Foto: manifestação em defesa das instituições federais de ensino superior realizada em Cuiabá em junho de 2022/ Arquivo Adufmat-Ssind
A universidade é o templo da ciência e ciência é feita a partir da utilização de dados, e não de opiniões. Mas a opinião manifestada pelo atual prefeito de Cuiabá, Abílio Brunini, sobre a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) nesta terça-feira, 19/08, mobilizou reações – evidentemente, mais pela força do cargo do que pela relevância.
Utilizando palavras bem menos recomendadas na norma culta da língua portuguesa - que fingiu defender em episódio anterior - do que “todes”, o político tentou criticar a instituição, dizendo, de forma bem resumida, que o ensino é ruim.
A deixa serviu, no entanto, para ressaltar a importância da universidade pública e gratuita, reconhecida pelos órgãos internacionais, nacionais e pela própria sociedade, que é a grande beneficiária da formação anual de uma média superior a mil profissionais, em diversas áreas de conhecimento, além das elaborações e descobertas científicas produzidas pelas instituições de ensino superior. E vale lembrar que as instituições públicas são responsáveis por 95% das produções científicas realizadas no país.
Existem cerca de 30 mil universidades no mundo. O Centro de Rankings Universitários Mundiais (CWUR) considerou quase 21 mil delas e apontou, em 2024, que a UFMT ocupa a posição 1.745 – ou seja, está entre as 8% melhores. No Brasil, há mais de 2.500 instituições de ensino superior, sendo 199 universidades (produzem ensino, pesquisa e extensão), entre públicas federais, estaduais, municipais e particulares. Há anos, a UFMT costuma ficar sempre entre as 40 melhores nas classificações – isto é, entre as 20% melhores.
Para além dos números: a prática
Foi uma pesquisa da UFMT que revelou, em 2011, que 100% das amostras de leite materno coletadas em mães residentes em Lucas do Rio Verde estava contaminada com agrotóxico. Esse tipo de descoberta visa pressionar o poder público a tomar providências, adotando políticas públicas que assegurem a saúde da população. Seria simples, assim, se não houvesse uma disputa de interesse econômico evidente num estado dominado por políticos ligados ao Agronegócio - como o próprio prefeito.
Por isso, atividades que incentivam políticas como a Reforma Agrária são tão importantes. A JURA – Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária, sediada pela UFMT na última semana, foi atacada por representantes da chamada “direita”, como Brunini, justamente por denunciar a forma como o atual modelo de produção agrícola – baseado na monocultura e no latifúndio – é prejudicial para todos. Muitos dos críticos claramente ignoram o fato de que as grandes potências mundiais – incluindo os Estados Unidos da América, a grande inspiração da direita reacionária – já realizaram a Reforma Agrária em seus países.
Foram pesquisadores da UFMT que atuaram na coleta de dados em Mato Grosso para os ensaios clínicos da vacina Butantan contra a dengue, que começou a ser aplicada na rede pública neste ano. Os estudos, realizados em parceria com o Hospital Universitário Júlio Müller (HUJM), foram fundamentais para avaliar a eficácia e segurança do imunizante, que demonstrou eficácia de 67% na prevenção da dengue em populações de dois a 59 anos.
Ainda na área da saúde, a UFMT é referência nos estudos relacionados à diabetes, sendo o campus do Araguaia um destaque pelo fato de ter desenvolvido uma técnica que auxilia na cicatrização de feridas e Cuiabá no que se refere à prevenção da doença, também com atendimento público realizado no Hospital Júlio Müller.
Os museus Rondon e de Arte e Cultura Popular (MACP), além do Cinecoxiponés – todos localizados dentro da universidade e gerenciados por docentes e técnicos-administrativos, têm integrado a sociedade à cultura e história do estado, por meio de programações abertas e gratuitas, compartilhando o conhecimento produzido e fomentando práticas de reconhecimento, admiração e respeito à população indígena, negra, LGBTQIAPN+, entre outros grupos abertamente atacados por pessoas como Brunini.
Em outro episódio polêmico recente, o prefeito demonstrou que é tão desacostumado a respeitar, que depois de atropelar o debate de interesse social sobre a saúde pública, censurando uma especialista no tema (e professora da UFMT) somente por ter utilizado a palavra “todes” (foi quando ele fingiu defender a forma culta da língua), censurou também os servidores que se posicionaram publicamente em defesa da docente; ele exonerou dos cargos trabalhadores dedicados e reconhecidos pela atuação no SUS, alegando simplesmente que eles pertencem à gestão. Três flagrantes atos de desrespeito numa mesma situação e, novamente, a grande prejudicada acaba sendo a sociedade.
Cursos de Engenharia da UFMT realizam, todos os anos, cursinhos pré-vestibulares gratuitos e abertos aos interessados, voltados aos estudos nas áreas de exatas e de redação; mais uma ação que visa impulsionar a mudança de realidades tão desiguais, num estado chamado de rico, mas no qual cerca de 60% da população ainda vivencia situação de fragilidade alimentar.
Estudantes do curso do Direito da UFMT participam de programas de atendimento gratuito àqueles que não podem pagar, aprendendo, assim, a observar o caráter social da profissão que pretendem seguir; a Educação Física oferece diversas atividades a crianças e idosos; a Psicologia também tem projeto de atendimento gratuito à sociedade.
Esses e tantos outros dados concretos geraram o movimento contrário à afirmação do prefeito de Cuiabá, e mobilizaram uma grande campanha em defesa da universidade na imprensa e nas redes sociais desde o dia da declaração. Dezenas de notas de entidades foram publicadas, como não poderia deixar de ser, também pela Associação dos Docentes da UFMT (Adufmat-Ssind) e pelo Andes – Sindicato Nacional. Elas ressaltam que, além de ofensivas, as declarações do prefeito representam uma grande ignorância de sua parte (leia aqui a íntegra da nota da Adufmat-Ssind e aqui a nota do Andes-SN). A Reitoria da instituição convocou um ato público em defesa da universidade para hoje, quinta-feira, às 17h, na Praça em Frente ao Restaurante Universitário.
A declaração de Brunini demonstra, por fim, uma grande diferença entre o conhecimento superficial e o aprofundado, que a universidade se esforça em privilegiar. Ela revela que, algumas vezes, decorar quanto é 4 vezes 4 se torna praticamente irrelevante, quando não há capacidade de compreender a postura que um representante deve assumir se, de fato, pretende trabalhar pelo bem da população, e não de grupos políticos e econômicos que se esforçam para difamar e destruir o que é público e gratuito, isto é, destruir espaços como a UFMT, que permanecem de portas abertas para receber, especialmente, as parcelas mais empobrecidas da sociedade e, assim, trabalhar para a transformação, para a superação dessas e outras injustiças sociais.
Luana Soutos
Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind