Quarta, 04 Outubro 2017 18:30

 

 

“Nós avaliamos que esse é o momento de maior ataque à universidade pública de toda a nossa história”. A afirmação, feita pelo presidente da Associação dos Docentes da UFMT – Seção Sindical do ANDES (Adufmat-Ssind), Reginaldo Araújo, demonstra bem a preocupação da comunidade acadêmica da Universidade Federal de Mato Grosso, e a inquietação de outras inúmeras universidades públicas do país, sejam federais, estaduais ou municipais.

 

Por esse motivo, representantes dos docentes, estudantes (Diretório Central dos Estudantes – DCE) e técnicos administrativos da universidade (Sindicato dos Trabalhadores Técnicos Administrativos da UFMT – Sintuf/MT) se reuniram na manhã dessa quarta-feira, 04/10, com a reitora Myrian Serra e sua equipe. A administração está preparando um material publicitário para conscientizar a população sobre o que significa o contingenciamento imposto à instituição, e pediu a contribuição das entidades. “Nossa luta é para que o Governo Federal libere os recursos que contingenciou esse ano. Sofremos um corte no orçamento destinado ao custeio de cerca de 50% em 2016, e mais 50% em 2017. Para ficar bem claro, é mais ou menos o seguinte: se era 30 em 2015, em 2016 passou para 15, e em 2017 chegou a 7,5”, ilustrou a docente.

 

 

“Nós achamos ótimo que a universidade finalmente reconheça a gravidade dos cortes. Os professores denunciam esse processo há anos. As últimas greves docentes, em especial a de 2015, que durou 134 dias, foram motivadas por isso. Agora nós queremos saber quais são os dados que demonstram as condições colocadas para a universidade no momento. Os cursos que estão sendo implementados na UFMT de Várzea Grande, o de Medicina em Sinop, e outros na capital e no interior estão prejudicados?”, cobrou o presidente da Adufmat-Ssind.

 

Pensando em esmiuçar esses dados, os presentes acordaram a realização de uma audiência pública no dia 19/10, que deverá ser realizada às 14h, no auditório do Centro Cultural da UFMT. A ideia é reunir a comunidade acadêmica e a sociedade como um todo, por meio de entidades populares. A data será marcada também nacionalmente, por outras instituições que desejam pautar a discussão sobre o ensino público superior. “Quero destacar que a UFMT vai apresentar na audiência os dados do momento. Porque a cada semana nós temos novas informações, que desenham uma nova realidade”, pontuou a reitora.     

 

 

Entre os assuntos destacados na reunião, surgiu também o debate sobre a minuta que regula a utilização dos espaços da universidade, atualmente em processo de elaboração. Serra afirmou que a decisão será tomada pelo Conselho Diretor, notícia que causou estranhamento às entidades presentes. “A Adufmat-Ssind realizou uma assembleia para pensar as contribuições que podemos dar à minuta, que na nossa opinião representa um avanço, mas pode melhorar. Nós esperamos discutir isso nos conselhos que têm legitimidade, de fato, para decidir questões tão importantes quanto essa. Esses conselhos são Consuni e Consepe, e não o Conselho Diretor, que é uma incógnita para a maioria de nós”, destacou o presidente do sindicato dos docentes. A reitora não se manifestou depois desse registro.

 

Em outros momentos, os presentes demonstraram solidariedade à administração, destacando os casos crescentes de graves problemas de saúde de reitores em todo o país, pedidos de exoneração e também as acusações que levaram o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina ao suicídio essa semana. “Nós sabemos que eles provocam o desmonte, mas querem convencer a sociedade de que a culpa é dos gestores, utilizando o falso argumento de incompetência”, disse a presidente do Sintuf/MT, Léia Souza.

 

Na verdade, a asfixia das universidades está sendo provocada pelos governos

 

Ao contrário do que deveria ser, nos últimos anos, os governos federais retiraram recursos do ensino superior público para injetar nas escolas particulares.

 

Segundo dados do MEC, de 2003 a 2014, as universidades públicas cresceram 117%, e o número de vagas para os cursos presenciais de graduação passou de 109.184 para 245.983. De 45 universidades em 2003, o Brasil chegou a 63 em 2014, com novos campi, novos prédios e novos cursos. O orçamento destinado ao custeio dessas instituições, já considerado insuficiente em 2003, até aumentou nesse período, passando de R$ 6,4 bilhões a R$ 28,7 bilhões em 2013. No entanto, em 2014, um corte drástico reduziu o orçamento à R$ 14 bilhões, e novos cortes reduziram ainda mais os repasses.

 

Paralelamente, os recursos para programas de incentivo ao ensino superior privado como Fies e Prouni só aumentaram. Em 2016, o Prouni registrou o maior valor em renúncia fiscal desde sua criação, dez anos antes: R$ 1, 2 bilhões. Vale lembrar que a expressão renúncia remete ao Estado, à população; para os empresários da educação é incentivo. Já os investimentos diretos feitos ao Fies passaram de pouco mais de R$ 1 bilhão em 2010 para o correspondente a R$ 13 bilhões em 2014. Coincidentemente, o mesmo período de expansão da Kroton, a maior empresa da educação superior do país. Em 2017, o Governo Federal autorizou um orçamento de R$ 6,7 bilhões para custeio dos institutos e universidades federais, com cortes que chegam a 45% em relação aos anos anteriores. Para o Fies, foi concedido mais um incremento de R$ 1,2 bilhão, totalizando mais de R$ 18 bilhões para esse ano.  

 

Os números evidenciam que o orçamento atual para o ensino superior público equivale ao valor praticado há mais dez anos, quando as universidades eram menores em quantidade, e o número de vagas não chegava nem a metade do que se tem hoje.

 

 

Luana Soutos

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind

Segunda, 11 Setembro 2017 14:29

 

Governador do Rio de Janeiro assina acordo de Recuperação Fiscal. Tesouro Nacional recomenda ao governo fluminense medidas que atacam os serviços públicos, caso o estado não atinja o chamado “equilíbrio fiscal”

O Tesouro Nacional, vinculado ao Ministério da Fazenda, recomendou ao estado do Rio de Janeiro que revise a oferta do ensino superior e demita servidores, caso o governo do estado do Rio de Janeiro não atinja o chamado “equilíbrio fiscal”. O parecer, elaborado pela Subsecretaria de Relações Financeiras Intergovernamentais do órgão, é uma resposta ao plano de Recuperação Fiscal apresentado pelo estado do Rio de Janeiro no final de julho. 

Nessa terça-feira (5), o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) assinou, em solenidade no Palácio do Planalto, em Brasília (DF), a adesão do estado do Rio ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), que prevê ajuste fiscal de R$ 63 bilhões até o final do ano de 2020. O governo estadual receberá, inicialmente, um empréstimo de R$ 3,5 bi para “acertar” parte das contas do estado. 

Outras sugestões também foram feitas pelos pareceristas técnicos, para alcançar o ‘equilíbrio fiscal’, como maior esforço para aumento da arrecadação com a extinção de mais desonerações e maior revisão de tributos; a extinção de mais empresas públicas; uma reforma do Regime Jurídico Único dos servidores, o que contribuiria para a sustentabilidade financeira do estado; a demissão de comissionados e servidores ativos; e aumento da contribuição previdenciária com criação de contribuição para inativos acima do teto com alíquota extraordinária. 

Para Lia Rocha, presidente da Associação dos Docentes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Asduerj-Seção Sindical do ANDES-SN), o posicionamento do governo federal, por meio da recomendação dos técnicos do Tesouro Nacional, em reduzir despesas só legitima o que já tem ocorrido na esfera estadual. 

“Estamos indignados, mas não estamos surpresos. A renegociação da dívida dos estados por si só já é um ataque à população fluminense, porque fala em congelamento de salários, de concursos, redução de orçamento público, de investimento social. O parecer apresentado pelos técnicos do Tesouro Nacional não tem efeito prático nenhum, a não ser como declaração de guerra à Uerj. A comunidade acadêmica da Uerj há anos tem feito esse enfrentamento e vamos continuar denunciando, de que o processo de deterioração da Uerj é parte de um projeto para sua destruição e de todo o sistema de ensino superior estadual, que conta com a Uerj, Uenf, Uezo, Faetec e Cecierj”, disse. 

Após a repercussão negativa do parecer, o Ministério da Fazenda afirmou, em nota, que as recomendações seriam alternativas técnicas e que estas não passaram pela avaliação do gabinete do ministro. O governo fluminense também divulgou uma nota, na noite de terça, afirmando não cogitar privatizar ou mesmo fechar a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e demais estabelecimentos de ensino superior no estado. Confira aqui o Parecer Conjunto 01/2017.

Termos do Regime de Recuperação Fiscal 
A adesão ao regime vinha sendo negociada desde janeiro, quando governador do Rio assinou um termo de compromisso com o governo federal para receber dois empréstimos de cerca de R$ 6,5 bilhões da União. O estado alegava, na época, ter um déficit de, aproximadamente, R$ 26,132 bilhões em 2017. Como contrapartida ao empréstimo, uma série de exigências foi feita ao estado do Rio, que já estava colocando em prática desde novembro de 2016, o seu pacote de maldades

Entre as medidas exigidas estava a privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), o aumento da contribuição dos servidores estaduais para a Previdência de 11% para 14%, e no prazo de três anos a criação de uma alíquota que obrigará os servidores a contribuírem com mais 8%, além dos 14%. Além disso, o governo ainda anteciparia as receitas de royalties do petróleo e aumentará o Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) no estado, aprovado na Alerj no final de 2016 e, posteriormente, suspenso pela Justiça.  
Com a homologação do acordo com o Rio de Janeiro, a Cedae – privatizada em fevereiro deste ano (http://portal.andes.org.br/andes/print-ultimas-noticias.andes?id=8675) -, será a garantia para o empréstimo inicial e, com isso, o estado espera regularizar o pagamento de fornecedores e quitar o 13° salário de 2016 e futuros salários e pensões. Em junho, a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou contra a privatização da companhia na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5683, por entender que a privatização de empresa pública para obter créditos necessários ao pagamento de despesas correntes, afronta os princípios constitucionais. 
 
Histórico 
Para viabilizar o acordo, em fevereiro, foi encaminhado ao Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar (PLP) 343/17, após o governo ter sido derrotado em diversos pontos na votação do PLP 257/2016, que tratava da renegociação da dívida dos estados.

Em maio, uma semana depois da conclusão da votação do PLP 343 na Câmara dos Deputados, os senadores aprovaram, no dia 17, o PLC 39/2017. Já no início de junho, 6, a maioria dos deputados da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou o projeto que definia o plano de recuperação fiscal do estado. A aprovação da matéria era necessária para o estado aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). 

No final de julho, o presidente Michel Temer publicou o decreto que permite a assinatura do programa de recuperação fiscal do Estado do Rio de Janeiro. A norma regulamenta a lei que criou o RRF, para socorrer os entes em situação de calamidade fiscal, como também Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Dias depois, o governo fluminense apresentou formalmente o pedido de adesão ao regime ao Ministério da Fazenda, que passou por um processo que envolveu pareceres técnicos do Tesouro Nacional, nomeação de membros do Conselho de Supervisão até a homologação final do acordo pelo Ministério da Fazenda.

Veja o plano de cortes, do ajuste fiscal, ano a ano:
Ano de 2017
Suspensão do pagamento da dívida com a União: R$ 5 bilhões
Aumento de receitas: R$ 1,5 bilhão
Cortes de gastos: R$ 350 milhões
Empréstimos bancários com garantias: R$ 6,6 bilhões
 
Ano de 2018
Suspensão do pagamento da dívida com a União: R$ 9 bilhões
Aumento de receitas: R$ 5,2 bilhões
Cortes de gastos: R$ 420 milhões
Empréstimos bancários com garantias: R$ 4,5 bilhões
 
Ano de 2019
Suspensão do pagamento da dívida com a União: R$ 9 bilhões
Aumento de receitas: R$ 6,5 bilhões
Cortes de gastos: R$ 1 bilhão
 
Ano de 2020
Suspensão do pagamento da dívida com a União: R$ 6,6 bilhões
Aumento de receitas: R$ 9,4 bilhões
Cortes de gastos: R$ 3 bilhões

 

Fonte: ANDES-SN



Sexta, 10 Fevereiro 2017 08:21

 

Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT

 

Continuando reflexões anteriores, mas por conta da limitação de espaço, neste artigo, falarei basicamente da origem do populismo acadêmico. Paradoxalmente, o nascimento desse populismo é nobre. Ele surgiu na década dos anos 70 e incorporou-se a outras formas de enfrentamento ideológico às ditaduras militares na América Latina.

 

Portanto, foi em clima de sombrio cotidiano que algumas vozes de resistência política, do meio educacional, tanto do Brasil como de outros países da América Latina, começaram a ser ouvidas.

 

Em geral, vindas do exílio, essas vozes – tendo como pano de fundo a dicotomia social “burguesia versus proletariado” – começaram a expor teorias que visavam à superação do estágio visto como conservador/repressor de nossa educação formal. Dessas vozes, destaco o brasileiro Paulo Freire e a argentina Maria Tereza Nidelcoff.

 

Antes de outras considerações, reconheço uma identificação verdadeira/honesta desses dois educadores com a classe proletária. Ambos estiveram sempre imbuídos das melhores das intenções.

 

Mas, afinal, na essência, o que esses educadores expunham?

 

Freire condenava a “pedagogia opressora”; propunha a “pedagogia libertadora”. Pela primeira, dizia se tratar da educação tipo “bancária”: aquela pela qual “o educador é o sujeito”, que transforma os educandos em meras “vasilhas” a serem enchidas. “Quanto mais vai se enchendo os recipientes, com seus “depósitos”, tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem docilmente encher, tanto melhores educandos serão”, sentenciava ironicamente Freire.

 

Pela “libertadora”, partindo da assertiva de que “ninguém educa ninguém; ninguém educa a si mesmo”, e de que “os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”, Freire propunha a ruptura “com os esquemas verticais característicos da ‘educação bancária”; falava da necessidade de se “superar a contradição entre o educador e os educandos”. Muito próximo de reflexões de Bakhtin, superação possível apenas dentro do diálogo social.

 

De sua parte, Nidelcoff complementava as ideias freireanas. Comprova-se isso já pelo título de seu livro Uma escola para o povo. Quem não se lembra de seu questionamento central em que se opunham o “mestre-policial” e o “mestre-povo”?

 

Dessa oposição, a educadora argentina tratava da “polêmica existente entre uma atitude ‘policialesca e castradora’ de ensino ou uma (atitude) criativa de ‘engajamento’ na cultura do educando”. Sempre se dirigindo-se àqueles que atuavam nas periferias, ela questionava os métodos/posturas pedagógicas então vigentes de ensino.

 

Assim, não sem causar incômodos, costumo dizer que esse “casal de educadores” deu à luz ao populismo acadêmico. De lá para cá, nossa educação formal desce, sem freios, uma ladeira. Dissertações e teses populistas continuam a pavimentar e respaldar o abismo intelectual no país.  

 

Hoje, perplexos, vemos a educação formal sendo ofertada de qualquer jeito às camadas populares. Perdidos, procuramos ver onde estaria a educação que se pretendia libertadora.

 

De concreto, nada que possa libertar alguém pode ser visto. Nosso povo, mais massificado do que nunca, vive no reinado da suprema ignorância, já bem perto das prisões da barbárie. Nunca um aluno proletário esteve tão condenado socialmente como agora.

 

Pior: nem mesmo a consciência de classe esse populismo acadêmico tem obtido êxito. No máximo, ideologicamente, a consciência pretendida não ultrapassa os limites do pertencimento a grupos sociais. Grupos que alhures estão sufocando a própria noção/luta de classe. Logo, a derrota completa.