Primeiro ano de vigência do Marco Temporal registrou 211 assassinatos de indígenas
O ano de 2024 registrou 211 assassinatos de indígenas. A informação foi divulgada no Relatório Violência Contra Povos Indígenas no Brasil – 2024, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). De acordo com o levantamento, o primeiro ano de vigência da Lei do Marco Temporal foi marcado por conflitos e violência contra povos em luta pela terra.

A Lei 14.701/2023, também chamada de Lei do Genocídio Indígena, foi aprovada pelo Congresso Nacional e promulgada nos últimos dias de dezembro de 2023. Segundo o Cimi, a legislação fragiliza os direitos territoriais dos povos originários, gerando insegurança e fomentando conflitos e ataques contra comunidades indígenas em todas as regiões do país.
Conforme o Cimi, a lei foi apontada pelo Poder Executivo, responsável pela demarcação das terras indígenas, como um impedimento para avançar com processos administrativos de reconhecimento e regularização de territórios indígenas.
Apesar dos questionamentos junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), o relator dos pedidos, Ministro Gilmar Mendes, optou por mantê-la em vigor e estabeleceu uma “Câmara de Conciliação”, reabrindo discussões que já haviam sido superadas pelo próprio STF. As representações indígenas se retiraram da Câmara por não aceitarem negociar os direitos de seus povos.
Como consequência, aponta o relatório, as demarcações avançaram em ritmo lento e terras indígenas, inclusive já regularizadas, registraram invasões e pressão de grileiros, fazendeiros, caçadores, madeireiros e garimpeiros – entre outros criminosos, que se sentiram incentivados pelo contexto de desconfiguração de direitos territoriais. Os números de assassinatos e de suicídios de indígenas mantiveram-se elevados, assim como os casos de desassistência e omissão a povos e comunidades.
Violência contra a pessoa
O documento denuncia 424 registros de casos de “Violência contra a Pessoa”. A seção é dividida em nove categorias: abuso de poder (19 casos); ameaça de morte (20); ameaças várias (35); assassinatos (211); homicídio culposo (20); lesões corporais (29); racismo e discriminação étnico-cultural (39); tentativa de assassinato (31); e violência sexual (20).
Os três estados com maior número de assassinatos têm se mantido constantes nos últimos anos. Em 2024, Roraima (57), Amazonas (45) e Mato Grosso do Sul (33) registraram os números mais altos, com destaque também para a Bahia, onde 23 indígenas foram assassinados.
Os dados foram compilados a partir de consultas a bases do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e de secretarias estaduais de saúde, além de informações obtidas junto à Secretaria Especial de Atenção à Saúde Indígena (Sesai) via Lei de Acesso à Informação (LAI).
Foram graves e numerosos os ataques armados a comunidades indígenas em luta pela demarcação de suas terras, e tiveram implicações e desdobramentos registrados em diferentes categorias desta seção. Os assassinatos de Nega Pataxó Hã-Hã-Hãe e de Neri Ramos da Silva, morto durante uma operação policial contra uma retomada Guarani e Kaiowá na TI Ñande Ru Marangatu, destacam-se pela brutalidade e pela participação da Polícia Militar.
Além do terror, das ameaças e dos ferimentos por agressões e tiros nos diversos ataques que atingiram comunidades como as das TIs Tekoha Guasu Guavirá, no Paraná, e Panambi – Lagoa Rica, em Mato Grosso do Sul, muitos indígenas relataram casos de discriminação e preconceito ao buscar atendimento médico em hospitais, evidenciando um contexto de racismo e desumanização.
Mais de 30 ataques contra comunidades indígenas foram registrados no país, e ao menos dez pessoas ficaram com projéteis alojados em seus corpos: nove Avá-Guarani e um Guarani Kaiowá, que ficou com uma bala alojada em sua cabeça.
Em janeiro deste ano, o ANDES-SN se solidarizou com o povo Avá-Guarani, que foi alvo de ataques violentos na região de Guaíra e Terra Roxa, no oeste do Paraná, desde dezembro de 2024. Os episódios já deixaram ao menos seis indígenas feridos por disparos de arma de fogo e resultaram na destruição de casas e vegetação por incêndios criminosos.
O Sindicato Nacional também noticiou os ataques violentos contra retomadas Guarani e Kaiowá, na Terra Indígena Lagoa Panambi, em Douradina (MS), em agosto de 2024. Ao menos 11 indígenas ficaram feridos, três em estado grave. Também manifestou pesar pelos assassinatos de diversas lideranças indígenas como Nega Pataxó Hã-Hã-Hãe e repudiou a violência contra o povo Pataxó no sul da Bahia.
O relatório reuniu ainda outros tipos de violência, como a omissão do Poder Público e contra o patrimônio. Foram relatados 208 suicídios de indígenas, em sua grande maioria até 29 anos, e registrados 922 óbitos de crianças de 0 a 4 anos de idade em 2024. De acordo com o Cimi, a maioria dos óbitos de crianças indígenas foi provocada por causas consideradas evitáveis. “Ações adequadas de atenção à saúde, imunização, diagnóstico e tratamento poderiam evitar ou diminuir consideravelmente o desfecho fatal nesses casos”, denuncia.
O documento aponta ainda 1.241 casos de violência contra o patrimônio, que envolvem omissão e morosidade na regularização de terras, que reúne a lista com todas as terras indígenas com alguma pendência ou sem providências para sua regularização, que totalizou 857 casos; conflitos relativos a direitos territoriais, que teve 154 registros em 114 Terras Indígenas em 19 estados; e invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio, com 230 casos, que atingiram 159 Terras Indígenas em 21 estados do Brasil.
Os casos, de acordo com o levantamento, têm relação direta com a fragilização dos direitos indígenas ocasionada pela Lei 14.701, reconhecida pela própria Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Incitado a comentar o efeito da lei, por meio de questionamento feito via Lei de Acesso à Informação (LAI), o órgão admite que a medida afeta potencialmente “todas as Terras Indígenas que se encontram em fase administrativa anterior à regularização”.
A tese do marco temporal, contida na Lei, restringe a demarcação apenas às terras que estivessem sob a posse dos indígenas no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Sua implicação fundamental é que povos expulsos de seus territórios poderão ser impossibilitados de reaver suas terras.
De acordo com o relatório, além de aplicar esta tese, a Lei prevê ainda mudanças significativas nos procedimentos administrativos de reconhecimento territorial. Algumas dessas mudanças são de difícil cumprimento e já incorrem, conforme a própria Funai, em um “um aumento da morosidade dos processos de demarcação de terras indígenas”. Outras “pecam por falta de clareza e por contradição” e chegam a ser “inexequíveis”.
Confira aqui a íntegra do relatório
Fonte: Andes-SN
Vitória! Lei que atacava Estatuto do Magistério e educação indígena no Pará é revogada na Alepa
A Assembleia Legislativa do Estado do Pará (Alepa) aprovou por unanimidade, nesta quarta-feira (12), o projeto de lei que revoga a Lei 10.820, aprovada na última sessão legislativa de 2024. A revogação da lei é uma vitória da luta dos povos indígenas e de professores e professoras do estado, que se mobilizaram contra os ataques ao Estatuto do Magistério e à educação indígena.

Desde 14 de janeiro, indígenas de diversas etnias ocupam o prédio da Secretaria de Educação (Seduc). A mobilização ganhou ampla repercussão e apoio, e incentivou, também, a deflagração de greve de professores e professoras estaduais. A pressão forçou o governador Helder Barbalho abrir negociação com os movimentos e garantiu o recuo do governo.
A Lei 10.820 anulava dispositivos do Estatuto do Magistério, do Plano de Cargos, Carreiras e Salários dos Professores e de leis anteriores relacionadas à educação pública estadual, incluindo o Sistema Modular de Ensino Indígena (Somei), permitindo, por exemplo, a substituição do regime presencial por aulas exclusivamente virtuais nas escolas indígenas do estado.
Foi estabelecida uma comissão, formada representantes dos povos indígenas, professores e professoras, quilombolas e ribeirinhos, para a elaboração de uma nova legislação. Até que a nova lei seja aprovada, voltaram a vigorar as normas anteriores.
Andréa Matos, 1ª vice-presidenta da Regional Norte II do ANDES-SN, avalia que essa é uma conquista histórica, fruto de um forte processo de mobilização. “Essa é uma conquista muito importante, que tem a ver não só com a a defesa do Magistério Público no nosso estado, mas com a própria defesa da educação pública, do direito à educação. Isso abre uma perspectiva para se manter o diálogo com essas populações, com os seus territórios, para a construção de ações efetivas e de uma legislação que dê conta das demandas que nós temos numa região como a nossa, no estado do Pará”, afirma.

A diretora do Sindicato Nacional conta que existe a previsão de desocupação do prédio da Seduc até o final da semana, a partir da articulação das lideranças indígenas de como serão os desdobramentos do que foi acordado com o governo. “Embora não se tenha ainda um aceno do segundo ponto de pauta, que era a exigência da saída do secretário de Educação, Rossieli Soares, existe a sinalização de manutenção de um diálogo e essas lideranças vão voltar para os seus territórios justamente com essa esperança e com esse compromisso de seguirem construindo e mostrando, como demonstraram aqui e provaram aqui em Belém, na capital da COP30, que eles precisam ser ouvidos”, acrescenta.
A docente ressalta que, mesmo finalizando essa etapa da luta - que obteve essa importante conquista histórica - é necessário que os movimentos sociais, e todos aqueles e aquelas que defendem a educação pública, se mantenham atentos e atentas. “Precisamos seguir juntos com essas lideranças, junto aos territórios, defendendo a garantia do direito à educação, dentro da perspectiva que precisa ser, uma educação pautada na realidade desses territórios e que essas populações sejam ouvidas e respeitadas. E foi esse o recado: eles precisam ser ouvidos, eles precisam ser respeitados e precisam ter seus direitos garantidos, porque direito não se negocia, se cumpre”, conclui.
Fonte: Andes-SN
Pressionado, governador do Pará recua e assina termo para revogar lei que prejudica educação indígena
Mesmo com assinatura, manifestantes seguem mobilizados e alertas

Após 23 dias de ocupação e manifestações, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), recuou e assinou, na tarde da última quarta-feira (5), um Termo de Compromisso que prevê, entre outros pontos, a revogação da Lei 10.820/2024 - uma das principais demandas dos 300 indígenas que ocupam a sede da Secretaria de Educação do Estado do Pará (Seduc), em Belém, desde 14 de janeiro.
Aprovada em dezembro, sem consulta prévia, a norma afetava o Sistema de Organização Modular de Ensino (Some) e o Sistema de Organização Modular de Ensino Indígena (Somei), essenciais para garantir aulas em regiões remotas e de difícil acesso, como aldeias indígenas. Segundo manifestantes, a Lei 10.820 gerava insegurança jurídica ao não mencionar explicitamente o funcionamento do Somei.
“A Lei 10.820 revogou cinco legislações estaduais sobre a carreira do magistério da Educação Básica e parte de outras duas. Ficou sinalizado que será aberto um processo de negociação, considerando que o encaminhamento desse projeto de lei, que resultou na Lei 10.820, não foi debatido com as e os gestores, nem com o próprio Sintepp [Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará] ou qualquer setor responsável pela construção da política educacional no estado do Pará. O projeto foi simplesmente enviado pelo Executivo ao Legislativo, aprovado rapidamente nas comissões e no plenário da Assembleia Legislativa do Estado do Pará (Alepa) e sancionado pelo governador ainda em 2024”, criticou Emerson Duarte, 2º vice-presidente da Regional Norte II e da coordenação do Grupo de Trabalho de Política Educacional (GTPE) do ANDES-SN.
O Termo de Compromisso assinado por Barbalho foi elaborado por uma comissão formada por cinco indígenas, um quilombola, a vice-governadora e secretária de Planejamento e Gestão (Seplad), Hana Ghassan Tuma, o presidente da Alepa, outros cinco parlamentares, e seis representantes do Sintepp.
O documento prevê a criação, em até três dias, de um grupo de trabalho com representação do governo, do sindicato e dos povos tradicionais para discutir o Estatuto do Magistério e o Plano de Cargos, Carreira e Salários dos Profissionais da Educação. O governo também garantiu que não haverá penalidades às servidoras e aos servidores, com abono de faltas.

Em nota, o Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns (Cita), que representa sócio-politicamente 14 povos do Baixo Tapajós, no Pará, afirmou que a assinatura do Termo de Compromisso pela revogação da Lei 10.820 é um avanço, mas poderia ter ocorrido sem o impasse imposto pelo governo.
“Tudo poderia ter sido mais simples se o governador Helder Barbalho tivesse se disponibilizado ao diálogo desde o início, evitando esticar a corda e o desgaste que vivenciamos. Para nós, povos indígenas, o melhor é estarmos em nossos territórios, junto aos nossos parentes, cuidando da Mãe Terra e defendendo o bem viver. Infelizmente, fomos obrigados a continuar na cidade, defendendo uma educação pública que cuide de nossas florestas e rios e adie o final do mundo”, informou o Cita.
Ainda em comunicado, o Conselho Indígena ressaltou que a ocupação da Seduc seguirá até que a revogação seja oficialmente publicada no Diário Oficial, concretizando essa conquista.
Para Emerson Duarte, após muita pressão do movimento indígena, de sindicatos, entidades e instituições de ensino, o governo sinalizou um recuo. No entanto, conforme ele, é importante ter cautela neste momento. “Há indicativo de que esse movimento pode se configurar como uma vitória, contudo é necessário seguir acompanhando, permanecer com o movimento de ocupação, manter as atividades de greve da Educação Básica e continuar com o apoio a essa categoria de professores e professoras, assim como ao conjunto dos povos indígenas que seguem com força no processo de ocupação no prédio da Seduc, reivindicando tanto a revogação da Lei 10.820 e seu conteúdo, como a exoneração imediata do secretário de Educação, Rossieli Soares”, ressaltou o diretor do ANDES-SN.
Greve da Educação Básica
Professores e professoras da Educação Básica estão em greve desde o dia 23 de janeiro contra a Lei 10.820/2024, que ataca o Estatuto do Magistério. Mesmo com a assinatura do termo de acordo, a greve continuará até a publicação em Diário Oficial da revogação da lei. Além do termo de acordo, a greve da categoria garantiu a permanência e a devolução das gratificações retiradas das professoras e dos professores vinculados ao Centro de Referência em Inclusão Educacional Gabriel Lima Mendes (Crie). Entretanto, a categoria denuncia que as e os docentes estão com redução de carga horária e de direitos, turmas estão sendo fechadas, superlotando as salas de aulas e sem acompanhamento para estudantes PCD.
Justiça anula ordem de desocupação
Paralelamente, a Justiça Federal revogou, na terça-feira (4), a decisão que determinava a desocupação da sede da Seduc. Na decisão, a juíza federal Maria Carolina Valente do Carmo destacou o caráter pacífico da manifestação.
O governo estadual alegava que a ocupação inviabilizava quase totalmente o funcionamento da Seduc. No entanto, segundo a magistrada, a ocupação ocorre em uma pequena parte das dependências da Seduc, sem impedir o trânsito de servidoras e servidores ou comprometer significativamente as atividades.
Fonte: Andes-SN (com informações de Amazônia Real)
MPF solicita extinção de processo do governo contra ocupação de indígenas na Seduc do Pará
O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com um mandado de segurança, com pedido de liminar, no dia 15 de janeiro, para que a Justiça Federal determine ao governo do estado do Pará a garantia de direitos e condições humanitárias para as e os indígenas, professoras e professores que ocupam a Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc), em Belém. O grupo protesta contra o fim do ensino presencial em comunidades tradicionais, entre outras pautas.
A ocupação, iniciada em 14 de janeiro, tem como objetivo a revogação da Lei 10.820/2024, aprovada em dezembro passado sem consulta prévia às comunidades afetadas. A nova legislação ataca o Sistema de Organização Modular de Ensino (Some) e o Sistema de Organização Modular de Ensino Indígena (Somei), que garantem aulas em localidades remotas e de difícil acesso, como o caso de algumas aldeias indígenas. Segundo as e os manifestantes, a Lei 10.820/2024 gera insegurança jurídica ao omitir o funcionamento do Somei.
No documento encaminhado à Justiça, o MPF exige que o governador Helder Barbalho (MDB/PA) e o secretário de Educação, Rossieli Soares, atendam de forma imediata às demandas apresentadas pelos ocupantes.
O MPF solicita que a Justiça determine ao governo do Pará, sob pena de multa diária de R$ 100 mil, a garantia de assegurar condições básicas às e aos manifestantes, como acesso à água, alimentação, banheiros, energia elétrica, segurança estrutural e assistência médica. Também solicita a transparência, com a identificação das autoridades e agentes envolvidos na operação de segurança, além de uma atuação policial que seja proporcional e legal, com observância dos princípios da necessidade, proporcionalidade e legalidade, priorizando o diálogo e a mediação, conforme determina a Lei 13.060/2014.
Além disso, o documento ainda cobra respeito à liberdade de imprensa, assegurando o acesso da mídia para cobertura do caso, e requer que não restrinjam o direito de manifestação ou imponham constrangimentos às e aos manifestantes.
O MPF ressaltou ainda que a educação escolar indígena é garantida pela Constituição Federal e por diretrizes como o Plano Nacional de Educação (PNE). Essa modalidade de ensino deve respeitar os princípios da interculturalidade, do bilinguismo, da organização comunitária e a especificidade das tradições e línguas das comunidades indígenas.
O ANDES-SN reafirma seu apoio irrestrito à luta das populações indígenas e se soma às demandas pela revogação da Lei 10.820/2024, pela garantia de condições dignas de manifestação e pela defesa de uma educação verdadeiramente inclusiva e de qualidade para todas e todos. Acesse aqui a nota do ANDES-SN
STF
Na quarta-feira (22), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7778) contra Lei 10.820/24 do Pará.
De acordo com a Apib, a mudança afetará a continuidade da educação escolar indígena ao revogar dispositivos que estabeleciam uma política de educação em regiões do interior, onde não há ensino regular. Esse sistema garantia, também, a presença de professoras e professores em comunidades indígenas e tradicionais. A nova legislação substituiu o modelo de aulas presenciais por aulas online.
Saiba mais:
ANDES-SN manifesta solidariedade à luta dos povos indígenas do Pará e Piauí por Educação
Fonte: Andes-SN
Cerca de 400 indígenas marcharam, na última quarta-feira (30), em Brasília (DF) contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 48/2023, que inclui a tese do marco temporal na Constituição Federal. As mobilizações foram convocadas pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Também ocorreram mobilizações em diversos estados: São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Maranhão, Boa Vista, Rio de Janeiro e Espírito Santo.

Na capital federal, as e os indígenas marcharam pela Esplanada dos Ministérios até a Praça dos Três Poderes, onde entregaram uma carta aos chefes do Legislativo, Executivo e Judiciário. No documento, denunciam os ataques sistemáticos aos seus direitos e territórios, além de exigir que o Supremo Tribunal Federal (STF) suspenda definitivamente a Lei 14.701/23, que estabelece o marco temporal no processo de demarcação de terras indígenas. Segundo as lideranças indígenas, a incerteza de sua legalidade tem gerado tensões nas regiões e efeitos práticos, como invasões e violência em seus territórios.
A PEC 48/23 tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, mas sua discussão foi suspensa em julho após um pedido de vista coletivo. Esse recurso adia a análise e a votação da proposta, geralmente para que senadoras e senadores possam examinar melhor o conteúdo e avaliar os potenciais impactos do projeto.
A proposta incorpora a tese do marco temporal, que define que apenas as terras ocupadas por povos indígenas na data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, podem ser demarcadas. No entanto, o STF já declarou essa tese inconstitucional, argumentando que ela limita injustamente os direitos territoriais dos povos originários, consagrados na Constituição e em convenções internacionais.

Além da PEC 48, a Apib critica outros projetos em tramitação na Câmara e no Senado, como a PEC 36, o Projeto de Lei (PL) 6050/2023 e outros. Os indígenas também pedem, por meio de carta divulgada nesta semana, a demarcação de terras indígenas, como a do Morro dos Cavalos (SC) e da Potiguara de Monte Mor (PB), entre outras. Além disso, cobram a publicação, pelo Ministério da Justiça, de portaria declaratória de outras 12 terras indígenas a serem demarcadas.
A liderança Dinamam Tuxá, coordenador da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), argumentou que projetos contrários aos indígenas, incluindo a PEC 48, estão avançando no Congresso Nacional e, por isso, foi necessário retomar as mobilizações. “É uma agenda anti-indígena que irá travar, de uma vez por todas, as demarcações das nossas terras. Da mesma forma que eles estão mobilizados, nós vamos continuar mobilizados e vigilantes para que não sejam aprovadas essas pautas. As manifestações vão continuar não só em Brasília, mas em todo o Brasil”, afirmou.
PEC 48
Um dos autores da PEC 48, o senador Dr. Hiran (PP/RR), solicitou nessa quarta-feira (30) ao presidente da CCJ, Davi Alcolumbre, que coloque a proposta em votação, independentemente do resultado da Comissão de Conciliação do STF sobre o tema. Essa PEC é vista por algumas e alguns parlamentares, representantes da bancada ruralista, como uma forma de consolidar a tese do marco temporal na Constituição. A Comissão de Conciliação, referida por Hiran, foi instituída no Supremo pelo ministro Gilmar Mendes, relator de cinco ações que questionam a Lei do Marco Temporal.

O objetivo da comissão é tentar chegar a um acordo sobre as normas de demarcação de terras indígenas, considerando os diversos interesses em jogo. No entanto, a Apib se retirou da comissão por entender que a tese já foi rejeitada pelo STF e que a decisão deve ser respeitada. Ainda segundo a associação, o diálogo não apresenta equilíbrio, devido à presença majoritária de representantes ruralistas no debate.
Davi Alcolumbre informou que consultará "todos os atores" envolvidos para decidir se a CCJ aguardará o desfecho das negociações no STF ou se colocará a PEC em votação no Senado.
Lei do Marco Temporal
Em maio de 2023, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que instituiu o marco temporal. Em setembro do mesmo ano, esse projeto foi aprovado pelo Senado e enviado para sanção presidencial. O projeto foi sancionado e transformado na Lei 14.701, mas sem o marco temporal, que foi vetado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O argumento para o veto foi que a norma “usurpa direitos originários”, além de ferir decisão do STF, tomada pouco antes.

Em dezembro do mesmo ano, o Congresso Nacional derrubou o veto presidencial, incluindo a regra na Lei 14.701. Desde então, foram apresentadas quatro ações questionando a validade da lei e uma pedindo que o STF declare sua constitucionalidade.
Em abril de 2024, o STF determinou a suspensão temporariamente, em todo o país, dos processos judiciais que discutem a constitucionalidade da Lei do Marco Temporal até que o tribunal se manifeste definitivamente sobre o tema.
Fonte: Andes-SN (com informações da Agência Brasil e Apib)
A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado adiou para o mês de outubro a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 48/2023, que insere o Marco Temporal na Constituição Federal. O adiamento da votação aconteceu após pedido de vista do senador Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo, na sessão desta quarta-feira (10). O senador alegou que o Supremo Tribunal Federal (STF) criou uma mesa de conciliação para debater o tema. A primeira reunião será em 5 de agosto e contará com parlamentares, integrantes do Judiciário e do Executivo.
Apesar do STF agendar a primeira reunião para agosto, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) afirma que lideranças indígenas não estão sendo ouvidas e que a criação da mesa sequer passou pelo plenário da Corte. Para a Apib, o direito ao território tradicionalmente ocupado é um direito originário que está previsto na Constituição Federal de 1988 e não pode ser negociado.
Em nota, a Apib destaca que aprovação da Proposta de Emenda Constitucional nº 48/2023 desnaturaria o direito fundamental à terra dos povos indígenas, previsto no Art. 231 da Constituição, obstando a fruição deste direito por inúmeras comunidades indígenas que sofrem, desde o período colonial, sucessivas remoções forçadas de seus territórios. “Assim, pugnamos pela retirada de pauta da PEC e pelo arquivamento definitivo da matéria, tendo em vista a imutabilidade e irrevogabilidade dos direitos fundamentais dos povos indígenas, compreendidos em suas dimensões individuais e coletivas, e amparados pelo Art. 60, §4º, da Constituição Federal de 1988”, diz o documento.
A tese do Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas, chamada de "Marco da Morte", foi aprovada pelo Congresso Nacional no final de 2023. O presidente Lula chegou a vetar alguns trechos, mas os vetos foram derrubados pelos parlamentares. A proposta prevê que uma área só pode ser demarcada se os povos indígenas comprovarem que a ocupavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
A Lei 14.701/2023 do Marco temporal foi aprovada pelo Congresso Nacional, em 27 de setembro do ano passado, mesmo dia em que o STF julgou a demarcação de terras indígenas, inconstitucional. A bancada ruralista é uma das principais apoiadoras, além de políticos contrários aos direitos dos povos indígenas. Segundo a Apib, a legislação pode ter seus efeitos suspensos pelo STF por ferir a Constituição Federal.
Fonte: Andes-SN
Mineração ameaça povos indígenas e mais de um terço dos rios da maior bacia hidrográfica de MT
Processos minerários aumentam mais de 60% na bacia do rio Juruena e se sobrepõem aos limites de seis terras indígenas
Tradicional pesca de mascreação praticada pelo povo Manoki no rio Papagaio – Adriano Gambarini/OPAN
A intensificação das atividades de mineração coloca em risco a sociobiodiversidade na bacia do rio Juruena, em Mato Grosso. Mais de um terço (34,61%) dos rios da região podem ser afetados pela atividade mineradora, de acordo com o Boletim de Monitoramento de Pressões e Ameaças às Terras Indígenas na Bacia do rio Juruena, produzido pela Operação Amazônia Nativa (OPAN) a partir de informações fornecidas pela Agência Nacional de Mineração (ANM).
“Esse dado é alarmante, pois sugere que a qualidade desses corpos d’água pode ser seriamente comprometida pelos impactos das atividades de mineração, ameaçando a saúde, a biodiversidade e a cultura dos povos que dependem desses rios”, avalia Cristian Felipe Rodrigues Pereira, geógrafo e autor do boletim.
A análise abrangeu 2756 cursos d’água e revelou que 954 estão intersectados espacialmente com os processos minerários, inclusive alguns dos mais importantes da bacia, como os rios Juruena, Sangue, Arinos, Papagaio, o dos Peixes, Cravari e São João da Barra.
Os processos minerários já cobrem uma área de 2,6 milhões de hectares, maior do que a totalidade do estado de Sergipe (2,2 milhões de hectares). Entre 2018 e 2024, houve um salto de de 782 para 1261 processos minerários nesta que é a maior bacia hidrográfica de Mato Grosso, a do Juruena, o que representa um aumento de 61,25%.
Atualmente, a base de dados da ANM indica que 19 processos minerários estão sobrepostos aos limites de seis terras indígenas em Mato Grosso: Escondido (Rikbaktsa), Kapôt Nhinore (Kayapó e isolados Capot/Nhinore), Kayabi (Apiaká, Kayabi e Munduruku), Paukalirajausu (Nambikwara), Portal do Encantado (Chiquitano) e Uirapuru (Paresi). A soma das áreas dos processos minerários sobrepostos totaliza 7.382 hectares.
“A situação é muito preocupante, seja porque esses processos estão ilegalmente sobrepostos às terras indígenas, ou porque os rios dos quais dependem povos e comunidades do Juruena também estão na rota da mineração e podem ser contaminados. O caso Yanomami e o caso Munduruku são exemplos contundentes dos impactos do risco a que o Juruena está sujeito”, alerta Andreia Fanzeres, coordenadora do Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade, da OPAN.
De toda a região, a sub-bacia do rio São João da Barra (uma das que compõem a bacia do Juruena) é a que chama mais atenção por ter mais de três quartos de sua área (75,64%) sobreposta por requerimentos de processos minerários, principalmente relacionados à exploração de cobre, além de uma parcela de ouro.
O documento destaca uma alta concentração de processos relacionados à exploração de ouro e cobre no médio e baixo cursos da bacia do Juruena. As atividades relacionadas ao ouro abarcam cerca de 40% da área total dos processos minerários, enquanto o cobre responde por 32%. A distribuição desses recursos segue um padrão característico do estado, cujas proporções de requerimentos de processos minerários de ouro e cobre são, respectivamente, 52% e 23% do total. O boletim considera apenas processos minerários legais, portanto não há informações referentes ao garimpo ilegal, o que aponta para um cenário ainda mais ameaçado.
“Essa avalanche de processos minerários, avançando de forma tão acelerada, coloca em xeque o respeito ao direito à consulta livre, prévia e informada a povos indígenas e comunidades tradicionais na região. São várias camadas de violações”, alerta Andreia Fanzeres, coordenadora do Programa de Direitos Indígenas da OPAN.
“Além de todos os pontos levantados, esse processo ainda atropela o debate relativo aos usos múltiplos dos recursos hídricos, a saúde pública e as mudanças climáticas”, complementa Cristian Felipe Rodrigues Pereira.
Fonte: Túlio Paniago/ Operação Amazônia Nativa (OPAN)
A LUTA DOS POVOS INDÍGENAS NO BRASIL - Juacy da Silva e Priscilla Alyne Sumaio Soares
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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
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Por Juacy da Silva* e Priscilla Alyne Sumaio Soares**
“Quem não Luta por seus direitos não é digno/digna deles” (Rui Barbosa)
Conforme os termos da Lei 11.696, de 12 de Junho de 2008, o DIA NACIONAL DE LUTA DOS POVOS INDÍGENAS deve ser celebrado anualmente em 07 de Fevereiro.
“Nesta edição do Relatório Violência contra os Povos Indígenas do Brasil, expressamos nosso desejo e reforçamos o compromisso para que a Justiça seja feita para todos os povos indígenas, e que ninguém mais derrame seu sangue pelo que é de direito. Kiwxi Presente!!!”. Fonte: Relatório. Violência contra os Povos Indígenas no Brasil DADOS DE 2017, publicado em Fevereiro de 2018. CIMI – Conselho Indigenista Missionário – CNBB.
A história dos povos indígenas no Brasil, desde o “descobrimento” até os dias atuais, tem sido uma luta constante contra um processo intenso e contínuo de violência, assassinatos de suas lideranças, massacres, destruição de suas culturas, invasão de seus territórios, preconceito, discriminação, exclusão, enfim, uma luta árdua contra um verdadeiro genocício a que foram e continuam sendo submetidos, pela ganância dos donos do capital e também pela omissão e conivência de nossos governantes, por mais de 520 anos. Quando os primeiros colonizadores aportaram no que hoje é o território brasileiro, segundo diversos estudos e pesquisas, a população indígena, representada por mais de mil etnias, povos distintos, com suas culturas, costumes, linguagens e territórios era de aproximadamente 8 milhões de pessoas ou segundo algumas estimativas poderia chegar a 10 milhões de pessoas, dos quais em torno de cinco milhões viviam na Amazônia, incluindo o que posteriormente passou a ser a área de colonização espanhola e atualmente o total da população indígena é de apenas 1,7 milhões de pessoas, conforme dados do Censo do IBGE de 2022, o que representa apenas 0,8% do total da população brasileira.
Desde os períodos do Brasil Colônia, Império e República, os povos indígenas foram e continuam sendo tratados tanto pelos governantes quanto pela população não indígena como um grupo humano que atrapalhava o progresso e o “avanço” da civilização rumo ao interior do Brasil.
O preconceito, a discriminação, a violência, incluindo inúmeros massacres sempre foram as formas de dominar e exterminar aqueles povos. De acordo com artigo de Maria Fernanda Garcia, intitulado “Massacrada, população indígena representa menos de 0,5% do país”, datado de 24/04/2017, publicado no Observatório do Terceiro Setor, “Os índios que sobreviveram foram escravizados ou catequizados. As doenças trazidas pelo homem branco foram outra arma mortal. Sem imunidade para os vírus e bactérias que vieram junto com os colonizadores, os índios não resistiram às doenças até aquele momento desconhecidas pelos nativos. Durante a ditadura militar, mais de oito mil indígenas foram mortos por estarem no caminho das estradas idealizadas pelo Programa de Integração Nacional.
Os Waimiri-Atroari perderam 75% de sua população em menos de quinze anos. Os Panarás perderam 84%. O número de Parakanãs no Pará caiu pela metade. Sobraram apenas 10% dos Yanomamis do rio Ajarani. Até hoje indígenas são assassinados. Entre 2003 e 2015, 742 deles, principalmente lideranças, foram assassinados. Isso representa uma média de 57 por ano, ou um homicídio a cada seis dias”.
Ainda de acordo com os estudos de Alzira Alves de Abreu, “A catequese missionária não conseguira converter os índios, impedir as invasões de seus territórios, nem impedir o extermínio de inúmeras tribos. Muitas desapareceram pelo contágio de doenças transmitidas pelos invasores, ou pela matança promovida por matadores profissionais, os chamados bugreiros, que eram contratados pelos especuladores de terras. A situação se agravou quando da abertura da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, que atravessava o território dos índios Kaingang, no estado de São Paulo, desencadeando uma disputa armada entre esses índios e os trabalhadores da estrada de ferro. O mesmo ocorreu em Minas Gerais e no Espírito Santo, quando os índios Botocudos reagiram à invasão de suas terras por colonos.
Também no sul do Brasil, em Santa Catarina e Paraná houve lutas entre índios e colonos. Em 1908, durante o XVI Congresso de Americanistas, em Viena, Áustria, houve denúncias de que o Brasil estava massacrando os índios. Essa denúncia levou o governo federal a buscar uma ação de proteção leiga e privativa do Estado às populações indígenas.”
Foi neste contexto histórico que surgiu o Serviço de Proteção dos Índios, instituído pelo Governo Federal através do Decreto 8.072, de 20 de Junho de 1910, subordinado ao Ministério da Agricultura e, posteriormente, ao Ministério da Justiça, tendo sido extinto em 1967, durante o Governo Militar/ditadura, quando da criação da FUNAI.
Em 1972 foi criado o CIMI Conselho Indigenista Missionário, organismo da Igreja Católica, vinculado `a CNBB, com o objetivo de lutar na defesa dos povos indígenas, garantindo a diversidade cultural destes, fortalecer a autonomia desses povos e o apoio a projetos alternativos, pluriétnicos, populares e democráticos, contribuir para a formação e fortalecimento das lideranças e organizações representativas de tais povos.
Em 13 de Setembro de 2007, na 107ª Sessão Plenária da Assembléia Geral da ONU, foi aprovada a Declaração das Nações Unidas sobre os DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS, subscrita pela quase totalidade dos países, inclusive o Brasil.
Em um de seus considerandos a citada Declaração menciona que “Preocupada com o fato de os povos indígenas terem sofrido injustiças históricas como resultado, entre outras coisas, da colonização e da subtração de suas terras, territórios e recursos, o que lhes tem impedido de exercer, em especial, seu direito ao desenvolvimento, em conformidade com suas próprias necessidades e interesses”.
Em um de seus artigos a Declaração estabelece que “Os indígenas têm direito, a título coletivo ou individual, ao pleno desfrute de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais reconhecidos pela Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o direito internacional dos direitos humanos” e também que “Os povos indígenas não serão removidos à força de suas terras ou territórios. Nenhum traslado se realizará sem o consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas interessados e sem um acordo prévio sobre uma indenização justa e eqüitativa e, sempre que possível, com a opção do regresso.” E, apenas para mencionar mais um desses inúmeros direitos que , conforme o artigo 26º “1. Os povos indígenas têm direito às terras, territórios e recursos que possuem e ocupam tradicionalmente ou que tenham de outra forma utilizado ou adquirido. 2. Os povos indígenas têm o direito de possuir, utilizar, desenvolver e controlar as terras, territórios e recursos que possuem em razão da propriedade tradicional ou de outra forma tradicional de ocupação ou de utilização, assim como aqueles que de outra forma tenham adquirido. 3. Os Estados assegurarão reconhecimento e proteção jurídicos a essas terras, territórios e recursos. Tal reconhecimento respeitará adequadamente os costumes, as tradições e os regimes de posse da terra dos povos indígenas a que se refiram”.
Assim, a conquista, manutenção, a garantia e a efetivação desses direitos e dos demais reconhecidos universalmente é que alimentam a luta permanente dos povos indígenas no Brasil e nos demais países.
Em 2010 o CIMI apresentou um relatório que serviu de alerta quanto à gravidade da violência em curso no Brasil contra os povos indígenas, da mesma forma que em 2018, denunciando tanto a invasão de seus territórios por garimpeiros, madeireiros e grileiros, com sérios danos tanto ao meio ambiente quanto `a saúde e a vida de diversos povos, em todas as regiões, principalmente na Amazônia.
Um momento marcante na história desta luta e da resistência dos povos indígenas foi a criação da APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, no Acampamento Terra Livre (ATL), representando a capacidade de mobilização dos povos indígenas, para tornar visível a real situação de violência a que tais povos estavam e continuam sendo submetidos, em total desrespeito aos direitos humanos em geral, quanto aos direitos dos povos indígenas já então consagrados em tratados internacionais, dos quais o Brasil faz parte e como forma de reivindicar que o Estado Brasileiro promova, realmente, a proteção e a garantia de tais direitos em sua plenitude.
Segundo tem sido enfatizado desde então “A APIB é uma instância de referência nacional do movimento indígena do Brasil, criada de baixo pra cima. Ela aglutina nossas organizações regionais indígenas e nasceu com o propósito de fortalecer a união de nossos povos, a articulação entre as diferentes regiões e organizações indígenas do país, além de mobilizar os povos e organizações indígenas contra as ameaças e agressões aos direitos indígenas”
Foi neste contexto histórico, entre muitas contradições políticas, econômicas, ideológicas que em 12 de junho de 2008, após o Congresso Nacional aprovar, o Presidente Lula, em seu segundo mandato, sancionou a Lei 11.696, que criou o DIA NACIONAL DE LUTA DOS POVOS INDÍGENAS, como reconhecimento de que os povos indígenas também fazem jus tanto `a proteção do Estado, não de forma paternalista e assistencialista apenas, mas, fundamentalmente, como forma de reconhecimento do direito `a diversidade cultural , étnica e linguística desses povos, que devem ser respeitados, como seres humanos que são, com dignidade intrínseca.
A maior luta dos povos indígenas na atualidade, além do reconhecimento ormal de seus direitos é a garantia de seus territórios, que deve ser atingida através da demarcação de tais territórios, nos termos da Constituição, consoante ação recentemente julgada pelo Supremo Tribunal Federal em desfavor da tese do Marco Temporal.
Apesar de o Supremo Tribunal Federal já ter julgado a citada ação, rejeitando a tese do Marco Temporal, garantindo os direitos indígenas, mesmo assim, a Bancada Ruralista, com apoio de aliados da mesma no Congresso Nacional, em retaliação `a decisão do STF, aprovou um projeto de Lei, que foi vetado parcialmente neste terceiro Governo Lula, criando um imbróglio jurídico. Tudo leva a crer que o STF tornará a derrubar tal tese contida nesta Lei .
Em meio a tudo isso, no final do Governo Bolsonaro, que promoveu um verdadeiro desmonte das políticas ambientais, indigenistas e sociais, surgiram inúmeras denúncias da ação ilegal de garimpeiros, grileiros e madereiros ilegais na Amazônia, dando origem novamente a um verdadeiro genocídio afetando o povo Ianomami, com repercussão extremamente negativa para a imagem do Brasil no exterior.
Coube ao Governo Lula, assumindo compromisso público de campanha, no início de seu terceiro mandato como Presidente da República, criar o Ministério dos Povos Indígenas e nomear como Ministra uma representante legítima dos referidos povos e também nomear para a direção da FUNAI, que ao longo de sua existência foi praticamente dirigida por militares da ativa ou da reserva, também uma mulher indígena.
Além disso, a UNESCO criou uma ação para valorizar as línguas indígenas, a Década das Línguas Indígenas, de 2022 a 2032, preocupada com a extinção constante dessas. Ações como essa tem conscientizado pessoas de fora do mundo acadêmico sobre a importância da valorização dos saberes e identidades que se perdem juntamente com o léxico de línguas indígenas.
É neste contexto de uma verdadeira guerra, não apenas de “narrativas” como alguns a definem, mas sim, de uma luta em diversas frentes, incluindo a política, a jurídica e também em foros internacionais que os povos indígenas brasileiros, irmanados a outros povos indígenas de diversos países, continuam lutando e resistindo , corajosamente, a todas as formas de desrespeito e violência contra os seus direitos. A luta dos povos indígenas é, sem sombra de dúvida, UMA LUTA PELA VIDA.
Assim, ao celebrarmos o DIA NACIONAL DE LUTA DOS POVOS INDÍGENAS, devemos reconhecer que esta luta não é apenas dos referidos povos, mas de todas as pessoas e organizações governamentais e não governamentais que defendem a vida, a diversidade cultural e étnica no Brasil, a democracia e um país sob o primado da justiça social, da justiça ambiental e da Justiça intergeracional.
Só existe democracia, estado democrático de direito, espírito republicano, solidariedade, fraternidade quando o Bem comum e a inclusão de todas as pessoas e grupos nacionais forem reconhecidos e respeitados em sua dignidade como seres humanos, inclusive os povos indígenas.
*Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, Sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista e articulador da PEI Pastoral da Ecologia Integral. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.
**Priscila Alyne Sumaio Soares, graduada em Letras, Especialista em Língua Brasileira de Sinais (Libras) e Doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela UNESP/FCLAr. Pesquisou a língua Juruna e a língua Terena de Sinais. Atualmente é professora do Curso de Letras Libras na UFMT, em Cuiabá. E-mail: O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.
Evento sobre Agroecologia, em Sinop, faz nascer o Fórum Coletivo Territórios Amazônicos de Mato Grosso
O clima seco, árido e de certa forma um pouco hostil de Sinop (479,9 Km de Cuiabá) não foi empecilho para a realização do Seminário “Dos povos originários às cidades amazônicas: saúde e segurança alimentar", que reuniu cerca de 27 coletivos ligados à agroecologia, comunidades indígenas e pesquisadores entre os dias 29 e 30/06, na subsede da Adufmat-Ssind., no campus da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
A intenção foi reunir as entidades e demais interessados na temática para debater e articular propostas que sejam capazes de influenciar e até mudar o modelo produtivo atual, baseado no latifúndio e na monocultura, que tem destruído a terra, o meio ambiente e, consequentemente, a vida no planeta.
Por que nos deixamos envenenar? Foi uma das questões trazidas pela pesquisadora Márcia Montanari, que além de nutricionista e doutora em Saúde Coletiva, é diretora da Adufmat-Ssind, uma das entidades realizadoras do evento.
Junto ao professor Wanderlei Pignati, companheiro de estudos no Núcleo de Estudos Ambientais, Saúde e Trabalho do Instituto de Saúde Coletiva da UFMT (NEAST), Montanari demonstrou como resíduos químicos prejudiciais à saúde, resultantes do uso dos agrotóxicos, estão presentes em níveis preocupantes na água dos rios e das chuvas, no solo, nos animais, nos produtos agrícolas, na alimentação e até no leite materno.
“Mato Grosso não tem área livre de resíduos químicos”, lamentou a docente, concluindo que até as produções orgânicas estão sendo afetadas pelo uso indiscriminado de agrotóxicos, que muitas vezes extrapola os limites já permissivos estabelecidos pela legislação brasileira.
O professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Sebastião Pinheiro, provocou reflexões acerca da questão “o que é necessário fazer para mudar o que aí está?”. Como engenheiro agrônomo de formação, percorreu diversas regiões do mundo estudando o meio rural e sua posição é muito clara: é preciso valorizar e acompanhar a sabedoria indígena.
Para Pinheiro, conhecimento, educação e compromisso devem ser os eixos de resistência e da luta para transformar esse a sociedade.
Antônio Carneiro, biólogo e militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), afirmou que a Reforma Agrária foi necessária para o desenvolvimento do capitalismo, mas hoje não é mais. Por este motivo, há tanta resistência no Brasil de realizar a distribuição de terras já feita em diversos países capitalistas, como nos Estados Unidos da América. “Agora, é o modo industrial burguês que está desenvolvendo o campo”, afirmou.
Para Carneiro, a Reforma Agrária brasileira deve estar diretamente ligada à agroecologia e ao cooperativismo, com incentivo público, porque as dificuldades do campo fazem os trabalhadores abandonarem as terras logo nos primeiros anos.
Na quinta-feira (29), primeiro dia de atividades, representantes dos povos Ikpeng, Kaiabi, Kayapo, Yudja e Trumai falaram sobre os desafios com relação à segurança alimentação nas aldeias.
“A natureza era rica antes, hoje a oferta é difícil em território demarcado, limitado. Acabou a ampla variedade de alimentos. A maior oferta de alimentos hoje é industrializada” afirmou o cacique Managu Ikpeng. Além da limitação das terras, o uso de agrotóxicos, especialmente por meio de pulverização, contamina a floresta matando ou envenenando o alimento. Pesquisadores encontraram resíduos químicos até mesmo nas plantas medicinais utilizadas por indígenas. A solicitação de análise foi das próprias comunidades, que perceberam alterações no efeito dos chás medicinais.
Ao final do evento os presentes produziram uma Carta, na qual registraram a fundação do Fórum Coletivo Territórios Amazônicos, bem como os principais objetivos e reivindicações do grupo.
Nos próximos dias, a Adufmat-Ssind produzirá materiais com mais detalhes dos importantes dados apresentados durante o evento, e disponibilizará vídeos com trechos das intervenções após edição para melhoramento das imagens.
Luana Soutos
Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind
Quase 40% das pessoas assassinadas eram indígenas, aponta relatório da CPT
Relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), divulgado nesta segunda-feira (17), mostra que o ano de 2022 foi marcado pelo aumento da violência contra a pessoa em decorrência de conflitos no campo. Ao todo, foram 553 ocorrências, que vitimaram 1.065 pessoas, 50% a mais do que o registrado em 2021 (368, com 819 vítimas). Nesse cenário, que inclui assassinatos, tentativas de assassinato, ameaças, agressões, tortura e prisões, os povos tradicionais despontam como as principais vítimas.
Em 2022, 38% das 47 pessoas assassinadas no campo eram indígenas, o que totaliza 18 casos. Em seguida, aparecem trabalhadores sem-terra (9), ambientalistas (3), assentados (3) e trabalhadores assalariados (3). Além desses, as mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, no Vale do Javari, no Amazonas, somam-se ao cenário crítico de vítimas dos conflitos agrários no último ano.
O número de assassinatos por conflitos no campo no ano passado apresentou crescimento de 30,55% em relação a 2021 (36 mortes) e 123% em comparação com os dados registrados em 2020 (21 mortes).
Entre os assassinatos, destacam-se os casos ocorridos em Mato Grosso do Sul, em territórios de retomada dos Guarani-Kaiowá. Foram seis indígenas vitimados entre maio e dezembro, colocando o estado como o terceiro do país que mais registrou assassinatos decorrentes de conflitos no campo.
Três dessas mortes ocorreram em ação de retomada da Tekoha Guapoy, no interior da Reserva Indígena de Amambai. No local, emboscadas e perseguições resultaram na morte de Vitor Fernandes, em 24 de junho de 2022, durante despejo ilegal executado pela Polícia Militar do estado, em ação que deixou mais 15 pessoas feridas. As outras vítimas foram Márcio Moreira e Vitorino Sanches, o segundo uma liderança assassinada no centro de Amambai e que já havia sobrevivido a outra investida similar enquanto dirigia pela estrada que dá acesso a Tekoha.
"Temos visto uma queda das ocupações de terra e avanço dos conflitos para dentro de comunidades ocupadas por populações tradicionais. Há um ataque efetivo contra as comunidades indígenas, de forma específica", diz Isolete Wichinieski, da Coordenação Nacional da CPT.
Mulheres e crianças
Outro dado divulgado pelo relatório é o de tentativas de assassinatos. Em 2022, foram notificadas 123 ocorrências desse tipo de violência, um aumento de 272% em relação aos 33 casos registrados em 2021. Em seguida, estão as ameaças de morte, que também aumentaram na comparação entre 2022 e 2021, passando de 144 para 206, com crescimento de 43,05%.
Boa parte dessas violências por conflitos no campo atingiram especificamente mulheres. Foram seis assassinatos, número que se iguala aos ocorridos em 2016 e 2017. Os demais tipos de violência sofridos pelas mulheres em 2022 foram 47 ameaças de morte (27% do total), 32 intimidações (18%), 14 criminalizações (8%), 13 tentativas de assassinato (7%) , 9 agressões e 9 humilhações (5% cada).
Crianças e adolescentes passaram também a estar na mira da violência por conflitos no campo, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. De 2019 a 2022, segundo os números levantados pela CPT, foram nove adolescentes e uma criança foram mortos no campo. Desses, cinco eram indígenas.
Entre os dados de violência contra a pessoa, a morte em consequência de conflito registrou 113 casos, sendo 103 na Terra Indígena Yanomami, com 91 vítimas crianças, representando 80,5% dos casos. O povo Yanomami viveu, nos últimos anos, um agravamento da crise humanitária de saúde e segurança em meio à invasão de suas terras por garimpeiros.
"O futuro das comunidades indígenas está ameaçado, não só pela invasão de suas terras e o assassinato de lideranças, mas por impedir a existência das próximas gerações", afirma Isolete. A dirigente da CPT cobra do novo governo que cumpra a promessa de resgatar as políticas de proteção territorial e de reforma agrária, que demanda orçamento e pessoal. Ela também demanda a reforma e ampliação do programa de defensores de direitos humanos, para enfrentar as graves ameaças e impedir o assassinato recorrente de lideranças comunitárias no campo.
O relatório anual da CPT referente a 2022 apontou um total de 2.018 ocorrências de conflitos no campo, envolvendo 909,4 mil pessoas e mais de 80,1 milhões hectares de terra em disputa em todo o território nacional, o que corresponde à média de um conflito a cada quatro horas.
Trabalho análogo à escravidão
Outro levantamento da CPT, feito pela Campanha “De Olho Aberto Para Não Virar Escravo”, aponta que, em 2022, foram registrados 207 casos de trabalho análogo à escravidão no meio rural, com 2.615 pessoas envolvidas nas denúncias e 2.218 resgatadas. Esse é o maior número dos últimos dez anos. Em comparação ao ano anterior, o aumento foi de 29% no número de pessoas resgatadas e 32% no número de casos.
O estado de Minas Gerais concentrou o maior número desse tipo de violência (62 casos com 984 pessoas resgatadas), seguido por Goiás (17 casos com 258 pessoas resgatadas); Piauí (23 casos com 180 pessoas resgatadas); Rio Grande do Sul (10 casos com 148 pessoas resgatadas); Mato Grosso do Sul (10 casos com 116 pessoas resgatadas) e São Paulo (10 casos com 87 pessoas resgatadas).
O agronegócio e empresas de monocultivos, grandes motores da exploração do trabalho no Brasil, por mais um ano assumiram a liderança como os principais responsáveis por essa gravíssima violação aos direitos humanos. O setor sucroalcooleiro foi o campeão, com 523 pessoas resgatadas.
Fonte: Agência Brasil e CPT (com edição e inclusão de informações do ANDES-SN)