Segunda, 17 Agosto 2020 13:32

O ENCONTRO DOS MICROPODERES COM A SERVIDÃO VOLUNTÁRIA - Alair Silveira

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        Profa. Dra. Alair Silveira[1]
 

            Dos tempos que pensávamos distantes ressurgem os monstros que queríamos superados. E poucas relações podem ser mais nefastas para a democracia do que aquelas que, envoltas pela aparência democrática, liberam seus detratores.

            No melhor estilo foucaultiano, alguns indivíduos investidos de micropoderes institucionais sentem-se liberados para tripudiar sobre as regras democráticas e os direitos alheios. E o fazem com uma desfaçatez que ultraja qualquer decoro procedimental. Mas, diga-se em seu favor: não o fazem (nem poderiam) sem a conivência subserviente de um número nada desprezível de outros indivíduos. Trata-se, como definiu La Bóetie, no século XVI, da servidão voluntária.

            Sob tal condição, paradoxalmente, servem aos interesses do tirano, em detrimento dos seus próprios interesses. Não porque são masoquistas, mas porque acreditam (por ilusão, por educação ou por tradição) que essa é a única forma de viver. A sagacidade de La Boétie, portanto, repousa na análise de um poder que tiraniza a partir da servidão voluntária dos oprimidos. Em outras palavras, a tirania extrai dos tiranizados a força que empodera o tirano.

            O encontro dos micropoderes com a servidão voluntária do século XXI tornou-se corriqueiro, e passeiam de braços dados sob as vestimentas da (pós)modernidade como se fossem a expressão mais robusta da democracia moderna.

            Na UFMT, as últimas reuniões dos conselhos superiores, especialmente aquelas convocadas como Colégio Eleitoral, sob a batuta do professor e procurador-geral do estado, Luiz Alberto Esteves Scaloppe, são a demonstração cabal de como micropoderes institucionais - e circunstanciais - podem resultar na tirania consentida.

            Desde que assumiu a presidência do Colégio Eleitoral – por indicação do atual reitor e não por eleição dos pares – o Conselheiro deleitou-se nas arbitrariedades. Sentindo-se a personificação do ‘poder’, o Conselheiro-mor desrespeitou o Regimento; negou direito de fala a alguns conselheiros; interveio nas manifestações quando o conteúdo das intervenções não estava em acordo com o que ele pensava; desconheceu direito à declaração de voto àqueles que se abstiveram; foi conivente com  corte de som dos microfones dos conselheiros quando lhe conveio; retirou-se abruptamente da sala virtual sem concluir a reunião; ironizou as reclamações dos conselheiros inconformados, “esclarecendo” que não se tratava de assembleia sindical etc. Ao menos reconhece que as assembleias sindicais são democráticas e cumprem as regras procedimentais!

            Porém, nada disso poderia surtir efeito sem a anuência da maioria dos conselheiros. A intolerância para com as arbitrariedades poderia ter sido a barreira intransponível para a soberba. Infelizmente para aqueles comprometidos com a democracia e, principalmente, com a UFMT, a maioria dos conselheiros encontrou em justificativas indefensáveis o argumento para renunciar ao direito de fazer valer o seu direito e defender a história de consulta democrática da própria Universidade. Curvados diante do poder simbólico das estruturas institucionais, cederam à prepotência e consolidaram o caminho da arbitrariedade.

            O resultado de todo esse processo não foi somente uma consulta com vício de origem (porque construída sobre o desrespeito às regras procedimentais), moldada pela ilegitimidade, mas, consequente e inevitavelmente, as cicatrizes cravadas sobre a Instituição. Cicatrizes que marcarão, também, a história de qualquer um daqueles que se refestelaram nesse trágico capítulo da vida da UFMT, com ou sem nomeação pelo presidente da República.

            Na vida, as pessoas fazem escolhas. E para cada escolha, há consequências. Algumas preferem marcar sua trajetória pela soberba; outras, pela sujeição; outras, ainda, pelo oportunismo. Mas a história também é feita de homens e mulheres que não se extasiam com os poderes, nem a eles sucumbem ajoelhados. Esses últimos, como ensinou Brecht, são imprescindíveis. Os outros... passarão...
 

 


[1] Professora de Ciência Política do Depto. Sociologia e Ciência Política/SOCIP/UFMT e do Programa PPGPS-SES/UFMT; Pesquisadora MERQO/CNPq; Membro GTPFS/ADUFMAT-ANDES/SN.

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