Terça, 19 Março 2024 14:46

 

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Por Danilo de Souza*
 

            A expressão "Hard to Abate Sectors" (Setores de Descarbonização Desafiadora) descreve os ramos de atividade para os quais a transição rumo a uma economia de baixa emissão de carbono apresenta obstáculos significativos. Essa mudança não se resume a uma simples substituição dos atuais fornecedores de energia por alternativas que não emitam diretamente carbono para operar suas atividades. Ademais, para alguns setores, a substituição está longe de ser um processo fácil. Os segmentos com essa característica de descarbonização enfrentam o desafio de desmontar e reconstruir complexas interdependências industriais estabelecidas por décadas, além da necessidade de aplicar tecnologias — muitas ainda em fase de desenvolvimento ou com custos exorbitantes. Um deles é a aviação.
           Vale citar que, embora a aviação contribua com aproximadamente 3% das emissões globais de carbono e cerca de 14% das emissões do setor de transporte, a transição para tecnologias capazes de eletrificação se mostra particularmente complexa para aeronaves, em comparação com veículos terrestres, como carros e trens.

 

            Nos aviões, a energia mecânica necessária para produzir o empuxo suficiente para fazê-los voar vem majoritariamente de três combustíveis: gasolina (AVGAS), querosene (JetA1) e diesel. Portanto, todos de origem fóssil. O JetA1 oferece benefícios significativos, como sua alta densidade energética de aproximadamente 40 megajoules por kg, a capacidade de se manter líquido em temperaturas tão baixas quanto -45 °C, além de vantagens em termos de custo, minimização de perdas por evaporação em altas altitudes e um menor risco de incêndio. Por isso, substituir esse combustível por outro com as mesmas características mostra-se um grande desafio. Por exemplo, usar sistemas de armazenamento, como baterias, capazes de sustentar voos intercontinentais com centenas de passageiros, até o presente momento (2024), ainda pertence ao campo da ficção científica, e a possibilidade de aviões comerciais movidos a hidrogênio líquido parece distante.
           Ainda, outro problema reside nos motores dos aviões. Esse dispositivo, que é o “coração” das aeronaves, não passa de uma turbina de gás, na qual o JetA1 vaporizado é queimado, para movimentar as pás da turbina. O hidrogênio poderia ser utilizado na turbinas atuais adaptadas, mas seria necessário quatro vezes o espaço de armazenamento do JetA1. Lembrando que, nesse volume o hidrogênio precisa estar liquefeito e mantido a -250º C. E os criogênicos para armazenamento de hidrogênio líquido devem resistir à pressão e, para tal, é importante que tenham forma cilíndrica ou esférica. Assim, eles não poderiam ser colocados nas asas, como é feito atualmente com os combustíveis líquidos.
           Uma solução alternativa surge com a possibilidade do uso de combustíveis com baixa emissão de gás, que possam ser utilizados nos motores aeronáuticos já existentes, contando com toda a infraestrutura de distribuição fora e dentro das aeronaves já disponíveis com o mínimo de modificação. Portanto, a solução pode estar no desenvolvimento de biocombustíveis produzidos a partir de matéria vegetal ou resíduos orgânicos, que potencialmente não emitiriam mais CO2 durante sua combustão do que o capturado pelas plantas em seu crescimento. E podemos afirmar que já houve progressos nessa direção, com voos de teste utilizando misturas de JetA1 e BioJet mostrando resultados possivelmente promissores.
           Contudo, mesmo com diversas iniciativas, o biocombustível representa apenas uma ínfima fração do consumo anual de combustível das companhias aéreas, evidenciando o monumental desafio de substituição que enfrentamos. Embora a eficiência energética dos aviões modernos tenha aumentado significativamente, consumindo cerca de 50% menos combustível por passageiro/km do que nos anos 60, a expansão constante da demanda por viagens aéreas tem elevado sistematicamente o consumo global de combustível de aviação – a cada 15 anos, o número de passageiros transportados dobra.
           Além disso, a produção desses biocombustíveis também apresenta desafios intrínsecos. Por exemplo: para atender à demanda por biocombustível de aviação, a exploração de culturas oleaginosas, além dos resíduos orgânicos, seria necessária, o que acarretaria outros desafios ambientais. A soja, com baixo rendimento para a produção de BioJet por hectare, exigiria que os EUA cultivassem uma área vasta, quase quatro vezes maior do que a dedicada à cultura em 2016. Até mesmo uma das opções de BioJet de maior rendimento - o dendezeiro – que produz em média quatro toneladas de BioJet por hectare, ainda exigiria mais de 60 milhões de hectares de floresta tropical ou de áreas degradadas recuperadas para abastecer a demanda atual.
           Em contrapartida, uma alternativa que pode soar cinematográfica já foi explorada – a utilização de algas para produção de BioJet. Elas, que possuem alta produtividade e menor exigência de espaço, já foram consideradas uma alternativa promissora. No entanto, a Exxon Mobil, que investiu pesadamente na pesquisa de algas como fonte de biocombustível, reconhece os imensos desafios técnicos e financeiros de escalar essa solução para atender às necessidades globais.


            Outra entre diversas áreas que se colocam como aliadas do processo de descarbonização é a produção de combustíveis sintéticos. Estes seriam desenvolvidos por meio de processos químicos de transformação de matérias-primas, como dióxido de carbono capturado diretamente do ar, em querosene sintética, que teriam propriedade físico-químicas semelhantes à produzida nas refinarias de petróleo, mas com uma pegada de carbono significativamente reduzida, contribuindo para os esforços de descarbonização do setor de transporte aéreo. Apesar das dificuldades da produção em escala dos sintéticos, por outro lado, é uma solução compatível com a infraestrutura existente de motores e distribuição, ao mesmo tempo que reduz a dependência de fontes de energia não renováveis e diminui o impacto ambiental associado às emissões de gases de efeito estufa.
           Naturalmente, o caminho rumo à substituição energética se tornaria mais acessível se adotássemos medidas para reduzir o número de viagens internacionais “desnecessárias”, por exemplo, utilizando mais os recursos de reuniões on-line em alguns casos.
           Recentemente, a França proibiu voos domésticos curtos que possam ser substituídos por viagens de trem de até duas horas e meia. Essa decisão impacta rotas populares, como as viagens de avião entre Paris e cidades como Nantes, Lyon e Bordeaux, excluindo voos de conexão.
           Contudo, as projeções indicam uma expansão significativa do tráfego aéreo, com um aumento notável especialmente na Ásia, mais proximamente, e na África, posteriormente, sugerindo que a demanda por viagens aéreas continuará a crescer, desafiando os esforços para mitigar o consumo de energia.

*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.

Segunda, 19 Fevereiro 2024 10:22

 

 

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Por Danilo de Souza*

 

Em conversa informal virtual escrita (2023) com o ex-Magnífco Fundador, Professor Gabriel Novi Neves, ele foi preciso e direto: “O fazejamento surgiu, numa época que era possível fazer.”

 

Em método semelhante, pudemos ler do, também, ex-Magnífico, Professor Eduardo De lamonica Freire (2023): o "fazejamento"- citado por você- que construiu os primeiros passos da UFMT, foi seguro e rigorosamente, correto em direção à extraordinária missão de ser um inquestionável divisor de águas deste Estado e desta região "unisélvica" que, a partir de então, com este riquíssimo adubo, assumiu o papel de catalizador de um dos estados solução deste país.

 

Porque este "fazejamento" deu certo?  Porque, conduzido por Gabriel e Dorileo, líderes e gestores do bom senso (embora, na época, neófitos), qualificados pela Ética, pelo fundamental espírito de coletividade e respeito ao bem comum, dedicando a vida pessoal a esta desafiadora e honrosa missão. Importantíssima, para uma Nação. O Grupo (inclusive nós que chegamos um pouco depois, mas pertencente à mesma Escola de vida) que ambos conduziram, gozava dos mesmos predicados públicos descritos acima. Com esta fórmula de composição inquestionável, tinha que dar certo, não? Se pensarmos bem, o "fazejamento" só dá certo quando entregue à sábios qualificados com estes dotes.

 

Em reforço a estes argumentos experientes e convincentes, segundo Kelly Gianezini (2018), o contexto no qual foi assinado a Lei de criação da UFMT denota o caráter de urgência e a necessidade de oferta permanente da educação superior em Cuiabá, e revela a carência de um prévio e consistente planejamento.

 

Na citada ponderação, a autora se apoia em B. P. Dorileo (1977) que afirma: a ordem em 1972 era implantar a Universidade. Planejar? Quando e como? Fazer, foi a decisão. O desígnio histórico não permitiria o luxo do planejamento empapelado, encadernado, pintado, lubrificado.

 

As circunstâncias históricas revelam que a trajetória para a implantação da UFMT foi árdua e, conforme afirma o primeiro reitor, Dr. Gabriel Novis Neves, “há páginas inequívocas de tenacidade, de determinação da gente mato-grossense e principalmente da comunidade cuiabana que tanto lutou pela ideia de sua criação. Seu começo foi difícil como qualquer começo.” (DORILEO, 2005, apud, GIANEZINI, 2018).

 

Como em epígrafe, o futuro sempre esteve presente na UFMT, e não é demais lembrar do Projeto Aripuanã ou Projeto Humboldt, sob a iniciativa do Professor Paulo Lomba na década de 70, sintonizou esse projeto com as iniciativas da reunião de Estocolmo, em 1972, sobre a consonância Homem e Meio Ambiente.

 

Buscava-se naquela iniciativa a ocupação da Amazônia pelo Norte de Mato Grosso a partir da infraestrutura cultural e técnica formada pela UFMT, além de buscar sempre o balanceio entre ensino-pesquisa e pesquisa-ensino. 

 

Estamos aqui diante de um saudosismo produtivo e lá se foram 53 anos de nossa Universidade, e, muito foi feito e pensado nesses anos.

 

O pensar para fazer de hoje – Planejamento de Desenvolvimento Institucional - não há de perder a trieira delineada nesses poucos anos de existência para uma instituição de ensino superior complexa  e de magnitudes físicas, equipamentos e recursos humanos imensas, que requererá, sem dúvida, participação e gestão norteada pelo objetivo maior de melhorar e continuar desenvolvendo esta instituição em sintonia com os anseios da coletividade universitária voltadas às necessidades e desejos da sociedade mato-grossense, ofertando-a ensino, pesquisa, extensão e inovação.

 

Portanto, a expansão acompanhou o crescimento e desenvolvimento do estado, cuja fortaleza socioeconômica aponta para o interior, que se utiliza da tecnologia do século XXI para reduzir as distâncias dos “tempos de Humboldt”, produzir e concorrer no mercado nacional e internacional, em um mundo cada vez mais globalizado. (GIANEZINI, 2018).

 

Nossa UFMT precisa continuar aparecendo no cenário local, estadual, nacional e internacional, e às vezes, é preciso ser Aparecido nesta vida.

 

Texto Elaborado pelos apoiadores da Chapa 2.

 

*Danilo de Souza é professor da FAET/UFMT, pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP e apoiador da chapa 2 à Reitoria da UFMT.

 
 

 

Quarta, 31 Janeiro 2024 11:05

 

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Por Danilo de Souza*

 

 
O cimento, essencial na composição do concreto, destaca-se como o segundo recurso mais consumido no mundo, atrás apenas da água. Isso se deve em grande parte à sua durabilidade, versatilidade e fabricação com materiais baratos e prontamente disponíveis. Contudo, é importante notar que a produção desse produto tão fundamental para a construção civil tem uma característica menos favorável: o ciclo de vida completo do cimento e do concreto, desde a produção até a disposição final, é responsável por quase 10% das emissões globais de CO2 relacionadas à energia, sendo a maioria delas produzida a partir de cimento, que é o material de ligação que mantém o concreto. 

Destaca-se que, para cada tonelada de cimento produzida, em média, é emitida 0,6 tonelada de CO2, um fato que ressalta a relevância ambiental desse processo produtivo. 

Vale citar que a fabricação do cimento ocorre principalmente pelo método do forno a seco, que se desenvolve em quatro etapas principais: 

  1. Extração e preparação das matérias-primas: as matérias-primas, com destaque para o calcário e a argila, são inicialmente extraídas. Em seguida, esses materiais são submetidos a processos de trituração e moagem e são alimentados em grandes fornos cilíndricos rotativos. 
  2. Aquecimento e formação do clínquer: nesse estágio, o material é aquecido a uma temperatura aproximada de 1450 °C, utilizando uma mistura de combustíveis. Durante o aquecimento, ocorre a liberação de CO2 do carbonato de cálcio (CaCO3), um processo chave que leva à formação do clínquer, elemento central do cimento. Nesta se encontra a maior parte das emissões. 
  3. Resfriamento e moagem do clínquer: após a formação do clínquer, ele é resfriado e em seguida moído. Posteriormente, é misturado com gesso e calcário. Essa etapa é crucial para determinar as propriedades finais do cimento, como a resistência e o tempo de secagem. 
  4. Ensacamento e expedição: o cimento é ensacado e preparado para a expedição, concluindo o processo de produção e tornando o produto pronto para ser utilizado na construção civil.

     

  1. Na indústria do cimento, a geração de CO2 é um aspecto incontornável e significativo, dividindo-se em duas principais fontes: 60% das emissões oriundas de reações químicas e 40% do processo de aquecimento necessário para a produção de clínquer. Este último é um processo intensivo em termos de consumo de energia, envolvendo tanto a energia térmica, utilizada principalmente para aquecer os fornos rotativos, quanto a energia elétrica, necessária para operar máquinas, movimentar os fornos e os moinhos. O gasto mais substancial de energia, no entanto, advém da energia térmica durante a queima dos combustíveis, sublinhando a complexa relação entre a produção de cimento e o impacto ambiental decorrente, principalmente no que diz respeito às emissões de gases de efeito estufa e ao uso intensivo de recursos energéticos.


Importa lembrar que os fornos utilizados na produção de cimento atualmente são dependentes de combustíveis provenientes de fontes não renováveis, destacando-se o petróleo e o carvão. Entre os combustíveis mais comuns estão o coque de petróleo e a gasolina, além de gás natural e outros derivados do carvão mineral. O coque de petróleo, em particular, é o mais utilizado na indústria cimenteira como combustível dos fornos rotativos de clínquer. Esse material, de aparência granular, negro e brilhante, é composto majoritariamente por carbono (90 a 95%) e possui um teor significativo de enxofre (aproximadamente 5%). Sua ampla utilização se deve ao seu alto poder calorífico e ao custo relativamente baixo. Além desses combustíveis convencionais, a indústria também explora alternativas mais sustentáveis, como resíduos e rejeitos industriais, biomassa, carvão vegetal, pneus inservíveis e resíduos agrícolas para alimentar os fornos, buscando opções mais ecológicas e eficientes.


Em razão do crescente desafio de sustentabilidade na indústria do cimento, algumas alternativas estão sendo exploradas para mitigar as emissões de CO2. Isso se torna imperativo diante da previsão de aumento na produção de cimento e, consequentemente, das emissões globais de CO2. Para redirecionar esse cenário, o setor precisa de mudanças significativas no processo produtivo. Algumas delas incluem a alteração das plantas fabris para capturar o carbono emitido, a adoção exclusiva da via seca na produção, que demanda menos combustível, e o reaproveitamento de resíduos industriais e agrícolas no forno em vez de combustíveis fósseis. Além disso, a substituição parcial do cimento por outros materiais em construções e a reformulação do cimento para que libere menos CO2 são medidas fundamentais.



Nesse cenário, as fabricantes de cimento devem adotar essas práticas e estratégias para se alinhar com uma produção mais sustentável. A adoção desses novos modelos de material e a pressão exercida sobre o governo e as empresas para a criação de legislações sustentáveis são caminhos cruciais para mudar o atual panorama da indústria. Reconhecendo a importância do cimento na construção da sociedade moderna, é essencial não o vilanizar, mas buscar ativamente alternativas sustentáveis em larga escala para diminuir seus impactos ambientais e desenvolver soluções menos impactantes. 

*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.

Quarta, 22 Novembro 2023 09:36

 

 

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Por Danilo de Souza*

Dependência de veículos significativamente para o aumento na emissão de gases de efeito estufa, como dióxido de carbono (CO O setor de transporte é um dos principais responsáveis pelo agravamento do aquecimento global devido ao seu intenso consumo de combustíveis fósseis. A  movidos à gasolina e diesel contribui2) e óxidos de nitrogênio (NOX). Essas emissões colaboram diretamente para o acréscimo da concentração desses gases na atmosfera, intensificando o efeito estufa e causando alterações climáticas.

Rodoviários navegação e transporte de mercadorias. Visando amenizar esse quadro, a mobilidade elétrica é tema presente nos principais fóruns de discussão da sustentabilidade. Sozinho, o setor de transporte foi responsável por aproximadamente 32% do consumo mundial de energia em 2020. Isso inclui o consumo de energia em veículos  (dominando com mais de 50% do total), ferrovias, aviação.

Um mesmo modelo de carro elétrico pode apresentar diferentes impactos de emissões em distintos países, pois depende fundamentalmente da matriz de energia primária de cada local. Em 2021, no Brasil, 78,1% da matriz primária de energia elétrica foi renovável, enquanto a média mundial no mesmo ano ficou em 28,6%. Dessa forma, significa dizer que um veículo elétrico rodando 100 km na matriz energética brasileira emite três vezes menos que o mesmo veículo rodando com recarga baseada na matriz energética da primária de eletricidade da média mundial. A matriz energética da América Latina e do Caribe é bastante semelhante à brasileira.

Por isso, compreender o ciclo de vida de um veículo elétrico é de extrema importância, pois vai além de simplesmente considerar o seu desempenho durante o uso, abrange desde a extração de matérias-primas para a fabricação até o descarte adequado ao final da sua vida útil. Ao entender todas as etapas desse ciclo, é possível avaliar de forma mais precisa e abrangente o impacto ambiental e a sustentabilidade dos veículos elétricos, levando em consideração a emissão de gases de efeito estufa, o consumo de recursos naturais e o manejo adequado de resíduos.


Os veículos elétricos são construídos com uma variedade de materiais que desempenham funções diferentes em seu design e desempenho, tais como: aço de alta resistência, alumínio e ligas de magnésio, usados para a estrutura e carroceria, proporcionando leveza e resistência; polímeros e plásticos reforçados com fibra de carbono, empregados em componentes internos e externos, reduzindo o peso total do veículo; baterias de íon-lítio, compostas por metais como lítio, cobalto e níquel, e são essenciais para armazenar a energia elétrica; cobre, para os sistemas elétricos do veículo e o motor elétrico propriamente dito.

Dentre os itens citados, basicamente os três destacados são os principais responsáveis por diferenciar o carro elétrico de um veículo à combustão interna.

Os carros tracionados por motores de combustão interna usam, em média, 25 quilos de cobre. Os carros híbridos utilizam em média 40 quilos, enquanto veículos totalmente elétricos podem usar até 70 quilos.

Historicamente, o maior produtor mundial de cobre é o Chile, que representa aproximadamente 30% de toda a produção mundial. Destaca-se em segundo lugar o Peru, que produziu em 2020 o equivalente a 10% de todo o consumo mundial.

Outro metal importante para a mobilidade elétrica é o alumínio, amplamente utilizado na fabricação de carros elétricos devido à sua leveza e resistência. Ele ajuda a reduzir o peso total do veículo, melhorando a eficiência e a autonomia da bateria. O Brasil é o país que mais recicla lata de alumínio no mundo, e dentre os 40 países que produzem o metal está na 13ª posição.

O lítio desempenha um papel fundamental na eletrificação de várias áreas, incluindo veículos elétricos, dispositivos eletrônicos portáteis (smartphones, laptops e tablets) e armazenamento de energia - fornecendo energia duradoura em um formato compacto. Sua importância reside nas propriedades únicas desse metal, que permite a produção de baterias de alta capacidade e desempenho. As baterias de íon-lítio são leves, têm alta densidade de energia e podem ser recarregadas várias vezes. Chile, Bolívia e Argentina, juntos, representam aproximadamente 46% das reservas mundiais de lítio.

O motor elétrico é o equipamento que concentra os principais ganhos de eficiência energética no processo. Os mais eficientes são conhecidos como Motor síncrono de ímã permanente (sigla em inglês PMSM). Esses motores possuem ímãs de terras raras no seu rotor, que geralmente são constituídos de neodímio-ferro-boro (NdFeB). Os ímãs de terras raras apresentam propriedades magnéticas excepcionais que permitem uma alta densidade de fluxo magnético. Esse é o principal diferencial na eficiência dos motores PMSM.

As mais importantes reservas de neodímio, um dos elementos-chave na fabricação de ímãs de terras raras, estão localizadas principalmente na China. Esse país asiático é responsável por cerca de 85% a 90% da produção global de neodímio e possui uma grande quantidade de reservas desse elemento, que traz considerações geopolíticas, no que se refere à dependência. A exploração de neodímio, assim como outros elementos de terras raras, pode apresentar diversos problemas ambientais: i) poluição da água - durante o processo de extração do neodímio, substâncias químicas tóxicas podem ser utilizadas, como ácido sulfúrico, ácido clorídrico e ácido nítrico; ii) geração de resíduos tóxicos: a produção de neodímio também resulta na geração de resíduos tóxicos, como rejeitos de mineração e resíduos de processamento químico; e  iii) uso intensivo de recursos naturais: a mineração de neodímio requer a remoção de grandes quantidades de solo e rochas, resultando na destruição de habitats e na perda de biodiversidade. Além disso, a extração de terras raras geralmente requer o uso de grandes quantidades de água e energia, o que contribui para o consumo intensivo de recursos naturais.

Existem substitutos para o neodímio, mas não apresentam a mesma eficiência para a aplicação. Os ímãs de neodímio-ferro-boro (NdFeB) podem ter uma energia de produto magnético superior a 50 MGOe – (Mega Gauss Oersted). Isso os torna extremamente fortes em comparação com outros tipos de ímãs, como: samário-cobalto (entre 20 e 30 MGOe), alnico (~5 MGOe) ou de ferrite (entre 1 e 4 MGOe).

Como alternativa na construção do carro elétrico, é possível utilizar Motores Elétricos Síncronos de Relutância (sigla em inglês SynRM), que empregam materiais presentes nos países da América Latina e Caribe, e possuem elevada eficiência e menor impacto ambiental em todo o ciclo de vida quando comparados aos PMSM.

Os carros elétricos autoguiados e compartilhados podem representar uma solução promissora para melhorar a eficiência do transporte e reduzir engarrafamentos, ao mesmo tempo que mitigam os impactos ambientais. Ao combinarem a tecnologia autônoma com o modelo de compartilhamento de veículos, esses carros podem ser utilizados de maneira mais eficiente, reduzindo a quantidade de veículos nas estradas e otimizando o uso dos recursos disponíveis.

Nesse cenário, a América Latina e o Caribe reúnem todas as características necessárias (recursos minerais, energéticos, humanos e mercado consumidor) para a construção de um projeto estratégico de desenvolvimento regional, pautado na construção de uma indústria da mobilidade elétrica tanto para o transporte individual, como coletivo. Essa é uma possibilidade de geração de emprego e renda em uma indústria que se ancora fortemente nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas.

*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.

 

Segunda, 13 Novembro 2023 16:54

 

 

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Professor Danilo de Souza*

  

O planejamento energético sempre funcionou sob uma premissa quase inabalável: o crescimento econômico constante é inevitável. Tradicionalmente, os tomadores de decisão preveem, com otimismo, um futuro próspero, e isso guia a expansão da geração e transmissão de energia. No entanto, essa abordagem, extremamente útil e necessária, foi alvo de grandes questionamentos nos anos 70. E é aqui que a visão de Nicholas Georgescu-Roegen, um economista romeno-americano, torna-se pertinente.

Georgescu-Roegen alertou sobre os perigos de uma visão econômica que ignora os limites naturais, utilizando a lei da entropia como sua principal ferramenta argumentativa. Em sua obra icônica, The Entropy Law and the Economic Process, ele ressalta que a termodinâmica não é apenas uma teoria abstrata, mas uma realidade que permeia todos os aspectos de nossa existência, incluindo a economia. Segundo o autor, a atividade econômica, assim como qualquer outro processo no universo, aumenta a entropia, ou seja, a desordem e a energia indisponível para o trabalho.

 

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Esse entendimento leva-nos a questionar a sustentabilidade do crescimento econômico incessante a partir do uso de energia e matéria. Se todas as atividades econômicas inevitavelmente aumentam a entropia, há um limite para o quanto podemos crescer sem exceder a capacidade da Terra de nos sustentar. Mais cedo ou mais tarde, vamos nos deparar com as fronteiras naturais que delimitam nosso crescimento, seja em termos de recursos naturais, capacidade de absorção de resíduos ou mesmo a viabilidade de sistemas ecológicos.

O que isso significa para o planejamento energético? Primeiramente, precisamos reavaliar a premissa do crescimento eterno. Os recursos naturais, incluindo aqueles usados para gerar até o momento a maior parte de energia mundial, são finitos. Assumir que sempre teremos recursos suficientes para sustentar o crescimento contínuo é, no mínimo, imprudente. Em vez disso, a partir da leitura de Georgescu-Roegen, o planejamento energético deve considerar um cenário de estabilização ou até mesmo de contração. Isso não sob uma perspectiva negativa, interpretado como crise ou estagnação. Entretanto, o economista propõe uma forma diferente de ver a economia, que não implica necessariamente um declínio na qualidade de vida. Contrariamente, ao reconhecermos e respeitarmos os limites naturais, podemos buscar formas mais eficientes e sustentáveis de produzir e consumir energia. A difícil tarefa da transição para fontes renováveis de energia e a ênfase na eficiência energética são passos cruciais nessa direção.

Em segundo lugar, é vital incorporar uma perspectiva de longo prazo no planejamento energético. Em vez de focar apenas nas demandas imediatas, devemos considerar como nossas decisões hoje afetarão as gerações futuras. A obra de Georgescu-Roegen alerta-nos para o fato de que a sustentabilidade não é apenas um conceito moderno, mas um imperativo ecológico para garantir as possibilidades de reprodução material da humanidade, e, portanto, a manutenção da vida humana.

Finalmente, a interdisciplinaridade deve se tornar a norma, não a exceção. O planejamento energético não pode ser feito isoladamente pelos campos da ecologia, biologia e termodinâmica. A visão integrada proposta por Georgescu-Roegen, a bioeconomia, sugere que a economia não pode ser separada dos processos biológicos e termodinâmicos que a sustentam.

 

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A discussão sobre os "limites do crescimento econômico" é definitivamente mais relevante para países desenvolvidos, que já se beneficiaram de expansões econômicas intensivas. Entretanto, países em desenvolvimento, que visam ao progresso socioeconômico, têm a oportunidade de aprender com os erros anteriores, integrando desde o início práticas que buscam a industrialização e a produção de riqueza com menor impacto antrópico na biosfera (sustentáveis). Ignorar a sustentabilidade pode resultar em custos elevados a longo prazo, como degradação ambiental e vulnerabilidades geopolíticas, enquanto o foco na sustentabilidade pode gerar inovação e resiliência para as gerações futuras, sem esquecermos que muitos da geração presente estão excluídos das possibilidades mínimas de consumo para uma existência digna.

A utilização de fontes de energia renovável e reciclagem pode atenuar a aceleração da entropia ambiental, resultante da tendência dos sistemas naturais de moverem-se para um estado de maior desordem, especialmente quando perturbados por atividades humanas. Embora essas práticas reduzam a poluição e a necessidade de novos recursos, elas não eliminam completamente o problema da entropia. A combinação de energias renováveis, reciclagem, redução do consumo e design sustentável é crucial para uma gestão mais eficaz dos recursos globais.

Pelo fato de o crescimento econômico ter sido a pedra angular do planejamento energético por décadas, faz-se necessário, agora, reavaliar essa abordagem, buscando integrar o objetivo do crescimento econômico a outros, tais como a sustentabilidade socioambiental. Ignorar os limites naturais é, em última análise, um caminho insustentável.

 

*Danilo de Souza é professor da FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP

 

Segunda, 06 Novembro 2023 13:44

 

Prof. Danilo de Souza*

 

Atualmente, quando se trata de energia e suas transições, o debate público é frequentemente carregado de otimismo, promessas e, às vezes, de informações erradas. O que precisamos neste momento é conhecer a real dimensão do problema, para atuar de forma objetiva e com maiores graus de acertos.

As inquietações acerca das repercussões do excessivo aquecimento global antropogênico (causado pela ação humana e geralmente definido como qualquer elevação da temperatura média da troposfera acima de 2 °C) têm elevado as transições energéticas a um tópico de crescente atenção. As emissões de carbono decorrentes das mudanças na cobertura do solo (principalmente devido à desflorestação tropical) e as emissões de CH4 e N2O (originadas em grande parte da agricultura e da pecuária) com clorofluorcarbonetos, contribuem de maneira significativa para o forçamento radiativo antropogênico global, porém as emissões de CO2 resultantes da combustão de combustíveis fósseis permanecem como a principal fonte. Dessa forma, um aumento adicional da temperatura não poderia ser restringido sem uma descarbonização contínua do suprimento global de energia. E o mais preocupante é que, além de a matriz energética mundial ser predominantemente fóssil (76,7%) atualmente, o consumo de combustíveis fósseis tem crescido. É isso mesmo! Nos últimos 22 anos (2000-2022), o consumo de carvão aumentou 38%, o de petróleo, 19%, e o de gás natural, 40%. A inserção das renováveis no mix energético global apenas cresceu em ritmo mais acentuado que os fósseis. De maneira que a participação dos fósseis em valores relativos diminuiu 9,4% entre 2000-2022, mas, em valores absolutos, aumentou.

 

Primeiramente, é essencial entender que as transições energéticas não são novidade. Desde a Antiguidade, os sapiens sempre buscaram fontes de energia mais eficientes e eficazes. Seja a passagem da madeira para o carvão ou a revolução do petróleo, cada era teve sua própria transição, moldada por necessidades, inovações e circunstâncias geopolíticas.

A primeira grande transição pode ser registrada quando substituímos parte dos biocombustíveis (lenha) por carvão. Em alguns países europeus (Reino Unido, França, Alemanha), bem como nos EUA e na China, foram necessários mais de 100 anos, desde as primeiras apropriações para usos nos sistemas produtivos, até que a utilização do carvão passasse de uma contribuição marginal para ser uma das bases do fornecimento de energia primária. É importante frisar que essa primeira transição, assim como as que se sucederam, e diferente da que estamos tentando construir, foi elaborada sobre os pilares do aumento da produtividade do trabalho, por meio da maior densidade energética que o carvão disponibilizou quando comparado com a bioenergia (biomassa - lenha).

No entanto, a atual transição energética é única em sua natureza e escopo. Ao contrário das transições anteriores, que foram impulsionadas pela busca de eficiência e abundância, a atual é estimulada pela necessidade de sustentabilidade e pela crescente preocupação com as mudanças climáticas. O objetivo não é apenas encontrar fontes de energia mais eficientes que sejam “ecologicamente responsáveis”, mas atuar também no transporte, na distribuição e no uso final dos recursos energéticos.

O desafio, porém, é monumental. Presentemente, nossa dependência de combustíveis fósseis é tão profunda que até mesmo pequenas reduções na combustão de carbono são difíceis de serem alcançadas.

Quando analisamos a matriz energética primária mundial, aproximadamente 85% dos recursos são fósseis (petróleo, carvão e gás natural). A situação é agravada pelo fato de que grande parte da humanidade, especialmente em países de baixa e média renda, ainda precisa de mais energia. O crescimento dos setores de energia renovável, como eólica e solar, é certamente um passo na direção interessante, mas, no ritmo que estamos, é insuficiente, e, devido ao fato de serem fontes intermitentes (fontes de fluxo), não poderão atender à crescente demanda sozinhas.

Além disso, embora países como Alemanha estejam fazendo esforços para reduzir sua dependência de combustíveis fósseis, a realidade é que a civilização global, como um todo, continua altamente dependente deles. Países em desenvolvimento, buscando industrialização e melhor qualidade de vida para seus cidadãos, inevitavelmente aumentarão sua demanda por energia, muitas vezes recorrendo às fontes mais facilmente disponíveis, como o carvão ou o petróleo.

A China, que lidera a inserção de renováveis em sua matriz elétrica, também está adicionando gigawatts de nova energia a carvão todos os anos. A procura por gás natural tem aumentado. Seja para usos industriais, seja para a o aquecimento nas edificações nos países frios.

Em 2000 a Alemanha lançou um programa deliberadamente direcionado para descarbonizar o seu fornecimento de energia primária, um plano mais ambicioso do que qualquer outro visto em qualquer outro lugar. A política, chamada Energiewende, funcionou por meio de subsídio governamental à eletricidade renovável gerada por células fotovoltaicas e turbinas eólicas e pela queima de combustíveis produzidos pela fermentação de colheitas e resíduos agrícolas.

De se ver que no ano de 2000, apenas 6,6% da eletricidade na Alemanha era derivada de fontes renováveis; já em 2019, essa fatia aumentou para 41,1%. Se a análise for restringida apenas ao setor elétrico, mesmo com o alto custo financeiro, a mudança parece positiva, porém um grande erro é focar somente no setor elétrico. Em 2000, cerca de 84% da energia primária total da Alemanha era proveniente de combustíveis fósseis; essa proporção diminuiu para aproximadamente 78% em 2019. Mantendo-se essa taxa de redução, os combustíveis fósseis ainda constituiriam quase 70% da energia primária da Alemanha em 2050. O que faz o Net Zero um sonho distante.

Outro desafio significativo da descarbonização é a falta de alternativas comerciais viáveis em certos setores. Por exemplo, enquanto a eletrificação de veículos e a geração de energia renovável estão se tornando mais comuns, ainda não temos alternativas comerciais viáveis para a aviação intercontinental, navegação de cabotagem, ou mesmo para produção em larga escala de materiais como cimento e aço sem o uso de combustíveis fósseis.

O exemplo da Alemanha, com sua Energiewende, serve como um lembrete da complexidade do desafio. Apesar de investir massivamente em energias renováveis, o país ainda depende significativamente do carvão, e suas emissões de CO2 diminuíram apenas marginalmente.

O atual sistema energético global, fundamentado em combustíveis fósseis, representa uma das mais extensas e custosas infraestruturas antropogênicas que não podem ser rapidamente substituídas, mesmo se alternativas estivessem prontamente disponíveis, e com baixos custos, o que não é verdade. Observamos ainda que esse sistema extrai cerca de 10 bilhões de toneladas de carbono fóssil/ano, e recebeu investimento para se estabelecer durante o século 20 de, no mínimo, 25 trilhões de dólares.

A transição energética global é uma necessidade imperativa. No entanto, deve-se abordar com realismo, reconhecendo os desafios e limitações inerentes. Historicamente, as transições foram um processo "gradual, multidécada, intergeracional", e esperar uma mudança rápida é não apenas irrealista, mas irresponsável. Convenhamos que substituir um sistema que é ∼76,7% fóssil (2022) por biocombustíveis (principalmente líquidos) e pela geração intermitente de eletricidade (principalmente eólica e solar), é uma tarefa complexa, sabendo dos desafios técnicos da produção em massa dos biocombustíveis, e da produção em grande escala de eletricidade a partir de fontes primárias com baixos fatores de capacidade. Assim, essa transição energética será um desafio que nos ocupará durante as próximas décadas e gerações.

Isso não significa que devemos ser pessimistas. Pelo contrário, a mensagem principal é que, embora a jornada seja longa e complexa, com comprometimento na busca pela inovação e uma gestão que vise à otimização de nossos recursos e tecnologias, podemos fazer uma diferença significativa no ritmo da descarbonização. É imperativo que essa construção passe necessariamente pela redução das desigualdades no acesso aos recursos disponíveis na biosfera, e pela construção de soluções para os países que ainda não se desenvolveram e não se industrializaram.

Os ciclos históricos nos mostram que esta espécie é capaz de inovações e mudanças transformadoras quando confrontada com desafios materiais. A transição energética atual, embora sem precedentes em sua complexidade, não é exceção na trajetória dos sapiens.

 

*Danilo de Souza é professor da FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.

Quarta, 30 Maio 2018 10:27

 

Há muito engano nos discursos políticos em torno do preço dos combustíveis atualmente. A elevada carga tributária incidente sobre produtos de consumo no Brasil é certamente um fator de peso na composição dos preços finais, mas a sua discussão nos últimos dias vem ofuscando o entendimento de uma nova correlação de forças na Petrobras. Alterações desde 2016 na sua política de formação de preços determinaram não somente um novo patamar de valores como também um novo perfil de variações, ao transferir o risco financeiro das flutuações cambiais e do preço internacional do petróleo para o consumidor final. Isso em um ambiente de recuo da capacidade nacional de refino, com consequente aumento da importação líquida dos derivados. Tais movimentos ocorreram sob demanda de uma diretoria executiva composta por nomes dedicados a dar um quê liberal aos rumos do setor de óleo e gás no País.

 

Parece ter se tornado um senso comum - no sentido de verdade auto-evidente - que tais medidas visavam salvar a própria empresa das ingerências e “interferências populistas” dos últimos governos do Partido dos Trabalhadores. Há pouco mais de dois anos o governo Temer vem jogando com esse sentimento aparentemente inquestionável de que tudo vem sendo feito para corrigir os desmandos de uma década de governos mal-intencionados. Não à toa lançou, recentemente, no slogan comemorativo dos 2 anos, a cínica frase “No fundo, você sabe que melhorou”. Recorre-se assim à naturalização da ideia de que suas reformas pró-mercado e austeras são óbvias e inevitáveis, ainda que não precisem ser demonstráveis em resultados benéficos à população. Que parte significativa dos discursos vinculados na mídia e nas redes sociais partam desses pressupostos, apenas demonstra que de certa forma trata-se de uma ideologia bem-sucedida.

 

Prossigamos com o caso concreto da Petrobras. Hoje está claro que a corrupção que vigorou na empresa não se resume apenas a desvios ocasionais promovidos por agentes corrompidos, e sim reporta a todo um sistema de relações de negócio – ora espúrios, ora legítimos – entre grandes empresas e o Estado, capitaneando interesses mútuos de empresários e políticos. Os partidos que ora ocupam o poder nunca foram coadjuvantes no comando de empresas desse porte, mas aproveitando-se da desconfiança dos contribuintes, apressaram-se em impor uma faceta de gestão “técnica” orientada ao mercado, bem como em promover medidas de privatização, comandados pelo mais novo presidente, Pedro Parente.

 

Aqui não há como deixar de notar o paralelo com o que se passou na reestruturação do setor elétrico que teve início em meados da década de 1990. O processo de privatização dos ativos seguiu em conjunto com uma série de alterações normativas que buscaram assegurar o preço da eletricidade referenciada não mais aos custos de produção acrescidos à remuneração do capital, mas ao “custo de oportunidade”, simulando a competição entre agentes geradores. A adaptação de modelos “importados” da Inglaterra para a realidade predominantemente hidráulica da nossa matriz elétrica levou à insuficiência de investimentos em expansão e resultou no racionamento de 2001. Não deveríamos nos concentrar na pessoalização das forças políticas em jogo, mas a ironia de a mesma pessoa – Pedro Parente – estar no centro de ambas as crises salta aos olhos. Hoje, pagamos um dos preços mais altos do mundo pela energia elétrica, mesmo com as fontes cujos custos operacionais são os mais baratos.

 

Agora o que está em disputa na Petrobras tem a ver com esta renda oriunda da diferença entre o preço da commodity no mercado internacional, atualmente na casa dos U$ 80, e o custo de extração do petróleo, que na área do pré-sal, por exemplo, está na ordem de US$ 8 o barril. Os agentes econômicos desse mercado e seus acionistas vêm se beneficiando das direções políticas dos últimos anos, pois a eles é destinada a apropriação privada da mencionada renda e parecem estar bem protegidos pelo governo. No entanto, mais uma vez o remédio liberal demonstrou, como temos acompanhado desde a última semana, provocar graves efeitos colaterais. Vamos aceitar a socialização dos prejuízos? Por incrível que pareça há quem defenda o aumento da dose. 

 

 Vinicius Teixeira é Mestre em Energia pela USP

 Danilo Souza é Professor na UFMT