Terça, 14 Novembro 2017 14:12

 

O aumento da carga de trabalho, a precarização das condições de trabalho, a mercantilização do ensino, a expansão desordenada das instituições de ensino superior (IES) e o produtivismo são algumas das fontes relevantes de sofrimento no trabalho docente, conforme o resultado de algumas pesquisas realizadas com a categoria das IES no país. Os levantamentos, ainda escassos, mostram um cenário preocupante enfrentado por professoras e professores, que sofrem desde reações alérgicas a giz e distúrbios vocais, passando por estresse, assédio moral, depressão e até casos de suicídio.

 

Desde 1983, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) aponta essa categoria profissional como a segunda colocada na lista de profissões de mais propensas a desenvolver doenças de caráter ocupacional. Os docentes estão expostos, cotidianamente, a ruídos, movimentos repetitivos, trabalho em pé, material de trabalho inadequado e antiergonômico, intenso uso da voz e o acúmulo de tarefas diversificadas. Além dos problemas do dia-a-dia, a expansão universitária de forma precarizada, as crescentes exigências de produtivismo acadêmico e as pontuações da avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) são apontadas como principais responsáveis pelo aumento de quadros de sofrimento e adoecimento.

 

Para agravar o quadro, a tramitação no âmbito legislativo das contrarreformas da Previdência e Trabalhista, as, já aprovadas, Lei das Terceirizações- que permite a terceirização em todas as áreas nas esferas pública e privada -, a Emenda Constitucional (EC) 95 - que congela os gastos públicos por 20 anos -, e o Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação - que aprofunda a privatização da ciência e tecnologia públicas -, resultarão em consequências perversas para a carreira docente e, logo, para as relações de trabalho nas instituições públicas. 

 

“Se o docente não entra nesta maratona do produtivismo, ele é taxado de preguiçoso. Existe uma engrenagem de fabricar doentes que é o Lattes. Hoje em dia, o que está acima de tudo é o quanto você produz de artigos. Vemos também muitos professores levarem trabalho para o seu lar para dar conta de todas as atividades da instituição. As contrarreformas em curso interferem na saúde do trabalhador e, caso aprovadas, o impacto será catastrófico na vida dos docentes, que terá uma sobrecarga maior e por mais tempo. Aposentar será uma exceção”, ressaltou Sirliane de Souza Paiva, 2° vice-presidente da Regional Nordeste I e da coordenação do Grupo de Trabalho de Seguridade Social e Assuntos de Aposentadoria (GTSSA) do Sindicato Nacional.

 

Precarização no Brasil

 

A pesquisadora Izabel Cristina Borsoi, professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), explica que a precarização das condições de trabalho nas universidades não é algo novo. No caso específico do Brasil, as medidas governamentais direcionadas às instituições públicas, e postas em prática nos anos 1990, afetaram o cotidiano e a saúde dos docentes.

 

No âmbito da carreira, houve alterações nos critérios para aposentadoria e para progressões funcionais, criação de normas produtivistas de avaliação de desempenho individual, com a introdução da Gratificação de Estímulo à Docência (GED), bem como cortes de benefícios, como quinquênios, anuênios e licenças-prêmio. Quanto à remuneração, a perda de poder aquisitivo do salário e, até recentemente, o crescimento da participação dos valores adicionais salariais no total remuneratório, em detrimento de reajustes do salário-base – situação que começou a se modificar somente em 2012, após forte pressão do movimento docente, com a incorporação de alguns adicionais ao salário-base – também contribuiu para o quadro atual.

 

Aliada a isso, a expansão universitária - proposta pelo Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Públicas Federais (Reuni) -, com o surgimento de novos campi e o aumento vertiginoso da quantidade de cursos de graduação e de pós-graduação, impactou de maneira brutal a relação numérica professor-aluno e aprofundou problemas infraestruturais, pedagógicos, administrativos e financeiros, especificamente das instituições federais de ensino (IFE), e revelou-se desastrosa quanto à qualidade acadêmica e precarizou as condições de trabalho docente.

 

As crescentes exigências em torno do desempenho e da produtividade científica são apontadas também como responsáveis pelo aumento de quadros de sofrimento e adoecimento entre os professores universitários, como a Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional (intimamente ligada à depressão), que é um estresse que acomete profissionais que trabalham com qualquer tipo de cuidado, havendo uma relação de atenção direta, contínua e altamente emocional com outras pessoas. Para Izabel Cristina Borsoi, é muito provável que a carga de responsabilidade seja a causa principal da síndrome entre os docentes.

 

Segundo a pesquisadora da Ufes, o aprofundamento dos problemas, somado ao aumento da insegurança por causa das políticas de crescente contenção de verbas destinadas à educação, afetam as condições de trabalho docente, que irão piorar ainda mais com a aprovação das contrarreformas. “No caso dos docentes, a pesquisa que fiz já apontava o esgotamento de professores e professoras muito antes de se aproximarem da idade de aposentadoria, isso pelo regime atual. Muitos relatavam estar contando os dias para se afastarem dos encargos da universidade, ou porque estavam extremamente fatigados devido à excessiva demanda acadêmica, ou porque já se percebiam adoecendo ou, mesmo, doentes. Diante disso, acredito que a tendência será de piora da saúde dos docentes”, explica a docente. 

 

“Já no caso da Lei das Terceirizações, ela abre, dentro do serviço público, espaço para termos um trabalhador que irá ser tratado como sendo de segunda categoria. Terá os mesmos encargos do servidor concursado, mas terá menor salário, maior precarização de direitos e também falta de apoio sindical. Como não terá vínculo direto com a instituição, não terá carreira, portanto também não terá motivos para se comprometer com o trabalho que assume”, completou.

 

Precarização do trabalho e produtividade

 

A pesquisa citada por Izabel Cristina, “Precarização do trabalho e produtividade: implicações no modo de vida e na saúde de docentes do ensino público superior”, foi realizada com professores de uma universidade pública federal e os resultados apontaram que a procura de ajuda médica e/ou psicológica é mais frequente entre docentes de programas de pós-graduação, principalmente entre mulheres com maior número de orientandos. Eles indicaram, também, que a diversidade de atividades, quase todas obrigatórias - delimitadas e consideradas parâmetro de avaliação do desempenho acadêmico individual e coletivo – leva muitos desses professores ao sofrimento e ao adoecimento. Dos 80 docentes que assinalaram ter procurado ajuda médica e/ou psicológica nos últimos dois anos, 62,5% estavam em programas de pós-graduação. Além disso, mais de 80% deles informaram ter problemas como enxaqueca, cistite e crises gástricas.

 

De acordo com a pesquisadora da Ufes, as queixas mais frequentes dos docentes são de ordem psicoemocional, como depressão e ansiedade. Ela afirma haver, também, um conjunto de desconfortos físicos que os próprios docentes não reconhecem como doença, mas que limitam a capacidade de trabalho.

 

“É difícil sintetizar, mas a principal causa de sofrimento e adoecimento entre docentes é a demanda excessiva de atividades acadêmicas - aulas, orientações de estudantes, pesquisa, publicações, relatórios de trabalho, reuniões, participação em bancas -, que não permite que eles redimensionem suas jornadas de trabalho para incluir, no seu cotidiano, tempo efetivo para o descanso, o lazer, a familiar e social, isto é, condições para recompor de maneira adequada as energias físicas e mentais consumidas no trabalho. Um dado importante é que a maioria dos docentes costuma trabalhar em jornadas que invadem a esfera privada, o espaço doméstico. O ambiente doméstico se torna uma extensão do ambiente da universidade”, disse.

 

Professores que informaram exercer atividades acadêmicas e fazer uso frequente de medicamentos, procurar ajuda médica e/ou psicológica e sofrer desconfortos físicos e/ou psíquicos nunca são inferiores a 40%, chegando, em alguns casos, a atingir mais de 80%. Daqueles que informaram que buscam de atendimento médico/psicológico, 50% disseram participar de bancas de qualificação e de defesa de mestrado/doutorado, 51,4% publicam seus trabalhos e 51,3% afirmaram orientar alguma monografia, dissertação ou tese.

 

“Uma vez doente, o docente tem queda de sua produtividade, o que, de alguma forma afetará sua vida profissional. Mais de um terço dos integrantes da pesquisa afirma não se sentir produtivo, apesar de trabalhar muito”, disse a pesquisadora.

 

Izabel Cristina Borsoi avalia que seria importante redimensionar o trabalho docente de modo equilibrado entre as atividades que formam o tripé da universidade: ensino, pesquisa e extensão, principalmente, diante dos ataques que estão ocorrendo no mundo do trabalho e político em esfera global, e não somente no Brasil.

 

“Deveriam ser pensadas, de fato, como tendo a mesma importância, mas deixando aos docentes a possibilidade de escolha do campo em que eles mais sentem à vontade e seguros para investirem a maior parte do seu tempo de trabalho, sem que fossem cobrados ou cerceados pelas suas escolhas. Precisaríamos que a relação numérica professor-aluno fosse mais equilibrada para evitar a sobrecarga das atividades de ensino, do modo como temos hoje. Seria necessário reduzir a burocracia que tem tomado tempo precioso dos docentes. Precisaríamos ter condições de trabalho adequadas e decentes para que professores e professoras pudessem realizar suas jornadas de trabalho de oito horas na própria instituição, com hora para iniciar e terminar. Seria saudável que houvesse maior colaboração e mais solidariedade entre colegas e que evitássemos criar ambientes competitivos que, como sabemos, interferem de modo negativo nas relações interpessoais e na saúde dos docentes”, explicou.

 

Estresse e depressão na pós

 

Em outubro de 2013, pós-graduandos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) realizaram uma pesquisa sobre as condições socioeconômicas dos estudantes de pós-graduação dessa universidade. A pesquisa foi conduzida simultaneamente entre estudantes do lato sensu (cursos de especialização) e stricto sensu (mestrado e doutorado) da universidade. Os números apontaram explicitamente a deterioração das condições de vida dos estudantes do mestrado e doutorado: 50,50% dos entrevistados afirmaram apresentar problemas de sono, insônia ou sono não restaurativo; e 41,20% afirmaram ter diminuído a motivação.

 

O resultado apresentado pelos estudantes da UFRGS não é isolado. Uma pesquisa divulgada em 2009 e publicada na Psicologia em Revista mostrou que 58,6% dos estudantes de pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) estavam com algum nível de estresse. Antes, em 2005, um estudo realizado com estudantes de pós-graduação do curso de Medicina Veterinária da Universidade Estadual Paulista (Unesp) apontou que 89% dos estudantes apresentavam sintomas de ansiedade, 64% de angústia, 63% de desânimo e 61% com dificuldades de concentração.

 

Ensino Privado

 

A realidade não é diferente nas instituições privadas na Educação Básica e Superior do Rio Grande do Sul. Um levantamento realizado entre 2008 e 2009 pelo Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho (Diesat) apresentou a realidade da saúde dos professores e apontou o assédio moral como à causa de maior sofrimento e desgaste no ambiente de trabalho dos entrevistados. 45% deles referiu sofrer problemas de saúde física ou mental, 49% faz tratamento com medicamentos e outros procedimentos, 78% relatou sentir cansaço e esgotamento frequentes, principalmente, no início dos períodos letivos, finais de semestre e final do ano, e 33% dos professores sentem-se assediados moralmente por alunos, 31% por seus chefes e 23% por colegas de profissão.

 

Pesquisa Nacional do ANDES-SN

 

Diante de inúmeros casos de adoecimento docente no Brasil e no mundo, o ANDES-SN lançou em novembro do ano passado, durante o VI Encontro Nacional de Saúde do Trabalhador Docente, realizado na cidade de Feira de Santana (BA), uma cartilha para instrumentalizar as seções sindicais na realização de uma pesquisa nacional sobre saúde docente. O levantamento permitirá que o Sindicato Nacional obtenha um panorama nacional das condições de trabalho e do adoecimento docente e para fundamentar as estratégias de luta acerca dessas questões. Entre as perguntas sugeridas pela cartilha estão: ‘Sente-se reconhecido em seu local de trabalho?’, ‘Você se sente pressionado por metas de produtividade?’, ‘Você considera suas condições de trabalho precarizadas?’.

 

“Desde o primeiro Encontro Nacional sobre a Saúde do Trabalhador, sentimos a necessidade de termos mais dados sobre o adoecimento docente, pois sempre quando pautávamos o tema, os relatos de problemas psicológicos, assédio moral, o produtivismo, insalubridade e periculosidade eram muito contundentes. E o professor - mesmo doente e às vezes sem saber que está -, continua no trabalho, pois tem uma sensação de responsabilidade. Muitos adoecem lentamente, outros chegam a enfartar ou ter um acidente vascular cerebral (AVC), e quando isso acontece ninguém relaciona ao trabalho e não existe interesse da universidade, que não quer se responsabilizar pela doença e morte do trabalhador. Então, se fez mais que necessário montar esse questionário, que foi construído a muitas mãos, em diversas reuniões do GTSSA do Sindicato Nacional, em oficinas, debates, com profissionais da área da saúde do trabalhador”, disse Maria Sueli, da Associação dos Docentes da Universidade Federal do Paraná (Apufpr-Seção Sindical do ANDES-SN), onde a pesquisa já foi aplicada e adaptada de acordo com a realidade da seção sindical.

 

Maria Sueli observou também o efeito didático na aplicação do questionário. "Percebemos que, à medida que aplicávamos o questionário, víamos o efeito político de percepção dos professores, que tomaram consciência de que é preciso descansar e ter momentos de lazer”, disse Maria Sueli. “Do que vale tantos pontos no Lattes? Daqui para frente temos que trabalhar no sentido da prevenção, combater o produtivismo, o assédio moral, e a questão do suicídio em decorrência do trabalho. E isso é muito grave”, pontuou.

 

Para Sirliane de Souza Paiva, coordenadora do GTSSA do Sindicato Nacional, a pesquisa sobre a saúde do trabalhador é fundamental diante dos ataques postos. “Só conseguiremos ter dados para utilizar do ponto de vista judicial se fizermos este levantamento e compararmos com os coletados nos próximos 10 anos. Os dados que levantaremos agora serão baseados na atual política. Com qualquer tipo de mudança de cenário, continuaremos brigando para reverter esses ataques, mas precisamos além da luta, ter esses dados”, disse.

 

Em 2009, o ANDES-SN realizou o seu 1° Encontro sobre Saúde do Trabalhador, em São Paulo. No ano seguinte, durante do 29° Congresso na cidade de Belém (PA), a temática do adoecimento docente passou a ter um caráter central na pauta de lutas do Sindicato Nacional, tendo sido discutida em todos os setores (federais, estaduais e particulares) e foram deliberadas ações com o objetivo de fazer com que a entidade se aproprie da produção acadêmica sobre a temática do adoecimento dos trabalhadores da educação. “É possível observar com o decorrer dos anos que a questão da saúde docente tem ocupado um espaço cada vez mais central nas discussões do Sindicato Nacional”, concluiu a diretora do ANDES-SN.

 

Outros países

 

Em 2006, uma pesquisa realizada pelo grupo de Psicologia, Clínica e Saúde da Universidade de Múrcia (UM), na Espanha, com 1,1 mil servidores da instituição - entre professores e técnico-administrativos - revelou que 44,36% disseram sofrer “mobbing” – termo em inglês "to mob" significa "agredir" -, ou assédio moral no local de trabalho. Destes, 83% afirmaram sofrer estresse crônico; 67,8%, de tristeza; 54% insônia; e 8% pensamentos suicidas. Os efeitos do “mobbing” sobre a vítima são ansiedade, insônia, falta de apetite ou apetite excessivo, dores fortes de cabeça, tonturas, esgotamento e depressão. Mais de um terço dos que afirmaram sofrer de estresse apresentam sintomas físicos.

 

Os entrevistados afirmaram sofrer também com os “stalkers” - palavra inglesa que significa "perseguidor". Desses, 51,6% relataram que os “stalkers” distorcem o que é dito no trabalho, 49% afirmaram que estes avaliam o trabalho de forma injusta ou viés negativo, 44% que inventam boatos e calúnias que ferem a imagem dos entrevistados. Segundo o professor José Buendía, coordenador da pesquisa, por trás das agressões, o propósito, na maioria das vezes, é que as vítimas abandonem a academia, já que elas não podem ser demitidas.

  

 Fonte: ANDES-SN (reportagem inicialmente publicada no InformANDES de Maio de 2017. Ilustrações de Rafael Balbueno)

Sexta, 10 Novembro 2017 09:19

 

O recente suicídio de um doutorando da USP, dentro do laboratório em que trabalhava no Instituto de Ciências Biomédicas, trouxe à tona questões que, embora frequentes, são pouco discutidas. Problemas vivenciados no dia a dia dos docentes e pesquisadores das universidades públicas, como as precárias condições de trabalho, o adoecimento do trabalhador e até o tabu do suicídio necessitam ser debatidos junto à sociedade. A discussão qualificada dessas questões é considerada um caminho à prevenção.

 

Excesso de carga horária, falta de infraestrutura adequada, pressão para cumprir prazos, ambientes insalubres, assédios morais e sexuais, baixa remuneração, entre outros, são problemas a que professores estão expostos cotidianamente. Quando o foco são os docentes da educação pública superior, soma-se a questão da imposição do produtivismo acadêmico, fruto, sobretudo, das políticas desumanas dos órgãos responsáveis pelos financiamentos das pesquisas. Dois desses exemplos são o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

 

A grave questão ganha contornos trágicos quando inserida no atual contexto político, em que medidas neoliberais, empregadas pelo governo de Michel Temer, como as reformas trabalhistas, da previdência e a Lei das Terceirizações, cortam direitos trabalhistas e sociais. Diante do cenário amplamente desfavorável, torna-se de fácil compreensão a análise da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a qual identifica docência como a segunda profissão com a maior probabilidade a desenvolver doenças.

 

Produtivismo

 

Pesquisa divulgada pelo ANDES-SN e pela Associação dos Docentes da Universidade Federal do Pará (Adufpa Seção Sindical), de 2014, evidenciou que condições de trabalho adversas, oriundas da imposição do produtivismo acadêmico, podem levar docentes ao adoecimento mental. De 2006 a 2010, de todas as solicitações de afastamentos de professores do trabalho na Ufpa, 14,13% foram por questões relacionadas à saúde mental. A pesquisa “Trabalho Docente e Saúde: Tensões da Educação Superior” foi coordenada pelo médico e professor Jadir Campos (Ufpa).

 

Com atuação na área da saúde há 34 anos, o pesquisador João Fernando Marcolan, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) analisa que a competição instalada entre docentes pelo sistema produtivista, imposta por Capes e CNPq, é motor para o sofrimento psíquico. Além disso, leva a sentimentos de inferioridade, incapacidade e incompetência.

 

“O sistema é perverso, pois não há verbas para todos, determinados grupos de pesquisa ficam com boa parte das verbas, não há isonomia de tratamento para as diferentes regiões brasileiras e suas necessidades específicas, o mérito é muito subjetivo por parte do avaliador, há interesses políticos-ideológicos em escolhas. Enfim, caso o docente não perceba as engrenagens do sistema ainda toma para si a culpa de não ter obtido sucesso em sua aventura de não perecer. Caso saiba das engrenagens, resta o sentimento de impotência e frustração”, afirma Marcolan.

 

As consequências do produtivismo para a saúde do docente são ainda mais impactantes em quem atua na pós-graduação. Essa é uma das análises do artigo científico “Professores do ensino público superior: produtividade, produtivismo e adoecimento”, publicado em 2013, pela Universidade Psychol, de Bogotá, Colombia. De autoria de Izabel Cristina Borsoi (Universidade Federal do Espírito Santo) e Flavilio Pereira (Instituto Ideias Vitória), o trabalho teve como base uma pesquisa realizada, entre 2009 e 2010, com docentes da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

 

De acordo com a pesquisa da Ufes, dos 80 docentes que informaram ter procurado ajuda médica e/ou psicológica, 62,5% pertenciam a programas de pós-graduação. Mais de 80% também informaram sofrer de enxaqueca, cistite e crises gástricas.

 

O artigo de Bolsoi e Pereira explicita o papel que o docente foi obrigado a assumir diante do processo produtivista. “O professor passou a assumir um leque de tarefas não só qualitativamente distintas, mas também, e principalmente, impactantes em termos quantitativos. É essa nova dimensão do trabalho que faz com que o docente não consiga estabelecer limites para sua jornada de trabalho, sendo forçado a invadir o tempo da vida privada com demandas laborais”.

 

 

 

Sucateamento

 

Para Caroline Lima, a diretora da Aduneb Seção Sindical e do ANDES-SN, parcela dos docentes se tornam reféns das imposições das agências de fomento, devido às políticas estaduais e federal de sucateamento das universidades públicas. Sem orçamento e recursos para custeio e investimento, as administrações das instituições de ensino superior delegam aos docentes a tarefa de captar recursos a suas pesquisas e laboratórios. A excelência profissional se atrelou à publicação, como se o trabalho intelectual fosse um produto resultado de um trabalho em série, sem reflexão, só tecnicista. A atividade docente dentro do capitalismo não deixa espaço para o lazer.

 

Caroline Lima reforça a denúncia sobre o problema da competitividade gerada pela falta de orçamento e a necessidade do produtivismo. O processo de competição vem como consequência da mercantilização do trabalho docente. A educação foi transformada em mercadoria, a produção intelectual em produto, em resultado. “Com o novo marco legal da ciência e tecnologia, a produção intelectual tornou-se mercadoria. Isso acirra as relações de poder dentro das universidades. Precisamos fomentar espaços de sociabilidade para a categoria e também a solidariedade entre nós, assim poderemos vencer o clima de disputa que tanto prejudica a luta de classes”, comenta a diretora.

  

Burnout

 

A síndrome de Burnout é caracterizada pelos especialistas ouvidos pela reportagem como uma das principais doenças que surgem como consequência do produtivismo. O problema acontece principalmente a partir do esgotamento profissional, da tensão no ambiente de trabalho e estresse crônico. A síndrome tem como de seus principais efeitos a depressão.

 

Suicídio

 

Embora a questão traga incômodo à sociedade e ao universo acadêmico, casos mais graves de adoecimento docente e depressão podem levar o professor ao suicídio. A questão, embora seja tabu, segundo os especialistas, precisa ser discutida para que possa ser prevenida. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, a depressão é o principal fator de risco associado ao comportamento suicida. O professor da Unifesp, João Marcolan, define por comportamento suicida “Ter ideias de se matar, planejamento para se matar, tentativas que não resultem na própria morte e o suicídio”.

 

A reportagem não encontrou pesquisas específicas sobre o suicídio de docentes da educação pública superior. O pesquisador Marcolan, após afirmar também não conhecer pesquisas sobre o tema, alertou que a própria ausência de dados é um indicativo que o comportamento suicida ainda causa incômodo na sociedade brasileira. Para o docente, as informações ficam escondidas e subnotificadas em meio aos dados da população geral. “Percebe-se que o preconceito é ainda maior quando se trata dos estratos sociais não vulneráveis e considerados bem-sucedidos”, comentou.

  

Para além da ausência das pesquisas que mensurem o problema, o fato é que o suicídio na categoria docente existe e pode ter índices assustadores de frequência. Um levantamento feito pela reportagem junto às associações docentes das universidades estaduais baianas, evidenciou que, apenas nos últimos três anos, ocorreram quatro casos de suicídio de professores da Uneb e três na Uesb. Acredita-se que em algumas das ocorrências, o adoecimento que levou à morte, também possa ter sido agravado por preconceitos sociais, a exemplo da LGBTfobia.

 

Em dados gerais, baseado no relatório da Organização Mundial de Saúde, o Brasil é apontado como o 8º país em incidência de suicídio no mundo, com mais de 11 mil registros anuais. No planeta todo, mais de um milhão de pessoas tiram a própria vida durante o ano, isso significa uma morte a cada 40 segundos.

 

 

 

Isolamento

 

O psicólogo e professor Samir Mortada, trabalha no Ifba de Salvador, local que, em setembro deste ano, outro docente também cometeu suicídio. Mortada explica que o suicídio, geralmente, acontece devido a uma somatória de fatores, de problemas que, juntos, fazem com que a pessoa entenda que a única saída seja desistir da vida. Para o psicólogo, o conflito pessoal geralmente ainda tem como pano de fundo o isolamento social. Quando as pessoas não se sentem protegidas a partir das ações políticas, das ações organizadas e coletivas, a pressão recai mais forte sobre o indivíduo. Ele tenta lidar sozinho com os problemas e, portanto, geralmente de uma maneira mais frágil. O resultado é que dentro da complexa sociedade atual os indivíduos estão cada vez mais isolados, mesmo dentro de casa se isolam em seus celulares, computadores, em si mesmos. Assim, os vínculos interpessoais são enfraquecidos. Nesse modelo, partilhar tristezas, problemas é algo cada vez mais difícil.

 

“Quem sofre o problema, a depressão, vê como fraqueza pessoal, não quer incomodar. A tristeza não é bem vista publicamente. Pensar a tristeza é algo desvalorizado do ponto de vista social, então, se vive o problema sozinho. Com a piora das condições de trabalho, isso se torna mais um fator agravante”, comenta Samir Mortada.

 

Preconceito

 

Como já citado na reportagem pelo psicólogo do Ifba, o processo de adoecimento que resulta em comportamento suicida, geralmente, é multifatorial. Assim, além dos problemas profissionais, outras questões ainda agravam o quadro. Nesse cenário, é comum que pessoas pertencentes a grupos minoritários e oprimidos, a exemplo de LGBTs, negras e mulheres, sejam ainda mais prejudicadas.

 

Caroline Lima defende a tese de que o preconceito, também dentro da academia, seja um forte agravante de quadros de comportamento suicida. Com base no processo histórico, ela explica que a universidade brasileira não foi pensada para as minorias. No século XIX, as faculdades eram formadas apenas por homens, brancos e filhos da elite. A homossexualidade foi tratada como doença até a década de 1990, e como crime até o início do século XX. Tais questões, que precisam ser combatidas, estão até hoje enraizadas na academia e são levadas à frente por grupos conservadores.

 

“Enquanto não reconhecermos que assédios, LGBTfobia, machismo, racismo e sexismo matam, assim como a exploração do trabalho, vamos continuar assistindo colegas tirarem a própria vida por não suportarem mais sentir a dor causada pelo preconceito”, comenta a diretora do ANDES-SN, que também é historiadora. 

 

Prevenção

 

Quanto à prevenção ao adoecimento docente e todas as suas possíveis consequências, de acordo com os entrevistados, é necessário caminhar por dois campos distintos. O primeiro ponto, defendido tanto por Marcolan (Unifesp) quanto por Mortada (Ifba), é a ampla discussão do problema, de maneira qualificada e adequada na sociedade; a criação e ampliação de espaços de escuta para o suporte social aos indivíduos em risco; a formação de agentes sociais (professores, religiosos, líderes comunitários etc) para atuarem na prevenção e qualificação dos profissionais da saúde para atendimento desses casos; além da prática da vida saudável, prezando por alimentação, descanso, recreação, atividades físicas etc.

 

Já o segundo campo diz respeito à atuação política. Para Caroline, culturalmente, a prática docente foi constituída como a profissão do cuidado, responsável pela formação dos sujeitos. Esses elementos culturais criaram no imaginário que ser professor é ser intelectual, mas não um trabalhador. Diante disso, é necessário investir em espaços de formação política para apontar os problemas presentes na universidade e nas condições de trabalho.

 

Quem procurar

 

Centro de Valorização da Vida (CVV) – atendimento realizado por internet e telefone. O único custo é o da ligação local. Voluntários estão disponíveis 24h por dia para quem precisar conversar sobre os problemas enfrentados. Telefone: 141 / site https://www.cvv.org.br

 

 

 

 Fonte: Aduneb-SSind (com edição do ANDES-SN e imagens e ilustrações de redes sociais)

 

Terça, 22 Novembro 2016 18:01

 

 

O dia nacional de paralisações e mobilizações contra os ataques aos trabalhadores será encerrado com um importante debate sobre adoecimento e suicídio no trabalho no campus da UFMT em Cuiabá. O aprofundamento do neoliberalismo e os momentos de crise do Capital, quando direitos são ameaçados e retirados, são os ambientes perfeitos para a manifestação de doenças provocadas pelas relações do trabalho.

 

Especialistas nessa área, os professores Luci Praun (Universidade Metodista de São Paulo) e Nilson Berenchtein Netto (Universidade Federal de Uberlândia) são os convidados para falar sobre o tema, a partir das 19h do dia 25/11 (próxima sexta-feira), na sede da Adufmat – Seção Sindical do ANDES.

 

O evento, organizado pelo GT de Política e Formação Sindical da Adufmat-Ssind (GTPFS), é gratuito e aberto a todos os interessados. Haverá certificado aos participantes.  

 

Conheça os debatedores

 

Luci Praun é graduada em Ciências Sociais e doutora em Sociologia pelo programa de pós-graduação do IFCH / UNICAMP. Atualmente é professora associada I do curso de Licenciatura em Ciências Sociais, Jornalismo e Psicologia da Universidade Metodista de São Paulo. Integra o Grupo de Pesquisa “Transformações no mundo do trabalho: um estudo sobre o impacto das políticas de geração de trabalho e renda em São Bernardo do Campo”; e o Núcleo de Educação em Direitos Humanos da UMESP. Principais áreas de atuação em pesquisa: sociologia do trabalho; mudanças recentes no mundo do trabalho; história do movimento operário e sindicalismo no Brasil. Co-autora do livro Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil (Ed. Boitempo), organizado por Ricardo Antunes, e do livro Sindicatos Metalúrgicos no Brasil Contemporâneo (Ed. Fino Traço), organizado por Davisson C. Souza e Patrícia Tropia.


Currículo Lattes

 

Nilson Berenchtein Netto é psicólogo, doutor em Psicologia da Educação e mestre em Psicologia Social. Cursou seu doutorado com bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia Social, Psicologia Escolar e Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas: Psicologia Histórico-Cultural, desenvolvimento humano, Psicologia Social, infância e adolescência, Saúde do Trabalhador, violência e suicídio.

 

Currículo Lattes

 

 

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind