tempo e seu povo. Precisamos nos livrar das bolhas das redes sociais, manipuladas/monetizadas por extremistas, de direita e/ou de supostas esquerdas, invariavelmente, reinado de desumanidades. Só assim, adubaremos, organicamente, nossa humanidade, como espécie; por consequência, sustentaremos nossas democracias, hoje, ameaçadas, em diversos espaços do planeta.

Segunda, 08 Julho 2024 10:55

 

 

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Juacy da Silva*

 

Diante do desempenho considerado insatisfatório ou quase pífio de Biden no primeiro debate presidencial ocorrido no último dia 27 de Maio, quando o atual presidente dos EUA enfrentou seu arquirrival, ex-presidente Donald Trump, em que, segundo os analistas e organismos de comunicação foi “derrotado”, tem crescido a pressão de vários setores do Partido Democrata, para que Biden retire sua postulação à corrida presidencial, principalmente por parte dos grandes doadores de fundos para a Campanha dos democratas.


Diante disso, as pesquisas indicam que quem melhor se posiciona na corrida à Casa Branca são duas mulheres, ambas negras, a ex-primeira dama Michelle Obama, esposa do primeiro Presidente Negro dos EUA, Barack Obama e a atual vice-presidente, a primeira afro-americana de ascendência indiana a ser eleita para este cargo, Kamala Harris. Entre as duas Michelle Obama tem maiores chances de derrotar Donaldo Trump, mas a mesma desconversa sobre este assunto, tendo em vista a amizade que une as famílias Obama e Biden ao longo de algumas décadas, inclusive dos quatro anos em que Biden foi vice-presidente de Obama.


Enquanto as pesquisas indicam que Biden está “tecnicamente” empatado com Trump nas pesquisas eleitorais e em algumas sai derrotado, tanto Michelle Obama quanto Kamala Harris tem a seu favor números expressivos e seriam as únicas candidatas para garantirem que os Democratas continuem na Casa Branca por mais quatro anos.

Para entender melhor esta dinâmica política e eleitoral, é importante, fundamental, voltar os olhos e a reflexão sobre as últimas eleições americanas em que Biden derrotou o então Presidente Donald Trump e toda a celeuma em torno dos resultados eleitorais e a invasão do Congresso Americana por uma turba ensandecida, coisa jamais vista na política americana ao longo de séculos.


Depois da retumbante vitória do Partido Trabalhista, de centro esquerda no Reino Unido, pondo fim a 14 anos de governo conservador, impondo a maior derrota que a direita (conservadora britânica) já teve em quase 200 anos, agora a “bola” da vez passa a ser a escolha do candidato ou candidato do Partido Democrata, nos EUA.


A vitória de Biden em 2020, pondo fim a quatro anos de governo Trump, de extrema direita, negacionista climático e em relação `a covid 19, por apenas uma pequena margem de votos populares, 51,3% para Biden (81,3 milhões de votos), contra 46,8% (74,2 milhões de votos para Donald Trump).


No Colégio eleitoral, onde, de fato as eleições americanas são decididas Biden obteve uma vitória mais expressiva, 306 votos contra apenas 232 votos para Trump, apesar de que, em número de estados, Biden venceu em 27 e Trump em 26. Todavia, cabe uma observação em relação aos resultados nos Estados, geralmente, os Democratas conseguem vencer na maioria dos estados com maiores colégios eleitorais, enquanto os republicanos representam a maioria dos eleitores de estados menores e mais conservadores.


Apesar da vitória de Biden, o presidente Trump, que estava no cargo, questionou judicialmente os resultados das eleições em diversos estados, colocando em dúvida o processo eleitoral, à semelhança do que dois anos depois, em 2022, também o Presidente Bolsonaro, no cargo e adepto da ideologia de extrema direita sempre tenha contestado os resultados eleitorais e a segurança das urnas eletrônicas no Brasil, coisa que jamais tenha sido comprovada.


Desde a proclamação da Independência nos EUA, em 1.776, jamais houve um golpe de estado ou intervenção militar para depor um governo escolhido eleitoralmente, pelo voto popular e pelo Colégio Eleitoral.


No entanto, na esteira das dúvidas levantadas por Trump, dizendo que as eleições teriam sido fraudadas e que ele (Trump) seria, na verdade o eleito, sem que isto tenha sido acatado por todas as instâncias judiciais do sistema americano, foi sendo formado um clima de conflito e de “Fake news”, que chegou às vias de uma verdadeira insurreição (popular), e uma turba ensandecida, inspirada pelos discursos de ódio de Trump, viesse invadir o Congresso Americano, gerando prejuízos materiais e, inclusive, algumas mortes, rebelião esta que tentava impedir (na marra) o reconhecimento dos resultados eleitorais pelo Congresso e, consequentemente, impedir a posse de Biden, como legítimo Presidente eleito.


Esta rebelião ocorreu em 06 de Janeiro de 2021, algo semelhante ao que viria a ocorrer em Brasília, em 08 de Janeiro de 2023, uma semana após a posse de Lula, na tentativa de criar condições para um golpe de estado e a derrubada de um governo legitimamente eleito e empossado.


Ambas as insurreições e tentativas de golpe e rompimento do processo democrático foram perpetrados por adeptos da ideologia da extrema direita tanto nos EUA quanto no Brasil.


Mesmo tendo sido eleito democraticamente, Biden, da mesma forma que Lula, não conseguiram a maioria no Congresso, principalmente na chamada “Câmara Baixa” ou Câmara dos Deputados, demonstrando que teriam que enfrentar uma feroz oposição parlamentar, na tentativa de desestabilizar seus governos.


Diferente do Brasil, onde existem diversos partidos que acabam “apoiando” o Governo e facilitando a formação de uma maioria parlamentar, nos EUA, a dinâmica política é determinada, de fato, por um bipartidarismo ferrenho, poucas ou quase nunca parlamentares trocam de lado para apoiarem os presidentes de outro partido, o que dificulta muito a gestão do Presidente eleito, que necessita de apoio parlamentar para inúmeras medidas tanto de política interna quanto de política externa.


Mesmo assim, Biden tem conseguido resultados considerados pela sociedade e pelo famigerado “mercado” como satisfatórios e isto, apesar de sua idade avançada, sempre questionada publicamente, tem dado condições para que Biden tente a reeleição, em uma nova disputada exatamente contra Trump, que sagrou-se vencedor nas primárias republicanas de forma ampla e inconteste.


Antecedendo as convenções que homologam as candidaturas que saíram vencedoras nas prévias partidárias (a Republicana será em Milwaukee, estado do Wisconsin entre 15 – 18 de julho de 2024) e a do Partido Democrata em Chicago, estado do Illinois, entre 19 -22 de Agosto de 2024), quando, finalmente, a Campanha eleitoral tem sua largada oficial, onde os comícios e, principalmente, os debates entre os candidatos a Presidente e também entre os candidatos a Vice Presidentes tem uma importância crucial, principalmente nos “Estados Pêndulos” (swing states).


É importante que situemos as eleições americanas em um contexto geopolítico internacional e como as superpotências agem interna e externamente neste jogo do poder mundial, em que tanto essas potências (EUA, CHINA, Rússia, União Europeia, índia) e outros países que fazem parte dos diversos blocos formados em torno dos interesses dessas potências e super potências, considerados os “peões” em um jogo de xadrez.


Assim, é bom observar de forma mais atenta o que pode ocorrer no processo das escolhas dos Candidatos a Presidente dos EUA, nesses próximos 30 ou 60 dias, muita coisa pode ser alterada nesta dinâmica, influenciando significativamente os resultados das eleições que devem ocorrer no início de novembro neste Gigante do Norte, que ainda é a super potência com maior poderio econômico, militar e estratégico e tecnológico mundial.


Uma vitória de Trump pode significar não apenas o retorno do Partido Republicado, dos conservadores à Casa Branca, mas, também um estímulo ao avanço da direita e da extrema direita ao redor do mundo, inclusive no Brasil.


Por isso, os resultados das eleições americanas podem influenciar e geralmente influenciam, significativamente, as relações internacionais e também as questões da guerra, da paz, do comércio internacional e, também, da crise climática, além de tantos outros aspectos, razões mais do que suficientes para estarmos atentamente observando-as.


*Juacy da Silva, Professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, Sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da pastoral da ecologia Integral, ex-integrante da Escola Superior de Guerra e do Inter-American Defense College, em Washington, DC, EUA. E-mail O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy

 

Terça, 30 Abril 2024 09:18

 

Segundo a ONU, mais de 35 mil palestinos já foram mortos por Israel desde outubro de 2023, sendo a maioria crianças e mulheres

Mais de 800 estudantes e docentes já foram detidos e detidas nos Estados Unidos, em protestos em solidariedade ao povo palestino. Os atos, protagonizados principalmente por estudantes, repudiam o genocídio praticado por Israel na Faixa de Gaza e cobram o fim das relações das universidades com empresas e institutos que apoiam o apartheid contra palestinos e palestinas, o genocídio e a ocupação militar da Palestina. 

Os protestos têm sido reprimidos pelas forças policiais, com a prisão de várias pessoas, o que também contribuiu para ampliar a adesão aos atos. As manifestações tiveram início na Universidade de Columbia, na cidade de Nova Iorque, onde estudantes organizaram um acampamento no gramado em um dos campi da instituição. A polícia foi chamada pela reitoria e deteve mais de 100 estudantes. Essa foi a primeira vez em mais de 50 anos que detenções em massa ocorreram na universidade. 

A indignação se espalhou, resultando em um movimento nacional nem diversas universidades do país. A violenta resposta policial às manifestações fez aumentar o apoio das comunidades universitárias ao protesto. “Divulgar! Desinvestir! Não vamos parar, não vamos descansar!”, lia-se em um dos cartazes de manifestantes na Universidade de Harvard.

“Saudamos esta crescente mobilização estudantil e universitária nos EUA, que denuncia a política colonialista do Estado de Israel e a prática de genocídio que, como aprovado no nosso último congresso, luta por fazer dos campi universitários ‘territórios livres do apartheid, não estabelecendo relações acadêmicas com instituições vinculadas ao Estado de Israel e rompendo com as já existentes’”, afirma em nota a diretoria do Sindicato Nacional. 

Para a entidade, o caminho da luta pelo cessar-fogo e pela autodeterminação do povo palestino precisa ser reforçado e ampliado. As ações dos e das estudantes nas universidades dos EUA são um exemplo a ser seguido para denunciar a prática de genocídio e o apartheid cometidos pelo Estado de Israel, sob o governo reacionário de Benjamin Netanyahu. 

“Redobramos a exigência do imediato cessar-fogo e o ingresso de ajuda humanitária para a população da Faixa de Gaza. Reafirmamos a defesa do povo palestino, da luta pela sua autodeterminação e reconhecimento internacional, e reiteramos NÃO É GUERRA, É GENOCÍDIO!”, conclui a nota.

Acesse o documento aqui.

 

Fonte: Andes-SN (com informação do Mídia Ninja e BBC)

Quarta, 11 Abril 2018 09:19

 

Mais de 30 mil professores de Oklahoma, nos Estados Unidos, realizaram mais uma grande marcha nessa segunda-feira (9), contra o desmonte do ensino público e por mais recursos para a educação. Os professores desse estado e também de Kentucky estão em greve desde a última semana. Os professores de Oklahoma recebem um dos salários mais baixos do país.

 

A paralisação é uma das muitas que vêm ocorrendo em todo o país, desde o mês passado, contra a privatização da educação, por melhores salários, condições de trabalho e também mais investimentos no setor da educação. A mobilização dos trabalhadores da educação que teve início na Virgínia do Oeste, em março, e já se espalha por outros estados como Pensilvânia, Wisconsin e Nova Jersey, está sendo chamada de “a rebelião dos mestres” e expõe o abandono da educação pública no país. Nos Estados Unidos, a educação pública é financiada e regulada pelo governo do estado.

 


Segundo informações de agências de notícias, os cortes em Oklahoma deixou as escolas sem livros didáticos e materiais pedagógicos suficientes, com instalações precárias e  falta de calefação nas salas de aula. Inúmeros distritos escolares têm sido obrigados a diminuir a jornada para apenas quatro dias por carência de recursos, resultado de uma redução de quase 30% no orçamento do setor nos últimos 10 anos.

 

"Nós todos ouvimos relatos de estudantes, pais e professores afetados pelos 11 anos de cortes nos investimentos em nossas salas de aula. Eles vêm cadeiras quebradas, livros obsoletos colados com fita adesiva, salas de aulas superlotadas”, disse Alicia Priest, presidente da Associação de Educação de Oklahoma, em mensagem divulgada em sua rede social no primeiro dia de greve. “Os professores são tão drasticamente mal pagos que são forçados a doar sangue, trabalhar em diversos empregos e pedir auxílio à bancos de alimentos para poder sustentar suas famílias. Oklahoma é melhor que isso”, completou.

 

Fonte: ANDES-SN