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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
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JUACY DA SILVA*
à medida que a crise ambiental, com destaque para as mudanças climáticas, se agrava, boa parte dos países, das lideranças mundiais, das organizações não governamentais e de um grande número de pessoas conscientes da gravidade e da urgência desta que é, sem duvida, a maior crise que o planeta enfrenta nos últimos séculos , percebemos que o tempo e a hora de agirmos está se esgotando inexoravelmente, antes que uma grande catástrofe coloque em risco a própria sobrevivência da espécie humana.
Isto não é alarmismo, apenas uma visão de future baseado em in formações científicas que estão à disposição até mesmo das pessoas mais simples.
Ou lutamos de verdade e não apenas com palavras para enfrentar a degradação ambiental ou um verdadeiro desastre, de proporção catastrófica irá se abater sobre a humanidade. Agora estamos diante de uma já quase pandemia decorrente do CORONAVIRUS, que já infectou quase cem mil pessoas e levou a óbito/morte pouco mais duas mil pessoas. Um verdadeiro pânico esta tomando conta do mundo, é o assunto que domina os meios de comunicação, abala as bolsas de valores ao redor do mundo, desestabiliza a economia e as finanças mundiais.
No entanto, a poluição do ar mata a cada ano mais de sete milhões de pessoas no mundo. Segundo dados da ONU e suas agências especializadas, incluindo a Organização Mundial da Saúde, em 2018 existiam 24,5 milhões de pessoas com AIDS, 228 milhões com malária e 10 milhões com tuberculose. As mortes decorrentes somente dessas três doenças no mesmo ano foram: AIDS, 770 mil óbitos; malária 405 mil e tuberculose 1,5 milhão; ou seja, total de 1,675 milhão de mortes. Outras informações indicam que só a FOME levou a óbito/matou mais pessoas do que essas três doenças juntas.
Todavia, mesmo diante de uma catástrofe como esta, onde quase dez milhões de pessoas morrem por doenças já conhecidas, diagnosticadas e que tem tratamento, ou diante da morte de milhões de pessoas só por poluição do ar, sem falar de outras mazelas ambientais que acabam também levando a morte a milhões de pessoas, como a falta de saneamento básico, falta de acesso à água tratada, habitações precárias e sub-humanas, essas tragédias pouca atenção recebem por parte de governantes, da mídia ou até mesmo por parte da população que parece estar a cada dia mais anestesiada diante de uma catástrofe sem precedente, decorrente da degradação ambiental.
É bom também mencionar que por ano 1,35 milhão de pessoas morrem em acidentes de trânsito nas avenidas/ruas das cidades e nas rodovias ao redor do mundo; mais 2,35 milhões de trabalhadores morrem vitimas de acidentes de trabalho; 464 mil são vitimas de homicídios a cada ano; por suicídio em 2017 foram 800 mil casos e óbitos/mortes por todos os tipos de câncer em 2017 foram 9,6 milhões de casos.
Alguém ou enfim, os leitores deste artigo, podem estar se perguntando, o que tem tudo isto a ver com o titulo do artigo? Passo a responder este questionamento relembrando que existe um silêncio conivente e pecaminoso quanto à crise ecológica e suas consequências, que na linguagem do Papa Francisco, na Encíclica Laudato Si (139), quando afirma “Não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma e complexa crise sócio ambiental. As diretrizes para a solução desta grave crise requerem uma abordagem integral para combater a pobreza, devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza”.
Diante deste Quadro complexo e grave, mesmo assim o Papa Francisco vê sinais de um novo despertar mundial (Laudato Si 19) ao afirmar que “ Depois de um tempo de confiança irracional no progresso e nas capacidades humanas, uma parte da sociedade está entrando em uma etapa de maior conscientização. Nota-se uma crescente sensibilidade relativamente ao meio ambiente e ao cuidado da natureza e cresce uma sincera e sentida preocupação pelo que está acontecendo com o nosso planeta”.
Este despertar pode ser notado em relação a diversos governantes, organizações da sociedade civil, `as universidades, comunidade científica internacional, clubes de serviços, entidades esportivas, escolas e, também, em diversas igrejas ou grupos religiosos, com destaque para a Igreja Católica que tem mais de 1,2 bilhões de seguidores ao redor do mundo, evangélicos articulados pelo Conselho Mundial de Igrejas com mais de 500 milhões de fiéis; Igreja Católica Ortodoxa, diversas outras igrejas evangélicas como Luterana, Batista, Metodista, presbiteriana, algumas neopentecostais e até mesmo entre mulçumanos.
Essas igrejas/religiões possuem milhões de templos e locais de adoração, enfim, locais onde semanalmente ou até mesmo diariamente reúnem bilhões de pessoas ao redor do mundo para orarem/rezarem, ouvirem prédicas, homilias, sermões, estudarem as sagradas escrituras ou seus livros sagrados.
À medida que o despertar da consciência ambiental ou o que o Papa Francisco e diversos teólogos de diferentes credos religiosos denominam de conversão ecológica, tendo em vista que o desrespeito e a degradação ambiental é um pecado, o chamada pecado ecológico; neste contexto o papel das Igrejas na defesa, na preservação e conservação do meio ambiente é de suma importância. E este despertar deve ser convertido em obras, ações e não apenas em palavras.
Não se trata de transformar as igrejas em ONGs ou centros de debates ideológicos, mas sim, inserir a questão da ECOLOGIA INTEGRAL no contexto da fé que cada grupo religioso professa, analisar e agir dentro dos parâmetros que tais textos indicam, afinal, para quem acredita que “ Deus, ou a divindade que seja o princípio criador, todas as obras na natureza foram criadas por Ele, inclusive o ser humano”. Assim, o papel das igrejas, religiões em geral e da Igreja Católica em particular é maior ainda pelas razões bem conhecidas.
Existem diversos sinais deste despertar, principalmente a partir do inicio da década de 1970, quando da publicação dos resultados dos trabalhos da Comissão Mundial sobre o meio ambiente e o desenvolvimento, que passou a ser conhecido como “NOSSO FUTURO COMUM”. Ao longo dessas praticamente 5 décadas a ONU tem feito um grande esforço para abrir espaço em suas Assembleias Gerais e outros fóruns internacionais buscando aprofundar o conhecimento científico sobre a crise ecológica e os riscos da degradação ambiental, principalmente para as futuras gerações.
Diversas conferências de Meio ambiente foram realizadas como a ECO-92 e a Rio+20, ambas em nosso país, os vários tratados e acordos internacionais sobre o clima com destaque para Kyoto e o mais recente Acordo de PARIS, além dos trabalhos de grupos de cientistas que monitoram com seus estudos sobre a questão das mudanças climáticas e seus reflexos no planeta.
Foi também iniciativa da ONU o estabelecimento dos OBJETIVOS DO MILÊNIO, que vigorou até 2015, tendo sido substituídos pelos OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, ou agenda 2030, onde diversos dos 17 objetivos estão relacionados direta ou indiretamente com a questão socioambiental.
Cabe aqui alguns destaques ou realce para alguns desses objetivos, os quais foram firmados pela quase totalidade dos 195 países e territórios, inclusive pelo Governo brasileiro. Praticamente todos os 17 objetivos do desenvolvimento sustentáveis podem ser inseridos no paradigma da Ecologia integral. Vejamos: 1) Erradicação da pobreza; 2) Fome zero e agricultura sustentável; 3) saúde e bem estar; 4) Educação de qualidade; 5) Igualdade de gênero; 6) ‘Agua limpa e saneamento; 7) Energia limpa e acessível; 8) Trabalho decente e crescimento econômico; 10) redução das desigualdade dentro e entre países; 11) Cidades sustentáveis; 12) Consumo e produção sustentáveis; 13) Ação contra as mudanças climáticas; 14) Vida na água; 15) Vida Terrestre; 16) Paz, justiça e instituições eficazes.
Ora, se de fato, governantes e entes não governamentais estivessem de acordo com os compromissos firmados por praticamente todos os países, com certeza, tudo o que contém nos pressupostos e princípios da ecologia integral, nosso país e todos os demais não estariam enfrentando tantos problemas graves como os que já sobejamente conhecemos. O Brasil seria muito melhor e o mundo estaria em um novo patamar de desenvolvimento integral, diferente do que continuamos a perceber e sentir através da realidade tão cruel que dizima e exclui bilhões de seres humanos, o que não deixa de ser uma vergonha planetária.
Coincidindo com o “lançamento” dos objetivos do desenvolvimento sustentável, também em 2015, o Papa Francisco, de uma forma corajosa, destemida e inovadora publicou a chamada Encíclica Verde, a LAUDATO SI, que passou, desde então a ser uma referência tanto para a ação da igreja na questão do que se propugna seja não apenas um novo conceito, mas sim um NOVO PARADÍGMA, a chamada ECOLOGIA INTEGRAL quanto também para o agir das demais igrejas e credos religiosos. Como bem disse o Papa Francisco, a Laudato Si não é dirigida apenas aos Católicos, mas também “nesta Encíclica, pretendo especialmente entrar em dialogo com todos acerca da nossa Casa Comum”.
Para elaborar esta Encíclica o Papa Francisco guiou-se, primeiro, pelos princípios e verdades contidas na Bíblia Sagrada, secundado pela Doutrina Social da Igreja, desde a Rerum Novarum, de Leão XIII, em 1891, passando pela Quadragésimo Ano de Pio XI em 1931; pela Encíclica Mater et Magistra de João XXIII em 1961; a Populorium Progresso do Papa Paulo VI em 1967; do mesmo Papa também a Encíclicas Octagésima Adveniens, de 1971 e as três Encíclicas do Papa, hoje São João Paulo II Laborens Exercens de 1981; Sollicitude Rei Socialis, de 1981 e Centesimus Annus de 1991, em comemoração ao centenário da Rerum Novarum.
Cabe aqui um destaque quanto `a “consolidação” que foi fruto do trabalho do Pontifício Conselho de Justiça do Vaticano em 2004, quando houve uma sistematização no “compêndio” da Doutrina Social da Igreja. Deve-se também destacar que outras contribuições que ajudaram a elaboração do texto final da Laudato Si também vieram dos resultados do Concílio Vaticano II, através da Encíclica Gaudium et Spes (Alegria e Esperança).
Mesmo que alguns setores da Igreja enfatizem que houve um certo “rompimento” ou mudança de rumo entre o Papado de Bento XVI e das ênfases, orientações e exortações apostólicas do Papa Francisco, percebe-se, como mencionadas na Laudato Si, que por diversas vezes Bento XVI também apresentou suas exortações quanto à necessidade dos cuidados com o meio ambiente, com constantes de suas Encíclicas Deus Caritas est (2005) e Caritas in Veritate (2009) quando afirma “Por isso a Igreja, com sua ação, procura não só lembrar o dever de cuidar da natureza, mas também e sobretudo, proteger o homem da destruição de si mesmo”.
Nesta mesma linha de raciocínio Bento XVI afirma na Encíclica Caritas in Veritate (2009) que “o mercado, por si mesmo não garante o desenvolvimento humano integral e nem a inclusão social. Entretanto temos um superdesenvolvimento dissipador e consumista que contrasta, de modo inadmissível, com perduráveis situações de miséria desumanizadora”.
Além da influencia das diversas Encíclicas dos Papas que o antecederam, ao formular seu paradigma da ECOLOGIA INTEGRAL, o Papa Francisco se inspira também nos escritos do jesuíta, teólogo e filósofo francês Pierre de Teilhard de Chardin, bem como nas obras de Thomas Berry (1994), Leonardo Boff e Virgil Elzondo (1995), Michael Cohen (1993), Jacques Maritain. Todos esses pensadores e escritores refletiram sobre as inter-relações entre o ser humano e a natureza e a necessidade de uma abordagem integradora, holística.
De uma forma ou de outra surgiram diversos conceitos para possibilitar a análise da realidade ambiental e suas interrelações com o ser humano, na busca do “progresso” e “desenvolvimento”.
Leonardo Boff e Elizon tanto em 1995 quanto 1997 destacam que existe uma conjugação entre o grito da terra e o grito dos pobres e que somente através do paradigma da ecologia integral que leve em consideração os aspectos culturais, sociais, políticos, econômicos e espirituais poderão viabilizar a ecologia integral em suas ligações necessárias para um desenvolvimento integral, sustentável, harmônico e, verdadeiramente, humano, que não gere pobreza, fome, miséria e nem exclusão social.
Para o Papa Francisco este é o caminho quando descreve essas realidades da ecologia ambiental, da ecologia econômica, da ecologia social, ecologia cultural e da ecologia politica, em uma nova síntese que seria a ECOLOGIA INTEGRAL e para complementar menciona também a Ecologia da vida humana, responsável pelo autêntico progresso que produza uma melhoria global na qualidade de vida humana e no espaço/território onde as pessoas transcorrem sua existência.
Fala também na Laudato Si (151) que “é preciso cuidar dos espaços comuns, dos marcos visuais e das estruturas urbanas que melhoram o nosso sentido de pertença, a nossa sensação de enraizamento, o nosso sentido de estar em casa, dentro da cidade (ou do território) que nos envolve e nos une”. Só assim, em minha opinião, a Igreja pode ter a “cara da Amazônia”, com sua diversidade cultural milenária, seus costumes, suas práticas religiosas, suas crenças e seus sonhos e ao mesmo tempo ser uma Igreja missionária, em saída, considerando sua opção preferencial pelos pobres e, ao mesmo tempo, uma Igreja acolhedora e profética, não temendo denunciar as injustiças e as práticas da violência, seja contra as pessoas ou o meio ambiente e a sua biodiversidade. A defesa da vida, em todas as suas formas, também faz parte da ecologia integral e é uma missão permanente da Igreja em todas as suas instâncias.
Como corolário do paradigma da Ecologia Integral o Papa Francisco destaca os três “T” Terra, teto e trabalho, que são condições necessárias e fundamentais para a dignidade das pessoas e dos povos não apenas da Amazônia mas também que se aplica as demais regiões dos países, principalmente na América Latina, Ásia e África, onde estão concentrados os maiores contingentes de pobres e excluído. No caso da Exortação Apostólica Pós-Sinodal Querida Amazônia esta ideia, foi reforçada de forma bem clara.
Nesta Exortação Apostólica, além de reafirmar a importância do Documento Final do Sínodo dos Bispos “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral”, aprovado por ampla maioria dos participantes, Francisco aponta alguns de seus sonhos para a Igreja e para a Amazônia, com destaque para:
a) Um sonho social – “ o nosso é o sonho de uma Amazônia que integre e promova todos os seus habitantes para poderem consolidar o “bem viver”; mas impõe um grito profético e um árduo empenho em prol dos mais pobres;
b) b) Um sonho Cultural – “ o objetivo é promover a Amazônia, isto, porém, não implica coloniza-la culturalmente, mas fazer de modo que ela própria tire o que for o melhor de si mesma;
c) Um sonho ecológico – “numa realidade cultural como a Amazônia, onde existe uma relação tão estreita entre o ser humano com a natureza, a vida diária é sempre cósmica. Libertar os outros de suas escravidões implica, certamente, cuidar do seu meio ambiente e defende-lo”.
d) Um sonho eclesial – “A igreja é chamada a caminhar com os povos da Amazônia…O caminho continua e o trabalho missionário, se quiser desenvolver uma igreja com rosto amazônico, precisa crescer numa cultura do encontro, rumo a uma harmonia pluriforme”.
Ao relatar este seu sonho ecológico, o Papa Francisco mencionada Bento XVI quando afirma “ Esta é primeira ecologia que precisamos. Na Amazônia, compreende-se as palavras de Bento XVI, quando dizia que “ao lado da ecologia da natureza, existe uma ecologia que podemos designar “humana”, a qual, por sua vez requer uma ecologia social”, esta é a ideia de que tudo esta conectado, tanto na Amazônia quanto nos demais território em todos os continentes, razão pela qual a ecologia integral é um novo paradigma que se aplica a todo o planeta.
Quando fala de seu sonho Eclesial Francisco destaca em sua Exortação apostólica (63) “A autêntica opção pelos mais pobres e abandonados, ao mesmo tempo que nos impele a libertá-los da miséria material e defender seus direitos, implica propor-lhes a amizade com o Senhor que os promove e dignifica”.
Neste particular, inserido na ecologia integral Francisco fala da importância das florestas para a estabilização do clima; das águas; dos solos e da proteção e cuidados com os ecossistemas e a defesa da biodiversidade.
Para que a Ecologia integral seja possível de ser concretizada é necessário que a Igreja como um todo, suas estruturas eclesiásticas, bem como um engajamento mais firme por parte do clero e também do laicato, para que em todas as paróquias, comunidades, dioceses e Arquidioceses este novo paradigma inspire novas formas organizacionais, como as PASTORAIS DA ECOLOGIA INTEGRAL, os observatórios e inúmeras ações possam ser levadas a cabo tendo o meio ambiente e as pessoas como pontos de referência.
Neste particular merece uma reflexão especial e mais detida sobre o Documento Final “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ECOLOGIA INTEGRAL”, aprovado por ampla maioria dos participantes do Sínodo dos Bispos para a Pan Amazônia.
No Capítulo que trata da Igreja que cuida da “Casa Comum” na Amazônia, este caminhar é explicitado em a) A dimensão socioambiental da evangelização, principalmente no item 79 quando afirma “A Doutrina Social da Igreja, que há muito tempo lida com a questão ecológica, é, hoje enriquecida com um olhar mais abrangente que abarca a relação entre os povos da Amazônia e seus territórios, sempre em dialogo com seus conhecimentos e sabedorias ancestrais”; b) Igreja pobre, com e para os pobres a partir das periferias vulneráveis, onde no item 80 afirma textualmente “ Reafirmamos nosso compromisso de defesa da vida em sua integralidade, desde a concepção até o seu ocaso e a dignidade de todas as pessoas”.
No Capítulo que trata dos Novos Caminhos para a promoção da ECOLOGIA INTEGRAL, no item que discute a “interpelação profética e mensagem de esperança para toda a Igreja e para o mundo inteiro”, podemos destacar as discussões sobre o “pecado ecológico” como “uma ação ou omissão contra Deus, contra o próximo, contra a comunidade e contra o meio ambiente”, é também “um pecado contra as futuras gerações. Propõe ainda a necessidade da “criação de ministérios especiais para o cuidado da Casa Comum e a proteção da ECOLOGIA INTEGRAL no nível paroquial e em cada jurisdição eclesiástica, que tenham como funções , entre outras, o cuidado com o território e das águas, bem como a promoção da Encíclica Laudato Si. Assumir o programa pastoral educativo e de incidência da Encíclica Laudato Si, seus capítulos V e VI, em todos os níveis e estruturas da Igreja”.
O item b, indica a necessidade ou sugere a criação do Observatório sociopastoral da Amazônia, como mecanismo para fortalecer “a luta em defesa da vida”. Este observatório seria uma integração das ações dos diversos movimentos, organismos, instituições e pastorais que atuam diretamente na ação evangelizadora da Igreja, incluindo REPAM, CARITAS, Centros de Direitos Humanos, Universidades Católicas, CIMI, CPT e outros mais.
Com certeza, a implementação da ECOLOGIA INTEGRAL, não apenas na Amazônia, como nas demais regiões do Brasil e de outros países Amazônicos e Sul Americanos é um novo e grande desafio para a Igreja, mas do qual ela não poderá fugir, sob pena de que todo o arcabouço de sua Doutrina social e todas as referências sobre meio ambiente contidos na Bíblia Sagrada sejam transformados em meros conceitos acadêmicos ou até mesmo em palavras mortas, neste sentido, e tendo em vista a opção preferencial pelos pobres, a Igreja não pode estar abraçada com os poderosos e de costas para o sofrimento do povo, isto também é um pecado ecológico.
Oxalá possamos refletir mais profundamente sobre toda esta complexa realidade e a urgência que a catástrofe ambiental esta a exigir de cada cristão e da Igreja como um todo.
*JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy
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Publicamos a pedido do Prof. Vinicius Machado P. dos Santos o texto abaixo, de autoria de José Roberto Torero*
Kkkk, Diário! Hoje eu fui demais!
Em vez de eu ir falar com o povo e com os jornalistas, mandei um comediante, o Carioca.
Ele foi vestido de mim. Com faixa presidencial e tudo. Cumprimentou as pessoas e se ofereceu para falar com os jornalistas.
Já que aquele negócio de falar com o pessoal na saída do Palácio é uma palhaçada, a gente decidiu chamar um palhaço de verdade.
Eu e o Carioca temos uma coisa em comum. Ele causava no Pânico e eu causo pânico, kkk!
O Carioca levou umas bananas e distribuiu pro pessoal. Os caras da imprensa não quiseram pegar nenhuma. Nem fizeram pergunta pra ele. Mesmo assim achei muito bom.
É que hoje eu não queria falar com jornalista. Vai que eles perguntam sobre a Regina Duarte, que demitiu uns olavistas e está sendo atacada por causa disso, ou sobre o Osmar Terra e a Michelle, ou, pior ainda, sobre o pibinho.
Quer dizer, pibinho foi com O Estadão chamou o da Dilma, quando deu 2%. O meu devia ser chamado de pibinhozinho. Mas o Paulo Guedes prefere dizer que é um “crescimento em recuperação lenta”.
O chato mesmo é que eu perdi do Temer. Pô, o meu PIB ser menor que o dele é sacanagem!
A previsão, no fim de 2018, era que com a minha eleição o PIB subisse 2,55%. Mas não chegou nem na metade. Foi uma espécie de PIB-Tinder. Você diz que tem 25,5 cm, mas na hora tem só 11 cm, kkk.
Olha, Diário, o PIB tá em baixa, mas tem muita coisa que subiu. Por exemplo, o dólar tá em R$ 4,50, a gasolina tá chegando em R$ 5,00 e o gás passou de R$ 80,00, kkk!
Ah, eu sou bem melhor que o tal de Carioca.
(*) José Roberto Torero é escritor e jornalista, autor de livros como Papis et Circensis e O Chalaça. O Diário do Bolso é uma obra ficcional de caráter humorístico.
Fonte: https://operamundi.uol.com.br/diario-do-bolso/63342/diario-do-bolso-diario-hoje-eu-fui-demais
A UNIVERSIDADE PÚBLICA E GRATUITA, UM PATRIMÔNIO SOCIAL AMEAÇADO - Tomás de A.S. Boaventura
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Por Tomás de A.S. Boaventura*
Uma educação pública e de qualidade, em seus mais diversos níveis, mantida apenas com recursos públicos, é o caminho necessário para construção de uma sociedade mais igualitária, com oportunidade para todos, num País que se quer livre, democrático e desenvolvido. Isto se torna mais premente ainda quando olhamos a complexidade e os desafios do Mundo atual.
Um dos pilares destes pressupostos é a defesa intransigente do caráter público e gratuito, da autonomia plena, da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, voltada para as demandas da maioria da população, das Universidades Públicas Brasileiras. Princípios estes formulados e preservados pelo ANDES SN desde sua fundação.
Não é por acaso que este programa fundante do nosso Sindicato tem sido, constantemente, atacado pelos governos, liberais ou neo-liberais, desde os anos 1980 e aprofundados agora, de 2016 para cá, de forma acelerada e, autoritariamente, avassaladora.
As interferências na democracia interna ferindo de forma direta suas autonomias, a aplicação irrestrita do congelamento por vinte anos de investimentos públicos, o programa Future-se, já rechaçado na UFMT, são alguns exemplos imediatos das medidas privatizantes e de desmonte das IFES tomadas pelo governo de extrema-direita e proto-fascista atual. Resta evidente que as restrições orçamentárias, acompanhadas de inaceitáveis contingenciamentos durante suas consecuções, fazem parte desta política que inviabiliza e tende a destruir as Instituições Públicas de Ensino Superior tal qual defendemos e necessárias à população brasileira, em especial a mais carente.
Neste contexto insere-se, como inevitável, a valorização do seu Corpo Docente e a resposta, agora e urgente, às medidas que afetam, diretamente e de forma imediata, a vida pessoal (adoecimento e uma situação econômico-financeira insustentável) e a Carreira dos Professores das Universidades Públicas em suas mais diversas esferas.
Entre tantos ataques, ressaltamos a agudização dos mais recentes : * o congelamento dos salários e proventos por mais de 5 anos, como a indecente e inconstitucional quebra da paridade entre o que recebem os docentes da ativa e os aposentados * o aumento da alíquota da contribuição previdenciária de 11% para 14% (com a excrescência jurídica de cobrar esta contribuição aos aposentados); * o corte das verbas/bolsas de projetos de pesquisa e programas de pós-graduação; * a recusa do Judiciário Federal em nos devolver os 28% em nossos salários e proventos (R.Decisão já transitada em julgado); * as investidas contra a democracia interna nas Instituições, em afronta à determinação constitucional que garante sua Autonomia, como no Future-se, e na nomeação pelo governo de Reitores, desobedecendo a classificação das listas tríplices e até fora das mesmas, impondo verdadeiros Interventores; * a proibição de concursos públicos e a contratação em massa, em bases precarizadas, de professores temporários; * ou como vem assinalado na propalada (contra) Reforma Administrativa : quebra da estabilidade do Servidor Público e a redução dos seus atuais vencimentos em até 25%.
Por estas questões centrais, entre outras, o 39° Congresso do ANDES SN/ Fevereiro 2020/SP., decidiu apontar para suas Seções Sindicais mobilizações e um enfrentamento direto desta caótica situação, inclusive com Greve a partir de março, nas Instituições Públicas de Ensino Superior em todo o País.
Assim, deve a ADUFMATss. deve convocar, neste momento, toda a Sociedade de Mato Grosso, assim como toda a Comunidade Acadêmica da UFMT, para defender e lutar pela Universidade Pública e Gratuita, Autônoma e Laica, e voltada para as necessidades da maioria da População.
À Luta já com a Decisão em AG da data do início da GREVE !!!, e Ditadura Nunca Mais !!!
*Tomás de A.S. Boaventura - Professor aposentado do Departamento de História.
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Leonardo Santos
Prof, do Dpto. de Serviço Social da UFMT, Militante da Corrente Sindical Unidade Classista
Corro atrás do tempo
Vim de não sei onde
Devagar é que não se vai longe
Eu semeio o vento
Na minha cidade
Vou pra rua e bebo a tempestade
Chico Buarque, “Bom conselho”
Muitas pessoas - de esquerda, progressistas ou algo nesse sentido – tem acompanhado o desenrolar da conjuntura com indignação. Contudo, lidam com o nosso atual momento como quem lida com uma chuva dessas de verão: forte, com raios, relâmpagos, ventania..., mas passageira! Estão procurando ou já acharam um teto confortável – na medida do possível – para passar o tempo ruim. Muitos esperam o momento para “o Brasil ser feliz de novo”. O problema é que essa não é uma chuva passageira, e mais que isso, os estragos causados não serão facilmente revertidos.
Estamos vivenciando no Brasil os efeitos econômicos, sociais e políticos da crise que assola o mundo capitalista. Diferente do que acreditava o ex-presidente Lula da Silva, essa crise não nos pegou como uma marolinha, ela nos revirou como um furacão.
Deflagrou-se em 2016 um Golpe institucional, jurídico e midiático. Assumiu o poder um Temer que mesmo com 3% de aprovação por parte da população conseguiu nos enfiar goela abaixo uma Contrarreforma Trabalhista que destrói uma série de direitos conquistados por nossa classe pelo menos nos últimos 80 anos. Passou ainda uma Emenda Constitucional que congela os gastos sociais do Estado brasileiro nos próximos 20 anos. Em suma, o Golpe representa um novo momento de dominação burguesa no Brasil, com teor mais autocrático e descartando até a possibilidade de democracia de cooptação expressa pelos Governos do PT.
Com a situação já não dramática o suficiente, temos a eleição (com uma série de irregularidades e fraudes, é importante assinalar) de Jair Bolsonaro em 2018, que arregimenta para si os setores mais reacionários da sociedade em conjunto com uma crescente base religiosa neopentecostal, além daqueles descontentes com os rumos do país que canalizam tudo em um antipetismo que se transforma numa caça a movimentos sociais e partidos de esquerda, uma volta trágica do anticomunismo tão característico dos golpes que a elite brasileira já deu ao longo do último século.
Bolsonaro segue na linha de desmonte das conquistas cravadas na Constituição de 1988, seja no âmbito dos direitos e políticas sociais, seja no âmbito das liberdades democráticas. Junto com o Congresso aprovou uma draconiana Contrarreforma da Previdência, tem se empenhado em entregar as riquezas e empresas nacionais para imperialismo e em adotar uma política externa subserviente. Além de, internamente, atacar movimentos sociais e grupos já historicamente marginalizados.
As saídas que são apontadas não são nada esperançosas. Em primeiro lugar há a possibilidade de continuidade de Bolsonaro com seu séquito fascista em disputa fratricida com o Congresso, entretanto alinhados no que há de mais danoso para a classe trabalhadora. Em segundo lugar se apresenta a alternativa de um autogolpe que garantiria os desejos ditatoriais do grupo de Bolsonaro (na atual conjuntura latino-americana não nos parece um cenário impossível). Em terceiro, a substituição de Bolsonaro (provavelmente em 2022) por um ultraliberal mais refinado - no estilo PSDB ou Luciano Hulk – que tenderia a aprofundar ainda mais o projeto começado por Temer e continuado por Bolsonaro.
Há uma quarta opção, bem menos provável, mas que merece um pouco de atenção, que seria uma volta do projeto do PT ao Governo Federal. Apesar de as classes dominantes terem descartado o PT como gestor do seu Estado, esse partido, com destaque para Lula, ainda possui uma base social – e principalmente eleitoral – que não pode ser descartada no jogo político brasileiro atual.
Mas acontece que se repararmos nas movimentações do PT nos últimos anos em que esteve no Governo Federal, podemos perceber que este se esforçou em agradar os anseios destrutivos do capital em sua nova fase. Vejamos: Dilma em seu segundo mandato coloca Joaquim Levy, representante do rentismo, como Ministro da Fazenda; atacou de morte vários benefícios e as pensões previdenciárias e, não menos importante, propôs e aprovou a Lei antiterrorismo que é um dispositivo autocrático de criminalização das lutas sociais. O PT parece só ter sido descartado como gestor do Estado burguês nessa sua nova fase porque não podia implementar as medidas solicitadas pelo capital na velocidade que este queria.
Para pensarmos em exemplos mais recentes, basta lembrar que Governadores petistas e aliados, como Camilo Santana (CE); Rui Costa (BA) e Flávio Dino (MA) aprovaram a toque de caixa Contrarreformas Previdenciárias estaduais mais pesadas que a nacional. Em suma, nos parece que o sonho de reversão de todo mal pela volta do PT não faz sentido.
Diante do quadro exposto é difícil ser otimista, é difícil esperar pelo fim da tempestade e por um belo dia ensolarado. Mas há ainda um elemento de fora dessas previsões: a classe trabalhadora organizada, ativa, combativa e nas ruas. Em um país já tão acostumado com a conciliação de classes e com o apassivamento das lutas sociais, já tão familiarizado com a avalanche conservadora e reacionária, tal saída parece ilusória, utópica. Mas se nos voltarmos para a resistência atual latino-americana, no Chile, no Equador, até na Argentina, fica mais fácil entender que nossa apatia pode não ser eterna.
As mobilizações, paralisações, greves e embates precisam aflorar com urgência no Brasil, construídas com as forças que temos no momento e com a unidade entre todos aqueles que se colocam honestamente contra o fascismo e contra o ultraliberalismo. Mas essa luta requer também fôlego, trabalho de base continuo, nos locais de trabalho, estudo e moradia. Esvaem-se, aqui e no mundo, as possibilidades de conciliação de classes. O que nos resta? Semear o vento, ir pra rua e beber a tempestade. Construir o Poder Popular!
QUARESMA À BRASILEIRA - Roberto Boaventura
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Roberto Boaventura da Silva Sá
Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP
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“Acabou nosso carnaval// Ninguém ouve cantar canções// Ninguém passa mais// Brincando feliz// E nos corações// Saudades e cinzas// Foi o que restou...”
Consoante o calendário cristão, eis a quaresma; logo, revisitemos a “Marcha de Quarta-Feira de Cinzas”, de Carlos Lyra e Vinícius de Moraes, lançada em 1966, momento em que o Brasil já estava amordaçado pelo golpe de 64. Sendo assim, há de se atentar para o toque político da “Marcha”. Para isso, vale transcrever sua 2ª estrofe, uma vez que a 1ª abriu este artigo:
“Pelas ruas o que se vê// É uma gente que nem se vê// Que nem se sorri// Se beija e se abraça// E sai caminhando// Dançando e cantando// Cantigas de amor...”
O tom de ensimesmada melancolia da 2ª estrofe soma-se ao lamento da 1ª, onde “carnaval” serve como metáfora do termo “democracia”, que, na condição de bem social, havia sido roubada; por isso, o império da tristeza, pelo menos por parte dos que conseguiam ter a consciência política disso.
Todavia, logo após a 2ª estrofe, vem o refrão:
“E no entanto é preciso cantar// Mais que nunca é preciso cantar// É preciso cantar e alegrar a cidade...”.
No início do refrão, duas conjunções. A primeira é a aditiva “E”, que é insignificante perante a segunda. Na essência, o “E” empresta eventual força que pudesse ter para a locução coordenativa adversativa “no entanto”. Esta adversidade divide a “Marcha” em dois momentos distintos.
A partir do refrão, a tristeza deve ser deixada para trás; o eu-lírico passa a evocar (ou convocar) a necessidade da força popular, que deve resistir ao tempo vivido para atingir, num futuro, um estágio de alegria e de paz generalizada.
A evocação/convocação se dá por meio de um belo processo gradativo, consolidado pela necessidade de se cantar:
“...é preciso cantar// Mais que nunca é preciso cantar// É preciso cantar e alegrar a cidade...”
Poucas construções gradativas são mais fortes do que a desse refrão, pois a gradação passa a ter valor de ordem social a ser perseguida; isso em contraposição a artimanhas de um tempo de tantas perseguições políticas.
Na mesma perspectiva, o clamor do eu-lírico encontra-se consolidado nas certezas (ou em apostas de cunho positivo) inseridas no restante da “Marcha”:
“A tristeza que a gente tem// Qualquer dia vai se acabar// Todos vão sorrir// Voltou a esperança// É o povo que dança// Contente da vida// Feliz a cantar...”
Inesperadamente, o refrão, há pouco transcrito, não se repete, o que, em geral, é comum acontecer em textos poéticos. Ele se consubstancia em outras palavras, mas todas igualmente estão marcando a perspectiva de superação de um determinado estágio vivido:
“Porque são tantas coisas azuis// E há tão grandes promessas de luz// Tanto amor para amar de que a gente nem sabe...”
Na última estrofe, um pedido do eu-lírico:
“Quem me dera viver pra ver// E brincar outros carnavais// Com a beleza dos velhos carnavais// Que marchas tão lindas// E o povo cantando seu canto de paz...”
Se materializarmos o eu-lírico da “Marcha” pelos seus compositores, infelizmente, como sabemos, Vinícius não viveu para “ver e brincar outros carnavais”. Ele faleceu em 1980. A ditadura terminou cinco anos depois.
Carlos Lyra não só viu a redemocratização chegar em 85, como está vendo nossa democracia escorrer novamente pelas mãos, Bolsonaro encurta e aponta os limites de nossa democracia. Por isso, outra vez, “...é preciso cantar// Mais que nunca é preciso cantar// É preciso cantar e alegrar a cidade...”.
Cantemos, pois.
PS.: após fechar meu artigo, soube pela mídia que Bolsonaro compartilhou vídeo de manifestações contra o Congresso e STF. Estarrecedor.
DE QUANDO SE RENUNCIA À UNIVERSIDADE PÚBLICA - Diretoria da Adufmat-Ssind
A comunidade acadêmica da Universidade Federal de Mato Grosso e a sociedade mato-grossense de um modo geral foram surpreendidas, na tarde da sexta feira, 21/02/2020, véspera de carnaval, pelo anúncio da renúncia ao cargo de reitora, feito pela professora Myrian Serra da UFMT.
A renúncia ocorreu no calor de uma das maiores, talvez a maior crise que já atingiu os serviços públicos brasileiros em geral e a universidade pública em particular. São mais de três anos de derrotas consecutivas e ininterruptas da classe trabalhadora.
Nesse período foram aprovadas: a reforma trabalhista, que mutilou as formas de trabalho protegido no país, introduzindo o trabalho intermitente, a terceirização irrestrita e o acordado valendo sobre o legislado; a emenda constitucional 95, que impede os investimentos nos serviços públicos por 20 anos; a reforma da previdência, que aumentou as alíquotas e o tempo de contribuição e pretende retirar quase um trilhão de reais das camadas mais pobres dos trabalhadores nos próximos 10 anos.
O último ano, contudo, foi o de maior acirramento. Pois junto com os ataques explícitos aos trabalhadores, veio a ação de um governo recém eleito que, dentre outras coisas, tem em sua composição uma secretaria de desestatização cujo objetivo é, segundo Salim Farah, o secretário, “ vender tudo”. E nesse “vender tudo” entram empresas estratégicas como os Correios, a Eletrobrás, a BR distribuidora (já vendida), a Petrobrás (vários blocos do pré sal já foram vendidos) e muitas outras.
Além disso, o governo atual travou desde seus primeiros dias um duelo com as universidades públicas. Corte e contingenciamento no orçamento que quase impediram as universidades de funcionar, corte de bolsas de pesquisa, de mestrado e de doutorado, ataques ideológicos absurdos, falsas declarações a respeito das universidades e dos professores universitários, anúncios de programas que entregam a universidade pública aos interesses do mercado, ameaças e perseguições a quem faz luta. Na UFMT, por exemplo, até corte de energia elétrica ocorreu.
É nesse cenário, nesse momento de pilhagem, nessa hora em que uma universidade pública deve erguer sua voz e mostrar o quanto é imprescindível, que acontece a renúncia da professora Myrian Serra. Renúncia que, na verdade, se deu através de um longo processo, composto de diversos e inequívocos episódios.
A renúncia se deu quando, diante desse cenário de destruição de direitos e instituições, a reitora não denunciou que se desfazer das empresas públicas estratégicas é uma forma de inviabilizar a própria universidade publica;
A renúncia se deu quando a reitora optou por administrar planilhas e efetuar os cortes, nos mesmos moldes em que fez o governo, sem nenhuma discussão com a comunidade acadêmica, nos setores mais frágeis da universidade, como os terceirizados de limpeza e segurança, restaurante universitário, bolsas de estudantes, aulas de campo, etc.,
A renúncia se deu quando, durante a última greve dos estudantes, por conta do aumento do RU, a reitora se negou a debater com a comunidade estudantil e preferiu a frieza da decisão do conselho universitário;
A Renúncia se deu quando a reitora retirou dos técnicos administrativos, também sem nenhuma discussão, a jornada contínua de 6 horas;
A renúncia de fato se deu, quando, diante de todo esse cenário, a reitora escolheu o lado que compromete a existência da própria universidade pública, gratuita, de qualidade, laica e socialmente referenciada.
No documento da véspera do carnaval, que sela a renúncia para os trâmites formais, a reitora alega problemas pessoais. Não há o que se dizer sobre essa particularidade, exceto nossa manifestação humanista que deseja a quem enfrenta problemas pessoais, que estes se resolvam. A renúncia à universidade pública, conforme dito acima, já havia se dado há muito tempo.
A ADUFMAT manterá firme sua luta histórica em defesa da universidade pública, gratuita, de qualidade, laica e socialmente referenciada. É esse tipo de universidade o único capaz de dar conta de um projeto de pais que almeja algum sentido de soberania. E a ADUFMAT, juntamente com os demais segmentos da Comunidade Acadêmica e com a sociedade civil em geral – continuará sua luta não apenas pela Universidade Pública, mas, também, pela retomada dos investimentos orçamentários imprescindíveis à sua manutenção, assim como pelo direito de eleger, de forma direta e paritária, seus dirigentes.
À ADUFMAT não cabe renunciar à universidade pública.
DIRETORIA DA ADUFMAT- LUTO PELA UNIVERSIDADE PÚBLICA
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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
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Leonardo Santos
Prof. do Dpto. de Serviço Social da UFMT
Militante da Corrente Sindical Unidade Classista
A corrente econômica e filosófica conhecida como Liberalismo nasce junto com as revoluções burguesas e junto com essa classe passa de revolucionária à classe dominante, desde então - em diferentes momentos históricos e países do globo - o liberalismo alia-se com o conservadorismo na defesa do status quo. Pense-se nos teóricos e políticos liberais clássicos que coadunavam com a escravidão; os que se aliaram com a Santa Aliança contra os movimentos operários no século XIX; os liberais oriundos de estratos de classes oligarcas coloniais que formaram a nascente burguesia brasileira; os que no início do século XX saudaram o fascismo contra a ameaça comunista na Europa; os que compuseram a pasta econômica do governo ditatorial de Pinochet no Chile; os que nos anos 1970 formaram uma longa parceria com o Partido Republicano e os fundamentalistas religiosos nos EUA, etc.
Atualmente, o contexto de crises vivido no Brasil coloca o país na linha das classes dominantes e do imperialismo internacional de promover um novo momento de neoliberalismo acirrado, um “ultraliberalismo”, que não só atuará contra gastos sociais e espaços democráticos, mas não aceitará sequer a existência desses, mesmo que fragilizados e extremamente limitados. Há dois objetivos centrais nessa investida “ultraliberal”, quais sejam: radicalizar o ideário de “Estado mínimo” e operacionalizar um ataque à espaços de participação democrática e popular. (SANTOS, 2018)
A escalada da extrema-direita cumpre uma função importante no projeto “ultraliberal”, já que possibilita um ataque direto a democracia, não só no Brasil, já que tem sido um movimento mundial. Assim, o apoio das elites à extrema-direita aliada a grupos militantes “ultraliberais”, significa que, para a classe dominante brasileira, a saída para a crise só pode se dar fortalecendo ainda mais o capitalismo imperialista com hegemonia do capital financeiro, aderindo à já crescente onda de desindustrialização nacional e apoiando-se no mercado de commodities e na exploração acirrada da força de trabalho dos brasileiros para manter as taxas de lucros de seus negócios a partir do subdesenvolvimento e da dependência (FERNANDES, 2005).
É importante que se diga que a unidade - entre esses grupos “ultraliberais” e o reacionarismo com características fascistas de Bolsonaro - é possível pois não há antagonismo entre eles, visto que para os “ultraliberais” as pautas de liberdade (mesmo que individuais) podem ser facilmente abandonadas por necessidades táticas da conjuntura. Já para os conservadores e fascistas é plenamente viável, e muitas vezes desejável, uma linha econômica aos moldes defendidos pelos Escola Austríaca de Economia. “Cabe notar,[...] que os partidos de ultradireita na Europa hoje advogam políticas pró-mercado [...], isto é, advogam, ‘Mais Mises’.” (AUGUSTO, 2014, p. 420-421).
Esse antidemocratismo atualmente se apresenta em um projeto de relativizar as formas de organização do famigerado Estado Democrático de Direito para melhor cumprir as necessidades de uma sociedade onde o mercado é sacralizado. Além disso, o antidemocratismo serve como ferramenta para a implementação de contrarreformas que visam intensificar as características do Estado neoliberal.
A radicalidade das contrarreformas e a capacidade de mobilização desses grupos de extrema-direita é o que possibilitou, de fato, o apoio das classes dominantes brasileiras. Estas, apesar de sempre terem os mantido como aliados e os financiando, até a atual conjuntura nunca os havia alçado a espaços de maior destaque na política. Atualmente o Movimento Brasil Livre – MBL, por exemplo, já tem vereadores e deputados em vários Estados e foi base de apoio importante da candidatura à presidência de Bolsonaro. Não conseguiram lançar um “ultraliberal”, mas se satisfizeram com Paulo Guedes como braço direito do Presidente.
Essa unificação da extrema-direita ganhou espaço na sociedade brasileira apresentando respostas à crise do PT como gestor do Estado. Essa militância “ultraliberal” não nasceu da atual crise, mas foi nela que encontrou o caminho necessário para crescer e aparecer. É com essa flexibilidade de princípios e focando nas pautas que agradam as elites econômicas que a extrema-direita emergiu e foi um dos grupos centrais para a inauguração do novo ciclo da direita brasileira. Não vai ser na direita que encontraremos o contraponto necessário, seja ao crescente fascismo, seja ao ultraliberalismo.
REFERÊNCIAS
AUGUSTO, André Guimarães. O que está em jogo no “Mais Mises, Menos Marx”. Revista Marx e o Marxismo, v.2, n.3, ago/dez 2014. Não paginado. Disponível em: <http://bit.ly/1VQdFnv>. Acesso em: 13 fev. 2017.
FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. 5 ed. São Paulo: Globo, 2005.
SANTOS, L. M. dos. Ludwig Von Mises como arma política da extrema direita brasileira; 2018; Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte
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Roberto Boaventura da Silva Sá
Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP
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Em antigos carnavais, podíamos fazer o que quiséssemos, até mesmo ficar “à toa na vida”, vendo “a banda passar”. Em tempos tais, sempre procurei algo dessa festa para escrever meus artigos. Este ano a marcha é outra, principalmente para as universidades federais e o universo cultural do país.
Fazendo parte da insana luta ideológica que o governo Bolsonaro empreende contra inimigos reais e imaginários, as federais têm sido constantemente atacadas. Há pouco, soubemos que “agente secreto do governo trabalha disfarçado de vigilante na UnB” (Carta Capital: 13/02/20).
Pois bem. O lead da revista citada – não fosse o registro de sua publicação – poderia ser identificado como uma das ações da ditadura de 64. Mas não! É notícia da hora. A informação veio a público por conta “de investigação no Tribunal de Contas da União sobre um processo seletivo realizado pelo Ministério da Economia em 2019”.
Embora chocante, essa informação não deveria surpreender, menos ainda a quem vivencia o cotidiano das federais. Ainda em 2019, com menos de um ano de governo, as intervenções de Bolsonaro nas eleições de reitores em algumas unidades da federação já deveriam ser suficientes para que soubéssemos do real significado de várias coisas que já estão sendo impostas nos meios acadêmicos, científicos e culturais. Tais espaços/setores são sempre os primeiros a provar o gosto daquela “bebida amarga” de que Chico e Gil referenciam em “Cálice”... ou “cale-se”.
Isso posto, penso que o governo nem precisaria gastar com espiões contratados. Nas universidades, por mais absurdo que possa parecer, há agentes que já fazem esse papel desde janeiro de 2019.
Dito isso, longe de sugerir qualquer ideia de saudosismo do nosso recente passado político, sistematicamente refutado por mim em meus artigos, mas o fato é que defender e/ou contribuir com o bolsonarismo é algo semelhante a tocar o lodo de um chão absolutamente sujo. Não dá.
Não dá para aceitar a homenagem que o presidente – à época, um inexpressivo deputado – fez ao torturador Ustra. Não concordar com o petismo, algo realmente lastimável, não poderia ser suficiente para admitir aquele discurso.
Não dá para não se indignar com Eduardo Bolsonaro, um dos filhos do presidente, fazendo apologia ao Ato Institucional n. 5, o mais tenebroso da ditadura.
Não dá para não sentir nojo do discurso nazista de Alvim, ex-presidente da Secretaria de Cultura, hoje, ocupada por Regina Duarte, que já fez seu primeiro deboche ao oferecer um “Oscar” àqueles que torciam para que o documentário Democracia em Vertigem recebesse a premiação de Hollywood.
Não dá para não se espantar com a afirmação de Sérgio Camargo, indicado para comandar a Fundação Palmares: “a escravidão foi terrível, mas benéfica para os descendentes afro”.
Não dá para não cobrar apuração rigorosa sobre a morte de um ex-miliciano carioca que tinha ligação íntima com a família Bolsonaro e, até onde apontam as investigações, participação no assassinado (também) de Mariele Franco.
Não dá para não se indignar com o discurso sobre os “parasitas”, pronunciado por Paulo Guedes.
Não dá para engolir calado a ingerência do governo na autonomia e, consequentemente, na democracia interna das universidades federais, que poderão ser aniquiladas...
Enfim, a lista do “não dá para” é longa. Mesmo assim, há criaturas de dentro das universidades que se prestam a contribuir com esse conjunto de aberrações. Seria gambá cheirando gambá?
Triste, mas eles existem; e agem!
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Por Roberto de Barros Freire*
Todos os dias assistimos abismados, do presidente aos seus ministros, nossos governantes destilarem ofensas para todos os lados. É ministros ofendendo funcionários públicos ou esculachando com as empregadas domésticas. Outro ofendendo afamados cientistas nacionais, pessoas sem formação na área. Não apenas ofensas, mas difamação, todos os dias mentindo, e buscando antes destruir seus supostos inimigos, do que buscar a convivência com suas diferenças. Se depender do presidente, ele confinaria ambientalistas nas florestas, mataria ladrão, enfim, eliminaria todos os seus adversários, que são muitos.
Cotidianamente a presidência e seus ministros tentam destruir a autoridade de pessoas e instituições, querendo reduzir a ciência a uma reles ideologia, e fazendo ideologia para eliminar as questões científicas e a realidade, negada como se fosse fantasias das mentes ou resultado de um efeito de discurso, e não resultados de estudos e pesquisas.
A Presidência está contaminada da mais profunda ignorância entranhada, do machismo mais abjeto, do espírito de facção trazidos pelo seu ocupante temporário. Há um espírito de milícia nos nossos governantes,e Bolsonaro comporta-se como chefe de bando. Seus jagunços avançam contra a reputação de quem se anteponha à aventura autoritária. Presidentes da Câmara e do Senado, ministros do Supremo Tribunal Federal, governadores de estado, repórteres e organizações da mídia, universidades tornaram-se vítimas constantes de insultos e ameaças. Ninguém está a salvo de suas ofensas, mesmo seus aliados, podem, num repente, caírem em desgraça e serem “exterminados” da convivência.
O presidente Bolsonaro, que já foi condenado por atacar a dignidade sexual de uma parlamentar mulher, incorre em nova difamação e assédio moral e sexual, a declaração absolutamente desrespeitosa e incompatível com a postura de um presidente da República sobre uma repórter da Folha de São Paulo.
É preciso que a sociedade perceba e tome consciência que a imunidade para o exercício da política não foi pensada para que mandatários possam difamar, injuriar e caluniar cidadãos desprovidos de poder, como está ocorrendo. Dignidade, honra e decoro são requisitos legais para a função pública. O presidente que os desrespeita comete crime de responsabilidade.
Não é possível o presidente e seus ministros continuarem numa rota de colisão contra a civilização, o debate racional da realidade, querendo impor sua posição e destruir qualquer outra possibilidade de visão. Não se pode continuar a ter um governante sem educação, raso, rasteiro, bruto, que apenas satisfaz seu eleitorado, enquanto tenta destruir qualquer outra posição política. Fundamentalmente, não podemos continuar a ter vergonha desse governante, que não pode ser levado a sério pelas outras nações, que mais sábias que a nossa, não ri da brutalidade, mas antes repudia alguém que ofende e estigmatiza os demais, seus desafetos.
O mundo mais educado que o brasileiro não ri quando um presidente faz piadas sexistas, racistas, ou comentários sobre as partes íntimas de seus desafetos, envergonha-se. As demais nações simplesmente dariam um impedimento para que ele parasse de governar os homens. Uma pessoa incapaz de governar sua língua, de conter seus comentários, de não perceber que como presidente ele não pode fazer comentários de botecos, não pode governar os homens, além de ser um péssimo exemplo para as crianças e jovens, que aprenderão antes a ser um bruto, do que um homem. A piada sobre o furo da repórter não é inapropriada pra menores de idade? Como deixaram passar nos jornais do horário nobre, com mais audiência? Muito do que o presidente diz é impróprio para qualquer idade.
*Roberto de Barros Freire
Professor do Departamento de Filosofia/UFMT
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OS SONHOS DE FRANCISCO - Juacy da Silva
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JUACY DA SILVA*
“AO POVO DE DEUS E A TODAS AS PESSOAS DE BOA VONTADE, A AMAZÔNIA QUERIDA apresenta-se aos olhos do mundo com todo o seu esplendor, o seu drama e o seu mistério. Deus concedeu-nos a graça de a termos presente de modo especial no Sínodo que se realizou em Roma de 6 a 27 de outubro de 2019, concluindo com o Documento Amazônia: Novos Caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral.”
“Sonhos para a Amazônia. A Amazônia é um todo plurinacional interligado, um grande bioma partilhado por nove países: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname, Venezuela e Guiana Francesa. Todavia dirijo esta Exortação ao mundo inteiro. Faço-o, por um lado, para ajudar a despertar a estima e solicitude por esta terra, que também é « nossa », convidando-o a admirá-la e reconhecê-la como um mistério sagrado; e, por outro, porque a atenção da Igreja às problemáticas deste território obriga-nos a retomar brevemente algumas questões que não devemos esquecer e que podem servir de inspiração para outras regiões da terra enfrentarem os seus próprios desafios.”
Esses dois parágrafos fazem parte da introdução da Exortação Apostólica do Papa Francisco, uma reflexão sobre o Documento Final do Sínodo dos Bispos para a Pan Amazônica, realizado no final de 2019 e que deverá servir como uma bússola para as ações da Igreja nesta parte da América do Sul, uma realidade multifacetada que abrange nove países, inclusive o Brasil, cujos territórios tem a Amazônia como área em comum e especial.
A cada dia que passa o Papa Francisco deixa a marca de seu pontificado através de seus pronunciamentos, de suas exortações apostólicas e de suas Encíclicas. O chamada “Papa do fim do mundo”, por ser o primeiro chefe da Igreja oriundo da América Latina, onde as injustiças, as desigualdades sociais, a opressão e a exclusão social sempre lhe motivaram posturas inovadoras e corajosas em favor dos pobres e oprimidos.
Com certeza, como tantos outros Papas, deixará suas marcas na história e na caminhada da Igreja, mesmo que alguns setores mais conservadores dentro e fora da Igreja não gostem. Desde o inicio de seu papado Francisco não deixa dúvida quanto ao seu compromisso integral com o Evangelho e a Doutrina Social da Igreja, quando afirmou e assim tem feito ao longo desses anos, que deseja uma Igreja Pobre, sem opulência, sem subserviência aos donos do poder temporal, mas uma Igreja pobre e voltada para os pobres, uma igreja missionária, em saída, uma igreja fraterna e servidora, solidária com os que sofrem e, em minha opinião, uma Igreja profética, que não se cale e nem se omita ante as injustiças, a violência, as desigualdades, a discriminação, o xenofobismo e os preconceitos.
Em várias de suas manifestações, Francisco tem procurando resgatar não apenas ideias e conceitos, mas o espirito do Concílio Vaticano II e todas as mudanças que o mesmo proporcionou `a caminhada da Igreja neste pouco mais de meio século de sua história.
Em 1959 o Papa João XXIII deixa claro que pretendia convocar um Concílio e no Natal de 1961, através bula papal Humanae salutis formaliza sua convocação. Foram anos de intensos debates dentro e fora da Igreja, sendo finalmente encerrado em 08/12/1965, bem após a morte de João XXIII ocorrida em 03/06/1963, já no Papado de Paulo VI, hoje São Paulo VI, eleito Papa em 21/06/1963.
Como afirmam artigos, alguns mais antigos e outros mais recentes veiculados no site https://www.a12.com “O pontificado de João XXIII foi breve, mas intenso. Ele teve a coragem de convocar o Concílio Vaticano II, colocando a Igreja no coração do povo. Depois, as teses reformistas do Concílio foram aprofundadas por seu sucessor, Paulo VI.
O Concílio foi tão revolucionário que até hoje precisa ser compreendido. O Papa Francisco diz que as reformas do Concílio ainda não foram totalmente assimiladas. Já Bento XVI afirma que existe um concílio virtual, que ficou famoso na mídia, e o concílio real, que ainda precisa ser aplicado”.
Pouco lido, mesmo entre católicos e muito criticado por setores conservadores da Igreja, o Concílio Vaticano II foi convocado e concluído, sob as lideranças e orientações de dois papas que acabaram sendo canonizados, São João XXIII e São Paulo VI por suas ações e trabalho de evangelização e, inclusive, na influência que exerceram ao longo dos trabalhos do Concílio.
Uma das grandes controvérsias que até a atualidade ainda existe em relação ao Concílio Vaticano II, diz respeito `a Teologia da Libertação, que, segundo muitos teólogos e estudiosos da doutrina católica e da doutrina social da Igreja, reflete a forma de ser Igreja na América Latina.
Em diversos trechos , de forma direta ou indireta, tanto no Documento Final do Sínodo dos Bispos intitulado “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para a Ecologia Integral” quanto na Exortação Apostólica do Papa Francisco “Minha Querida Amazônia”, vemos diversas referências ao Concílio Vaticano II, aos documentos de Medelín, Puebla, Santo Domingo e Aparecida e, também, sobre a Encíclica LAUDADO SI, a chamada Encíclica Verde.
Isto, em minha opinião, demonstra a continuidade que deve existir na caminhada da Igreja, principalmente na América Latina e, em particular, na Amazônia, onde cada Papa, ao longo de décadas ou até mesmo séculos, tem exortado para que a Igreja não esteja, nunca, de costas para os pobres e excluídos e abraçada com os poderosos e também reforçando a ideia e o princípio bíblico e evangélico de que “Do Senhor é a terra e toda a sua plenitude”, ou seja, temos, como cristãos uma responsabilidade muito maior em preservar e não destruir e degradar o meio ambiente, que também é uma obra criada por Deus. Isto é o que consta do cerne do conceito e paradigma de que tanto fala Francisco, a ECOLOGIA INTEGRA e também o conceito de pecado ecológico e conversão ecológica.
Pois bem, é neste contexto da caminhada da Igreja, principalmente na Amazônia, que devemos ler, interpretar tanto o documento final do Sínodo dos Bispos para a Pan Amazônia quanto a Exortação Apostólica “Minha Querida Amazônia” e nos guiar, como Igreja em um território tão vasto, tão enigmático, tão rico e que desperta tantos debates, incompreensões e diferentes visões de mundo.
Por diversas vezes o Papa Francisco afirma claramente que deseja uma Igreja com a cara dos pobres e dos oprimidos; com a cara indígena, com a cara amazônica e, para tanto esta Igreja precisa ter uma abertura ecumênica, trans ou intercultural, identificada com os habitantes do território Amazônico, ouvir os gemidos dos que sofrem e estar ao lado dos mesmos quando de suas lutas por terra, trabalho, teto, dignidade e justiça. Uma Igreja missionária, em saída, evangelizadora, servidora e profética.
Para entender bem as mensagens de Francisco é preciso, às vezes voltar um pouco no tempo e refletir sobre o significado de todas as mensagens do mesmo, os desdobramentos e desafios que ainda hoje a Igreja enfrenta ao redor do mundo e, principalmente na Amazônia, bem como toda a caminhada preparatória do Sínodo, incluindo os trabalhos da REPAM – Rede Eclesial Pan-Amazônica, tecendo redes em defesa de nossa Casa Comum, bem como o que e como aconteceu o Sínodo dos Bispos para a Pan-Amazônia e suas conclusões, expressas no documento final aprovado e que agora recebe a Exortação Apostólica, intitulado “Minha querida Amazônia”.
Logo no inicio, o PAPA assim se dirige aos fiéis: “3. Ao mesmo tempo, quero apresentar de maneira oficial o citado Documento, que nos oferece as conclusões do Sínodo e no qual colaboraram muitas pessoas que conhecem melhor do que eu e do que a Cúria Romana a problemática da Amazônia, porque vivem lá, por ela sofrem e a amam apaixonadamente. Nesta Exortação, preferi não citar o Documento, convidando a lê-lo integralmente.
Isto significa que Francisco nos estimula a ler o documento final do Sínodo e a refletir sobre o mesmo, quando diz textualmente “4. Deus queira que toda a Igreja se deixe enriquecer e interpelar por este trabalho, que os pastores, os consagrados, as consagradas e os fiéis-leigos da Amazônia se empenhem na sua aplicação e que, de alguma forma, possa inspirar todas as pessoas de boa vontade.”
Feitas essas duas recomendações, o Papa Francisco fala de seus sonhos e da esperança quanto ao futuro da Igreja na Amazônia e seu compromisso tanto com a defesa da região quanto de sua população: indígenas, ribeirinhos, pequenos agricultores, migrantes e moradores das cidades, principalmente os que vivem nas periferias sociais, econômicas, politicas e existenciais.
A seguir podemos destacar, resumidamente os doze sonhos de Francisco, contidos em sua Exortação Apostólica: Querida Amazônia:
1. SONHO COM UMA IGREJA QUE ESTEJA AO LADO DOS OPRIMIDOS
2. Que a voz dos pobres seja forte na Amazônia
3. Sonho do poliedro amazônico, sem colonização
4. O sonho de apreciar a sabedoria dos indígenas
5. O sonho do cuidado do meio ambiente e das pessoas (O sonho da ecologia integral)
6. O sonho de escutar o grito do Amazonas
7. O sonho de uma Igreja com rosto amazônico
8. O sonho de que os sacramentos cheguem a todos
9. O sonho de mais missionários na Amazônia
10. O sonho de mais leigos comprometidos com a Amazônia
11. O sonho de mais mulheres protagonistas na Amazônia
12. Que os cristãos defendam os pobres da Amazônia
Para muitos que imaginam que o Papa Francisco esteja rompendo com alguma tradição da Igreja ou de alguns de seus antecessores, o Santo Padre, ao longo de sua Exortação Apostólica, recorre a algumas mensagens, inclusive do Papa Bento XVI quando afirma “Já o meu antecessor, Bento XVI, denunciava « a devastação ambiental da Amazônia e as ameaças à dignidade humana das suas populações ».
Na esteira da Encíclica LAUDATO SI e de sua recente Exortação apostólica e no momento, tanto para a Igreja no Brasil, não apenas as Arquidioceses, Dioceses, Paróquias e Comunidades nos Estados Amazônicos, quanto nos demais países que integram a Pan Amazônia, o Papa apresenta linhas de pensamento e de ação evangelizadora, com ênfase nas pastorais sociais e no espirito de solidariedade e fraternidade que deve existir por parte da Igreja com as populações indígenas e demais que estão em processo de exclusão social, miséria e sem perspectivas ou esperança.
O Documento Final do Sínodo apresenta também a ideia de “criar um Observatório sócio pastoral da Amazônia, fortalecendo a luta em defesa da vida. Realizar um diagnóstico do território e de seus conflitos socioambientais em cada Igreja local e regional, a fim de assumir sua posição, tomar decisões e defender os direitos dos mais vulneráveis. O Observatório trabalhará em parceira com o CELAM, a CLAR, a CARITAS, a REPAM, os Episcopados nacionais, as Igrejas locais, as Universidades Católicas, a CIDH, além de outros atores não eclesiais no continente e representantes dos povos indígenas”.
Não podemos esquecer também o trabalho de outros movimentos e organizações como CIMI, CPT, CEBs e tantos outros que lutam pela defesa dos direitos humanos da população que vive nesta vasta região que é a Amazônia.
Imagino, que outras iniciativas como a organização de PASTORAIS DE ECOLOGIA INTEGRAL, possam contribuir sobremaneira para tornar real as decisões do Sínodo e também os Sonhos de Francisco, contidos em sua Exortação Apostólica.
Ao final de sua Exortação Apostólica, Francisco assim se expressa “Depois de partilhar alguns sonhos, exorto todos a avançar por caminhos concretos que permitam transformar a realidade da Amazónia e libertá-la dos males que a afligem”
Oxalá, a Igreja, não apenas em suas estruturas eclesiásticas, mas com e através do trabalho do laicato, abrasada pelo Espírito Santo e pelos sonhos de Francisco, para que a Amazônia e seus habitantes, principalmente os que jazem, à semelhança do assaltado no caminho de Emaus, e, assim, assemelhar-se cada vez mais ao Bom Samaritano, sem perder suas demais dimensões, inclusive de uma Igreja profética, possa ser um refúgio para reduzir o sofrimento dos pobres e excluídos que habitam a Amazônia.
*JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Blog www.professorjuacy.blogspot.com Twitter@profjuacy