Segunda, 29 Janeiro 2024 10:26

 

Neste domingo, 28/01, o Massacre de Unaí completou 20 anos, com dois condenados ainda foragidos. Nesta mesma data, em 2004, os auditores fiscais do Trabalho Eratóstenes de Almeida Gonsalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva e o motorista Aílton Pereira de Oliveira foram vítimas de uma emboscada quando investigavam denúncias de trabalho análogo à escravidão na região rural de Unaí (MG). A fiscalização foi considerada pela Delegacia Regional do Trabalho de Minas Gerais (hoje Superintendência) uma operação de rotina, embora houvesse muitas denúncias de exploração de trabalhadoras e trabalhadores na região.

Foto: José Cruz/Arquivo Agência Brasil

O crime ficou conhecido nacionalmente e internacionalmente e resultou, anos depois, no Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo e no Dia do/a Auditor/a Fiscal do Trabalho, em homenagem às vítimas da Chacina. Depois do caso, as fiscalizações passaram a ser acompanhadas por policiais e autoridades.

Após 19 anos da chacina, em setembro de 2023, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a execução provisória das penas de Norberto Mânica, José Alberto de Castro e Hugo Alves Pimenta. O Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF 6) expediu, por sua vez, mandados de prisão para os mandantes do crime, os irmãos Norberto Mânica e Antério Mânica (ex-prefeito de Unaí). José Alberto de Castro, acusado de planejar a emboscada e contratar os executores do crime, foi preso no dia 13 de setembro de 2023, e Antério Mânica se entregou, no dia 16 de setembro do ano passado, na Sede da Polícia Federal, em Brasília (DF). Norberto Mânica e Hugo Alves Pimenta, que também contratou os pistoleiros, estão foragidos. Já os matadores foram condenados em 2013.

Segundo o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), os auditores e as auditoras fiscais do Trabalho e as famílias das vítimas seguem lutando para que a justiça seja feita, com todos os acusados e condenados cumprindo as suas penas e resgatando a sociedade do ambiente de impunidade, que perdura desde o cometimento do crime, que atacou profundamente o Estado brasileiro.

Trabalho análogo à escravidão

O trabalho análogo à escravidão ou o trabalho escravo contemporâneo ainda é uma realidade no país. Em 2023, 3.190 trabalhadoras e trabalhadores foram resgatados em condições de exploração análoga à escravidão. O número, divulgado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, foi o maior dos últimos 14 anos. Foram fiscalizados, durante o ano passado, 598 estabelecimentos urbanos e rurais.

Os casos de trabalhadoras e trabalhadores em situação análoga à escravidão foram registrados em maior número no cultivo de café, com 302 pessoas resgatadas, ficando à frente do setor da cana-de-açúcar, com 258 resgates. Entre os estados, os maiores resgates ocorreram nos estados de Goiás (739), Minas Gerais (651) e São Paulo (392).

 

Fonte: Andes-SN (com informações do Sinait e de agências de notícias)

Sexta, 01 Dezembro 2023 15:51

 

O ANDES-SN vem a público se posicionar diante de mais um capítulo da trágica história que acomete a cidade de Maceió e em outras regiões do Estado de Alagoas. Há décadas marcada pela atuação inescrupulosa do capital na extração subterrânea de salgema, ao menos desde 2018, sua população passou a experimentar o agravamento do maior atentado minerário em contexto urbano do planeta. Uma tragédia que tem origem nas necessidades de predação extrativa do capital, operado pela Braskem, que coloca o lucro acima da vida. Suas práticas empresariais geraram instabilidade no solo e abalos sísmicos em bairros populares da cidade, ensejando irreparáveis perdas para a classe trabalhadora.

Há dias, sabe-se de tremores acometendo porções dos bairros voltados para a franja lagunar da capital alagoana. Na última quarta-feira, dia 29 de novembro de 2023, órgãos da Defesa Civil e a empresa causadora do irreparável dano ambiental e social soltaram notas comunicando à população acerca do risco iminente de evento extremo, com colapso da mina 18. Cinco bairros sofreram afundamento, foi decretado estado de emergência e dezenas de milhares de atingidos e atingidas tiveram que deixar suas moradias e locais de trabalho.

Além da perda de residências de centenas de pessoas, tal colapso resultará em grave elevação do nível de salinidade da lagoa Mundaú. Como os alertas sobre o colapso remontam a 2018, o que vemos é uma evidente falência dos protocolos de emergência dos órgãos estatais. Não bastasse o episódio, traumático por si só, os órgãos governamentais recusam-se a conceder aluguéis sociais de modo que as famílias possam enfrentar esse momento de suas vidas com um mínimo de dignidade e amparo. O mesmo vale às famílias trabalhadoras, de forma mais ou menos precária, que viram em um estalar de dedos – ou em um estalar da terra – o cessar das perspectivas de reprodução de sua vida.

Exigimos que o Estado tome todas as medidas necessárias para responsabilizar a empresa que perpetrou tamanha tragédia – que segue inerte diante dos danos já mais do que evidentes à população trabalhadora e ao meio ambiente alagoano. Exigimos que o Estado tome todas as ações necessárias para mitigar o sofrimento dos moradores que experimentam as agruras que resultam da ação criminosa da Braskem.

O sal das lágrimas do povo de Maceió tem culpa da Braskem!

 

 

Brasília(DF), 1º de dezembro de 2023.

Diretoria do ANDES-Sindicato Nacional

 

Terça, 14 Novembro 2023 16:32

 

Acompanhando a decisão institucional de suspender as atividades presenciais na Universidade Federal de Mato Grosso nos dias 16 e 17/11, devido ao alerta de altas temperaturas, provocadas pela destruição do capital ao Meio Ambiente, a Adufmat-Ssind informa que não haverá expediente na sede e subsedes do sindicato na quinta e sexta-feira. 
 
Retomaremos as atividades na terça-feira, 21/11.
Quinta, 26 Outubro 2023 10:18

 

O Sindicato Nacional repudia os ataques do governo de extrema direita de Israel e manifesta pesar pelas vítimas civis do conflito

Nas últimas semanas, o mundo tem assistido ao acirramento do conflito entre Israel e Palestina, resultado de anos de uma política de opressão e massacre sistemático do povo palestino com o apoio do imperialismo norte-americano. Em 7 de outubro, um contra-ataque sem precedentes realizado pela ala militar do partido islâmico palestino Hamas aprofundou a instabilidade que assola a região. Foi a maior demonstração de força militar já realizada pelo Hamas. Como resposta, o governo israelense de extrema direita de Benjamin Netanyahu declarou estado oficial de guerra.

 

 

Em poucos dias, já há milhares de mortos de distintas comunidades nacionais. “Lamentamos pela morte de inocentes, independente de nacionalidade ou origem étnica e manifestamos nossa solidariedade às vítimas civis dos dois lados do conflito. É preciso reconhecer e afirmar que dentre as vítimas, a maioria é formada por aquelas e aqueles que vivem na Faixa de Gaza, região que pode ser considerada a maior prisão em céu aberto do mundo”, afirma em nota o ANDES-SN. A entidade destaca ainda que, desde a criação de Israel em 1948, sucessivos governos têm atuado proibindo o contato entre famílias palestinas, pisoteando vítimas civis e negando independência nacional ao povo palestino. Leia aqui a nota na íntegra.

A escalada da violência da ofensiva israelense já deixou no mínimo 3 mil palestinos e palestinas mortos. Apesar da imprecisão dos levantamentos, o Gabinete de Coordenação dos Assuntos Humanitários da Organização das Nações Unidas aponta que mais de mil crianças e 1050 mulheres, muitas delas grávidas, estão entre as vítimas. Segundo informações de organismos internacionais, já houve 20 ataques a instalações da ONU e a escolas, além de ataque sem precedentes a um hospital, nessa quarta-feira (17), que matou ao menos 500 pessoas.

“É a política do capitalismo israelense, dirigido hoje por um bloco de extrema direita apoiado pelo imperialismo estadunidense que está na raiz do conflito. Décadas de devastação e luto por bombardeios, prisões arbitrárias, intensa violência de Estado, ocupação e anexação de territórios e, fundamentalmente, de negação de direitos humanos básicos ao povo palestino criaram condições favoráveis para a ação política do Hamas. Indiferente à ineficácia desta tática para a libertação do povo palestino, a ousada ação militar de 05 de outubro foi uma resposta à exploração, à opressão e ao regime de apartheid imposto por governos reacionários de Israel”, avalia o Sindicato Nacional.

O ANDES-SN lembra também que “a luta do povo palestino apenas é fragilizada quando apoiada por Estados reacionários ou forças fundamentalistas que sustentam a opressão às mulheres. Por isso, deve ser combinada com a luta pela emancipação social e territorial contra todas as formas de violência colonial, racista e religiosa, as quais apenas contribuem para perpetuar um sistema capitalista em crise e que está na raiz de todo o conflito”.

A entidade expressa ainda toda solidariedade ao povo palestino e às lutas por direitos sociais e autodeterminação. Também reafirma o posicionamento contra o massacre humanitário do povo palestino realizado pelo governo reacionário de Benjamin Netanyahu e com o apoio do imperialismo norte-americano. Convoca ainda, conforme deliberação do 63° Conad, o fortalecimento da Campanha de Boicote, Desinvestimento e Sanções contra o Estado de Israel, como forma de solidariedade internacional à luta do povo palestino.

Uma série de atos vem ocorrendo em diversas cidades do país. As manifestações denunciam o genocídio da população civil na Palestina e pedem ações humanitárias urgentes. Confira a agenda de atos ao final da matéria.

Deliberações em defesa da liberdade e autodeterminação do povo Palestino

Há décadas, o ANDES-SN tem se posicionado em defesa da liberdade e autodeterminação do povo Palestino. No 22º Congresso do Sindicato Nacional, em 2003, por exemplo, foi aprovado “recomendar às Seções Sindicais que se engajem nos comitês em solidariedade ao povo palestino, como forma concreta de luta em defesa de seus direitos legítimos de liberdade e autodeterminação. Em caráter emergencial, promover debates que visem a esclarecer a questão palestina e o massacre sistemático promovido contra aquele povo”.

No ano seguinte, em seu 23º Congresso, a categoria reafirmou a deliberação de “apoiar os povos oprimidos que lutam pela sua autodeterminação, a exemplo do povo palestino, iraquiano e nações indígenas latino-americanas”. Aprovou ainda por “recomendar às seções sindicais que se engajem nos comitês em solidariedade aos povos afegão e iraquiano, como forma concreta de luta em defesa de seus direitos legítimos de liberdade e autodeterminação. Em caráter emergencial, promoverem debates que visem a esclarecer a questão palestina e o massacre sistemático promovido contra aquele povo”. Tal decisão foi reafirmada no 24º Congresso, em 2005.

Já em 2018, durante o 63º Conad, delegadas e delegados aprovaram que o Sindicato Nacional integrasse a campanha de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) contra o Estado de Israel, divulgando e incentivando a mesma em suas bases e preste solidariedade internacional à luta do povo palestino e contra o massacre do seu povo.

Palestina: símbolo histórico de luta e resistência

Em 2021, enquanto a população ocupava as ruas na América Latina por vacina no braço e comida no prato, e contra as políticas negacionistas de governos de extrema direita, do outro lado do oceano Atlântico, as palestinas e os palestinos enfrentavam, além da pandemia de Covid-19, a violência do governo de Israel, em defesa do seu direito à vida e ao território. A opressão histórica ao povo palestino e a disputa pelos territórios na Faixa de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental ganhava um novo capítulo brutal naquele ano.

Em 11 dias de conflito, o bombardeio do Estado de Israel à Faixa de Gaza, supostamente visando o Hamas, matou ao menos 232 palestinos, dos quais 65 crianças, e feriu outros 1.900. Em Israel, 12 pessoas morreram e mais de 340 ficaram feridas. Várias áreas urbanas foram totalmente destruídas, incluindo três prédios ocupados por empresas jornalísticas e correspondentes internacionais.

O ANDES-SN publicou, em julho de 2021, reportagem sobre a luta histórica do povo palestino por autodeterminação e pelo direito de existir com dignidade e a violência imposta pelo governo israelense de extrema direita. Confira aqui a matéria.

 

Fonte: Andes-SN

Terça, 05 Setembro 2023 14:37

 

“Os meus filhos não vão chorar, mas os de vocês vão”, teria ameaçado representante de nova empresa terceirizada da UFMT

 

Não é a primeira, nem a segunda e nem a terceira vez que uma empresa terceirizada causa problemas aos trabalhadores da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Provavelmente também não será a última, já que as empresas terceirizadas existem com uma única finalidade: precarizar o contrato de trabalho dos funcionários. No entanto, é a primeira vez que uma empresa terceirizada causa revolta antes mesmo de ter iniciado os serviços.

 

O contrato de número 055/2023 entre a UFMT e Vetor Serviços de Terceirização, com sede em Primavera do Leste, tem previsão de início na próxima terça-feira, 05/09. A empresa foi selecionada no processo de licitação com valor do contrato de R$ 5.684.566,69 (cinco milhões, seiscentos e oitenta e quatro mil, quinhentos e sessenta e seis reais e sessenta e nove centavos), desconsiderando termos aditivos. Mas antes mesmo de assumir, um representante da empresa, cujo nome os trabalhadores não souberam dizer, fez uma reunião, na qual os contratados foram impedidos de levar seus celulares.

 

E a proibição de uso se celular durante o expediente, segundo os trabalhadores, estava entre uma das mudanças que o representante da empresa anunciou. A partir desta semana, quem quiser manter o emprego terá de deixar o aparelho numa caixa ao bater o ponto de entrada e retirar ao bater o ponto de saída. Da mesma forma, o uniforme, tão importante para proteção pessoal, mas que incluiu uma bota de borracha bastante incômoda, não poderá ser retirado nem mesmo para o horário de almoço.

 

Ao perceber a insatisfação por parte dos trabalhadores – em sua maioria, mulheres - o representante teria dito que os trabalhadores que decidissem sair voltariam implorando nos próximos meses, e lançado, em seguida, as palavras: “Meus filhos não vão chorar, mas os de vocês vão”. O representante teria declarado, ainda, que os trabalhadores que apresentassem atestado médico com qualquer problema identificado pela empresa perderia o direito ao “sacolão” (vale alimentação no valor de cerca de R$ 550). Além disso, não deveriam conversar com qualquer servidor ou estudante, e que se algum professor tentasse intervir pela permanência dos trabalhadores, ele mesmo teria de arcar com o salário.  

 

“A meu ver, ele discriminou os trabalhadores da limpeza. Nós seríamos mais um objeto nas mãos deles. A maioria de nós não vai ficar. Todo mundo já saiu. Sim, nós vamos sofrer, porque eu tenho uma filha. Não é só eu, muitas mães e pais que trabalham aqui, mas nós não vamos ficar feito escravo de ninguém. Vamos ser pobres, sim, mas honradas” disse uma trabalhadora, que preferiu não se identificar.

 

Para a Associação dos Docentes (Adufmat-Ssind.) e para Sindicato dos Servidores Técnico-administrativos (Sintuf-MT), as declarações são absurdas, e a própria UFMT tem a responsabilidade de zelar por contratos dignos com os trabalhadores da universidade, mesmo que sejam terceirizados. “A universidade precisa olhar com atenção essa vulnerabilidade que tem levado trabalhadores a péssimas condições de trabalho. Ela precisa repensar o sistema de contratação e essa lógica da máxima exploração do trabalhador. Elas apresentam relatos tristes, choro, mostrando que as condições oferecidas pela nova empresa são, no mínimo, desumanas. Fizemos um trabalho conversando com outros trabalhadores terceirizados na minha disciplina. Alguns relatos apontam uma escala longa de trabalho, com intervalo de apenas 15 minutos para almoço. Como podemos não garantir condições mínimas de trabalho dentro da UFMT? Algumas das funcionárias não possuem sequer formação primária, dentro de uma instituição de ensino, e nenhum trabalho é pensado para melhorar sua formação ou mesmo instalação, visto que até os locais para descanso também são precários”, disse o diretor-geral da Adufmat-Ssind, Maelison Neves.

 

A representante do Sintuf-MT, Luzia de Melo, afirmou que as entidades representativas defendem os direitos de todos os trabalhadores. “A UFMT é uma instituição de ensino e sempre demonstrou respeito aos trabalhadores terceirizados. O referido senhor chegou ao ponto de expor a Proadi [Pró-reitoria de Administração], dizendo que servidores estão de olho nos terceirizados, que não querem mais conversas nos setores, que eles vão viver uma nova realidade. Que realidade é essa? De opressão? De assédio? De vexação? As entidades representativas defendem qualquer trabalhador dentro da UFMT, por isso, iremos continuar defendendo os terceirizados, e agora mais ainda, sabendo do modus operandi desta empresa. Estamos denunciando oficialmente, para que a UFMT faça os encaminhamentos necessários”.

 

A Adufmat-Ssind., Sintuf-MT e Diretório Central dos Estudantes (DCE) já realizaram diversas manifestações e ações de apoio aos trabalhadores terceirizados em momentos que enfrentaram condições degradantes dentro da universidade, chegando e ficar sem o pagamento correto do salário algumas vezes, além de sofrerem perseguições quando exigiram seus direitos mais fundamentais.

 

Por meio do site de pesquisa de processos, Jusbrasil, é possível encontrar mais de uma dezena de processos, inclusive trabalhistas, nos quais a empresa Vetor Serviços de Terceirização é citada.   

 

 

 

Luana Soutos

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind

Foto de capa: Paralisação das trabalhadoras da Limpeza da UFMT em 2019 por falta de pagamento dos salários/ Adufmat-Ssind  

Segunda, 21 Agosto 2023 14:14

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Por Aldi Nestor de Souza*

 

 

“Traga-me um copo d'água, tenho sede
E essa sede pode me matar
Minha garganta pede um pouco d'água
E os meus olhos pedem o teu olhar”
Dominguinhos – Tenho Sede

 
Beber água, fazendo as mãos de cuia, na beira de um córrego, é uma coisa. Beber água, abrindo uma geladeira, escolhendo uma garrafa e um copo adequados, é outra muito diferente.  A sede pode até ser semelhante, o ato social de matá-la, não.

Quando a água era coisa que dava nos rios, de graça e não cogitava virar uma mercadoria, bastava à humanidade, acossada pela sede, talvez após uma caminhada, curvar o corpo, esticar os braços e tomá-la natural, pura e à vontade, direto da fonte, sem intermediários, numa relação certamente próxima de natural. Não havia, nessa altura da história, com respeito a forma de matar a sede, muita diferença entre o ser humano e os outros animais.

Com o passar do tempo, a água foi invadindo as moringas, os potes, os tonéis, os barris, os tanques, os filtros até, finalmente, as geladeiras, seu estágio atual. Cada mudança dessa foi forjando a sede e, fundamentalmente, foi desnaturalizando a forma de matá-la. Diversos intermediários foram se aproximando, entrecruzando e intervindo na trajetória da sede. O artesão do pote, do barril, do tonel, o fabricante da geladeira são alguns exemplos. O ser humano também foi se alterando. O que bebe água gelada certamente é outro tipo de ser, tem o paladar muito distinto daquele que fazia as mãos de cuia.

A água, hoje, tem dono, está privatizada, inclusive a do subsolo, dos confins da terra. Está até na bolsa de valores. Virou uma commoditie. Ganhou rótulos, marca, código de barras, data de vencimento, enfileirou-se em prateleiras.  Uma cadeia produtiva, de proporções gigantescas, está por trás de um simples copo d’água. E a humanidade nem se assemelha àquela natural, que ia ao córrego. Também se distanciou daquela que usava moringas, potes, barris, filtros e que ia aos artesãos. Matar a sede se tornou algo muito mais complexo, exige até conhecimento científico.

A geladeira depende de uma linha de montagem e de uma quantidade quase incontável de pessoas no seu entorno. Tem modelo específico, cor, design, nível de consumo de energia, capacidade em litros, marca. É produzida por certo tipo de trabalhadores, com variadas formas de direitos trabalhistas. É vendida numa loja, por outros trabalhadores, com outra configuração e outra forma de trabalho. É entregue nas casas dos compradores por outros trabalhadores, sujeitos também a outras regras do mundo do trabalho.  A geladeira é um produto do trabalho assalariado, que a humanidade das mãos de cuia nem em sonhos imaginava que viesse a existir.

Uma fonte de energia é necessária para gelar a água. Talvez a construção de uma hidrelétrica, talvez a tecnologia da energia solar ou eólica, um certo tipo de política energética, uma agenda governamental. Aqui, outros milhares de trabalhadores envolvidos: engenheiros de diversos tipos, advogados, cobradores de impostos, trabalhadores da companhia de energia;  e uma classe de políticos: vereadores, deputados, governadores, senadores e até  presidentes da república. Da confluência e da disputa entre toda essa gente sai uma fonte de energia.

Para construir uma hidrelétrica, outros milhões de pessoas, além dos trabalhadores da construção, são afetadas diretamente, populações inteiras, cidades inteiras são remanejadas. Mas também a fauna e a flora do entorno do rio a ser contido. Uma operação invasiva e de dimensões profundas é realizada e está por trás do ato, aparentemente singelo, de se beber um copo de água gelada.

A garrafa também mobiliza outras gigantes da indústria, outros incontáveis trabalhadores, milhões de outras relações sociais, inclusive a indústria petrolífera e a ciência mais avançada. Uma simples mudança no formato da garrafa, para economizar plástico e baixar os custos de produção, envolve modelos matemáticos de otimização, a engenharia química e o estudo da resistência de materiais. Muito distante dos reservatórios de água e de quem vai matar a sede, uma frota industrial trama, intervém, media e controla os passos da sede.

O copo também tem sua existência e suas mediações. Também é consequência de uma cadeia produtiva. Assim como a garrafa e a geladeira, tem modelo, cor, marca, tamanho, design. E para cada uma dessas coisas, trabalhadores com diversos tipos de habilidades são necessários. Tem copo para adulto e para criança, tem de vidro e tem de plástico. O copo também impõe que a ciência se mexa, que a tecnologia lhe atenda. Também depende das decisões de estado sobre os direitos e as políticas trabalhistas, pois assim como a geladeira e a garrafa, depende do trabalho.

A indústria de água mineral é um capítulo à parte. Retirada de certas propriedades privadas, a água mineral é embalada em garrafões e comercializada. A compra desses garrafões de água, em geral, depende de uma companhia de telefonia ou de uma rede de internet. Novamente, outro sem número de trabalhadores envolvidos, entregadores por aplicativos, com tecnologia de ponta nas mãos e submetidos a condições de trabalho precárias.

Beber um copo d’água, hoje em dia, aquece a economia, mexe com o produto interno bruto, agita o mercado financeiro, inflama os especuladores. Beber um simples copo d’água, mesmo no silêncio da noite, mesmo se estando em casa, com as portas trancadas, é um ato que obriga o mundo inteiro a ficar sabendo. Ninguém, hoje em dia, bebe um copo d’água impunemente.

E é um mistério, algo como um feitiço, que toda essa avalanche de gente e de acontecimentos estejam por trás de um simples copo d’água e a gente nem se dê conta. É fascinante, intrigante, o número de funções que um copo d’água cumpre. Matar a sede parece ser apenas o mais aparente, o mais simples de se entender.

 
*Aldi Nestor de Souza
Professor do Departamento de Matemática- UFMT/Cuiabá
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Sexta, 04 Agosto 2023 13:34

 

As pastas da Saúde e a Educação foram as mais atingidas no novo bloqueio orçamentário de R$ 1,5, promovido pelo governo federal. O decreto presidencial com a distribuição dos cortes foi publicado na última sexta-feira (28 de julho), em edição extraordinária do Diário Oficial da União.

Ao todo, dez ministérios foram afetados pelos novos cortes. Foram contingenciados R$ 452 milhões da Saúde; R$ 333 milhões da Educação; R$ 217 milhões dos Transportes; R$ 144 milhões do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome; R$ 144 milhões das Cidades; R$ 97,5 milhões do Meio Ambiente; R$ 60 milhões da Integração e Desenvolvimento Regional; R$ 35 milhões da Defesa; R$ 27 milhões da Cultura; R$ 24 milhões  do Desenvolvimento Agrário.

Em maio, o governo já tinha bloqueado R$ 1,7 bilhão dos seguintes ministérios: Fazenda; Planejamento; Integração e Desenvolvimento Regional; Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome; Transportes e Cidades. Com o novo corte, o total de recursos travados chega a R$ 3,2 bilhões no Orçamento deste ano.

Em nota, o ANDES-SN repudiou veementemente o novo contingenciamento realizado pelo governo federal, que abarca várias áreas sociais fundamentais para a população e, em especial, a Educação. “Embora o governo afirme que o bloqueio é provisório e se limita a gastos de manutenção, percebe-se o condicionamento deste bloqueio à aprovação do Novo Arcabouço Fiscal (NAF) no Senado, o qual substitui o Teto de Gastos, na perspectiva de conciliação com os interesses do mercado. O contingenciamento dos recursos tem sido uma prática recorrente nas administrações públicas como uma forma de resolver o suposto problema de insuficiência de recursos públicos, afetando diretamente o funcionamento cotidiano da estrutura administrativa”, afirma a diretoria do Sindicato Nacional

De acordo com a entidade, no que se refere à Educação e, em especial, às Instituições de Ensino Superior, aos Institutos Federais e aos Cefets, o bloqueio de verbas afeta a qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão. “De forma cumulativa, os orçamentos das universidades, dos institutos e dos Cefets têm sido reduzidos e achatados de forma estrutural, aprofundando o quadro de adoecimento profissional e de precarização constante da atividade acadêmica”, alerta o ANDES-SN.

Confira a íntegra da nota

 

Fonte: Andes-SN

 

Quinta, 27 Julho 2023 09:37

 

De nove pontos apresentados, o governo sinalizou revogar apenas dois. Foi mantida a IN 54, que cerceia o direito de greve, e a PEC 32, da reforma Administrativa


Na terça-feira (25), ocorreu mais uma rodada de negociação da Mesa Nacional de Negociação Permanente (MNNP) entre representantes dos fóruns das entidades nacionais de Servidores Públicos Federais (Fonasefe), de Carreiras Típicas do Estado (Fonacate), das Centrais Sindicais e da bancada governamental, composta por nove pastas ministeriais. A reunião ocorreu no Ministério do Trabalho e Previdência, em Brasília (DF).
 


Constaram, na pauta dessa reunião, a revogação das medidas do governo de Jair Bolsonaro (PL) que atacam o funcionalismo público, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/20 - reforma Administrativa -, a instrução Instrução Normativa 54, editada no governo anterior e que restringe o direito de greve das categorias, entre outras normas e decretos. Também foram discutidas a Licença para Exercício Classista, a Consignação Sindical, o Projeto de Lei (PL) 252/2003 - que propõe uma lei geral sobre concursos públicos.

O secretário de Relações de Trabalho do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), José Lopez Feijóo, coordenou as negociações. O ANDES-SN esteve presente na Mesa, ao lado das demais entidades que compõem os Fóruns, representado por diretoras do Sindicato Nacional.

 

 

"Apresentamos um pacote de revogaços, de questões que atingem os direitos das servidoras e dos servidores. São nove medidas para a discussão e, dentre essas medidas, consta a PEC 32, que se tornou central por conta das declarações do presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL), que deixou muito evidente que essa PEC poderá voltar tramitar. Nós exigimos o compromisso do governo federal para a retirada imediata dessa proposta", contou Raquel Dias, 1ª vice-presidenta do ANDES-SN.

Em evento recente com empresários em São Paulo, Lira revelou que a reforma Administrativa voltaria a tramitar e pediu apoio na votação. A 1ª vice-presidenta do ANDES-SN lembrou que o governo já havia assinado o compromisso de atuar pela retirada a PEC 32 de pauta, no termo de acordo número 1 firmado em março deste ano. Segundo Raquel, a bancada sindical reiterou a importância do cumprimento desse acordo, e exigiu que o governo Lula reafirme o compromisso e também não faça apresente qualquer outra proposta de reforma que se baseie no conteúdo dessa PEC. Outro ponto que não avançou na reunião foi em relação à IN 54. "Consideramos essa medida muito grave. É um ataque à nossa luta e uma criminalização das e dos dirigentes sindicais", ressaltou.

Segundo a diretora do Sindicato Nacional, das medidas apresentadas ao governo na reunião, houve avanço em apenas duas. Para as demais, o governo sinalizou que precisaria estudar o conteúdo. "Nessa reunião, tivemos avanços em apenas dois pontos como a licença para mandatos classistas, sem ônus para as entidades e com ônus para a União, e a consignação sindical, que é uma medida que ataca a autonomia sindical", disse.

A próxima reunião da Mesa Nacional de Negociação Permanente está marcada para o dia 4 de agosto, para tratar das reivindicações econômicas, como a recomposição salarial e equiparação dos benefícios.

Mobilizações

Seguindo o calendário de mobilização, os Fóruns convocam para o dia 1º de agosto uma Plenária Nacional, que ocorrerá por meio de uma live às 18h, para tratar da Campanha Salarial de 2024 e a MNNP. Podem participar da plenária, entidades, seções sindicais e demais docentes. Preencha o formulário aqui e receba o link de acesso à assembleia.

Em 4 de agosto, no dia da MNNP, ocorrerá um Dia Nacional de Lutas nos estados e na capital federal. O ANDES-SN, por meio da Circular nº 218/2023, orienta que sejam feitas atividades, prioritariamente nos locais de trabalho - como café da manhã, lanche coletivo, debates, aulas públicas e atos -, para envolver a categoria no debate em torno dos itens da pauta de reivindicações.

Após a resposta oficial do governo, a previsão é que seja realizada uma rodada de assembleias nas seções sindicais, entre 7 e 11 de agosto, com o objetivo de subsidiar o debate que será realizado na próxima reunião do Setor das Ifes, nos dias 12 e 13 de agosto, na sede do ANDES-SN, em Brasília (DF).

Lucia Lopes, 3º vice-presidenta do ANDES-SN, destacou que a mesa de negociação é um avanço, mas é necessário que a categoria se mobilize para pressionar o governo a revogar as medidas que atacam as servidoras e os servidores públicos, assim como o funcionamento dos serviços públicos.

"O avanço das negociações dependerá de uma grande mobilização da categoria. Por isso, o ANDES-SN convoca as e os docentes a participarem das atividades de mobilização que estão sendo organizadas pelas entidades representativas do setor público e a fortalecerem as atividades nas suas seções sindicais", reforçou.

Mais informações na Circular nº 218/2023

 

Fonte: Andes-SN

Segunda, 26 Junho 2023 17:58

 

 

Com 57 votos a favor e 17 contrários, o plenário do Senado aprovou na quarta-feira (22), o PLP 93/2023, que instituiu o novo regime fiscal, também conhecido como Arcabouço Fiscal. O texto aprovado excluiu, das limitações impostas pelo projeto, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb); o Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) e os investimentos (despesas na visão do Arcabouço) nas áreas de ciência, tecnologia e inovação.


Como foi alterado, o texto agora volta à Câmara dos Deputados. Se aprovado, além do não-pagamento de reajuste salarial, o Arcabouço pode causar a paralisação de mudanças nas carreiras, a suspensão da contratação de pessoal e da realização de concursos públicos.

Em nota, o ANDES-SN destacou três argumentos centrais pelos quais se posiciona contrário ao Arcabouço Fiscal (conheça aqui). No texto, o Sindicato Nacional avalia que, diante das questões postas no projeto, é urgente a necessidade de ampliar o debate público sobre os impactos da nova regra fiscal.

Para fortalecer a mobilização contra o Arcabouço, ao longo de também todo o mês de junho, o ANDES-SN realiza jornada de lutas em Brasília, com atuação junto aos gabinetes dos e das parlamentares. A luta contra o Arcabouço também permeia a campanha salarial do conjunto de servidoras e servidores federais e nos estados.

Regras propostas no novo regime fiscal

O arcabouço fiscal fixa limites para o crescimento da despesa primária. Eles devem ser reajustados anualmente, segundo a combinação de dois critérios: o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e um percentual sobre o crescimento da receita primária. Os parâmetros levam em conta a meta de resultado primário de dois anos antes. Os gastos podem crescer até os seguintes limites:

  • 70% da variação real da receita, caso a meta do ano anterior ao da elaboração da lei orçamentária anual tenha sido cumprida; ou
  • 50% da variação real da receita, caso a meta do ano anterior ao da elaboração da lei orçamentária anual não tenha sido alcançada.
  • O texto prevê faixas de tolerância para a definição do resultado primário. Essa margem, para mais ou para menos, é de 0,25 ponto percentual do PIB previsto no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A meta só é considerada descumprida se o resultado ficar abaixo da banda inferior da faixa de tolerância.
  • A lei também vai assegurar um crescimento mínimo para o limite de despesa primária: 0,6% ao ano. O projeto também fixa um teto para a evolução dos gastos públicos federais: 2,5% ao ano, que prevalece quando a aplicação dos 70% da variação da receita resulte em valor maior.
  • O texto aprovado também estabelece regras para os investimentos. A cada ano, eles devem ser equivalentes a pelo menos 0,6% do PIB estimado no projeto da Lei Orçamentária Anual (LOA). Caso a estimativa do PIB em R$ 11,5 trilhões para 2024 seja mantida, o investimento mínimo no próximo ano seria de R$ 69 bilhões. Se o país alcançar um resultado primário acima do intervalo de tolerância — ou seja, 0,25% do PIB além da meta —, o Poder Executivo pode aplicar 70% do valor excedente em investimentos no ano seguinte. Ainda assim, as dotações adicionais em investimentos não podem ultrapassar o equivalente a 0,25 ponto percentual do PIB do ano anterior.

Exceções

  • Além das despesas com Fundeb, FCDF e as áreas de ciência, tecnologia e inovação, o texto aprovado pelo Senado mantém fora do teto gastos obrigatórios e outros definidos como exceções pela Câmara dos Deputados. São os seguintes:
  • Transferências a estados e municípios pela concessão de florestas federais ou venda de imóveis federais
  • Precatórios devidos a outros entes federativos usados para abater dívidas
  • Transferências constitucionais e legais a estados, Distrito Federal e municípios, como as de tributos
  • Créditos extraordinários para despesas urgentes, como calamidade pública
  • Despesas não-recorrentes da Justiça Eleitoral com a realização de eleições
  • Despesas custeadas por doações, como as do Fundo Amazônia ou aquelas obtidas por universidades, e por recursos obtidos em razão de acordos judiciais ou extrajudiciais relativos a desastres de qualquer tipo
  • Despesas pagas com receitas próprias ou convênios obtidos por universidades públicas federais, empresas públicas da União que administram hospitais universitários, instituições federais de educação, ciência e tecnologia, vinculadas ao Ministério da Educação, estabelecimentos militares federais e demais instituições científicas, tecnológicas e de inovação
  • Despesas da União com obras e serviços de engenharia custeadas com recursos transferidos por estados e municípios, a exemplo de obras realizadas pelo Batalhão de Engenharia do Exército em rodovias administradas por governos locais
  • Pagamento de precatórios com deságio aceito pelo credor
  • Parcelamento de precatórios obtidos por estados e municípios relativos a repasses do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef)

 

Fonte: Andes-SN/ Agência Senado

Sexta, 23 Junho 2023 00:00

  

Mato Grosso é um dos estados que sofre constantemente com a atuação da chamada direita

 

 “A desigualdade é inevitável”; “você não é rico porque não se esforçou o suficiente”. “Mulheres são como vacas, entram no cio, são ‘cobertas’ pelos bois e geram uma vida”. “As pessoas morrem, o que eu posso fazer? Eu não sou coveiro”. Parece estranho, mas essas são expressões utilizadas por representantes da chamada “direita” nos espaços cuja atribuição é, justamente, defender a Constituição Federal, na qual todos são iguais perante a lei, sem qualquer distinção.

 

Mas não é o que acontece. Os ideais conservadores e reacionários se instalaram com mais força a partir da onda bolsonarista, e hoje têm mais representantes em cargos eletivos, especialmente no Congresso Nacional e nas Assembleias Legislativas - onde as leis são feitas – do que em 2018. Ali, atuam contrariamente à tão sonhada redução da desigualdade constitucional, destruindo direitos e impondo políticas retrógradas que causam ainda mais desigualdades.     

 

Mato Grosso, como um dos estados mais conservadores do país, acaba sendo palco – e alvo - frequente desses agentes do conservadorismo. Nos últimos anos, foram inúmeros casos envolvendo desde ações de censura a qualquer crítica ao Governo Federal, inclusive por meio do uso da força, até ataques aos direitos sociais e, principalmente, à legislação ambiental.

 

As mulheres do estado estiveram no centro de um dos últimos ataques orquestrado pela autodenominada “direita”, conforme se autodefine a maioria dos deputados que formaram a Frente Parlamentar Mista contra o Aborto e em Defesa da Vida, criada em maio. Em nome da “família” e dos “costumes”, os sete homens que compõem a Frente Pró-vida começaram a pensar e propor meios para suspenderem, por exemplo, o direito ao aborto legal em casos de estupro, risco de morte da mãe ou má formação do feto, previsto no Código Penal Brasileiro. Detalhe: tudo isso dentro da Comissão de Direitos Humanos, Defesa dos Direitos da Mulher, Cidadania e Amparo à Criança, Adolescente e Idoso, da Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT).   

 

Como representantes públicos e, portanto, teoricamente qualificados para o exercício do mandato parlamentar, provavelmente refletiram sobre a irrelevância de todo o tempo empenhado no esforço inconstitucional de retroceder a legislação federal – já que isso não é de competência dos parlamentares. O esforço do grupo, no entanto, não foi totalmente em vão, pois serviu para mobilizar pessoas, alimentando a ideologia conservadora que, entre outras posições políticas, se coloca contra o direito ao aborto.

 

Mesmo sabendo que o projeto de lei que criou o Programa de Proteção ao Nascituro, criminalizando o aborto até nos casos previstos em lei, é inconstitucional, os deputados a aprovaram em primeira instância com um objetivo bem concreto: disputar uma ideia.  

 

Violência na teoria e na prática

 

É na disputa de ideias que opinião, ciência, religião e política se encontram. Isso porque, se leigos não podem decidir o que fazer em meio a uma pandemia, políticos (eleitos também pelos leigos) podem. Foi assim que o Brasil chegou a ser o terceiro país com mais mortes por Covid-19 em 2022. O então presidente - conservador e negacionista - fazia campanha contra as ações emergenciais de prevenção, utilizando, inclusive, notícias falsas. Um atentado direto da maior autoridade do país ao direito fundamental à vida.

 

Em Mato Grosso, o Governo do estado e outros políticos ligados ao Governo Federal defenderam amplamente que as ações de prevenção à Covid-19 eram exageradas, que os cuidados deveriam ser menos rigorosos, que o comércio deveria ser reaberto. Na semana passada, o The Intercept revelou que essa postura teve como objetivo garantir lucros a hospitais privados por meio da venda das Unidades Intensivas de Tratamento (UTI’s) – um recurso da saúde pública que deveria ser garantido pelo Estado, segundo a Constituição Federal. 

 

Com relação aos direitos das mulheres, a investida mais recente de criminalizar o aborto é a expressão de ataques que ocorrem no cotidiano, como explica a enfermeira, professora aposentada da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e militante feminista, Rosa Lúcia Ribeiro. “Como enfermeira pediatra eu vi o conservadorismo e o machismo muito presentes. Há muitos procedimentos violentos no momento do parto. A episiotomia [corte entre a vagina e o ânus], por exemplo, é um procedimento que não tem indicação, mas é usado. A manobra de Kristeller, que empurra o fundo da barriga da mulher, é um procedimento não recomendado, até condenado, mas ainda utilizado. Além disso há os comentários machistas, do tipo ‘na hora de fazer, você não chorou, não gritou’, coisas assim”.   

 

A responsabilização apenas da mãe pelo que ocorre com os filhos também é um traço do machismo conservador, afirma a enfermeira. “Quando uma criança chega doente ou acontece algum acidente, perguntam: ‘onde é que estava essa mãe que não cuidou? Ninguém pergunta do pai. A mãe é que é desleixada”. Esse tipo de “comportamento”, segundo a docente, reflete, nos espaços públicos, o que os conservadores fazem na vida privada.

 

 Mulheres protestam contra as declarações de Cattani na ALMT. Imagem: Sérvulo Neuberger/ Adufmat-Ssind

 

“Eles agem nos espaços públicos como agem na vida privada, tomando o corpo da mulher como se fosse propriedade. Recentemente, dentro de uma comissão que se diz de Direitos Humanos e de Defesa dos Direitos das Crianças, Mulheres, Idosos - e que não tinha nenhuma mulher -, os conservadores trouxeram o debate de um programa chamado ‘Pró-vida’, que, em síntese, busca criminalizar o aborto. A gente sabe que o ninguém é a favor do aborto, ninguém deseja que uma mulher realize aborto, nenhuma mulher quer fazer aborto, mas há uma legislação nacional que protege as mulheres vítimas de estupro ou cuja gestação represente risco à sua vida. Então, existe a intenção dos conservadores de criminalizar essas situações também. Nós estamos muito longe da liberdade da mulher sobre o seu corpo e até da efetivação dos direitos conquistados. Para isso, querem desvalorizar, desconstruir, ridicularizar o Movimento Feminista, porque eles sabem que o Movimento Feminista tem força e dialoga com as mulheres, especialmente sobre a questão da violência, que reúne também mulheres conservadoras. Essa é uma pauta central do Movimento Feminista, porque a violência contra as mulheres é a expressão concreta do patriarcado, do machismo”, afirmou Ribeiro, destacando ainda que o estado tem poucas mulheres ocupando cargos eletivos, nunca elegeu uma mulher governadora ou prefeita da capital, e que o conservadorismo atinge também indígenas e a população negra.

 

“É a coisa mais comum ouvir expressões de racismo em relação aos povos indígenas, em Mato Grosso, como se fossem preguiçosos. O conservadorismo se expressa aqui, ali na esquina, em qualquer lugar da nossa sociedade. Em qualquer âmbito da nossa vida a gente vê a prevalência dos valores conservadores”, concluiu. Dessa forma, as propostas de lei que visam retirar direitos destas populações soam mais palatáveis.

 

Não à toa, o estado que viu o parlamentar Gilberto Cattani (PL) comparar mulheres a vacas também tem altas taxas de feminicídio. Liderou o ranking em 2021, superando a média nacional em mais do que o dobro. Em 2022, 48 mulheres foram assassinadas, pelo menos quatro a cada mês, uma por semana. Por conta do feminicídio, cerca de 92 crianças ficaram órfãs de mãe no ano passado. Em 2023, já foram mais de 16 casos registrados em apenas seis meses, considerando que ainda há subnotificação dos casos, até mesmo pelo impulso conservador de negar o assassinato de mulheres apenas pelo fato de serem mulheres.     

 

Por conta da violência do deputado que fez a comparação e, não contente, selou a agressão com um vídeo pedindo desculpas às vacas, mulheres organizadas em Mato Grosso estão em campanha pela cassação do mandato do parlamentar. Clique aqui para assinar.

 

Conservadores ou reacionários?    

 

Os autodenominados conservadores se orgulham de dizer quem são, quando, na verdade, são ainda mais atrasados do que admitem. A cientista política Alair Silveira, também professora da UFMT, explica que retirar direitos é mais do que uma prática conservadora, é uma prática reacionária.

 

“O conservadorismo é, como define o próprio radical da palavra, o empenho em conservar o que está dado. Ou, dito de outra forma, é avesso a mudanças. A questão envolvendo o deputado, portanto, não parece enquadrar-se como uma política conservadora, mas, sim, reacionária, pois não quer conservar, mas recuar no tempo, promovendo a política e a prática da anticidadania e do iliberalismo civil.  Isso significa que tanto Cattani quanto todos aqueles que o acompanham (sejam eles tão repugnantes quanto ele ou mais palatáveis no discurso) sequer reconhecem os direitos civis constitucionalmente estabelecidos. Consequentemente, ignoram os avanços consagrados na Constituição Federal de 1988 (e duramente conquistados através das muitas disputas durante o processo constituinte), que asseguram a todos não somente a igualdade perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, mas, também, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade à segurança e à propriedade (art. 5º).   O Inciso VII é ainda mais explícito quanto à proibição de privação de direitos por motivos de “crença religiosa ou de convicção filosófica ou política”, afirmou a cientista.

 

Nesse sentido, de acordo com Silveira, o próprio fundamento moral e religioso dos membros da Frente já é, por si só, uma afronta à Constituição. “Diante disso, duas questões decorrem necessárias: 1) a Constituição normatiza a vida social daqueles que vivem sob sua jurisdição, independente de sexo, crença religiosa, política ou filosófica, etnia ou classe social; 2) Consequentemente, a Constituição Federal é regida pelo pressuposto do conhecimento científico e não das crenças pessoais. Nesse sentido, se o direito individual é reconhecido e assegurado a todos, esse direito não se sobrepõe ao direito dos outros, sofrendo as limitações necessárias à vida em sociedade. Assim, as posições, as manifestações de Cattani e seus pares não têm por propósito conservar, já que avançamos substancialmente em relação ao que o deputado e seus iguais defendem. E, mesmo com o comprometimento prático dos direitos civis daqueles que são discriminados socialmente, o princípio do direito civil universal não era questionado, mas denunciado. Assim, a primeira coisa a esclarecer é que o Deputado não ‘exagerou’ ou ‘foi infeliz’, mas, ao contrário, ele simplesmente verbalizou o que pensa e defende. E o que ele pensa e defende inscreve-se na perspectiva reacionária”.

 

Além dos resultados catastróficos que oferecem a toda população, as investidas reacionárias ocupam um espaço político importante que poderia ser destinado ao que realmente é necessário: refletir e criar proposições que tragam, de fato, benefícios à sociedade. Nesse sentido, não é apenas a postura de um parlamentar, individualmente, que deve trazer preocupação, mas a adesão de outros políticos à mesma atuação.    

 

“Cattani não é um reacionário solitário. Ele conta não somente com pares dispostos a compor a Frente Parlamentar de Combate ao Aborto, ironicamente chamada Pró-vida, já que não se conhecem propostas e/ou ações desses parlamentares para garantir e ampliar o direito à vida decente de milhares de homens, mulheres, crianças, adolescentes e idosos privados de condições dignas, no campo e na cidade. Ele conta, também, com vários eleitores que coadunam com essa perspectiva sociabilizatória, que prioriza o direito do feto enquanto ignora a vida perversa de milhões, das mais variadas idades, e nas mais cruéis condições de existência. Tudo, entretanto, em nome da ‘Família’. Se não bastasse o conteúdo, ao deputado é preciso acrescentar a forma: arrogante, debochado, desrespeitoso, agressivo, hostil. Ser acompanhado de sua mulher imitando uma vaca só acrescenta tristeza ao episódio. Porém, por mais que seja válida a máxima que assevera que os opostos se atraem, há um limite para essa atração, pois as relações demandam, também, identidade. Enfim, o mais trágico desse episódio não é um parlamentar boçal, mas, o fato dele estar investido de poder de representação política. Portanto, pública. E, como tal, promover a política da ignorância arrogante assim como do desrespeito à Constituição, que deveria defender. Nesse caso, a cassação do seu mandato não deve ser alternativa, mas imperativo”, avaliou a cientista.

 

Nesta quinta-feira, 22/06, no entanto, o promotor de Justiça Marcos Regenold Fernandes, coordenador do Núcleo de Ações de Competência Originárias (Naco), arquivou a denúncia feita pela seccional Mato Grosso da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MT) contra Cattani, entendendo que, apesar de repugnantes, misóginas e indicadoras de “desprezo pelo gênero feminino”, “não encontram tipificação penal no ordenamento jurídico nacional” para eventual punição.     

 

Mas por que, afinal, essas pessoas disputam cargos públicos? Para a professora Rosa Lúcia Ribeiro, a intenção dos conservadores é, antes de tudo, conservar o mundo capitalista, no qual a centralidade é, justamente, o capital; é capitalizar tudo, extrair valor de tudo. “A ideia é retirar de todos e de tudo, todos os valores, todos os bens da natureza, em favor do lucro. É pensar no lucro em primeiro lugar, em cima de tudo que a gente tem, matas e florestas, água, mineração. A destruição da natureza é também uma representação dos valores do conservadorismo, que, em última análise, é o que sustenta o sistema capitalista”.

 

Esta perspectiva explicaria, por exemplo, por que as mulheres ainda recebem cerca de 20% a menos do que o salário dos homens, mesmo ocupando os mesmos cargos. Uma desigualdade observada especialmente no setor privado, mas também no setor público, cujos conservadores atacam sistematicamente a estabilidade dos concursos públicos e direitos que chamam de “regalias”. Vale lembrar, ainda, que a “direita” defende abertamente a desigualdade salarial entre os gêneros, alegando que mulheres engravidam.  

 

Alair Silveira confirma o argumento. “Eles precisam ocupar os espaços decisórios para fazer valer seus interesses, sejam eles de ordem política, religiosa, filosófica, econômica etc. Tenhamos ou não consciência disso, a vida social é atravessada pelo Estado e, portanto, pela dupla face do Estado: lei e força. Consequentemente, ocupar os espaços decisórios é imprescindível para fazer valer os interesses em disputa”.

 

Assim, o Movimento Feminista, tão atacado pelos conservadores e reacionários, se mostra cada vez mais essencial. “A gente costuma dizer que o Movimento Feminista surge da ideia radical de que as mulheres são gente. Na verdade, o Movimento Feminista busca a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, a igualdade entre os gêneros. Simples assim. A ideia radical de que mulheres são gente. Olha a radicalidade dessa ideia. A gente precisa dizer que as mulheres são gente, porque elas não são tratadas como tal. E a gente sente isso todos os dias, em todos os momentos, quando a gente sai de casa, ou até mesmo dentro de casa”, concluiu Ribeiro.

  

 

 Mobilização pela cassação de Cattani na ALMT teve a participação de mulheres organizadas em diversos movimentos sociais.

Imagem: Sérvulo Neuberger/ Adufmat-Ssind

 

 

Luana Soutos

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind

Foto da capa: Sérvulo Neuberger/ Adufmat-Ssind