Quinta, 03 Setembro 2020 15:13

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Profa. Dra. Alair Silveira[1]

 

            Em agosto de 2019, o Governo Bolsonaro apresentou lista de 17 empresas estatais a serem privatizadas. Dentre elas, empresas estratégicas como Casa da Moeda, Serpro (responsável pelo processamento federal de dados), Dataprev (responsável pelas informações da Previdência Social), Eletrobrás...e Correios.

            Para dar prosseguimento aos preceitos do projeto hegemônico neoliberal é preciso cumprir com o script privatista: a) Inviabilizar as empresas públicas através do estrangulamento orçamentário; b) Precarizar  relações de trabalho e de atendimento ao público, de maneira a sedimentar um sentimento social anti-estatal e pró-iniciativa privada; c) Massificar ideias e opiniões favoráveis à privatização como solução para os problemas identificados; d) Amplificar estudos pró-privatização em todos os meios possíveis; e) Interpor dificuldades de acesso à grande mídia àqueles estudos, ideias e opiniões contrárias à privatização; f) Promover a criminalização das lutas coletivas dos trabalhadores em geral, associando-as a atividades corporativas, egoístas, prejudiciais à sociedade.    

            Para convencer a sociedade quanto à superioridade da iniciativa privada é preciso inviabilizar operacionalmente o serviço público. É preciso convencer a sociedade de que, apesar do custo elevado que ela será obrigada a pagar pelos serviços privados, a qualidade que ela demanda somente pode ser oferecida pela empresa privada. Afinal, como criar um mercado lucrativo para a iniciativa privada se o serviço público for bem equipado e eficiente?

            Como desmontar o serviço público sem quebrar a resistência daqueles que, de dentro das empresas públicas, conhecem a história, a eficiência e, principalmente, o que se esconde por de trás dos discursos privatistas? Como para os neoliberais as organizações coletivas dos trabalhadores são responsáveis pelas crises do capital, no caso das empresas públicas, há que combater servidores públicos, os quais, junto com as empresas estatais, são responsabilizados pelo déficit público e pela crise fiscal.

            O caso dos Correios é sintomático desse processo combinado de desmonte com a criminalização das lutas sindicais. De empresa pública eficiente e socialmente prestigiada, os anos 1990 registraram não somente a reestruturação organizacional dos Correios, mas o sucateamento institucional e precarização das relações de trabalho que alcançou, também, seus trabalhadores (LIRA, Laís Caetano; 2018).

Registre-se que além da continuidade dessas iniciativas, no governo de Bolsonaro os Correios se transformaram, também, em espaço privilegiado para aportar ex-fardados do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Não por acaso o espaço para diálogo entre entidades sindicais e cúpula diretiva foi restringido.

            Assim, a greve nacional dos trabalhadores dos Correios, iniciada em 17 de agosto/2020, reflete este processo iniciado nos anos 1990, mas que em 2020 acrescenta aos recorrentes descumprimentos de acordos firmados judicialmente, o desprezo pela segurança sanitária dos seus trabalhadores frente a uma situação pandêmica.

            Se condenável é a atitude recorrente com que os Correios (assim como outras empresas e instituições) desrespeitam os acordos firmados, mais indefensável ainda são as atitudes do Poder Judiciário que, ao invés de exigir o cumprimento do acordado e punir os transgressores, presta-se a punir suas vítimas. Assim tem sido, predominantemente, as determinações legais (porém imorais e injustas) que nos últimos tempos tem usado da força judicial para tentar calar as denúncias e impedir a resistência dos trabalhadores.

            A impunidade dos transgressores e a punição às suas vítimas, feitas em nome da lei, serve à máxima defendida pelos pais do neoliberalismo, que nos seus primórdios asseveravam: “é preciso quebrar a espinha dorsal das organizações dos trabalhadores”. Para isso cabe não somente retirar direitos, desrespeitar acordos, promover perseguições políticas dentro do ambiente de trabalho, impor condições de insegurança laboral etc. É preciso, também, inviabilizar suas lutas coletivas, impedindo o movimento paredista de produzir efeitos capazes de forçar negociações em condições minimamente favoráveis. E isso, somente a união e a paralisação massiva dos trabalhadores.

            Ao estabelecer percentuais na casa dos 70% de presença nos locais de trabalho, a Justiça tenta coagir os trabalhadores ao retorno às atividades, ao mesmo tempo que ameaça com multas impagáveis as entidades sindicais que não cumprirem suas determinações.

            E os trabalhadores, de que são responsáveis? De resistir contra o descumprimento de cerca de 70 cláusulas do Acordo Coletivo, cuja vigência vai até 2021. Dentre os direitos surripiados está o adicional de risco de 30%, vale alimentação, licença maternidade de 180 dias, auxílio creche, indenização de morte, adicional noturno, horas extras etc.

            Como se vê, é fácil ser patrão nesse país. Primeiro ampara-se em leis socialmente injustas, devastadoras, perversas, como são aquelas que resultaram, em 2016, na (Contra)Reforma Trabalhista e Sindical. Reforma, aliás, que elege a negociação (inclusive individual) como principal eixo “modernizador”, esvaziando o papel da legislação protetiva e dos sindicatos. Em segundo lugar, se descumprir, pode-se aguardar a manifestação da “Justiça”, e se ela não der jeito, pode-se recorrer, como sempre, às forças policiais...

            Mas, apesar de toda essa ofensiva contra as empresas públicas e os trabalhadores, a sociedade continua favorável às estatais. Pesquisa realizada em setembro de 2019, pelo DataFolha, revelou que 67% dos brasileiros são contrários à privatização. Com relação aos Correios, 60% dos entrevistados rejeitaram a proposta do Governo Bolsonaro.

            Por isso e contra tantos absurdos e injustiças, é preciso fortalecer a luta dos bravos trabalhadores dos Correios. É preciso que nos solidarizemos com suas lutas que são, na prática, a mesma luta de todos nós, trabalhadores. É preciso que fortaleçamos uma barreira de resistência coletiva contra o desrespeito, a impunidade, os ataques e todas as formas de abuso contra os trabalhadores.
 

 

 


[1] Professora da área de Ciência Política do Depto. Sociologia e Ciência Política/SOCIP/UFMT e do Programa PPGPS-SES/UFMT; Pesquisadora MERQO/CNPq; Membro GTPFS/ADUFMAT-ANDES/SN.
 

Terça, 25 Agosto 2020 13:07

 

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Profa. Dra. Alair Silveira[1]

 
            Desde os primeiros anos da década de 1990, no Brasil, o discurso de satanização do Estado e de idealização da iniciativa privada foi, progressivamente, ganhando adeptos. Alguns por pragmatismo econômico, outros por identidade ideológica, muitos por adequação à supremacia do ideário dominante.

            Sob o bordão de “caça aos marajás”, Fernando Collor inaugurou o ataque aos servidores públicos e ao Estado. Para fertilizar o sentimento anti-público foi necessário o desmonte progressivo dos serviços públicos, a corrosão da sua relevância social e, concomitante, o enaltecimento aos serviços privados. Para tanto, consolidou-se um tripé estruturado sobre a asfixia orçamentária; o financiamento generoso do privado (através de políticas tributárias regressivas e incentivos fiscais imorais); e o ataque ininterrupto ao Estado e aos servidores públicos.

            Simultaneamente ao seu desmonte e à sua satanização, o Estado mantém-se objeto de intensa cobiça. Afinal, como assegurar políticas e legislações adequadas aos interesses privados senão através da direção do Poder do Estado? Assim, a cada pleito, as disputas eleitorais oferecem uma miríade de empresários e prepostos comprometidos com a defesa dos interesses privados em detrimento do interesse público, mesmo que sob o juramento eleitoreiro contrário. Todo esse processo que, no Brasil, já soma 30 anos, não passou incólume por dentro das universidades públicas.

            Contraditoriamente, muitos adeptos do neoliberalismo esforçaram-se, nos últimos anos, para serem aprovados nos concursos públicos. E, dentro das universidades públicas, gratuitas, de qualidade, democráticas, laicas e socialmente referenciadas, atuam cotidianamente para seu desmonte, seja através da aderência às políticas privatistas que atendem sob diversos nomes e formas, seja pela facilidade com que justificam os cortes orçamentários e encampam as parcerias com a iniciativa privada. Por dentro, na prática, promovem o sitiamento da universidade.

            E assim, em nome do “novo” – como se contemporâneo fosse sinônimo de qualidade superior – seus defensores movem-se desenvoltos em meio à destruição de uma instituição secular, cujo fundamento é o conhecimento sólido e acumulado. Em nome do “novo”, faceiros, vendem facilidades tecnológicas, entre abstrações ideais e a impertinência da realidade social perversa. Em nome da “modernidade” promovem o empreendedorismo sob a batuta do Sistema S, que assim como eles, alimentam-se do público para a partir dele detratá-lo.

            Em nome do “novo” e por dentro da própria universidade pública vão lhe minando as forças. De forma oportunista, alguns não somente aliam-se àqueles que querem pô-la de joelhos, mas chegam, inclusive, a pedir sua intervenção. Outros, de costas para a autonomia assegurada pela Constituição Federal, apressam-se em ajustar-se aos governos de plantão, mesmo que ao custo de renegar a tradição democrática. Uma outra parcela dedica-se a inviabilizá-la sob a aparentemente bem-intencionada iniciativa de agregar professores voluntários (não remunerados) que justificarão a falta de concursos públicos e a geração de empregos remunerados para jovens recém-formados. Uma outra parte, ainda, ao invés de utilizar o conhecimento científico produzido pelas diversas faculdades, prefere garantir plateia para coaches motivacionais; ou, então, criar vídeos infantilizados que tratam estudantes e professores universitários como crianças para vender falsas facilidades que a Flexibilização prometeu, mas não entregou.

            Neste processo de destruição da Universidade Pública, o mais lamentável é perceber que seu desmonte tem sido produzido com a conivência ativa ou passiva de parcelas significativas de professores e técnicos que, muitas vezes, ainda se arrogam seus defensores. Nessas condições, nem precisamos de Weintraubs, Damares e Bolsonaros fazendo ataques mentirosos, desleais e contumazes contra as universidades públicas. Basta continuar a submetê-la aos agentes privados ou às mentes privatizadas dos agentes públicos.


 

 


[1] Professora da área de Ciência Política do Depto. Sociologia e Ciência Política/SOCIP/UFMT e do Programa PPGPS-SES/UFMT; Pesquisadora MERQO/CNPq; Membro GTPFS/ADUFMAT-ANDES/SN.
 

 

Segunda, 17 Agosto 2020 13:32

 

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        Profa. Dra. Alair Silveira[1]
 

            Dos tempos que pensávamos distantes ressurgem os monstros que queríamos superados. E poucas relações podem ser mais nefastas para a democracia do que aquelas que, envoltas pela aparência democrática, liberam seus detratores.

            No melhor estilo foucaultiano, alguns indivíduos investidos de micropoderes institucionais sentem-se liberados para tripudiar sobre as regras democráticas e os direitos alheios. E o fazem com uma desfaçatez que ultraja qualquer decoro procedimental. Mas, diga-se em seu favor: não o fazem (nem poderiam) sem a conivência subserviente de um número nada desprezível de outros indivíduos. Trata-se, como definiu La Bóetie, no século XVI, da servidão voluntária.

            Sob tal condição, paradoxalmente, servem aos interesses do tirano, em detrimento dos seus próprios interesses. Não porque são masoquistas, mas porque acreditam (por ilusão, por educação ou por tradição) que essa é a única forma de viver. A sagacidade de La Boétie, portanto, repousa na análise de um poder que tiraniza a partir da servidão voluntária dos oprimidos. Em outras palavras, a tirania extrai dos tiranizados a força que empodera o tirano.

            O encontro dos micropoderes com a servidão voluntária do século XXI tornou-se corriqueiro, e passeiam de braços dados sob as vestimentas da (pós)modernidade como se fossem a expressão mais robusta da democracia moderna.

            Na UFMT, as últimas reuniões dos conselhos superiores, especialmente aquelas convocadas como Colégio Eleitoral, sob a batuta do professor e procurador-geral do estado, Luiz Alberto Esteves Scaloppe, são a demonstração cabal de como micropoderes institucionais - e circunstanciais - podem resultar na tirania consentida.

            Desde que assumiu a presidência do Colégio Eleitoral – por indicação do atual reitor e não por eleição dos pares – o Conselheiro deleitou-se nas arbitrariedades. Sentindo-se a personificação do ‘poder’, o Conselheiro-mor desrespeitou o Regimento; negou direito de fala a alguns conselheiros; interveio nas manifestações quando o conteúdo das intervenções não estava em acordo com o que ele pensava; desconheceu direito à declaração de voto àqueles que se abstiveram; foi conivente com  corte de som dos microfones dos conselheiros quando lhe conveio; retirou-se abruptamente da sala virtual sem concluir a reunião; ironizou as reclamações dos conselheiros inconformados, “esclarecendo” que não se tratava de assembleia sindical etc. Ao menos reconhece que as assembleias sindicais são democráticas e cumprem as regras procedimentais!

            Porém, nada disso poderia surtir efeito sem a anuência da maioria dos conselheiros. A intolerância para com as arbitrariedades poderia ter sido a barreira intransponível para a soberba. Infelizmente para aqueles comprometidos com a democracia e, principalmente, com a UFMT, a maioria dos conselheiros encontrou em justificativas indefensáveis o argumento para renunciar ao direito de fazer valer o seu direito e defender a história de consulta democrática da própria Universidade. Curvados diante do poder simbólico das estruturas institucionais, cederam à prepotência e consolidaram o caminho da arbitrariedade.

            O resultado de todo esse processo não foi somente uma consulta com vício de origem (porque construída sobre o desrespeito às regras procedimentais), moldada pela ilegitimidade, mas, consequente e inevitavelmente, as cicatrizes cravadas sobre a Instituição. Cicatrizes que marcarão, também, a história de qualquer um daqueles que se refestelaram nesse trágico capítulo da vida da UFMT, com ou sem nomeação pelo presidente da República.

            Na vida, as pessoas fazem escolhas. E para cada escolha, há consequências. Algumas preferem marcar sua trajetória pela soberba; outras, pela sujeição; outras, ainda, pelo oportunismo. Mas a história também é feita de homens e mulheres que não se extasiam com os poderes, nem a eles sucumbem ajoelhados. Esses últimos, como ensinou Brecht, são imprescindíveis. Os outros... passarão...
 

 


[1] Professora de Ciência Política do Depto. Sociologia e Ciência Política/SOCIP/UFMT e do Programa PPGPS-SES/UFMT; Pesquisadora MERQO/CNPq; Membro GTPFS/ADUFMAT-ANDES/SN.

Segunda, 27 Julho 2020 12:02

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Prof. Dra. Alair Silveira
Depto. Sociologia e Ciência Política/SOCIP;
 PPGPS/SES do ICHS/UFMT
 

            O rebento do dia 24 de julho (que foi parido no dia 17 de junho/2020) foi concebido em meados de 2018, quando a então Reitora, Profa. Dra. Myriam Serra, desrespeitou o Regimento do Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE). E, apesar do recurso de duas conselheiras exigindo a anulação daquela Reunião, a Relatora do processo (a então conselheira Rosaline Lunardi) recomendou a rejeição ao Recurso, sendo acompanhada pela maioria dos conselheiros, que fizeram “vista grossa” ao ocorrido.
            Com o precedente, o mesmo procedimento foi repetido em uma reunião do Conselho Universitário (CONSUNI), firmando-se como uma prática disponível toda a vez que o conteúdo das propostas e/ou os procedimentos regimentais desagradassem àqueles que presidiam as reuniões dos conselhos superiores. E, assim, “rasgando” regimentos, atropelando ritos regimentais e cassando o direito à manifestação daqueles que se opõem a essas práticas, chegamos ao ápice das arbitrariedades às instâncias colegiadas e aos conselheiros representantes, sob a batuta do conselheiro “nomeado” pelo Reitor-Candidato para dirigir a reunião dos Conselhos no dia 17/06/2020: Professor Dr. Luiz Alberto Esteves Scaloppe. Ironicamente, da Faculdade de Direito. 
            Qual a legalidade de um processo originado sobre o desrespeito às regras do jogo? Qual legitimidade têm aqueles que, de costas para as regras democráticas, participam de um processo construído sobre a arbitrariedade de alguns?
            Deste processo indigno da história da UFMT, três chapas disputaram a consulta no dia 24 de julho. Duas delas encabeçadas por docentes que em 2019, mais uma vez de costas para a Universidade em que laboram, uniram-se ao então Ministro da Educação, Abraham Weintraub (de triste lembrança) para, em detrimento da defesa da UFMT, combinar os meios para dirigi-la à revelia da legitimidade da comunidade acadêmica. Um desses candidatos não somente criou um abaixo-assinado, solicitando a intervenção na UFMT, mas entrou com ação judicial para denunciar irregularidades na consulta, do qual ele mesmo participava como candidato! A terceira chapa, por sua vez, reuniu o atual reitor, cuja prática por protagonismo ou conivência está descrita nos parágrafos acima, devidamente acompanhado daquela que, em 2018, recomendou a rejeição ao recurso que reclamava o respeito às regras do jogo.
            Vê-se, assim, porque a reunião do dia 17 de junho/2020 pariu um processo que foi gerado há muito tempo atrás. Aqueles pré-candidatos comprometidos com a lisura procedimental e com a tradição democrática da UFMT recusaram-se a participar do pleito, engajando-se na sua denúncia. Aqueles que, ao contrário, não tiveram nenhum pudor em articular com Weintraub e contemporizar com os atropelos não-democráticos, alegremente, construíram suas campanhas, beneficiando-se dos recursos deploráveis que a geraram.
            Durante uma campanha virtual, marcada pela conveniência das regras e das perguntas assépticas, os candidatos puderam fazer afirmações sem contestações nem constrangimentos. De fomento às parcerias com a iniciativa privada ao empreendedorismo, da falsa neutralidade entre ideários políticos à cantinela moral da “education”, a campanha passou longe do compromisso com a Universidade Pública, gratuita, de qualidade, democrática, laica e socialmente referenciada. E, menos ainda, com a autonomia universitária e com a altivez que se espera de dirigentes efetivamente à altura da Universidade Pública, pela qual tantos antes de nós lutaram para construir e consolidar!
            De costas para o direito legítimo de voto paritário entre as três categorias da comunidade acadêmica, assim como para o voto presencial e os debates que conformam a história democrática da UFMT, essas chapas antecipavam o protagonismo crítico da maioria dos estudantes, que lhes recusaria apoio, abstendo-se de participar. Dos 18.440 estudantes, nada menos que 81,76% se abstiveram. Amparada em uma Lei cujos fundamentos remetem ao período da ditadura militar, a categoria docente (de 2.398 professores) desfruta de sobrerrepresentação (70%) em relação aos estudantes (15%) e aos técnicos (15%).
            Assim, em uma consulta marcada pelo espectro da intervenção (abertamente pedida por um dos candidatos tempos atrás!), muitos dos eleitores empreitaram-se na areia movediça do voto útil, na crença vã de que o resultado das urnas será garantia de nomeação pelo Presidente da República, cujas credenciais não são necessariamente democráticas!
            Eleito com 2.082 votos de um colégio eleitoral conformado por 22.173 eleitores (estudantes, professores e técnicos), o atual Reitor, Evandro Silva, e a vice Rosalina Lunardi, ainda tem pela frente a consagração no Conselho Superior e a efetiva nomeação pelo Presidente Jair Bolsonaro.
            E, em que pese a felicidade com que seus cabos eleitorais alardeiam a vitória por 66,98% dos votos válidos, há alguns registros a fazer: 1) não há mérito em uma vitória marcada por um processo feito ao preço de rasgar regimentos e interromper a tradição democrática da Universidade; 2) não há mérito em ser ungido reitor pela sobreposição de uma categoria sobre outras; 3) não há mérito em uma vitória construída sobre o atropelo da autonomia universitária; 4) não há mérito em participar de uma página da história da UFMT, marcada pela vergonha; e, por fim, 5) não há mérito em dirigir uma universidade com o apoio de menos de 10% da comunidade acadêmica.

Sexta, 19 Junho 2020 14:15

 

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Alair Silveira
Profa. Depto. Sociologia e Ciência Política –SOCIP/ICHS/UFMT
 
             Os tempos sombrios cada vez mais assumem forma - e nomes – na UFMT. O problema, portanto, não são “as pedras no caminho”, mas quem as coloca lá para desviar o curso das coisas. A reunião conjunta dos três conselhos superiores (CONSEPE, CONSUNI e DIRETORES), convocada pelo Reitor Evandro A. Soares da Silva para o dia 17 de Junho/2020, tendo como pauta o Colégio Eleitoral Especial, é a demonstração de como pedras podem ser colocadas no caminho da UFMT, de maneira a lhe comprometer o trajeto democrático. Curiosamente, em nome da preservação democrática!
 
            Ensina a sabedoria popular que quando quiseres verdadeiramente conhecer alguém, conceda-lhes poder. Lamentavelmente, reuniões dos conselhos superiores têm oferecido oportunidades para conhecermos tanto aqueles que os presidem quanto aqueles que se curvam aos seus desmandos. Assim foram algumas reuniões do CONSEPE e do CONSUNI, quando o Regimento foi seletivamente ignorado, apesar dos apelos verbais e/ou formais de alguns conselheiros. Como a prática de alguns e a conivência de muitos também consolidam experiências, o que ocorreu na Reunião de ontem (17/06) foi, ao mesmo tempo, uma face mais truculenta de uma mesma prática, e a afirmação de um caminho de costas para a história da UFMT.
 
            Não se trata somente de um professor da instituição (e procurador-geral do estado, Luiz Alberto E. Scaloppe) ter atuado de forma profundamente lamentável na condução da Reunião, atropelando intervenções, negando direito regimental à declaração de voto de abstenção, ignorando pedidos de esclarecimentos para a votação etc., mas de uma parcela significativa de conselheiros ter consentido essa atuação. Para o Reitor que gosta de citar poetas, sugiro a leitura do poeta carioca Eduardo Alves da Costa, que lamenta as flores roubadas e os jardins destruídos com a indiferença de muitos.

 

            Se no dia 16 de Junho/2020 tivemos que ouvir conselheiros reconhecer a desigualdade social, para realçar sua existência histórica; conselheiros elogiarem – e não contestarem – os argumentos apresentados pelo conselheiro relator, mas manterem-se imunes ao seu apelo social; enfim, conselheiros ostentarem discursos democráticos e socialmente referenciados, e, ao cabo, com seus votos, decretaram a indiferença social como política da Instituição.

 

            Afinal, a UFMT moderna, tecnológica, “empreendedora” precisa mostrar trabalho à sociedade. Precisa abrir mercado para os mercadores de tecnologias e plataformas de ensino remotas. Mesmo que ao custo de deixar pelo caminho vários dos seus estudantes. Aqueles mesmos que um dia a UFMT se congratulou por recepcionar, como manifestação do seu compromisso com a democratização do acesso e da diversidade.

 

            Em que momento fomos ficando tão indiferentes socialmente? Quando foi que nos tornamos surdos aos argumentos dos outros? Aonde foi que esquecemos nosso compromisso com a Universidade Pública, Gratuita, Democrática, de Qualidade, Laica e Socialmente Referenciada?

 

            Mas, se o dia 16/06 foi triste, o dia 17/06 foi trágico. Afinal, como coroar a destruição daquela Universidade, senão atropelando sua tradição eleitoral democrática que, mais uma vez, penaliza estudantes, além dos técnicos? Reitor e Diretor buscaram responsabilizar as entidades sindicais e estudantil, sugerindo que a escolha por um processo eleitoral de costas para a tradição eleitoral democrática da UFMT foi resultado da inação da ADUFMAT, do SINTUF e do DCE.

 

            Como toda memória seletiva pauta-se pela conveniência, oportunamente lembraram da legislação para justificar as imposições de uma consulta não paritária e muito provavelmente virtual. Em contraposição, esqueceram que foram justamente enfrentando a Lei que as entidades garantiram, historicamente, a votação democrática e paritária.

 

            Esqueceram das reuniões entre entidades e o Reitor, assim como o documento protocolado pelas mesmas, endereçado à Reitoria, defendendo a não realização do pleito em meio à pandemia e a prorrogação do mandato do Reitor, como forma excepcional de manter nossa tradição democrática, sem “flexibilizar” nossos princípios.

            Mais triste do que a regência truculenta dos desapegados aos procedimentos democráticos, é tentar responsabilizar àqueles que se mantêm inarredáveis dos caminhos das flores que a todos incluem, para tentar invisibilizar as pedras que não só matam as flores, mas refletem indiferenças e silêncios.

 

Quarta, 12 Fevereiro 2020 09:03

 

Profa. Dra. Alair Silveira

Depto. Sociologia e Ciência Política – SOCIP/ICHS/UFMT

 

 

          No período de 04 a 08 de Fevereiro/2020, na Capital de São Paulo, foi realizado o 39º Congresso do ANDES/SN. Considerado o maior Congresso dos últimos tempos, a USP recebeu 460 delegados, 178 observadores e 14 convidados, além de 34 diretores do Sindicato. Nesses tempos que mesclam, cotidianamente, crueldades, sobressaltos e absurdos palacianos, reunir tantos docentes dispostos a discutir e deliberar sobre os rumos da categoria é, realmente, um grande alento.

          Convocado sob a insígnia “Por Liberdades Democráticas, Autonomia Universitária e em Defesa da Educação Pública e Gratuita”, o Congresso foi marcado pelo consenso quanto à gravidade da conjuntura, que sob várias categorizações políticas, converge quanto ao reconhecimento de um Executivo declarada e decididamente anti-serviço público e anti-direitos trabalhistas e sociais. Além de marcadamente anti-organização coletiva de qualquer natureza no campo popular, social e sindical. Houve consenso, também, quanto à urgência da unidade de classe para enfrentar os inúmeros e abrangentes ataques que alcançam todas as categorias. Coerentemente, aprovou, por unanimidade, greve da categoria, apostando na construção de greve geral, por tempo indeterminado.

          O dia 18 de março será o Dia de Greve Geral pela Educação, como parte do “esquenta” para a Greve da Categoria e, quiçá, da Greve Geral.

          No processo de construção da greve da categoria foi aprovado um calendário de atividades preparatórias que inclui, entre o período de 10 de fevereiro a 13 de março/2020, uma rodada de assembleias de maneira a contemplar os diferentes calendários acadêmicos das IES. E, nos dias 14 e 15 de março/2020, Reunião do Setor das Federais, em Brasília/DF.

          As assembleias devem contemplar a seguinte pauta: a) Avaliação da construção da Greve do Setor da Educação [18/03/20] e a possibilidade de realização da Greve do Ensino Superior; b) Indicação para os setores dos eixos de reivindicação, incluindo a luta pela recomposição salarial, arquivamento da PEC n. 186/2019 [PEC Emergencial], a devolução da MP 914/2019 [Escolha de Reitores], rejeição ao Future-se e recomposição dos recursos orçamentários.

          De acordo com o Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais (FONASEFE), a defasagem salarial no período de Julho/2010 a Dezembro/2019 alcança 33,9% (isso considerada a reposição de 5,5% em Agosto/2016 e Janeiro/2017); e de 15,9% para aqueles setores que assinaram acordos de reposição em quatro parcelas: 5,5% em Agosto/2016; 6,98% em Janeiro/2017; 6,64% em Janeiro/2018 e 6,31% em Janeiro/2019.

          Na enorme relação de Projetos de Emenda Constitucional que tramitam no Congresso (e que se somam a outros Projetos de Lei e Leis já aprovadas) dedicados a retirar direitos dos trabalhadores em geral e dos servidores públicos em particular, cabe destaque aos conteúdos das PEC’s 186 (PEC Emergencial), 187 (PEC dos Fundos), 188 (PEC do Pacto Federativo), os quais integram o chamado “Plano Brasil Mais”, assim como da PEC 196, dedicada à Reforma Sindical.

          Além da urgência da construção da Greve, imprescindível para o conjunto do funcionalismo público (atacado de todos os lados e formas), também os ataques à autonomia universitária (nomeação de reitores, restrições à participação em eventos científicos, perseguição à liberdade de cátedra, implementação do Programa Future-se [nos CEFETs, a versão atende pelo nome “Novos Caminhos”] etc), assim como aos cortes de recursos e contingenciamentos, foram amplamente discutidos e denunciados. Contra eles foram aprovadas formas de combate e resistência.

O Congresso, ao possibilitar o encontro de professores de IFES, IMES e IEES, assim como de CEFETs, permite não apenas dimensionar a combinação de ataques para destruir a educação pública em todos os níveis, mas, também, para identificar qual educação se pretende colocar em seu lugar. Além da privatização da educação pública, quer o Governo (com a conivência dos demais Poderes e esferas públicas), ocupar os espaços educacionais públicos sobreviventes com militares da reserva ou da ativa. Evidencia-se que o processo de militarização da educação tem assumido forma progressiva, inclusive com recursos bem superiores àqueles das escolas públicas civis. Nas escolas de ensino fundamental e médio através do Modelo “Cívico Militar”, nas universidades, por meio da ocupação de cargos diretivos.

Dentre as muitas denúncias e encaminhamentos de resistência estão a demanda pela recomposição orçamentária das fundações e agências públicas de fomento; a manutenção da Dedicação Exclusiva, a realização de concursos públicos; assim como a luta pela constituição de ouvidorias e comissões para enfrentar casos de assédio moral e sexual. 

          Devido às mudanças regimentais aprovada no 64º CONAD, que deliberou pelo encolhimento do período integral, um conjunto de Textos de Resolução (TR) não foram apreciados pela Plenária, em que pese o esforço para agilização das discussões, o que, inevitavelmente, acabou por comprometer a qualidade das intervenções no último dia do Congresso, assim como a serenidade necessária para muitas votações.

          Propostas de atualização das lutas relativas a adoecimento docente; capacitismo; Previdência Social; Carreira; Democracia; Comunicação; Política de Ciência e Tecnologia; Política Agrária e Ambiental etc. foram apreciadas somente nos Grupos de Trabalho (GT’s), pois não houve tempo suficiente para análise e discussão pela Plenária. Em virtude disso, as propostas aprovadas integralmente nos GTs serão incorporadas. As demais serão encaminhadas para 65º CONAD, a ser realizado no mês de Junho/2020.

          Por fim, resta registrar que uma das polêmicas que ocupou parcela importante do Congresso foi a apresentação de TRs propondo a desfiliação imediata ou em período próximo da CSP-Conlutas. Sem apresentar elementos concretos do ponto de vista dos princípios e da macropolítica, muitos TRs construíram seus argumentos a partir de seis eixos: 1) – CSP não cresceu nesse período e é muito pequena quando comparada à CUT; 2) – Congressos da CSP têm metodologia inadequada; 3) – A CSP está dominada por um partido hegemônico; 4) CSP é isolacionista; 5) – A CSP vive um “esgotamento”; e, 6) O Congresso da CSP aprovou políticas equivocadas.

          A fragilidade desses argumentos é evidente. Primeiramente porque a relevância de uma Central não decorre de um exercício matemático, a partir do qual “mede-se” a qualidade e o compromisso de classe. Se assim fosse, certamente a CUT seria uma Central comprometida e combativa. Mais do que isso, muitos dos críticos da CSP nunca se dispuseram a, efetivamente, enraizar a CSP nos estados; nem tampouco reconhecem que o esvaziamento das entidades sindicais não é uma condição particular da CSP, mas do movimento sindical nacional e internacional. Em segundo lugar, problemas de método, nas organizações de trabalhadores, se resolve pela disputa interna e não promovendo políticas divisionistas. Em terceiro lugar, chega a ser irônico que as forças políticas que encabeçam os movimentos para desfiliação da CSP reclamem de “hegemonismo” quando são, eles mesmos, hegemonizados por suas respectivas forças políticas. Em quarto lugar, a CSP historicamente tem priorizado – e implementado – movimentos no sentido de construir unidade, constituindo-se em uma política recorrente da Central. Em quinto lugar, o referido “esgotamento” prescinde de qualquer fundamentação objetiva, aproximando-se mais de uma afirmação retórica que mais parece indicar uma percepção de “prazo de validade” do que uma avaliação programática. Por fim, cabe relembrar que as deliberações congressuais foram tomadas pelos delegados e não pela direção da Central. Porém, ainda mais relevante: é preciso que os defensores da desfiliação não se valham de inverdades para tentar convencer incautos quanto ao conteúdo do que foi aprovado. Muitos desses defensores desvirtuaram o que foi aprovado para fazer agitação contra a CSP e tentar garantir a desfiliação. Alguns para voltar para os braços da CUT, outros para fortalecer o Fórum Sindical, Popular e de Juventude, outros para ir para lugar algum. Paradoxalmente, todos falam em nome da unidade e concordam quanto à urgência de enfrentar a grave conjuntura!

          Mas, em que pese o esforço somado desses grupos, os delegados presentes no 39º Congresso do ANDES/SN aprovaram a permanência do Sindicato à CSP-Conlutas. Foram 255 votos pela permanência, 142 pela saída e 15 abstenções. Apesar desse resultado, o Congresso também aprovou a realização de um CONAD Extraordinário, no segundo semestre 2020, para fazer uma avaliação da CSP, isto é, retomar a discussão sobre uma possível desfiliação.

          Importa registrar que o 40º Congresso do ANDES/SN será realizado em Porto Alegre/RS, e será sediado pela ADUFRGS. Este será um Congresso importante, na medida em que será comemorado o 40º aniversário do ANDES/SN.

          Por fim, resta anotar a participação qualificada da delegação da ADUFMAT (delegados e observadores) ao longo do Congresso.

          Agora, colegas da UFMT, nenhum motivo para acomodar-se. Todos os motivos para lutar!

          Greve Geral da Educação dia 18 de Março/2020!

        Construção da Greve da Categoria!!!

Terça, 12 Novembro 2019 09:07

 

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Profa. Dra. Alair Silveira1

Depto. de Sociologia e Ciência Política-SOCIP/ICHS/UFMT

 

A história da Bolívia é travessada por grandes levantes sociais. País de muitas riquezas naturais, sempre foi objeto da mais bruta espoliação material, da violência mais ignóbil e da exclusão social mais perversa. Mas a Bolívia, é, também, o país de lutadores corajosos e altivos. É o país dos revolucionários de 1952 e de 1971. É o país da Guerra da Água (2000) e da Guerra do Gás (2003).

É o país em que a sabedoria dos povos originários se articulou com a experiência dos trabalhadores sindicalizados e a resistência dos movimentos sociais organizados.

Evo Morales, o líder indígena que das lutas cocaleiras avançou para a condição de primeiro-mandatário a partir de 2006, liderou profundas mudanças na sociedade boliviana. Mudanças que não se restringiram ao crescimento e ao desenvolvimento econômico que permitiram à Bolívia destacar-se comparativamente aos resultados econômicos dos demais países latino-americanos.

Mais do que resultados econômicos baseados no enfrentamento ao grande capital e no fortalecimento do papel do Estado de caráter social, as gestões de Evo Morales e Álvaro Liñera (vice-presidente) representaram um amplo processo de expansão da cidadania, especialmente através da promulgação da nova Constituição do Estado Plurinacional (2009), a partir do qual foi reconhecida, por exemplo, a autonomia dos povos originários.

Nesses treze anos de Poder, a radicalidade dos primeiros anos sofreu movimentos de adequação progressiva aos interesses da ordem capitalista e, junto com eles, foram criados distanciamentos e/ou rupturas entre Evo Morales/Álvaro Liñera/MAS e muitas organizações sociais de luta.

À semelhança de muitos outros líderes e partidos políticos oriundos das lutas sociais que, antes ou depois de chegar ao poder do Estado, sucumbem aos interesses do capital, valendo-se das instâncias de Poder não para promover as mudanças estruturais necessárias, mas, ao contrário, para através de políticas paliativas atenuar a perversa condição de desigualdade social, sem, contudo, superá-la, Evo Morales e seus companheiros de MAS também foram perdendo bases importantes de apoio e sustentação social.

Os erros de Evo Morales e do MAS, contudo, não representam ruptura de classe, nem tampouco servem para justificar qualquer ação golpista de pseudos democratas nacionais e/ou estrangeiros. A ordem democrática boliviana não estava sob qualquer ameaça.

Eventuais irregularidades eleitorais não conseguem ocultar o fato de que Evo Morales detém legitimidade social. Tanto é assim que as últimas votações (plebiscito e pleito) demonstraram a vitalidade do apoio social ao governo masista. Em que pese as justas e severas críticas ao método utilizado por Evo Morales para concorrer novamente.

A questão é que o governo de Evo Morales, assim como outros considerados “progressistas” na América Latina, sempre foi combatido por todos os meios dentro e fora de seus respectivos países.

A classe dominante boliviana, associada aos interesses do grande capital internacional, não apenas sempre explorou e se apropriou da riqueza natural e socialmente produzida pelos bolivianos, mas sempre promoveu o colonialismo interno contra os povos originários e os trabalhadores em geral. Seu perverso preconceito de classe é apenas a forma cotidiana do seu desprezo por aqueles que julga inferiores.

Santa Cruz e seus Comitês Cívicos são a expressão mais conhecida desse neocolonialismo perverso e ressentido, que agora reassume a forma tradicional da violência pura: queimar casas de familiares de líderes masistas; destruir prédios públicos dirigidos por membros do MAS; humilhar e agredir mulheres como a prefeita de Vinto, Patrícia Arce; arrancar a bandeira Wiphala etc. são algumas das formas “democráticas” que neocoloniais ressentidos encontraram para reivindicar o “retorno à democracia”. Para tanto, como em outros tempos da história recente da América Latina, contam com as solícitas forças armadas não para garantir o respeito à Constituição, mas para desprezá-la.

Esse golpe não foi idealizado nessas últimas semanas de conflito e não se restringe à atuação de Carlos Mesa e Luís Fernando Camacho (que quer “devolver a Deus o Palácio do Governo”). E muito menos reflete uma indignação genuína com possíveis irregularidades eleitorais. Se assim fosse, teria aceitado a realização de novas eleições como foi proposto por Evo Morales. Nem tampouco quer “pacificar” o país e garantir o Estado Democrático de Direito. Se assim fosse, não agiria da forma como age, nem transformaria a violência no principal recurso “persuasivo” da sua política.

Essa é, infelizmente, a sua forma habitual de fazer política. E a história da Bolívia é a sua comprovação. A cada oportunidade, é a violência o seu “argumento” contumaz. Assim foi, por exemplo, no processo Constituinte.

A América Latina mais uma vez está em ebulição. Nos últimos tempos, argentinos, equatorianos, chilenos e bolivianos têm demonstrado sua disposição de tomar nas mãos o destino da sua própria história. E resistir! Essa disposição, entretanto, tem enfrentado aqueles que não toleram a participação política “dos de baixo”. Como resultado, inclusive no Brasil, alguns deles se despem rapidamente das aparências “democráticas” que lhes permitem participar dos processos eleitorais para, desnudos, defenderem a força e a repressão como a maneira mais eficaz para impor seus interesses de classe e de dominação.

A renúncia de Evo Morales e Álvaro Liñera, assim como de outros líderes masistas, não representou a vitória dos golpistas, pois como sempre deixaram claro os lutadores sociais, o “processo de câmbio” não é de Evo Morales, mas dos bolivianos. E, por ele resistirão. Mesmo que ao preço da própria vida ante a “democracia” dos tanques e dos quartéis.

A eles, toda a solidariedade!

Aos golpistas, nosso repúdio!

 

1 Professora de Ciência Política, Dra. em América Latina. Autora do livro: Lula & Evo MoralesOs fundamentos comparados da legitimidade social de seus governos. Cuiabá/MT: EdUFMT, 2018.

 

Terça, 25 Setembro 2018 17:16

 

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Alair Silveira

Profa. Dra. Depto. Sociologia e Ciência Política – SOCIP/ICHS

Coordenadora Grupo Pesquisa MERQO-CNPq

Diretora Tesoureira ADUFMAT

 

 

            No período de 14 a 16 de setembro/2018 foi realizado o Curso Nacional de Formação Política e Sindical do ANDES/SN, intitulado Universidade, Trabalho e Movimento Docente, em Salvador-BA[1].

            Da série de cursos de Formação Política e Sindical iniciada em 2017, esse foi o mais procurado. De acordo com informações fornecidas por Eblin Farage (1ª Secretária do ANDES/SN), 64 docentes manifestaram interesse em participar.

            Com a Conferência de abertura do atual presidente do Sindicato Nacional, Prof. Dr. Antônio Gonçalves (UFMA), intitulada “O ANDES-SN no processo de reorganização da classe trabalhadora”, foi feito um breve histórico da formação da Associação Nacional dos Docentes de Ensino Superior (ANDES), em 1981, para a sua transformação em Sindicato (ANDES/SN), e, 1988, a partir da Constituição Federal de 1988, que reconheceu o direito à sindicalização ao funcionalismo público.

            Defendendo desde o início a autonomia sindical frente ao Estado, a ANDES (e depois o ANDES/SN) sempre recusou receber o imposto sindical e, de forma inovadora, criou uma estrutural organizacional diferente daquelas existentes. Ao invés de uma Federação (que agrega unidades, sem necessariamente unidade política), os docentes optaram por construir um Sindicato Nacional, de base, cuja direção política é extraída de duas instâncias nacionais deliberativas: o Congresso Nacional do ANDES/SN[2] e o CONAD[3] (Conselho Nacional dos Docentes).

            Como sindicato de base, são as Assembleias Gerais de cada Seção Sindical que define os rumos do Sindicato Nacional, sendo a Diretoria Nacional de caráter executivo.

            Como um Sindicato autônomo, classista, combativo e solidário, o ANDES/SN ultrapassou o limite dos interesses corporativos da categoria. E, ainda na condição de Associação, em 1982, produziu a primeira versão do Caderno 2,  no qual apresenta um projeto de educação para o Brasil. Nessa trajetória, coerente com seus princípios, o ANDES/SN filiou-se à CUT em 1989 e, em 2005, deliberou pela desfiliação à essa Central.

Simultaneamente, dedicou-se à construção de uma Central capaz de aglutinar o conjunto dos trabalhadores, do campo e da cidade, empregados e desempregados, movimentos sociais e populares, estudantes e aposentados. Assim, em 2004, participou da criação da Coordenação Nacional de Lutas (CONLUTAS) e, em 2011, no 30º Congresso Nacional do ANDES/SN, foi aprovada a filiação à CSP-Conlutas.

Na sequência, responsável pelo minicurso sobre os “Desafios do sindicalismo diante das transformações no mundo do trabalho”, a Profa. Dra. Graça Druck (UFBA) estruturou sua exposição sobre os seguintes eixos: 1 – Precarização; 2 – Hegemonia Neoliberal; 3 – Funcionalismo Público; 4 – Contrarreformas; 5 – STF e Terceirização; 6 – “Classe Média” e Sindicatos; 7 – Universidade Pública na Resistência e Contra-poderes.

De forma articulada, a socióloga iniciou analisando a financeirização da vida social a partir da dominância do capital financeiro mundializado. Esse processo extrapola as relações econômicas e alcança a vida cotidiana através de uma sensação de “tempo que escorre pelas mãos”, dos prazos ínfimos, da descartabilidade e da volatilidade. Assim, mais do que a financeirização dos indivíduos através da generalização do uso de cartões de crédito e débito, por exemplo, a lógica do curto prazo e da obsolescência/instabilidade impregna a vida cotidiana.

Esse processo recobre, nas relações laborais, a precarização das relações de trabalho sob o nome palatável de “flexibilização”. Neste aspecto, Graça Druck ressalta a diferença entre “precarização” e “precariedade”, esclarecendo que a “precariedade” significa a situação estrutural das relações capitalistas, enquanto a “precarização” é uma estratégia de dominação dentro das condições estruturais de precariedade. Consequentemente, manifestou-se contrária à compreensão de alguns estudiosos quanto à utilização de “precariado” para definir uma categoria específica, posto que essa nomeação acaba por isolar um segmento de trabalhadores, obscurecendo a condição de precarização que atinge a totalidade da classe trabalhadora.

Atentando sobre as mudanças ocorridas no mundo das relações sociais de produção capitalistas, destacou as mudanças tecnológicas e a chamada indústria 4.0 e suas consequências sobre a precarização do trabalho e da vida. Como exemplo, citou a UBER. Apresentada como inovação avançada que traz benefícios generalizados (alguns economistas chegam, inclusive, a considerá-la como demonstração de “economia compartilhada” que estaria renovando as relações capitalistas), a relação entre o motorista e a Empresa configura, na verdade, o aumento da exploração e da precarização do trabalho.

Analisando os contratos entre motoristas e a UBER, a Empresa não apenas exige do trabalhador a disponibilização dos meios de produção (o carro) e a força de trabalho, mas exige-lhe o custeio de todas as despesas referentes às condições para o trabalho: seguro, revisões periódicas, combustível etc. O contrato - como em todas as relações de trabalho – já vem previamente redigido (e, portanto, não decorre de “negociação”), impõe a aceitação prévia de uma relação contratual que reafirma a todo momento a inexistência de vínculo empregatício. Ao final, exige do motorista, pelo uso da plataforma/aplicativo, o repasse de 25% do que ele ganhar.

Sem amparo dos direitos trabalhistas e sociais, ao motorista resta trabalhar, em média, 10 a 12 horas diárias para poder garantir – após o desconto dos repasses e das despesas - a própria subsistência e a da sua família.

Considerando o conjunto da classe trabalhadora, antes da aprovação da Contrarreforma, 50% dos trabalhadores empregados já não usufruíam de qualquer proteção trabalhista. Após a Contrarreforma, pesquisas recentes capturaram o movimento de demissão de trabalhadores com vínculos formais e o crescimento da contratação por meio do trabalho intermitente. Certamente, aquele percentual deve ter assumido índices impressionantes!

Na esteira dessas relações precarizadas, o adoecimento, o suicídio, a terceirização, a instabilidade laboral, a intensificação do trabalho e a perda da identidade de si mesmo e coletiva.

Esse processo se dá concomitante à hegemonia neoliberal, embora, paradoxalmente, tenha o neoliberalismo fracassado para produzir desenvolvimento, emprego e melhor distribuição da riqueza socialmente produzida. Entretanto, se do ponto de vista econômico ele fracassou, do ponto de vista da “racionalidade neoliberal” (conforme Christian Laval e Pierre Dardot) espraiou-se e enraizou-se na sociedade, de maneira que sob a total abstração das condições estruturais de produção e reprodução da vida social, os indivíduos reclamam mais concorrência, mais individualismo, mais iniciativa privada, mais empreendedorismo...

Como o Neoliberalismo é incompatível com o Estado Social, e junto com ele, as obrigações estatais oferecidas por meio de políticas sociais e de servidores públicos, as privatizações, o desmonte da educação e da saúde pública, a terceirização, os ataques ao funcionalismo público etc. assumem a forma mais explícita com a Emenda Constitucional 95/2016.

Em contraposição à inviabilização do Estado Social, o Estado Neoliberal tem sido generoso com as demandas do capital, seja por meio de renúncia fiscal, REFIS etc.; ou seja através das proposições de interesse do grande capital. A Confederação Nacional da Indústria, por exemplo, garantiu nada menos que 101 pontos na Contrarreforma Trabalhista.

De acordo com a Socióloga, os professores têm a prerrogativa, pela natureza do seu ofício, de constituir-se em polo de resistência. Para isso, é preciso romper com a lógica produtivista que submete o trabalho docente ao controle fordista/taylorista da produção; contrapor-se ao sobretrabalho e, consequentemente, ao adoecimento e ao desencantamento. Nesse processo, também precisa reconhecer-se como classe trabalhadora e revitalizar a solidariedade como princípio da resistência e da ação coletiva.

Ao final, rejeitou a discussão que tem tomado corpo nos últimos tempos, para quem a “classe média” tem servido de base para a sustentação da “direitização” e do “conservadorismo”, visto que, em sua opinião, esse discurso é funcional para o uso da classe média como escudo para a ação da classe dominante.

Como coroamento da sua exposição, Graça Druck apresentou vídeo em que Eduardo Galleano declama “El derecho al delírio”. Imperdível!       

No dia 15 de setembro coube à Profa. Dra. Marina Barbosa (UFJF) discorrer sobre o Movimento Docente: Da ANDES para o ANDES-SN. Para resgatar a história do próprio Sindicato, Marina Barbosa situou a luta dos trabalhadores em geral no processo de industrialização brasileiro. Nesse sentido, destacou que as organizações dos trabalhadores estabeleceram “diálogos”  com o clientelismo, o paternalismo, o comunismo, o populismo, o anarquismo e o fascismo.

Dentre as principais características do movimento sindical brasileiro, ressaltou a perspectiva corporativa, com a tutela do Estado, a unicidade, o monopólio da representação, o imposto sindical e a estrutura sindical. Desta maneira, o chamado “Sindicalismo de Estado” atuou de forma significativa para a harmonização dos conflitos estruturais entre capital e trabalho.

A partir da década de 1970, o denominado “Novo Sindicalismo” irrompeu na vida sindical, contrapondo-se à tutela do Estado e ao sindicalismo estatal também chamado de “sindicalismo pelego”. Tanto a CUT quanto a ANDES surgiram nesse processo. Assim, na disputa por uma outra estrutura sindical, a Associação Nacional dos Docentes de Ensino Superior disputou a representação docente com o SINPRO, ao qual os professores eram filiados.

A transformação da ANDES em ANDES/SN não encerrou essa disputa, posto que embora a Carta Sindical tenha sido concedida ao ANDES/SN em março de 1990, em 2006 a Carta Sindical foi suspensa, sendo ratificada em 2009. Desta maneira, a transformação da Associação em Sindicato responde não apenas à possibilidade assegurada pela nova Constituição Federal, mas, também, à necessidade de constituir uma interlocução legal com o Governo nas mesas de negociações. Essa “concessão” ao Estado, entretanto, não representou ajustar-se à organização sindical tradicional. Tanto assim que, ao contrário da maioria das Entidades, sempre recusou o recebimento do imposto sindical. E, todos os anos, reiterou sua recusa no Diário Oficial da União.

O ANDES/SN é herdeiro, como destacou Marina Barbosa, da efervescência democrática que combateu a Ditadura, lutou pela Anistia, passou pelo movimento das Diretas Já! e redundou na Constituição Federal/1988. Nesse período, a organização incipiente dos professores universitários já se formava recusando a estrutura sindical tradicional e defendendo a autonomia e a solidariedade classista.

Nesse aspecto, a ANDES propôs um projeto de educação (Caderno 2) que extrapolou as demandas corporativas sindicais, assim como criou uma estrutura nacional diferente da federativa. Ao final, o ANDES/SN constituiu-se sobre uma organização de âmbito nacional de base, aonde a Direção Nacional tem papel executivo e não deliberativo.

O ANDES/SN, assim como qualquer organização nacional dos trabalhadores não passou (nem passa) imune à implementação do Neoliberalismo; às transformações pelas quais passou as principais organizações coletivas populares e sindicais (especialmente após a derrocada do Leste Europeu); a experiência governativa do PT (em particular com o governismo das principais entidades sindicais e populares); e as consequências da nova (des)ordem mundial, após o fim da Guerra Fria.

Nesse sentido, as Contrarreformas iniciadas por FHC - e aprofundadas por Lula -, como a Contrarreforma da Previdência, as fundações universitárias e hospitalares, a “Celetização” do serviço público etc. foram algumas das políticas analisadas pela palestrante. No geral, os governos petistas – e especialmente Lula - estabeleceram com os trabalhadores uma relação de cooptação, submissão e, também, criminalização das lutas sociais. 

A criação do sindicato chapa branca PROIFES, em 2005, com o propósito de “dobrar” o ANDES/SN foi parte desse processo. Afinal, o ANDES/SN foi um dos poucos sindicatos que não sucumbiu aos governos petistas. Consequentemente, a desfiliação à CUT e a construção da CONLUTAS, o estreitamente da unidade com as lutas estudantis, a filiação à CSP-Conlutas etc. são algumas das faces da resistência do ANDES/SN durante esse período.

Como sindicato de servidores públicos, o ANDES/SN tem enfrentado muitas e árduas frentes de batalha, especialmente porque o Neoliberalismo faz um combate atroz e desleal ao servidor público (caracterizado como “privilegiado”). Independente da esfera (municipal, estadual ou federal), o serviço público, a educação e a saúde pública têm sido satanizadas e responsabilizadas pela falta de recursos e pelo déficit público. Contando com “entidades chapa branca” (PROIFES) que se prestam a negociar o que o ANDES/SN jamais negociaria (como a carreira, por exemplo), os governos têm imposto perdas significativas aos servidores públicos em geral, e aos docentes em particular. A Emenda Constitucional n. 95/2016 é apenas a face mais escancarada desses ataques.

Encerrando o minicurso do dia, Marina Barbosa destacou a história do ANDES/SN e a “reserva moral” que o Sindicato dispõe para seguir lutando sem fazer concessões no que tange aos princípios que sempre o nortearam, desde a origem sob a forma de Associação.

Dentre os desafios renovados nessa conjuntura tão dura e hostil estão: organização por local de trabalho (trabalho de base), a multicampia, a autonomia, a democracia interna, a combatividade classista, a solidariedade nacional e internacional, a identidade docente forjada na valorização do trabalho docente, o enraizamento do sindicato na vida docente, constituindo-se em uma referência para pensar, sentir e agir e, por fim, “não sucumbir ao imediato.”

            No último dia, a Profa. Dra. Sâmbara Paula (UECE) dedicou-se à análise da “Organização dos trabalhadores, sindicatos e luta de classe”. Recheado por apresentações musicais e vídeos, o minicurso retomou alguns aspectos já apresentados nas exposições anteriores. Fundamentalmente, a Assistente Social organizou a sua atividade sobre a reflexão sobre a categoria classe social, a partir do capítulo 52 de Karl Marx.

            Situando as primeiras experiências coletivas de resistência e luta no Brasil, localizou a primeira manifestação organizada dos gráficos, em 1858, no RJ, assim como o Mutualismo como a primeira experiência organizativa, em defesa da saúde.

            Avançando sobre as experiências mais marcantes do século XX e as duas primeiras décadas do século XXI, destacou a força da cultura pós-moderna e sua influência sobre os trabalhadores em geral e os professores em particular. Retendo-se na última década, acentuou não apenas os ataques contra a classe trabalhadora e servidores públicos, mas, também, as várias manifestações de resistência no Brasil e no mundo.

            No encerramento, envolveu a todos os presentes com a apresentação do vídeo “Ninguém tira o trono de estudar”, de Dani Black.



[1] A Profa. Dra. Maria Luzinete Vanzeler, membro do GTPFS da ADUFMAT-S.Sind., também participou do Curso. Lamentavelmente, por razões de saúde imprevistas e graves, precisou ser hospitalizada em Salvador/BA, lá permanecendo até o momento.

[2] Cada Seção Sindical tem direito a eleger número de delegados proporcional à sua base sindical. O número de observadores é de acordo com a definição da própria Seção Sindical.

[3] Cada Seção Sindical tem o direito a eleger um único delegado. O número de observadores é de acordo com a definição da própria Seção Sindical.

Segunda, 03 Setembro 2018 11:10

 

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Alair Silveira

Depto. de Sociologia e Ciência Política – SOCIP

Diretora Tesoureira da ADUFMAT

Pesquisadora MERQO

 

 

            Nos dias 25 e 26 de Agosto/2018 foi realizada, em Brasília/DF, a Reunião Nacional do Grupo de Trabalho de Política de Formação Sindical (GTPFS), com uma pauta centradamente dedicada a discutir dois itens aprovados no 37º Congresso Nacional e 63º CONAD do ANDES/SN: 1) Cotas para negros para a Direção do ANDES/SN; e, 2) Paridade para mulheres para a Direção do ANDES/SN.

            Com a presença de mais de 10 representantes sindicais oriundos de seções sindicais do RS, do RJ, do SE, do ES, do PA e de MT, além de três diretores do Sindicato Nacional, a Reunião do GTPFS enfrentou a polêmica proposição de estabelecer, estatutariamente, o número mínimo de negros e de mulheres na direção do ANDES/SN.

            Questionados quanto à existência, na história do Sindicato, de alguma restrição à participação de negros e mulheres na Direção Nacional, os defensores da proposta demonstraram desconhecer qualquer fato dessa natureza. Para ambas as proposições, o principal argumento restringiu-se à história brasileira (e mundial) de discriminação racial e de gênero. Consequentemente, as contraposições às propostas centraram-se em dois pontos fundamentais: 1) Nem o sexo nem a raça representam garantia de qualidade sindical e compromisso político com os princípios e as lutas do Sindicato; e 2) Os critérios que definem a composição de chapa e, por decorrência, da Direção do ANDES/SN, são de ordem política-programática e não sexual e/ou racial.

            Além disso, a história recente do Sindicato é a demonstração da presença feminina de maneira significativa. Somente nas últimas gestões, três mulheres assumiram a presidência do ANDES/SN. Marina Barbosa, inclusive, em mais de uma oportunidade.

Para nenhum dos dois pontos de pauta houve consenso seja para a implantação, seja para o rechaço à proposta. Consensual somente as propostas para: a) Promover discussões sobre Raça/Identidades; b) Levantamento do número de professores negros nas universidades; c) Aprofundar discussão sobre Racismo no Brasil; d) Organizar eventos avaliativos sobre as Políticas Afirmativas nas Universidades.

Sobre a instituição da paridade de gênero para a Direção do ANDES/SN foi acordada a necessidade de aprofundar essa discussão, considerando, inclusive, as experiências de outras entidades coletivas, como a CUT e alguns sindicatos de trabalhadores, que registram resultados exitosos. Importante registrar que, segundo as defensoras da proposta, pode-se considerar o estabelecimento da paridade somente para o universo dos 35 diretores, o que incluirá as regionais.

            Quanto ao ponto de pauta dedicado ao Debate sobre Reorganização da Classe Trabalhadora, foi relatado pela Coordenação que as ações conjuntas com outras entidades para a organização desse Evento somente será retomado após as Eleições de Outubro/2018. Como atividade já desenvolvida como parte dessa deliberação congressual, a Coordenação Nacional citou o Seminário sobre 100 Anos da Revolução Russa e Conjuntura, realizado no RJ, em 2017.

            O debate sobre a condicionante eleitoral, assim como sobre a dificuldade de muitos professores em se reconhecer como parte da classe trabalhadora renderam boas discussões. Ao final, houve convergência quanto à necessidade de se organizar eventos que enfrentem (dentro do ANDES/SN) reflexões sobre o que é classe social e quais as especificidades do serviço público.

A promoção de eventos com essas temáticas tem por objetivo disputar, também, à lá Gramsci, a subjetividade dos trabalhadores, pois não basta a oportunidade das condições materiais, objetivas, conjunturais. Convergiu-se, nesse sentido, quanto ao entendimento de que a reorganização da classe trabalhadora passa pelo acúmulo de experiências e reflexões coletivas.

Durante a discussão desse ponto de pauta, também foram referidas as dificuldades, dentro do próprio Sindicato, em tolerar aqueles que têm posições diferentes do pensamento majoritário nas questões que envolvem as lutas identitárias. Foi ratificada a impressão de uma espécie de “interdição da fala”, que acusa de “machista”, “racista” e/ou “fascista” qualquer manifestação que se contraponha às posições hegemônicas sobre questões de raça, de etnia, de identidade de gênero etc.

Registre-se, ainda, a reivindicação por parte de alguns representantes de seções sindicais para que o GTPFS Nacional faça uma autocrítica quanto às prioridades temáticas que orientaram as etapas do Curso Nacional, assim como à falta de regularidade para as reuniões nacionais. Da mesma maneira, foi observada a proporção de tempo dedicado a questões mais específicas do GTPECEDS.

O informe da Diretoria quanto às providências para o cumprimento de resolução do 63º CONAD, que aprovou o envio aos candidatos à Presidência República do Caderno 2 do ANDES/SN, foi bastante debatido, na medida em que foi considerado um despropósito pela maioria esmagadora dos presentes. Porém, como se trata de decisão do CONAD, não há alternativas a não ser o cumprimento da deliberação.

Sobre o levantamento quanto aos GT’s, a Coordenação do GTPFS apresentou dados levantados junto à Secretaria do ANDES/SN, a partir dos quais foi possível extrair dos registros disponíveis (não necessariamente atualizados) as seguintes informações: a) 11 são os GT’s que tiveram ou têm funcionamento, considerando-se as informações de 77 seções sindicais; b) Os GT’s mais frequentes são GTPE (49); GTPECEDS (48); GTPFS (45) e os Grupos de Trabalho GTSSA e GT-Carreira (43 cada).

Diante dos dados ilustrativos, foram relatadas dificuldades comuns nas seções sindicais quanto à incompreensão e/ou utilização por parte de professores referente ao papel e às competências dos GT’s, especialmente por parte daqueles que se valem dos GT’s para estabelecer uma espécie de “poder paralelo”. Em virtude disso, foram aprovados alguns encaminhamentos: a) Fazer um folder sobre o que são, para que servem e quais as competências dos GT’s; b) Esclarecimentos sobre um questionamento frequente: os GT’s não precisam ser aprovados previamente no Congresso para poder funcionar. Pode ser ad referendum; c) Apelo para que as seções sindicais mantenham atualizadas as listas de GT’s em funcionamento, assim como os professores a eles vinculados; d) Urgência em revigorar, em nível nacional, o GT-Verba e o GT-Carreira; e) Nota de Esclarecimento quanto ao realinhamento salarial promovido pelo Governo, com base na Lei 13.325/2016.

Como último ponto de pauta, foi apresentada a Comissão de Combate à Criminalização Política Docente, cujos membros foram eleitos no 63º CONAD. De acordo com a Coordenação Nacional do GTPFS, as denúncias têm se avolumado, inclusive com PAD’s que resultaram em demissão.

Alguns professores, entretanto, têm optado por manter sigilo e outros por não dispor do auxílio da assessoria jurídica do ANDES/SN. De toda a forma, a perseguição política e a criminalização da política têm encontrado algozes tanto fora quanto dentro das universidades.

            Por fim, dentre os informes apresentados pela Coordenação Nacional do GTPFS estão: a) A CSP-Conlutas incorporou o calendário de atividades aprovado no 63º CONAD; b) O Curso de Formação Sindical será realizado em Salvador/BA, no período de 14 a 16 de setembro/2018.

Foi ratificada, também, a importância da participação dos professores na manifestação conjunta dos servidores públicos federais na frente do TSF, no dia 13 de setembro/2018, quando será apreciada a reivindicação de unificação da data-base para o setor.

Da parte das seções sindicais presentes, alguns relatos destacaram-se, seja pela ofensiva em algumas universidades para aumentar a carga de 15 para 18 semanas, sob a justificativa de adequação ao CNE (UFPel, UFSE, UFPR, UFRG e UFPB), seja pela pertinência das iniciativas, como o Ciclo de Debates sobre 15 Anos de Cotas e Cinco Anos das Jornadas de 2013, que será promovido pela ADUR-RJ, nesse segundo semestre.

Surpreendente, também, foi a informação prestada pelo representante da UFSM, que relatou que a Ouvidoria da Universidade tem recebido uma média de cinco a seis denúncias de assédio por semana.

Ao final, como ponto de pauta a ser sugerido para a Reunião do Setor, foi feito um rápido levantamento entre os presentes sobre o “Empreendedorismo” dentro das universidades. De maneira geral, o Empreendedorismo tem sido associado ao discurso da “oportunidade” e da “inclusão social”. Algumas das experiências têm, abertamente, escancarado as portas da universidade ao SEBRAE. Outras têm introduzido a cultura empreendedora através das “Empresas Júniores”. Todos convergiram quanto à urgência de se aprofundar essa questão dentro do ANDES/SN.

 

 

 

 

 

Segunda, 23 Julho 2018 13:25
 
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O Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Alair Silveira
Profa. Depto. Sociologia e Ciência Política 
SOCIP/ICHS/UFMT
 
                 A Universidade pública brasileira tem sido – juntamente com outras instituições públicas sociais – objeto de uma política perversa e implacável de destruição, desde 1990. Nesses quase 30 anos de desmonte, o caráter social do Estado tem sido inviabilizado, de maneira a reabilitar a máxima do pensamento liberal, segundo a qual a livre iniciativa assegura o interesse coletivo. Para tal, basta permitir às forças econômicas privadas a liberdade de empreender sem qualquer intervenção estatal. Nessa perspectiva, como defendia Adam Smith, à “mão invisível do mercado” caberá as autocorreções necessárias.
 
               Ajustada para os tempos neoliberais pós-modernos, a ‘livre iniciativa’, agora, atende também por ‘empreendedorismo’ e/ou ‘inovação’, e é considerada, inclusive, “inata” aos indivíduos. O Sistema S (com seus recursos públicos) e todos os grandes empresários (ops!), digo, empreendedores, agradecem. Congratulam-se, especialmente, aqueles que satanizam o Estado, mas disputam cada centavo dos recursos públicos não apenas para a manutenção da política tributária regressiva, mas para demandar renúncia fiscal, financiamentos subsidiados, isenções generosas, REFIS, perdão de dívida e, obviamente, a privatização do patrimônio público. Há, inclusive, entre aqueles que satanizam o Estado, aqueles que, de dentro do Estado, atuam contra o caráter público e social do Estado do qual são servidores.
 
               A UFMT, por óbvio, não está imune à pós-modernidade neoliberal e, consequentemente, a esse movimento de desmonte da Universidade. Ironicamente, é no espaço da dita ‘elite intelectual’ que a iniciativa privada tem encontrado seus mais aplicados defensores, inclusive com a reprodução ‘ilustrada’ do argumento que oferece como alternativa para as mazelas sociais justamente os instrumentos que as geram; e que são inerentes à lógica da livre iniciativa privada.
 
               A trajetória de adesão aos interesses neoliberais pós-modernos de parte significativa de professores universitários tem muitos percursos que, ao final, convergem para a mesma finalidade. Devido aos limites desse pequeno artigo de opinião, não é possível disseca-los. Contudo, é plausível supor que boa parte da intelectualidade brasileira tem conhecimento - e argumentos - quanto aos vários processos que levaram a essa situação paradoxal dentro das Universidades e, particularmente no que aqui nos concerne, da UFMT.
 
               É a partir dos diversos paradoxos que têm tomado forma nos últimos tempos que me manifesto nesse Espaço Aberto, para dialogar com os colegas da UFMT. O primeiro paradoxo diz respeito ao número significativo de professores concursados para as universidades públicas que não tem nenhum pudor em defender recursos públicos para universidades privadas; que protesta contra a baixa qualidade educacional brasileira, mas defende a “flexibilização” dos níveis de aferição de aprendizagem; que reclama do sucateamento da Universidade pública, mas promove empreendedorismo acadêmico; que reconhece a falta de estrutura necessária ao desenvolvimento decente das atividades de ensino, pesquisa e extensão, mas reiteradamente aprova novos cursos de pós-graduação lato e stricto senso; que lamenta direitos consagrados serem surrupiados, mas cotidianamente renuncia a muitos deles, sempre na perspectiva do “voluntariado”, do “produtivismo” e da métrica do tempo e da quantidade. Enfim, que se manifesta nos espaços institucionais em defesa da Universidade Pública, Gratuita, de Qualidade e Democrática, mas não se dispõe a lutar por ela.
 
               Mas os paradoxos não se limitam à contradição entre o discurso e a prática. Eles alcançam, também, o interior dos discursos, através da aplicação seletiva do rigor das regras e da racionalidade acadêmica.  As duas últimas assembleias da ADUFMAT (16 e 18 de Julho/2018) representam um marco importante da história da Universidade e do Sindicato. Primeiramente porque elas repetiram uma prática que tem se tornado comum nesses tempos de pós-modernidade neoliberal crescente: a arregimentação pontual e pragmática de professores – sindicalizados ou não – para impedirem a aprovação de qualquer proposta que vá de encontro ao que defendem. O problema, por óbvio, não está na participação legítima dos professores sindicalizados nas assembleias. Muito pelo contrário. Esse é um objetivo permanente do Sindicato. O problema é quando esses professores somente comparecem às assembleias nessas ocasiões específicas, com um único intuito: impedir a aprovação de algum ponto de pauta e/ou encaminhar alguma proposta específica e garantir a sua aprovação.
 
               Na mesma linha das assembleias que tiveram como ponto de pauta a deflagração de greve, as “convocatórias de arregimentação” são regidas pelo tripé[1]1) convocações anônimas ou por professores em cargos de administração; 2) caracterizações agressivas de professores que atuam no Sindicato; e, 3) Instruções sobre como cada professor convocado deve votar. Em muitos casos, quando o professor ‘convocado’ informa que não é sindicalizado, há “instruções” para sindicalizar-se e, logo depois da assembleia, solicitar a desfiliação. Sob qualquer justificativa essas atitudes são absolutamente abomináveis, pois tanto aqueles que convocam quanto aqueles que atendem à convocação atuam como coveiros da própria entidade que os representa e que, ao longo de 40 anos, tem sido o principal instrumento de representação, luta e resistência dos professores.
 
               A segunda questão relevante para ser registrada é a total indisposição de muitos dos professores arregimentados para fazer qualquer discussão política. A única disposição manifesta é assegurar o voto previamente definido. Para “cumprir” a missão para o qual foram convocados, alguns professores atuam para impedir a dinâmica histórica e regimental das assembleias sindicais: cerceando a fala de seus opositores; tentando demarcar o conteúdo das intervenções; defendendo a limitação do número de intervenções na abertura das discussões; propondo o impedimento de re-inscrição... Enfim, todas as possibilidades pragmáticas disponíveis para agilizar o processo e cumprir, rapidamente, a missão recebida.  Afinal, debater para quê, se o voto já foi definido antes da própria assembleia?
 
               A assembleia geral do dia 16 de Julho/2018 tinha como ponto principal da pauta avaliar os desdobramentos do Recurso ao CONSEPE. De maneira organizada, vários professores - que raramente participam das assembleias ou de qualquer outra atividade promovida pela ADUFMAT - compareceram à Assembleia. Porém, antes de avaliar os desdobramentos do Recurso ao CONSEPE, aprovaram a inclusão de outros quatro pontos de pauta. Os pontos incluídos revelavam o propósito da participação inabitual da maioria desses professores: não somente impedir qualquer ação contra a Reitoria no que concerne ao descumprimento do Regimento do CONSEPE (objeto de Recurso interposto por duas conselheiras e por um conselheiro), senão que retirar a Conselheira do ICHS e Diretora Tesoureira da ADUFMAT, Alair Silveira, do CONSEPE.
 
               Sob a alegação de desrespeito ao Regimento da ADUFMAT (aprovado em dezembro/2017), vários professores ‘comprometidos, atuantes e zelosos’ para com o Sindicato propuseram a anulação da Assembleia Geral (AG) realizada em 12 de abril/2017, que autorizou, excepcionalmente, a continuidade da Conselheira Alair Silveira durante o período de discussão da Resolução 158[2].
 
               Determinados a retirar do CONSEPE uma das conselheiras que tem “incomodado” a Administração Superior, muitos pró-reitores compareceram à Assembleia. Afinal, é preciso manter a “ordem das coisas”, isto é, “mudar para deixar tudo como está". Consequentes com a “missão”, esforçaram-se para demonstrar que todo o movimento empenhado era exclusivamente para fazer cumprir o Regimento da ADUFMAT, e que nada tinha a ver com a atuação da conselheira no CONSEPE; especialmente quanto aos enfrentamentos com a Administração Superior durante a greve estudantil.
               Paradoxalmente, esses mesmos professores que ignoraram a AG[3] que autorizou a permanência da Diretora durante o período de discussão da Resolução 158 não tiveram o mesmo zelo pelo Regimento do CONSEPE. Sequer a elaboração de uma Nota de Inconformidade pelo desrespeito ao Regimento do CONSEPE foi aprovada.
 
               Incoerentes com os argumentos utilizados para garantir a saída da Conselheira do ICHS e Diretora da ADUFMAT do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFMT, pró-reitores e professores movidos pelo genuíno “respeito ao Regimento da ADUFMAT” foram, no mínimo, omissos com relação ao artigo 116, Incisos III e IV, da Lei 8.112/1990 (Regime Jurídico Único), e coniventes com o desrespeito ao Regimento do CONSEPE na Reunião do dia 18 de Junho/2018. O Recurso que solicitava a anulação da referida Reunião[4] foi analisado no dia 09/07/2018. E nesta oportunidade, também, apesar dos conselheiros reconhecerem que houve desrespeito/atropelo ao Regimento, a maioria acompanhou o voto da Relatora, que mesmo admitindo muitos dos fatos relatados, manifestou-se pelo “indeferimento do Recurso”.
 
               Em ambas as situações (assembleias da ADUFMAT nos dias 16 e 18 de Julho e reuniões do CONSEPE nos dias 18 de Junho e 09 de Julho/2018) a incoerência tem sido acompanhante contumaz de muitos professores da UFMT. De maneira irrecusável e indefensável, parcela significativa de professores tem se renunciado à coerência e à racionalidade argumentativa lógica. Em acordo com a cultura pós-moderna, tudo é específico e relativo, fragmento e bricolagem, emoção e individualidade. Concomitantemente, é também anti-política, anti-coletiva e anti-sindical. Vê-se, assim, que a única coerência que predomina é aquela que atende ao pragmatismo pós-moderno de inspiração neoliberal.
 
               Como resultado, muitos falam em democracia, mas, não toleram quem os contradiga, recusando-se a frequentar ambientes polêmicos, muitas vezes desqualificando-os direta ou anonimamente. Paradoxalmente, são professores universitários, cujo local de trabalho é, conforme sintetizou Chico de Oliveira, “o lócus do contraditório”. Contraditórios, denunciam o Golpe de 2016, porém, não reconhecem práticas ilegítimas quando elas (lhe) são próximas. Exigem respeito às instâncias superiores, mas não se incomodam quando as regras que as regem são descumpridas.
 
               Nesse processo que não se iniciou nos últimos meses, é possível perceber o aprofundamento de dois movimentos antagônicos: de um lado, os pragmáticos pós-modernos reconhecem o Sindicato como uma força política considerável e democrática. Se assim não fosse, certamente nenhuma Administração Superior empenharia tanta energia em garantir seu “exército” de pró-reitores para participar de duas assembleias na mesma semana. Da mesma forma, não envidaria tantos esforços para assegurar pontos de pauta de seu interesse se não tivesse a convicção de que a ADUFMAT é democrática e, portanto, submete-se às regras que a regem.
 
               A contraposição a esse lado positivo da participação dos pragmáticos pós-modernos nas assembleias sindicais é que pretendem transformar o Sindicato em uma extensão da Administração Superior, atrelando-o aos seus interesses. Não bastasse isso, pretendem fazer valer na ADUFMAT as práticas que são típicas da burocracia pouco afeita aos debates democráticos: cerceamento do conteúdo das intervenções, cerceamento do número de intervenções, utilizando a métrica das reuniões institucionais como referência métrica do tempo sindical.
 
               Nesse particular, registre-se a reiterada indisposição para o debate político, cuja manifestação mais evidente foi a aprovação de Informes e da Análise de Conjuntura como últimos pontos de pauta. Os quais, por consequência, sequer foram discutidos. Alguma preocupação por causa disso por parte dos pragmáticos pós-modernos? Nenhuma. Para eles, o mais importante era lançar dúvidas sobre a transparência da Prestação de Contas da atual Diretoria (coincidentemente a Tesoureira era, também, a Conselheira pelo ICHS no CONSEPE). Nessa empreitada, inclusive uma Auditoria foi cogitada. Demandados a demonstrar o que estavam insinuando (inclusive porque os Relatórios Mensais relativos aos meses de Abril a Dezembro/2017 e de Janeiro a Março/2018 já estão disponíveis no site da ADUFMAT), novamente tentaram imprimir uma interpretação conveniente do Regimento para reclamar o fato de que os meses de Abril a Junho/2018 ainda não estão disponíveis. Desafiados a compor uma Comissão para analisar as contas da ADUFMAT, independente do Conselho Fiscal, recusaram-se a participar, assim como desistiram de propor Auditoria. Cristalino, nesse aspecto, não só a leviandade com que os pragmáticos pós-modernos se portam, mas, também, o fato de que a maioria deles assumiu, publicamente, sequer ter visto os Relatórios de Prestação de Contas.
 
               Coerentes com sua missão naquelas assembleias, também insistiram na aprovação de uma Moção de Apoio a dois professores que, segundo eles, foram “assediados” pelos estudantes em greve. Embora não tenham admitido publicamente, tanta insistência relaciona-se diretamente às deliberações de AG sobre a greve estudantil, assim como com as posições públicas da Diretoria da ADUFMAT. Ironicamente, uma das partes citadas como “vítima” dos estudantes manifestou, via relato de colega presente na AG, que não se sentiu agredida na ocasião e que tampouco apoiava a elaboração de uma Moção. O outro professor também não compareceu à AG para relatar o fato e suas impressões. Na ausência dele, houve esforço para que um vídeo que, segundo os pragmáticos pós-modernos, “viralizou” entre a comunidade acadêmica da UFMT, comprovasse as “agressões” de estudantes grevistas. Felizmente, por apenas um voto de diferença, a criminalização estudantil promovida pela Administração Superior não foi acrescida pela tentativa de criminalização dos estudantes pela ADUFMAT.
 
               Desta maneira, aqueles que defendem a Universidade Pública, Gratuita, de Qualidade, Democrática, Laica e Socialmente Referenciada, assim como um Sindicato Classista, Autônomo, Democrático, Solidário e Combativo precisam dimensionar o que está em jogo e responsabilizar-se por defender a ambos. Os pragmáticos empreendedores pós-modernos já disseram a que vieram.
 
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[1] Na Assembleia do dia 18 de Julho/2018, um dos professores leu, em público, uma das “convocatórias” feitas para que todos fossem à Assembleia votar contrariamente a qualquer desdobramento do Recurso ao CONSEPE.
[2] Registre-se que essa discussão foi suspensa/congelada desde o retorno da Reitora Myrian Serra da licença para tratamento de saúde, apesar dos inúmeros e reiterados pedidos de conselheiros para que essa discussão fosse imediatamente retomada e concluída.
[3] Tanto o Regimento atual da ADFUMAT quanto o anterior reconhece que a AG é soberana e que os casos omissos são por ela decididos.
[4] Sugere-se a todos assistir a Reunião do CONSEPE do dia 18 de Junho/2018. Ela está disponível no site da UFMT.