Terça, 06 Fevereiro 2018 13:55
 
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O Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Edilene Cruz
 
Departamento de Sociologia e Ciência Política –
área de Sociologia da Educação e Formação Docente
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O artigo O SISU e a falsa escolha, publicado em Espaço Aberto no último 31 de janeiro, chamou a atenção para a tendência de substituição da consideração de aptidões e projetos de vida, entre os candidatos aos cursos de nível superior, por uma “escolha” orientada exclusivamente pela opção permitida pelo número de pontos alcançados no ENEM. Para seu autor, problemas como baixo nível de desempenho acadêmico e altas taxas de evasão são dois daqueles que podem ser atribuídos ao SISU.
 
Concordo que a combinação do ENEM como critério único de acesso ao Ensino Superior com o mecanismo de ranqueamento nacional do SISU estimula tal tendência. Por outro lado, discordo da redução dos problemas da evasão e da queda do desempenho acadêmico ao atual processo seletivo.
 
Não tenho simpatia pelo ENEM como instrumento exclusivo de seleção para o Ensino Superior. Primeiro porque é metodologicamente questionável atribuir funções tão diferentes quanto oferecer certificação de conhecimentos, avaliar o desempenho individual no nível médio e selecionar os candidatos ao ensino superior a um único exame. Além disso, considerando que as instituições de ensino superior são diversificadas em suas trajetórias, vocações e recursos, cabe a cada uma delas decidir sobre desenhos institucionais e curriculares, focos de atuação, critérios de recrutamento e seleção de seus membros docentes e discentes.
 
O SISU tem cumprido o papel de permitir que candidatos de diferentes condições econômicas e regiões do país ampliem suas oportunidades de ingressar no sistema. Distorções requerem aprimoramento, principalmente no sentido de permitir que as instituições empreguem critérios próprios para notas de corte e instrumentos diversificados de seleção.
 
Se é qualidade com equidade o que queremos, será a seleção de um pequeno grupo considerado “academicamente apto” o caminho para alcançá-la?
 
Discordo também da ideia de que as IFES não possuem autonomia para lidar com os desafios colocados pela massificação do ensino superior. 
 
Primeiro, a afirmação de que a adesão ao ENEM, assim como às políticas cotistas, foi uma imposição governamental não resiste a uma análise do processo político. As políticas educacionais resultam das disputas e compromissos entre coalizões em torno das quais articulam-se grupos distintos de indivíduos que sustentam diferentes posições no interior das comunidades científicas, associações sindicais, agências governamentais, parlamento, etc. No máximo temos a hipótese de que nos últimos anos, por suas concepções teórico-metodológicas, ideologias, agendas e cálculos políticos, setores acadêmicos alinharam-se aos atores que detinham maior poder nas instâncias decisórias para implementar tais medidas.
 
Em segundo lugar, embora os mecanismos de indução de políticas e programas adotados pelo governo federal interfiram na autonomia das IES e principalmente das IFES e instituições privadas, seguem presentes – embora cada vez mais ameaçadas – a autonomia acadêmica e pedagógica. O que se nota, no cotidiano das IES, é que forças inerciais atuam para inviabilizar qualquer mudança significativa.
 
Causa espanto que grupos que têm no papel democratizador das IES públicas um ponto central de sua agenda, naturalizem velhos fazeres e discursos para negar a necessidade de mudanças paradigmáticas que incorporem o melhor das contribuições inovadoras de nossos professores e pesquisadores a desenhos e práticas institucionais e curriculares.
 
Será o caso de ignorar todas as críticas ao antigo vestibular e retomá-lo? A realidade parece demandar outras alternativas. Atualmente, o investimento público na produção e transmissão de conhecimento desinteressado, artesanal e de longo prazo, crucial para o desenvolvimento da filosofia, das ciências, das artes e das tecnologias, precisa ser também legitimado pela capacidade das IES de compartilhá-lo com os diversos setores sociais, independentemente dos usos que dele possam fazer.
 
Tenho muitas razões para defender que na UFMT, assim como na maioria das IES brasileiras, a tendência centralizadora das instâncias estatais é alimentada pela inércia, resistência à mudança e pela ausência de responsabilidade docente pela proposição e condução de soluções para problemas concretos. Valorizar a responsabilização docente por ações e resultados no âmbito de suas funções, não significa, evidentemente, supor que os docentes são capazes de controlar todas as variáveis envolvidas nas atividades complexas que desempenham.
 
A meu ver, a questão crucial que deve mobilizar nossos esforços é: quais são as mudanças necessárias para incorporar a massa cultural, social, econômica e academicamente heterogênea atraída ao Ensino Superior sem abrir mão do mérito e da qualidade e como começar a desenvolvê-las?

Quarta, 31 Janeiro 2018 08:59

 

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O Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
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Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. em Jornalismo pela USP/Professor da UFMT

Em meio a um agitado período político, a última semana de janeiro foi aberta com a informação de que o MEC divulgaria – como, de fato, o fez – a lista dos aprovados, em 2018, no SISU (Sistema Integrado de Seleção Unificada).

Conforme matéria da Folhapress (29/01), estavam sob disputa 239.716 vagas distribuídas em 130 instituições de ensino superior público, incluindo os institutos federais. Para participar da seleção de vagas, os candidatos tiveram de prestar o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) em 2017 e não ter zerado a redação.

Na mesma matéria, é dito que “As inscrições ocorreram entre os dias 23 e 26 de janeiro no site do Sisu. Na página do MEC, o estudante consultou as vagas disponíveis, as instituições participantes e os seus respectivos cursos. Ao longo das inscrições, o sistema também divulgou a nota de corte de cada curso como uma referência para os candidatos optarem por cursos aos quais tinham mais chance de aprovação”.

A parte final do parágrafo acima tem sido naturalizada, mas não poderia ser. Nenhum candidato ao ensino superior deveria optar por cursos aos quais tivessem chances de aprovação advindas de mera pontuação num sistema. Isso equivale àquela escolha abominável do tipo em que “a mensalidade cabe no bolso”. O SISU é relativamente novo entre nós. Também por isso, mas não somente, o problema ainda não tem sido percebido da forma como deveria.

O SISU, e eu já registrei isso em outros momentos, está no mesmo conjunto das desobrigações de decisões mais responsáveis por parte das novas gerações. A responsabilidade disso, obviamente, é dos mais antigos, que não se opuseram com a devida força às imposições governamentais sobre os rumos da educação. As gerações mais novas, em geral, acabam sendo vítimas disso.

Explicando: escolher um curso superior não poderia se parecer com a escolha de quais alimentos quero para o meu prato, quando estou em restaurante fast food. Tampouco esse momento poderia se parecer com algo que lembrasse jogos de azar.

O SISU, como sistema integrado, desobriga o jovem a escolher seu futuro curso superior pelo motivo que deveria ser óbvio: afinidade acadêmica. A maioria acaba “escolhendo” o que tinha para hoje; ou seja, o que os pontos do sistema davam para aquele momento. Problemas à vista.

Por isso, não raro, um aluno que gostaria de cursar, p. ex., Direito, para não perder a vaga em uma federal, pode “escolher” Biologia, Matemática, Física etc. Em muitos casos, os pontos disponíveis de determinado candidato não são suficientes sequer para opções a curso de área afim.

Resultado: em geral, esse tipo de “escolha” é o caminho do fracasso acadêmico e do desperdício do dinheiro público. A falta de afinidade pode trazer problemas de várias ordens. A mais comum é o desânimo de vencer dificuldades que podem aparecer. Como consequência, problemas psicológicos podem ser desencadeados facilmente; e são. Antes dele, no âmbito público, a evasão é outro registro recorrente, mas as universidades estão fingindo que nada está acontecendo; e está.

Enfim, mais do que nunca, as universidades vivem dias complexos. Com a perda gradativa da autonomia para a realização dos antigos vestibulares e com a consequente presença do ENEM e Sisu, aliás, duas das imposições dos governos petistas, os cursos de licenciatura, principalmente, mas não apenas eles, passam por visível momento de desestímulo e esvaziamento.

Pergunto: até quando continuaremos a fingir que o ENEM e o SISU não são problemas graves para as universidades brasileiras?