Terça, 21 Março 2023 09:32

 

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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JUACY DA SILVA*
 


O Dia Internacional das Florestas é celebrado em 21 de Março e o Dia Mundial da Água em 22 de Março de cada ano, conforme Resoluções da ONU. Os temas deste ano são: Florestas e saúde; e, quanto ao Dia mundial da Água: Acelerando as mudanças – seja a mudança que você deseja ver no mundo”.

Para melhor compreendermos alguns dos desafios socioambientais que ameaçam a vida no planeta, podemos imaginar um triângulo em que em sua base estejam as florestas, de um lado as águas e do outro as mudanças climáticas e como essas três realidades afetam os sistemas econômicos, a vida e a sobrevivência no planeta. No Centro deste triângulo, como enfatiza o Papa Francisco, está a Ecologia Integral, dentro da máxima de que “tudo está interligado, nesta Casa Comum”, que o Planeta terra.


A destruição das florestas afeta o regime de chuvas, o clima e as águas, da mesma forma que a poluição e degradação dos vários cursos d’água e dos oceanos afetam a biodiversidade, a vida aquática, marinha e também a vida na terra, a produção de alimentos e de outras matérias primas essenciais para a vida no planeta.


Sem florestas e sem água todas as formas de vida, inclusive a vida humana fica ameaçada de extinção, esta é uma catástrofe anunciada há muitas décadas e que a cada ano se torna mais grave e mais iminente.


Ao longo dos últimos últimos 50 anos a crise socioambiental mundial tem se agravado de uma forma muito intensa e rápida. Diversas são suas manifestações e consequências como aquecimento global, mudanças climáticas, degradação dos diversos ecossistemas, aumento da desertificação, da erosão, do desmatamento e destruição das florestas, poluição do solo, do ar e das águas interiores e dos oceanos; destruição da biodiversidade, colocando em risco todas as formas de vida no planeta terra, inclusive a vida humana.


Ao longo dessas cinco décadas não tem faltado alertas quanto à gravidade desta crise socioambiental planetária, tanto por parte de dezenas de milhares de cientistas, lideres mundiais de todos os setores, inclusive líderes religiosos, como o Papa Francisco que, em 2015 publicou a Encíclica Laudato Si, coincidindo com o estabelecimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável pela ONU e pela aprovação do Acordo de Paris, com objetivos e metas com os e as quais praticamente todos os países, com apenas algumas exceções, se comprometeram a cumprir, transformando-os e transformando-as em políticas de governo.


No ano 2000, a ONU estabeleceu As oito Metas do Milênio, como base para que os países conjugassem esforços, tendo o ano de 2015 como referencial visando a combater a pobreza, a miséria e a melhor cuidar dos diversos aspectos socioambientais que colocavam e ainda colocam em risco as possibilidades de um planeta saudável e sustentável.


Desnecessário dizer que tais metas não foram plenamente atingidas e deixaram muito a desejar. Assim, em 2015 em Assembleia Geral a ONU, com anuência de praticamente todos os países, aprovou um novo Pacto em torno de 17 grandes objetivos que, da mesma forma que as metas do milênio, deveriam servir de base para a definição das políticas nacionais, tendo em vista o horizonte de mais 15 anos, ou seja, até 2030, que passaram a ser conhecidas como Agenda 2030.


Dentre tais objetivos do desenvolvimento sustentável, cabe destaque nesta reflexão o de número 06 Água limpa e saneamento básico, número 14 que se refere `a vida na água e o de número 15 que está voltado para a vida na terra.


Em 1980 a ONU proclamou, aprovou que até 1990 seria a Década da Água e, em 1992, pouco antes da ECO 92 no Rio de Janeiro, na Conferência sobre Água e Meio Ambiente, realizada em Dublin, na Irlanda do Norte foi aprovado o que seria o primeiro tratado internacional sobre Água, sendo que em seu primeiro princípio ficou estabelecido que “a água doce é um recurso finito, vulnerável e essencial para garantir a vida, o desenvolvimento e o meio ambiente.


Para enfatizar mais ainda o compromisso em relação às questões socioambientais a ONU também definiu  que de 2011 a 2020 seria a Década da Biodiversidade, que o ano de 2011 seria o Ano Internacional das Florestas e entre 2021 até 2030 seria a Década da Restauração dos Ecossistemas Degradados.


Apesar desses esforços da ONU a cada ano mais de 10 milhões de florestas são destruídas no mundo, sendo que quase metade dessas se transformam em áreas degradadas.


Além disso, diversas Conferências Internacionais sobre meio ambiente, água, clima, biodiversidade e outras mais, foram e continuam sendo realizadas ao longo de mais de 50 anos, sem que, todavia, a grande maioria dos Governos Nacionais cumpram com os compromissos, objetivos e metas estabelecidos nesses acordos, mesmo que firmados de maneira soberana polos diversos países, ou seja, muita “pompa e cerimônias”, declarações que, na verdade servem mais para alimentar a mídia do que realmente bases para políticas públicas, estratégias e planos de desenvolvimento nacional, regional e local.


A prova cabal deste distanciamento entre acordos firmados e ações realizadas é representada por um grande abismo, demonstrando a falta de vontade política e a demagogia como características dos governantes dos vários países, inclusive do Brasil.


Na Assembleia Geral da ONU em 2012 foi aprovada a Resolução instituindo o DIA INTERNACIONAL DAS FLORESTAS a ser celebrado anualmente em 21 de Março, como um marco para reflexões sobre a situação das florestas no mundo inteiro e o que está acontecendo em relação `as florestas em todos os países, principalmente aqueles que ainda tem em seus territórios florestas nativas como o Brasil e também os países que integram a Pan Amazônia, a Rússia, o Congo e outros países Africanos, a Indonésia e outros países asiáticos, o Canadá, os Estados Unidos e outros mais.


As informações, os dados e as estatísticas que a ONU tem divulgado sobre questões socioambientais, principalmente em relação `a destruição das florestas e ao estado das águas são estarrecedores e fazem parte de um cenário muito sombrio que paira sobre todos os países e apontam horizontes extremamente graves.


Na Encíclica Laudato Si, o Papa Francisco nos exorta de que na base desta catástrofe anunciada, nesta complexa e grave crise socioambiental, que afeta toda a humanidade, mas de uma maneira mais cruel os pobres, ou seja, as camadas excluídas, tem como causas a ganância humana, os modelos socioeconômicos e políticos que facilitam a exploração dos recursos naturais de maneira predatória, com vistas apenas ao lucro fácil e imediato, `a concentração de capital, renda, riqueza e propriedades em um número extremamente reduzido de pessoas, em detrimento da imensa (90%) da maioria da população mundial e de cada país.


Este modelo desumano desconsidera os direitos das pessoas a usufruírem dos bens e serviços produzidos socialmente e também os princípios da justiça social e da justiça intergeracional, bem como os limites e direitos da natureza.


Por exemplo, a ONU estima que até 2040 nada menos do que 600 milhões de toneladas de plástico deverão ser carreados para os oceanos e talvez o dobro disto deverá estar poluindo rios, lagoas e córregos nos diversos países.


Em 2022 a quantidade de pessoas no mundo que ainda continuavam sem acesso `a água potável era de 2,0 bilhões de pessoas; 2,8 bilhões ainda não tem acesso ao saneamento básico e mais de 1,9 bilhão não tem água sequer para higiene pessoal.


No Brasil também a situação é extremamente grave e vergonhosa. Em torno de 35 milhões de pessoas não tem acesso à água potável de qualidade e mais de 100 milhões de habitantes não tem acesso ao saneamento básico, convivem com esgotos a céu aberto, lixo, degradação ambiental e poluição, tornando a qualidade de vida de quase a metade da população brasileira extremamente degradante. Mas isto não consta da “pauta” das preocupações de nossos governantes e das camadas privilegiadas, que só “enxergam” essa população miserável por ocasião das eleições.


Quanto `as florestas o panorama não é nada animador. A expansão das fronteiras agrícolas, as atividades de mineração legais ou ilegais, a construção de barragens para a produção de energia, o desmatamento e as queimadas, o uso predatório do solo e subsolo, tem afetado os mananciais e as nascentes de córregos e rios de todas as bacias, em todos os países, inclusive no Brasil.


Em 40 anos, entre 1980 e 2020, o mundo assistiu `a destruição de mais de um bilhão de hectares (ha) de florestas e savanas e juntamente com essa devastação, mais de 40 mil espécies animais e vegetais foram extintas e milhares de outras estão em processo de extinção.


Estima-se que 40% da área Terrestre já esteja extremamente degradada. O custo anual para se combater a degradação e recuperar esses ecossistemas e dos oceanos, segundo cálculos da ONU, contidos no relatório de 2022 “Global Land Outlook 2” é de aproximadamente entre US$125 a 140 trilhões de dólares, bem maior do que o PIB mundial em 2021, que foi de 97 trilhões de dólares.


A ONU declarou que entre 2021 e 2030 é a Década para a Restauração de áreas Degradadas, sendo que no mundo existem mais de 1,0 bilhão de ha de áreas degradadas, das quais 140 milhões de ha no Brasil. A Meta da ONU é que até 2030 em torno de 350 milhões dessas áreas degradadas sejam restauradas/recuperadas, mas isto depende, do esforço de todos os países, principalmente os países, como o Brasil que tem grandes territórios e, também, grandes áreas degradadas e que continuam desmatando, destruindo os biomas.


Outra consequência extremamente grave produzido pela destruição das florestas, além de afetar os mananciais e o regime de chuvas, é a produção e emissão de gases tóxicos na atmosfera, que produz o aquecimento global, via efeito estufa e provoca as temíveis mudanças climáticas.

Esta destruição das florestas contribui para a emissão de 7,5 milhões de toneladas de dióxido de carbono e outros gases que agravam o aquecimento global. De 2000 até o ano de 2100, essas emissões de gases tóxicos na atmosfera deverão atingir 98,7  gigatons de Co2 e outros gasess de efeito estufa, causando o aquecimento da temperatura média da terra em mais de 2,5 graus, nível praticamente impossível para várias formas de vida, inclusive da vida humana.


Enfim, oxalá tanto a população quanto os governantes do mundo todo e, principalmente, no Brasil possamos aproveitar o Dia Internacional das Florestas e o Dia Mundial da Água, para uma reflexão mais profunda sobre tanto o nosso modelo de “desenvolvimento” quanto nosso compromisso de pautarmos nossas ações individuais e coletivas pela sustentabilidade, pela justiça social, pela justiça intergeracional e por uma economia mais racional, que respeite os limites da natureza e o direitos dos trabalhadores e dos consumidores, através da produção e do consumo responsáveis e sustentáveis.

Só assim estaremos melhor cuidando do planeta, protegendo nossas florestas, nossos mananciais e garantindo qualidade de vida para toda a população de nosso país e não apenas uma minoria privilegiado.


Em tempo, tanto no Brasil quanto em Mato Grosso tanto as florestas quanto as águas e saneamento básico continuam em processo de destruição e degradação extremamente graves, colocando em risco a vida, a saúde e o bem estar da grande maioria da população. Cabe a nós refletirmos criticamente sobre esta situação e buscarmos as saídas e as alternativas de ação.


*JUACY DA SILVA, professor universitário, titular e aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista e articulador da PEI Pastoral da Ecologia Integral. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profJuacy

Quinta, 23 Fevereiro 2023 13:44

 

 

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Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Juacy da Silva*
 

Apesar dos “avanços” ocorridos com a promulgação da Constituição de 1988, em relação aos direitos dos povos indígenas, como destaca o professor de direito Gustavo Proença, parece que na prática a realidade é bem outra, muito diferente do que consta no texto constitucional.

Vejamos esta reflexão, sob a ótica da Jornalista Cristiane de Oliveira - Repórter da Agência Brasil, Rio de Janeiro, em artigo publicado em 19/04/2017, por ocasião do DIA DO ÍNDIO/ DOS INDÍGENAS: “A Constituição de 1988 pode ser considerada um marco na conquista e garantia de direitos pelos indígenas no Brasil. A afirmação é do professor de direito Gustavo Proença, pesquisador da área de direitos humanos. Para ele, a Carta Magna modificou um paradigma e estabeleceu novos marcos para as relações entre o Estado, a sociedade brasileira e os povos indígenas.

Enquanto o Estatuto do Índio (Lei 6.001), promulgado em 1973, previa prioritariamente que as populações deveriam ser "integradas" ao restante da sociedade, a Constituição passou a garantir o respeito e a proteção à cultura das populações originárias. “O constituinte de 1988 entende que a população indígena deve ser protegida e ter reconhecidos sua cultura, seu modo de vida, de produção, de reprodução da vida social e sua maneira de ver o mundo”, destaca Proença”.

A Constituição Federal de 1988 traz em seu bojo diversos dispositivos que se aplicam, diretamente aos povos indígenas e outros dispositivos gerais, principalmente garantias individuais e coletivas que, de forma indireta, também se aplicam a esses povos tradicionais, garantindo, inclusive, suas ancestralidades.

Vale a pena destacar nesta reflexão alguns desses dispositivos constitucionais: “Art. 20. São bens da União: XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: XIV - populações indígenas; Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: XVI - autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais; Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: XI - a disputa sobre direitos indígenas. Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas; Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra. § 1.º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o caput deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa brasileira de capital nacional, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas. Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. § 2.º O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1.º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.

CAPÍTULO VIII Dos Índios Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. § 1.º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. § 2.º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. § 3.º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. § 4.º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. § 5.º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco. § 6.º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé. § 7.º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, §§ 3.º e 4.º. Art. 232.

Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.

Art. 67. A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição”. (ou seja, esta determinação constitucional que deveria ter sido executada ate 1993, praticamente foi ignorada, principalmente no último período governamental, em que nenhuma demarcação de território indígena foi realizada). Apesar deste artigo constar explicitamente na Constituição nem mesmo o STF, que é considerado o “Guardião” da Constituição parece ignorar este dispositivo.

No entanto, apesar desses marcos legais/constitucionais, vejam que absurdo, parece que estão colocando a raposa para tomar conta do galinheiro ou o vampiro para administrar o banco de sangue. Reflitam sobre o que já aconteceu, o que está acontecendo e o que ainda pode acontecer em relação a esta tragédia anunciada e perpetrada ao longo de séculos, décadas, mas, principalmente, nos últimos quatro, sete ou dez anos em relação aos diferentes povos indígenas no Brasil, uma verdadeira calamidade, uma tragédia humanitária, uma vergonha nacional e mundial.

Acabo de receber em meu correio eletrônico (E-mail) uma notícia, se não estarrecedora, pelo menos inusitada. Trata-se de uma Comissão constituída no âmbito do Senado Federal para “Acompanhar e fiscalizar” as providências que estão sendo tomadas, principalmente pelo Governo Federal e também outros organismos públicos, para enfrentar a chamada crise do povo indígena Yanomami, que na verdade é um genocídio contra este e tantos outros povos indígenas que, ao longo de séculos foram e continuam sendo dizimados, literalmente.

Transcrevo aqui parte do teor do e-mail contendo a notícia a que me refiro, cuja fonte é o Site Climainfo (https://www.climainfo.org.br 17/02/2023) “O Senado Federal instalou, nesta 4ª feira (15/2), uma comissão temporária para acompanhar a situação dos Yanomami, que vivem uma grave crise humanitária e sanitária decorrente da presença ilegal de garimpeiros em seu território, e observar os esforços do governo federal em retirar os invasores. Para a presidência da comissão, uma escolha insólita, se não imprópria: o senador Chico Rodrigues (PSB-RR),aliado do governo Bolsonaro, de quem foi vice-líder no Congresso Nacional, tem laços públicos e notórios com atividades de garimpo em Roraima e defensor de garimpeiros, a quem chegou a elogiar essas atividades criminosas como um “trabalho fabuloso”.

Ao ser escolhido para Presidir a referida Comissão, o Senador  fez uma declaração claramente preconceituosa. Em entrevista à Globonews, o mesmo disse que os garimpeiros são “vítimas” da situação e classificou os Yanomami como “a última etnia do planeta no século XXI que ainda é primitiva, totalmente primitiva”.

Voltando `a minha reflexão, gostaria de enfatizar que a crise humanitária, a fome que já matou centenas de crianças e também adultos do povo Yanomami é apenas a parte visível deste que pode ser considerado como um “iceberg”, que a sociedade brasileira e o resto do mundo tem tomado conhecimento apenas agora, pois o genocídio e tantas outras formas de violência, inclusive assassinatos de inúmeras lideranças indígenas já vem ocorrendo no Brasil há décadas, sem que providências concretas tenham sido ou estejam sendo tomadas para garantir, como a Constituição Federal estabelece, não apenas os territórios desses povos, mas também sua cultura, suas tradições, enfim, suas formas de viver, integrados com a natureza/meio ambiente.

Integração e enculturação forçadas representam um verdadeiro atentado contra todos os povos tradicionais, os quais tem o direito vivem conforme os costumes, tradições e crenças culturais e não as normas e formas culturais impostas de forma autoritária pelos “donos do poder” e seus agentes.

Inúmeros estudos, pesquisas tem demonstrado que os povos indígenas, ao longo dos tempos, de décadas e séculos foram e continuam sendo os verdadeiros guardiões das florestas, da biodiversidade, dos biomas, das águas, enfim, da biodiversidade tão ameaçadas e ameaçados nos últimos tempos, que tem causado preocupação e indignação ao redor do Planeta.

Portanto, garantir os direitos dos povos indígenas, como constam não apenas em nossa Constituição, mas também em inúmeros tratados articulados e aprovados pela ONU, dos quais o Brasil tem sido signatário é obrigação, dever legal dos organismos públicos nacionais e fundamentos para o estabelecimento de políticas públicas que garantam a vida, incluindo a saúde, o bem estar e as culturas dos povos indígenas.

Mas isto praticamente não tem ocorrido, a não ser quando verdadeiras calamidades são reveladas publicamente, como está sendo este genocídio do povo Yanomami.

Diante disso, podemos nos perguntar: onde estavam os Podres da República, os governos e as autoridades federais, estaduais e municipais que se omitiram e silenciaram diante de uma tragédia anunciada?

Onde estavam os MPs (Ministérios Públicos) Federal e Estaduais, principalmente os localizados em Roraima e na Amazônia ou de outros estados onde povos indígenas tem sido vítimas de muita violência, desrespeito e exploração?

Onde estavam a Câmara Federal, o Senado da República, principalmente os senadores e deputados federais dos estados da Amazônia Legal que nada fizeram,?

Onde estavam as Forças Armadas, o Conselho da Amazônia, a Funai, o IBAMA e outros órgãos públicos que deveriam cuidar do Meio ambiente?

No Congresso Nacional existem as Frentes Parlamentares ou as bancadas da Bala, do Boi, da Bíblica, dos Evangélicos, das mulheres, da Educação, da saúde e tantas outras, indagamos, porque não uma bancada, uma frente parlamentar em defesa dos povos indígenas, dos quilombolas, remanescentes da escravidão, enfim, grupos étnicos e raciais tão vilipendiados e excluídos dos “frutos” do crescimento econômico e do “desenvolvimento nacional”?

Onde estavam os veículos de comunicação que se calaram? Onde estavam o “deus mercado”, os “defensores” da liberdade, que se omitiram ante a negação do direito que é o mais importante para um ser humano que é a própria vida?

Da mesma forma que os Yanomamis, também todos os demais povos indígenas no Brasil inteiro estão sendo vítimas de violência, dizimados, suas terras invadidas, suas culturas destruídas. Os povos indígenas no Brasil há décadas estão se transformando em verdadeiros párias de nossa sociedade e com o avanço das fronteiras agropecuárias, mineração legal e ilegal, a grilagem consentida, a ação ilegal e criminosa de madeireiros, o desmatamento, a construção de grandes barragens, este processo está, na verdade sendo financiado grandes grupos econômicos nacionais e internacionais, mas também pelos Governo Federal e Estaduais através de crédito subsidiado, renúncia fiscal, sonegação consentida, “incentivos fiscais”, enfim, este genocídio faz parte de políticas públicas, custeadas com o suado dinheiro dos contribuintes.

O caso dos Yanomamis é apenas pontual, ou como se diz, “a bola da vez”, onde a luz, os holofotes dos meios de comunicação produzem um efeito momentâneo; precisamos refletir, discutir a questão indígena brasileira por inteira, analisar a situação de todos os povos, como, por exemplo, os guarani-kaiowá, os ticunas, os terena, os xavantes, os bororos, os pataxós, os caetés, os caiapós, os nhabiquaras, os macuxis, os caigangue e tantos outros que também estão sofrendo ameaças de toda sorte, inclusive de extinção enquanto grupos demográficos com identidade própria.

Este é o foco da discussão e não apenas medidas emergenciais e assistencialismo, que, cessada a “onda” da publicidade tudo volta `a mesma situação e o genocídio continua!

Em boa hora o Governo Lula criou o Ministério dos povos indígenas. Oxalá tanto este Ministério quanto todos os organismos a ele vinculados como a FUNAI e também o Ministério do Meio Ambiente e do Clima, tenham recursos orçamentários suficientes para não apenas definirem mas de fato implementarem políticas públicas que defendam a um só tempo tanto o meio ambiente quanto a vida e direito dos povos indígenas existentes no Brasil, dentro do conceito de Ecologia Integral, como tanto tem enfatizado o Papa Francisco, “onde tudo está interligado, nessa Casa Comum”, que é o nosso Planeta Terra.

Neste sentido, precisamos também de Igrejas, Católica e Evangélicas e de outras crenças, não apenas as que representam o cristianismo, que promovam uma evangelização “enculturada”, que tenham também a cara e o olhar dos povos originários, que respeitem suas culturas, suas línguas, suas tradições, suas crenças e não apenas a cara dos colonizadores e destruidores das culturas desses povos.

Enfim, a questão indígena no Brasil não é um tema ou um assunto de interesse exclusivo dos povos indígenas, mas da sociedade como um todo, não podemos fazer coro com quem imagina e vocifera o tempo todo que no Brasil “existe muita terra para poucos indígenas” ou que esses povos e a defesa do meio ambiente sejam empecilho ou obstáculo para o desenvolvimento, local, estadual ou nacional.

Precisamos repensar nossos conceitos, nossas atitudes e nossas ações, os povos indígenas representam vidas e precisamos defender todas as formas e tipos de vida, inclusive ou principalmente dos povos indígenas, que são excluídos social, econômica e politicamente e que continuam ameaçados em todos os aspectos tão caros/importantes para essas pessoas, que também, como diz o adágio, “são filhos e filhas de Deus”!


*JUACY DA SILVA, 80 anos, professor titular aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da PEI Pastoral da Ecologia integral. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy

Quinta, 16 Fevereiro 2023 11:42

 

 

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JUACY DA SILVA*
 


“Enquanto eu distribuía alimentos aos pobres (assistencialismo) eu era considerado um santo; a partir do dia em que comecei a falar das causas/origens da fome, passei a ser considerado comunista” Dom Helder Câmara, Fundador da Caritas Brasileira e um dos fundadores da CNBB.

Em relação `a fome podemos identificar pelo menos quatro grandes grupos de causas (raízes): a) as estruturais/socioeconômicas e políticas;  b) as ecológicas/ambientais c) as geopolíticas que são as guerras, os conflitos armados entre grupos dentro de um mesmo país; d) os fenômenos da natureza como terremotos, furacões, tornados e vulcões. Com exceção das últimas, todas as demais tem suas origens nas ações ou omissões humanas, sociais, econômicas ou políticas.

Nesta reflexão/artigo, pretendo abordar apenas algumas dessas causas, no futuro podemos retornar a este assunto ampliando o escopo da análise.

No caso do Brasil, enquanto mais de 73% dos trabalhadores na ativa e 91% dos aposentados ou pensionistas vivem ou meramente sobrevivem com no máximo dois salários mínimos, que na verdade é um rendimento de fome e ainda assim, tem o poder desta renda reduzida, comida pela inflação ao longo de décadas, minguando ano após ano, um número super reduzido de milionários e bilionários tem suas rendas, riquezas e propriedades sendo multiplicadas dezenas vezes, ampliando o fosso social entre esses dois grupos. Isto, com certeza, faz o regozijo do “deus” mercado, dos especuladores financeiros e dos rentistas, verdadeiros parasitas sociais e oportunistas políticos.

A inflação não é apenas um indicador técnico extremamente valorizado pelos economistas e adoradores do mercado, mas sim um processo alimentado pelos agentes econômicos, principalmente pelo capital financeiro, coadjuvados pelas instituições públicas, vale dizer, governo, que, através de políticas públicas geram recessão, aumento da carga tributária e uma imensa injustiça fiscal, onde os mais pobres transferem renda, oriunda de trabalho sub valorizado, para os detentores do capital e dos meios de produção e seus defensores nas estruturas do poder, os chamados “marajás da república”.

Nesta esteira surgem as injustiças sociais, a concentração de renda, as desigualdades sociais, regionais e setoriais, a pobreza, a pobreza extrema, a miséria e A FOME, cujas raizes são estruturais, razões pelas quais não se combate a fome e nem a pobreza com assistencialismo e programas paternalistas ou manipulação política e eleitoral como a famosa distribuição de sacolões ou outros bens e serviços que são trocados por votos, colocando ou mantendo nas estruturas do Poder, as mesmas pessoas, os mesmos grupos que em lugar de defenderem os interesses, aspiraações ou necessidades do povo, transformam-se em representantes dos interesses dos grandes grupos econômicos ou de outros tipos.

Esta é a dinâmica socioeconômica, política e cultural que alimenta a exclusão de milhões de pessoas em todos os países, inclusive no Brasil e bilhões no mundo, que tornam as pessoas que fazem parte da chamada classe média em pobres; os pobres em miseráveis e os miseráveis em zumbis, mortos-vivos, onde a fome é apenas a face mais visível deste drama social que afeta essas pessoas, ante o olhar passivo, omisso e complacente da grande maioria da população, inclusive de governantes que, como o sacerdote e o levita, não socorreram um homem assaltado e violentado na estrada e mencionado por Cristo na Parábola do Bom Samaritano.

A fome é um dos dramas mais pungentes que tem acompanhado a humanidade ao longo de séculos e milênios. Muitos a associam com castigos dos “deuses”, de Deus; outras pessoas imaginam que a fome esteja ligada `a pobreza e que ambas são frutos da preguiça, de quem não quer trabalhar e outras pessoas, mais estudiosas tentam ir mais a fundo e identificar as suas verdadeiras causas e também as consequências da fome, que se não for debelada, provoca muito sofrimento, vergonha e a morte, como costumávamos ver através de reportagens dos diversos meios de comunicação, mostrando fotos ou cenas com pessoas literalmente morrendo de fome, pessoas vivas mais se parecendo com esqueletos humanos.

Tais cenas nós, brasileiros/brasileiras, associávamos isto como sendo uma realidade dura, nua e crua apenas em alguns países da Ásia, da América Latina e da África, continente este pilhado pela rapinagem dos países europeus durante séculos de ocupação e colonialismo, de violência, incluindo a destruição da natureza, da extração de recursos naturais e práticas desumanas como a escravidão, cujas consequências ainda estão presentes em todos os países que tiveram esta forma perversa e trágica de trabalho, na origem de sua riqueza e opulência capitalista, inclusive no Brasil.

A partir da próxima quarta feira de cinzas, quando para a Igreja Católica ocorre o período da Quaresma, 40 dias que devem ser de oração, reflexão, caridade (esmola), misericórdia e arrependimento dos pecados, inclusive dos pecado social e ecológico, será realizada a CAMPANHA DA FRATERNIDADE (CF), conduzida pela CNBB e articulada em todas as Arquidioceses, Dioceses , Paróquias e comunidades católicas no Brasil inteiro.

Todos os anos a CNBB escolhe um tema e um lema para orientar as reflexões da CF. Neste ano de 2023, o tema escolhido foi “ FRATERNIDADE E FOME” e o Lema, um versículo da Bíblia que traz um mandamento que nos deixou o Mestre (Jesus) quando ante a fome das pessoas que o seguiam disse aos seus discípulos “Dai-lhes vós, mesmos, de comer”, Evangelho de São Mateus, 14:16.

A Cáritas Brasileira, fundada em 12 de novembro de 1956, é uma das 170 organizações-membro da Cáritas Internacional, que, ao longo desses quase 70 anos tem prestado um grande serviço de apoio as pessoas pobres, excluídas, que sofrem e que também passam fome em nosso país.

Conforme dados de diversas Instituições públicas e privadas, nacionais e internacionais, a FOME, diferente do que pensava e dizia o último presidente da República, que não existe no Brasil, mas, repito, diversas organizações e centros de pesquisas tem demonstrado sobejamente que em nosso país em torno de 33 milhões de pessoas passam fome e mais de 130 milhões vivem em situação de insegurança alimentar.

O drama dos indígenas YANOMAMIS, que os meios de comunicação tem mostrado ao vivo e em cores e que tem maculado a imagem do Brasil ao redor do Mundo, é uma demonstração cabal desta tragédia humana, motivada, não por desígnios transcendentais ou castigo das divindades, mas pela ganância de uns poucos e também pela incúria, convivência e omissão de nossas autoridades que nada fizeram ao longo dos últimos anos para colocarem um paradeiro nas invasões das terras dos vários povos indígenas, na grilagem dessas áreas, na destruição do meio ambiente, na contaminação das águas e na desorganização social desses povos por garimpos ilegais, grileiros e madeireiros é a prova mais clara e cabal de que a fome existe no Brasil e podemos identificar suas causas.

Outro exemplo da fome que podemos perceber todos os dias, muitas vezes bem ao nosso lado ao transitarmos pelas ruas, avenidas e praças das grandes e médias cidades é o aumento acelerado da chamada população em situação de rua. Segundo estimativas do IPEA esta realidade já atinge próximo de 300 mil pessoas.

A CNBB, representando a Igreja Católica, desenvolveu uma metodologia para orientar suas atividades pastorais que está sintetizada em 4 etapas: VER, JULGAR, AGIR e CELEBRAR. Isto significa que para agirmos e celebrarmos as vitórias sobre as mazelas que afetam o ser humano, precisamos primeiro olhar para a realidade, analisar de forma crítica e criadora a mesma; só então podemos interpretar, identificar as verdadeiras causas que deram origem ao problema ou desafio que pretendemos enfrentar.

Feito isto, cabe-nos definir as formas de AGIR, ou seja, o planejamento de nossas ações, através de projetos que contemplem todas as etapas de uma ação racional, com objetivos, metas , origem dos recursos e um calendário a ser seguido, sempre contando com a PARTICIPAÇÃO das pessoas que estejam em situação de vulnerabilidade, para que sejam tratados como sujeitos e não objetos de nossas ações.

A Cáritas Brasileira, tem insistido, desde as suas origens, que não podemos estimular apenas as ações assistencialistas, essas são importantes em caráter imediato, urgente diante de uma crise que esteja colocando em risco a vida e a própria sobrevivência das pessoas e que podem leva-las até a morte, como no caso da fome.

Diante da complexidade dos desafios sociais, econômicos, culturais e políticos que estão presentes na questão da vulnerabilidade social ou no que denominamos de exclusão e a configuração da sociedade brasileira em classes, a Cáritas enfatiza que existem Três níveis de caridade: a ASSISTENCIAL “que oferece o peixe”; a PROMOCIONAL “ que ensina a pescar” e, finalmente, a LIBERTADORA “que pesca juntos”.

A Caridade assistencial é feita através de doações imediata de alimentos, roupas, assistência médica-hospitalar a quem tem fome, doente e passando por necessidades extremas; a Caridade promocional, é realizada através de cursos, treinamentos para que as pessoas marginalizadas ou em vulnerabilidade possam se qualificar e participar de forma mais efetiva do mercado de trabalho, são programas de geração de trabalho e renda.

Já a CARIDADE LIBERTADORA, procura despertar entre as pessoas excluídas, marginalizadas a consciência de que são cidadãos e cidadãs, sujeitos de direito e que precisam lutar para romper as amarras que as aprisionam em cadeias de exploração e manipulação política, social ou ideológica, que os problemas sociais e econômicos que afetam a população, como, por exemplo, a fome, a precariedade dos serviços de saúde e de educação, o desemprego, subemprego, a falta de moradia, a falta de terra para trabalhar, os esgotos que correm a céu aberto, a miséria, a violência e tantas outras mazelas, tem causas estruturais mais profundas e que não serão equacionadas com medidas assistencialistas,  mas sim através de mudanças, quase sempre radicais, das estruturas opressoras e exploradoras que geram tais anomalias sociais, que denominamos de exclusão e pobreza.

No caso da fome, podemos compara-la a uma árvore. A gente costuma ver uma árvore e sabemos que a mesma tem raízes que as alimentam e as sustentam, se cortarmos as suas raízes ou permitirmos que parasitas suguem sua seiva, com certeza, a árvore vai morrer, ou seja, vai desaparecer.

Assim também é a fome, o que nós vemos é sua forma aparente, mas o que dá origem e mantem a fome são suas raízes, que a gente, mesmo que imaginemos saber, não conseguimos ver à primeira vista, precisamos ir mais ao fundo, identificar suas raízes e também os parasitas sociais, econômicos e políticos que sugam, exploram e se apropriam dos frutos do fator trabalho.

A raiz mestre ou o que se costuma chamar de “pião”, é a pobreza, em suas variadas formas e não apenas nos aspectos econômicos e financeiros, como até bem pouco tempo a maioria dos pesquisadores acreditava ser a única ou a principal causa da fome.

Se as pessoas não tem renda, não tem salário, se estão desempregadas faltam-lhes recursos suficientes para comprar os alimentos que lhes garantam a sobrevivência e, neste particular, esconde-se  outras mazelas oriundas das estruturas sociais, econômicas, culturais e políticas injustas, como a excessiva concentração de renda, riqueza e propriedades em pouquíssimas mãos.

Essas estruturas injustas quase sempre são “alimentadas”, criadas e mantidas pela dinâmica do poder, onde as elites dominantes, as camadas abastadas da sociedade, ou o que se costuma chamar de “donos do poder” e os “marajás da república”, contribuem para a acumulação do capital via políticas públicas como subsídios aos grandes grupos econômicos, sonegação fiscal consentida; injustiça fiscal, juros subsidiados, “incentivos fiscais”, sem acompanhamento para avaliarem se realmente quem os recebe está contribuindo de alguma forma para gerar empregos e salários justos e decentes e não trabalho semiescravo e salário de fome, como é o poder aquisitivo do salário mínimo no Brasil.

A ONU através de suas agências especializadas , como a UNEP, em 2022 aprofundou seus estudos quanto aos indicadores que devem ser utilizados para dimensionar a natureza e nuances da pobreza, que é, na verdade uma das ou a principal raiz da fome.

Até recentemente considerava-se pobre quem recebia em poder de compra relativo (a chamada PPP) até US$5,00 (cinco dólares) que em reais representa aproximadamente R$26,00 por dia e R$780,00 por mês e pobreza absoluta quem recebe ou dispõe de renda equivalente a US$1,90 ou R$10,00 por dia ou R$300,00 por mês, convenhamos valores que não são suficientes sequer para alimentar dignamente uma pessoa, bem abaixo até mesmo do salário mínimo de fome que vigora no Brasil até os dias de hoje.

Para a ONU a pobreza deve ser observada/entendida a partir de três dimensões: Saúde, educação e nível ou padrão de vida, considerando 10 indicadores. Na saúde os indicadores são: nível de nutrição/desnutrição e subnutrição e índices de mortalidade infantil; na educação: anos de escolaridade e frequência/matricula escolar e no nível/padrão de vida: fonte de energia usada para cozinhar; instalações sanitárias na habitação, acesso `a água potável tratada/qualidade, acesso `a eletricidade domiciliar; condições e tamanho da habitação, incluindo índices de saneamento comunitário e, finalmente, valor da propriedade.

Para finalizar, gostaria de refletir como a fome está relacionada com o fator trabalho, razão pela qual o Papa Francisco sempre tem insistido no que é chamado de três “Ts”: terra, teto e trabalho. Sem trabalho as pessoas não tem como conseguir renda; trabalho incerto e intermitente, o chamado trabalho informal , o subemprego também não garante renda suficiente para ter sequer alimentação regular e de qualidade e, finalmente, com salário aviltado, o que eu chamo de salário de fome, como é o poder de compra do salário mínimo, as pessoas também não despem de renda suficiente para alimentar-se ou atender as suas outras necessidades.

O poder aquisitivo do salário mínimo, que é regulado e manipulado pelo governo ao longo de mais de 80 anos, desde a sua criação em 1936, sua regulamentação em 1938 e estabelecimento de 14 faixas regionais de valor em 01 de Maio de 1940, perdeu em torno de 84% do poder aquisitivo neste período.

O DIEESE, instituição sindical de estudos e estatísticas do trabalho, demonstrou recentemente que o valor do salário mínimo a vigorar a partir de janeiro de 2023 ao invés de R$1.302,00 reais para manter o poder de compra que o mesmo tinha em 1940 deveria ser hoje de R$6.647,63.

Até 1984 vigoravam 14 faixas distintas regionais de salário mínimo, sendo que a em vigor na Capital da República, primeiro no Rio de Janeiro e ultimamente em Brasilia representava 3 vezes mais do que o Nordeste, demonstrando como uma política pública gera pobreza, fome e miséria.

Pela Constituição Federal de 1988, no Artigo sétimo está escrito, de forma clara, que “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social:.....IV Salário mínimo, fixado em Lei, nacionalmente unificado, capaz de atender suas necessidades vitais básicas e de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preserve o poder aquisitivo”.

Se considerarmos que 73% dos trabalhadores na ativa e 91% dos aposentados recebem no máximo dois salários mínimos e que 64,4% dos aposentados e 38% dos trabalhadores na ativa ganham apenas um salário mínimo, além de mais de 9 milhões de desempregados e mais de 39 milhões de subempregados/informalidade podemos entender o drama da fome no Brasil. Por isso, mais de 60 milhões de pessoas estão “penduradas” em programas emergenciais ou de transferência de migalhas orçamentárias, que não passam de medidas assistencialistas e de manipulação política eleitoral

Recuperar o poder aquisitivo do salário mínimo, concedendo apenas 2% ou 3% acima da inflação, a cada ano, o que é um sacrilégio para o “deus mercado” e um pecado para os economistas liberais ou neoliberais, vai demorar pelo menos 30 anos para repor o mesmo poder de compra que o salário mínimo tinha quando foi estabelecido em 1940.

Reduzir a carga tributária sobre alimentos e sobre as camadas salariais com menor poder aquisitivo é a um só tempo medida de justiça fiscal e corrigir as distorções e regressividade do Imposto de Renda é,  ao mesmo tempo, uma forma melhor de combater a fome e devolver a dignidade a milhões de pessoas e famílias em nosso país.

Se continuar a mesma política de governo por mais alguns anos , dentro de uma década, o salário mínimo não chegará sequer a 10% em poder de compra do que representava há 83 anos, quanto menor for a renda real dos trabalhadores e dos aposentados no Brasil, maiores serão os índices de fome, de desnutrição, subnutrição e insegurança alimentar em nosso país.

O assistencialismo jamais vai combater efetivamente a fome, a pobreza, a miséria e a exclusão, precisamos de uma transformação profunda e radical nas estruturas sociais, econômicas e políticas e também a definição e implementação de políticas públicas de valorização real do trabalho, de melhor cuidado com a ecologia integral e o cumprimento da Constituição, em sua integralidade, inclusive no que concerne aos direitos dos trabalhadores e da população em geral.


Não existe democracia de verdade em um país com dezenas de milhões de pessoas famintas, pobres, miseráveis, sem teto, sem trabalho, sem renda e excluídas. Precisamos urgentemente repensar os conceitos de democracia e de estado republicano de direito, para quem?


Da mesma forma que os atos terroristas de 08 de janeiro último em Brasília foram considerados gravíssimos, a fome também é um atentado grave `a democracia, `a medida que solapa seus verdadeiros alicerces que é a cidadania plena, a garantia das pessoas viverem com dignidade, o que lhes é negado pela fome , pela pobreza e pela miséria!


Estava concluindo este artigo quando surgiu a notícia da entrevista do Presidente Lula anunciando que a partir de 01 de Maio próximo o valor do salário mínimo passará de R$1.302,00 para R$1.320,00 ou seja um aumento de R$18,00 reais por mês, nada mais do que 1,38% acima da inflação do ano passado (2022).  


Mesmo ante um aumento real praticamente insignificante para a vida de milhões de trabalhadores, o “deus mercado” reagiu negativamente, porquanto este aumento representará mais de R$7,7 bilhões de reais nos gastos do Governo Federal, quando nada é dito que o Governo Federal deverá gastar nada menos do que R$2,038 trilhões de reais, um aumento de 8,4%, dos R$1,88 trilhões de reais em relação ao que o governo Bolsonaro pagou em juros e amortização da dívida pública em 2022.


Tomando este percentual irrisório de aumento do poder de compra decorrente deste reajuste real do salário mínimo em 2023, para recompor o poder aquisitivo que o salário mínimo tinha em 1940, serão necessários 61 anos, ou seja, só em 2084.


O total do aumento de gastos públicos com este aumento/reajuste do salário mínimo em 2023 representa apenas e tão somente 0,38% dos gastos do Governo Federal com a rolagem da divida pública, contra isso nem os parlamentares, nem os economistas liberais e neoliberais e muito menos o “deus mercado” reagem, ficam todos de bico calado.

*JUACY DA SILVA, 80 anos, professor titular aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da PEI Pastoral da Ecologia Integral. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy 

Terça, 14 Fevereiro 2023 11:51

 

 

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para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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JUACY DA SILVA*
 


O Câncer, como todas as demais doenças não representam um “carma”, castigo de Deus ou uma mera loteria genética, mas, os seus cuidados estão diretamente relacionados com a realidade socioeconômica e cultural que excluem as pessoas pobres quanto `a garantia de seus direitos humanos fundamentais, o principal deles que é a vida.


Enquanto as elites econômicas e os donos do poder dispõem de recursos próprios ou oriundos do Tesouro, para buscarem atendimento em hospitais de primeira linha em São Paulo, Rio de Janeiro, em diversas capitais ou até no exterior, os pobres, miseráveis e excluídos engrossam as filas, virtuais ou físicas, das unidades de saúde sucateadas e sem condições de atenderem a quem precisa. Esta é a realidade da saúde pública em nosso pais.


Há poucos dias, tendo em vista o DIA MUNDIAL DO CÂNCER 2023, “comemorado” no último dia 04 deste mês de Fevereiro, escrevi um artigo alusivo a esta questão, tendo sido publicado em diversos veículos de comunicação, após o que, compartilhei os “links”,  procurando ampliar o número de pessoas que poderiam ler e refletir sobre o desafio que esta doença representa na atualidade.


Dando prosseguimento a essas reflexões sobre esta que é uma das mais temidas doenças que a cada ano afeta milhões de pessoas, grande parte das quais não resistem e acabam sucumbindo, o que representa uma grande perda e muito sofrimento familiar, nesta oportunidade gostaria de chamar a atenção quanto ao DIA INTERNACIONAL DO CÂNCER INFANTIL, cuja data de “celebração”, que na verdade é um alerta principalmente `as famílias que tem crianças, adolescentes e jovens, é o DIA 15 DE FEVEREIRO.


Este dia representa o início de um movimento mundial que surgiu em 2002; portanto, há pouco mais de duas décadas, pela união de esforços, de propósitos e de luta pela vida, entre 170 organizações de famílias de crianças com câncer, em mais de 93 países, dando origem a uma rede internacional de apoio mútuo, que luta por melhores condições para prevenção, diagnóstico precoce, tratamento médico-hospitalar e apoio material, financeiro e psicológico, tanto às crianças vítimas de câncer quanto suas famílias, principalmente em países pobres, de renda baixa e média e em todos os países, para famílias pobres que não dispõem de recursos suficientes, sequer para se alimentarem, quanto mais para fazerem face aos custos elevados que o tratamento de câncer representa.


Surgiu assim a Organização Internacional de apoio `as famílias de crianças com câncer, cuja denominação em inglês significa (CCI - Childhood Cancer International), cuja missão fundamental é advogar pela garantia de todas as pessoas `a saúde, mas, principalmente, `a garantia dos DIREITOS DAS CRIANÇAS, em convenção da ONU que estabelece “ As crianças (neste conceito quem tem menos de 20 anos de idade) tem o direito de usufruírem do mais elevado padrão de cuidados e atendimento médico-hospitalar, material e financeiro, em caráter prioritário”; cabendo ao Estado, poderes e instituições públicas em cada país garantirem que tais direitos sejam não apenas reconhecidos mas, também, plenamente respeitados.


Conforme dados estatísticos e estudos publicados pela OMS – Organização Mundial da Saúde e outras organizações públicas e privadas nacionais e internacionais, a cada ano nada menos do que 400 mil crianças são diagnosticadas com algum tipo de câncer.


A taxa de sobrevivência varia de 80% nos países desenvolvidos a menos de 20% nos países pobres e de renda média, sendo que este mesmo perfil  socioeconômico é observado em todos os países quando se leva em conta a classe social, ou seja, crianças com câncer pertencentes a famílias de alta renda tem muito mais chance de serem diagnosticadas e serem tratadas precocemente do que crianças com câncer cujas famílias são pobres e não dispõem de recursos e meios para fazer face a este desafio.


Na quase totalidade dos países, principalmente nos países pobres e de baixa ou média renda a saúde publica, como acontece no Brasil, é um simulacro, ou seja, não dispõe de meios e recursos técnicos, tecnológicos, humanos, financeiros e orçamentários para oferecer uma saúde de qualidade em caráter universal; na maior parte dos casos está em completo abandono, sucateada e, ainda, sujeito `a corrupção que rouba os já minguados recursos necessários ao atendimento digno à população.


Quem rouba recursos da saúde pública ou quando esta não tem índices de qualidade, são verdadeiros assassinos, pois impossibilitam que milhares de pessoas tenham acesso aos cuidados de saúde e a serem condenadas `a morte pela falta de atendimento e isto também é verdadeiro para as pessoas com câncer, inclusive, crianças com câncer.


No mundo morrem aproximadamente 180 mil crianças com câncer por ano, entre as mais de 400 mil que são diagnosticas todos os anos. O Câncer infantil, dependendo dos países, está sempre entre as três principais causas de morte de crianças, adolescentes e jovens com menos de 20 anos.

A Meta estabelecida pela OMS juntamente com diversos governos nacionais e outras instituições públicas e privadas é de elevar para 60% a média mundial de sobrevivência de crianças com câncer e, assim, reduzir em um milhão de mortes de crianças com câncer em uma década.


A Campanha em curso entre 2021 a 2023 tem como tema “A sobrevivência com melhores cuidados/dignidade é possível” e o símbolo representa que “de mãos dadas” podemos garantir vida digna e plena a todas as crianças com câncer.


Neste sentido dar as mãos representa tanto a solidariedade quanto o espírito de luta para a garantia dos direitos das crianças viverem felizes, mesmo aquelas que são diagnosticadas com câncer e que a presença do Estado/Poderes Públicos é fundamental nesta caminhada, imprescindível. Direito este que não pode ser negado a quem luta desesperadamente pela vida.


Da mesma forma, tenho plena convicção que cabe ao ESTADO, ou seja, às instituições públicas, como bem atestam tanto os acordos internacionais aprovados sob os auspícios da ONU/OMS quanto, no caso brasileiro, a nossa Constituição Federal e a Lei de Criação do SUS, que diz e estabelece textualmente que “A saúde é um direito de todos e DEVER DO ESTADO”.


Diante disto, lutar para que nossos governantes, principalmente os integrantes dos Poderes Legislativos e Executivos definam e implementem políticas públicas, universais e humanizadas, para que a população pobre, mais de 120 milhões de pessoas tenham garantido este direito `a saúde, de verdade e não apenas no papel. Não podemos continuar passivos, omissos diante do sucateamento e da corrupção que campeiam, impunemente, na saúde pública sob a alegação de que é preciso respeitar o teto dos gastos e o equilíbrio das contas públicas, simplesmente não constar dos orçamentos públicos recursos suficientes para o pleno atendimento da população, quando se refere `a saúde publica.


É muito importante a responsabilidade fiscal na gestão das instituições públicas, mas da mesma forma, não podemos deixar de lado a RESPONSABILIDADE SOCIAL, ou seja, os orçamentos públicos não podem ser secretos, para beneficiarem uma minoria, dos donos do poder, mas sim, públicos e contemplarem, de fato, as demandas e necessidades da população.


Não tem sentido que o Orçamento Geral da União destine, todos os anos, ao longo de décadas mais de 50% dos gastos públicos com pagamento de juros, amortização e “administração” da DÍVIDA PÚBLICA, que ao longo dos últimos 6 ou 7 anos, destinaram alguns trilhões de reais, que contribuíram para que o sistema financeiro e seus agentes fiquem a cada ano mais ricos, milionários e bilionários valores quase dez vezes mais do que os recursos destinados `a saúde pública que deve atender milhões de pessoas, principalmente as pobres que vivem na exclusão.


Nossa luta por SAÚDE PÚBLICA de qualidade, humanizada e implementada com ética e transparência,, eficácia e efetividade deve ser permanente, e esta luta deve ser também implementada pelos organismos de controle social como os Ministérios Públicos Federal e Estaduais, afinal, essas instituições são consideradas “os fiscais da Lei”, e existem para realmente fiscalizarem e responsabilizarem os demais organismos públicos que agem em desacordo com as Leis, principalmente, a nossa Constituição Federal.


Sobre o artigo que escrevi há poucos dias alusivo ao DIA MUNDIAL DO CÂNCER 2023, recebi diversas msg , inclusive uma solicitando-me se eu poderia agendar uma consulta, ante o que, informei que não sou médico , mas sim sociólogo e imagino que todas as pessoas precisam participar do despertar da consciência quanto `a necessidade de uma “educação para a saúde”, que possa representar a porta de entrada para os cuidados profissionais necessários e também o despertar da consciência de que como pessoas, cidadãos e cidadãs, temos o direito `a saúde, e em consequência, garantir nosso maior direito humano que é a VIDA. Recomendei, sugeri, que a pessoa procurasse alguma unidade de saúde pública e buscasse atendimento, pois isto é um direito de todas as pessoas.


Transcrevo uma das inúmeras msg recebidas, esta de uma amiga (virtual) psicóloga que, depois de ler o artigo, enviou-me sua reflexão que, julgo eu, possa também ser objeto da leitura de outras pessoas.


Segue a reflexão dessa minha amiga. “ Boa tarde, amigo! Obrigada por enviar seu texto. Estou me organizando por aqui e assim que conseguir ler conversamos e irei também lhe enviar meus textos por e-mail. Um forte abraço e uma boa semana!”


“Querido amigo, acabei de ler seu texto sobre o dia mundial do câncer. Fiquei bastante tocada com o tema pois fui acometida de um carcinoma de mama em 2006 aos 35 anos. E hoje estou viva graças à prevenção que me acompanha desde então. Em minha família muitas tias inclusive minha mãe, tiveram câncer de mama e faleceram pela doença. Por isso fico vigilante. Seu texto me chama muito a atenção por alertar sobre o aspecto multidimensional da abordagem sobre o cuidado e prevenção do câncer. Concordo enormemente com sua ideia de que justiça social deve ser o alicerce para a saúde pois isso engloba a conscientização acerca da prevenção mas também todo um cabedal de estruturas acolhedoras que precisam e devem existir quando se fala em saúde pública. Venho de família de uma classe social menos abastada e conheço os efeitos da injustiça social. Hoje, com meu trabalho, construí uma vida mais estabilizada para mim e me tocam as inúmeras atrocidades por falta de respeito à população. Seu texto é uma fotografia bem nítida dos problemas de saúde pública de nosso país. Você é um ser humano muito especial! Obrigada professor!”


São manifestações como esta que nos animam, mesmo com quase 81 anos, a continuar a escrever  semanalmente sobre temas variados, mas todos de cunho socioambientais e tão importante na atualidade mundial e brasileira.


Não ganho nada, financeiramente, com isso, apenas a certeza de que estou ajudando, de alguma forma, a despertar a consciência de que se nos omitirmos diante de tantas mazelas e desafios, com certeza os espíritos gananciosos e materialistas continuarão nadando de braçada e a pobreza, a miséria, a fome e a exclusão continuarão sendo esta grande e vergonhosa nódoa que tantos males continuam causando no mundo inteiro, inclusive em nosso Brasil.


De pouco adianta as pessoas se enrolarem na bandeira nacional e se auto denominarem “patriotas” se nada fazem para reduzir as desigualdades, a miséria, a opressão, a exclusão, o ódio, a violência e falta de acesso dos pobres `a saúde pública, que tantas vítimas continuam fazendo todos os dias em nosso país!

*Juacy da Silva, 80 anos, professor universitário aposentado UFMT. Sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da PEI Pastoral da Ecologia integral. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy

Terça, 07 Fevereiro 2023 14:17

 

 

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Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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JUACY DA SILVA*



Quem não luta pelos seus direitos não é digno deles”. Rui Barbosa.

Todas as doenças merecem ser combatidas de forma efetiva, incluindo mudanças de hábitos perniciosos e estilo de vida que contribuem para o seu surgimento, quanto diagnósticos precoces, para que o tratamento seja corretamente recomendado por profissional da área específica e que o paciente tenha condições de realizar este tratamento, independente de sua renda ou disponibilidade financeira, pois a vida (lembrando que as doenças são formas de negação da vida) é um direito inalienável e garantido também pela nossa Constituição Federal de 1988 e por diversas outras Leis, cabendo ao Estado, ou seja, aos poderes públicos garantirem este direito a todas as pessoas em nosso país, e isto só é feito mediante saúde pública de qualidade, universal e, realmente, humana, sendo, realmente, prioridade quando da definição das políticas públicas, políticas de governo.

Lutar por saúde pública de qualidade, universal e humana é e deve ser uma luta continua e permanente da cidadania, que exige coragem e participação de todas as pessoas e não apenas de algumas organizações não governamentais ou do voluntariado.

Conforme informações contidas na página (Site) do INCA – Instituto Nacional do Câncer, o DIA MUNDIAL DO CÂNCER, que neste ano de 2023 será “comemorando” em 04 de FEVEREIRO, ou seja, neste sábado.

Esta data surgiu em 2005, como uma forma, um mecanismo, enfim, um instrumento para despertar tanto as pessoas, individualmente, quanto as entidades da sociedade civil organizada e, principalmente, as Instituições públicas, governamentais, em todos os níveis de poder, para despertar a consciência, a importância e a responsabilidade de todas as pessoas,  principalmente agentes públicos, governantes quanto `a necessidade de levarmos esta questão mais a sério Brasil.

Assim, informa o INCA,  “O Dia Mundial do Câncer, 4 de fevereiro, é uma iniciativa global organizada pela União Internacional para o Controle do Câncer (UICC) com o apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS). Tem como objetivo aumentar a conscientização e a educação mundial sobre a doença, além de influenciar governos e indivíduos para que se mobilizem pelo controle do câncer”.

Na verdade, esta data não é para ser “comemorada”, mas sim, que seja um sinal de alerta quanto aos cuidados que todos nós precisamos ter quanto `a prevenção, diagnóstico e tratamentos desta que é a segunda causa de morte no mundo.

Quando se fala em prevenção, na verdade estamos falando em estilo de vida, no controle de hábitos deletérios que “detonam” a saúde humana e, em relação ao câncer, conforme milhares de estudos tem demonstrando cada vez mais, tais hábitos maléficos e estilo de vida acabam estando associados ao surgimento de inúmeras doenças e isto está muito bem documentado em relação a todos os tipos de câncer.

Diferente do que se imaginava há décadas ou até mesmo mais de um século, os aspectos genéticos, inclusive a hereditariedade, não é uma sentença de morte que afeta milhões de pessoas, como se isto fosse uma “maldição. Estudos tem demonstrando que esses aspectos (genética e hereditariedade) representam em torno de um terço ou pouco mais, no surgimento do câncer, sendo, portanto quase dois terços associados a tais hábitos maléficos e estilo de vida que não levam em consideração a necessidade de cuidarmos melhor de nossa saúde.

Boa parte das doenças que acabam provocando a morte estão também relacionadas a fatores culturais, religiosos e tradições resistentes às mudancas de comportamento, o que é denominado de herança cultural.

De acordo com informações do Ministério da Saúde (do Brasil), tendo por base dados e estudos do INCA, da OMS -Organização Mundial de Saúde e a OPAS – Organização Pan americana de Saúde “Mais da metade de todos os cânceres são evitáveis com a adoção de um estilo de vida saudável e submetendo-se a exames de rotina., principalmente Câncer de mama, de próstata,  de pulmão, de colo do útero e colo retal e podem ser tratados com sucesso quando detectados precocemente”.

A chamada “educação para a saúde”, que na verdade é a forma mais eficiente, efetiva e eficaz de prevenção de todos os tipos de doenças, inclusive do câncer, deve ser promovida não apenas pelas instituições educacionais públicas e privadas, mas também estar na base quando da definição e implementação das políticas nacional, estaduais e municipais de saúde pública, bem como nas ações das diversas organizações não governamentais que defendem e lutam por uma saúde pública universal, de qualidade e realmente humana.

No triênio 2002 até 2024, o DIA MUNDIAL DO CÂNCER tem como tema geral “fechar a lacuna dos cuidados”, com ênfase na questão da necessidade de cuidados mais justos, considerando os níveis de pobreza e exclusão da grande maioria das pessoas, em torno de 80% da população brasileira que dependem apenas e tão somente dos serviços do SUS – Sistema Único de Saúde, para os cuidados, sejam de prevenção, diagnóstico e tratamento de inúmeras doenças, inclusive todos os tipos de câncer.

Assim, conforme destaca a rede de organizações não governamentais denominado de “Todos Juntos contra o Câncer”, que faz da luta contra esta terrível doença, sua missão e seus objetivos, ao enfatizar que “O Dia Mundial do Câncer de 2023 marca o segundo ano da campanha de três anos ‘Fechar a lacuna de cuidados’, que é centrada na questão da equidade e liderada pela Union for International Cancer Control”.

E vai mais além, quando enfatiza que no primeiro ano (2022) da campanha “Por cuidados mais justos” foi sobre entender e reconhecer as ‘iniquidades’ no tratamento do câncer em todo o mundo, inclusive no Brasil e seu impacto na saúde pública e nas taxas de mortalidade decorrentes do câncer.

E que agora em 2023, quando mais um dia de alerta e conscientização sobre o Câncer está em pauta, enfatiza que neste ano, mais do que nunca, principalmente pelos reflexos que a CONVID-19, o isolamento das pessoas impediram ou reduziram os atendimentos aos pacientes com câncer e diversas outras doenças, é preciso, é fundamental “unir indivíduos e organizações, defensores e formuladores de políticas públicas para exigir mudanças e agir com determinação e coragem”.

Trata-se também de celebrar o progresso do mundo real, não apenas em inovação e avanços médicos e hospitalares, mas até mesmo nas ações mais simples de solidariedade, que podem ter um impacto significativo: motivar os vizinhos a fornecer transporte para tratamento de câncer para um colega residente ou garantir que opções de alimentação saudáveis e acessíveis sejam oferecidas na escola local.

Quando se fala tanto em câncer quanto todas as demais doenças que afetam a vida do povo brasileiro, é fundamental que a questão da saúde pública, muito sucateada, sem os recursos humanos, tecnológicos, financeiros e orçamentários, necessários, mas bastante negligenciados nos últimos tempos, seja colocada realmente com um prioridades nas ações de governo, quando se trata de uma política pública que deve estar na base de uma melhor qualidade de vida, principalmente para as camadas pobres da população.

Não tem sentido falar em prevenção, diagnóstico e tratamento, principalmente da população pobre, excluída, desempregada ou subempregada que não tem sequer renda e recursos para comer, se alimentar, quanto mais para cuidados com a saúde e tratamentos das doenças e aquisição de remédio.

Como mulheres irão se prevenir contra o câncer de mama se não conseguem fazer exames de mamografia ou ginecológicos periódicos , quando com tanta frequência faltam mamógrafos e outros aparelhos e exames laboratoriais na saúde pública ou quando para conseguir uma consulta com um especialista nas instituições públicas (postos de saúde, policlínicas, UPAs ou hospitais) demoram meses ou até anos.

As vezes quando são “chamadas” para fazerem esses exames os agentes públicos acabam sabendo que a ou o paciente já faleceu, por incúria das instituições públicas, governantes e outros agentes públicos, de pouco adiantou, por exemplo, uma decisão judicial que garantia ao paciente o atendimento para salvar-lhe a vida, se tal decisão judicial simplesmente tenha sido ignorada pelo órgão Público responsável pelo cumprimento daquela decisão judicial.

Como as pessoas, homens e mulheres, podem realizar prevenção e diagnósticos de câncer colorretal, de pulmão, de próstata, do estômago ou outros órgãos internos do corpo ou leucemia, se não tem acesso aos exames necessários como colonoscopia, endoscopia ou exames de imagem e laboratoriais que, além de estarem ausentes nas pequenas e médias cidades, sem falar da precariedade, pior ainda, da saúde pública nas comunidades mais distantes e no meio rural.

Bem sabemos que os cuidados com a saúde, diagnósticos e tratamentos, principalmente para doenças crônicas, degenerativas, as vezes raras, complicadas como os vários tipos de câncer são extremamente onerosos, que, `as vezes, até os planos e seguros de saúde privados limitam esses atendimentos.

A realidade brasileira tem demonstrando que quando as pessoas, principalmente a população pobre e excluída, consegue ser atendida e realizar os diagnósticos de doenças como o câncer, após meses ou anos nessas filas vergonhosas, virtuais ou físicas, que caracterizam a saúde pública (SUS), o inicio do tratamentos demora e, em relação aos vários tipos de câncer, principalmente câncer de pulmão, o tempo é um fator primordial, repetindo, após o diagnóstico a demora em iniciar e dar continuidade ao tratamentos é crucial e pode ser um sentença de morte para o paciente. Isto é muito triste e revoltante, mas não sensibilizada nem o famoso “mercado” que só se preocupe com taxas de juros, lucros e acumulação de capital e boa parte dos governantes que continuam cortejando os eleitores, de quatro em quatro anos, inclusive parentes e familiares de pessoas que morreram por falta de atendimento.

Outro problema é que o custo de tratamento do câncer é elevado  e por falta de meios e recursos, e também pelo abandono e sucateamento do SUS, com frequência os pacientes com câncer ou outras doenças precisam servir-se da Justiça (via defensoria pública, pois quem é pobre nem recursos financeiros para custear um advogado não tem) para garantir seus direitos, inclusive e principalmente, O DIREITO `A VIDA, conforme estabelece Constituição Federal: “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

O artigo quinto da Constituição Federal de 1988, a chamada Constituição Cidadã, em seu artigo quinto estabelece de forma clara que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade …”

Muita gente, inclusive governantes e seus seguidores, como temos visto ultimamente, falam o  tempo todo nas garantias individuais, destacando a liberdade, a propriedade que estão ameaçadas pelo comunismo e nesta defesa cometem atos terroristas, depredam o patrimônio público, tramam golpe de estado, com o objetivo de implantarem sistemas autoritários e totalitários de governo, tramam contra as Instituições nacionais, contra a democracia e o estado democrático de direito, mas pouco falam e lutam pela vida.

O obscurantismo, o negacionismo, a difusão de notícias falsas, mentirosas, as chamadas “fake news” durante o período da pandemia do coronavírus (covid-19) foram responsáveis pela morte de quase 700 mil pessoas em nosso país, além de milhares com câncer que tiverem seus tratamentos ou busca por diagnóstico de câncer postergados, acarretando também milhares de mortes evitáveis.

Pela precariedade em que se encontram as políticas de saúde pública e as deficiências estruturais e falta de recursos orçamentários para a saúde pública em todos os níveis, além da corrupção que continua presente, lamentavelmente, nesta área é a demonstração cabal de que nossos governantes fazem falsos discursos em defesa da saúde pública, mas agem completamente distantes tanto do que estabelecem a nossa Constituição Federal e outras leis, que tratam da garantia e defesa da vida humana.

Com certeza nossos governantes, com raras exceções, só são solidários com a miséria humana em que vive a maior parte da população brasileira apenas da boca para fora, principalmente porque não sofrem  tanto quando algumas doenças, inclusive lhes afetam ou aos seus familiares, afinal, não precisam entrar nas filas físicas e virtuais do SUS, passarem por humilhações, pois o contribuinte garante seus privilégios e regalias, através de planos  especiais de saúde, para buscarem atendimento, diagnóstico e tratamentos em hospitais de primeira linha, alguns em que as diárias custam diversas vezes o salário mínimo de fome, rendimento menor do que isto ou até sem nenhuma renda para fazer face a todas as necessidades de uma família inteira.

Por essas e tantas outras razões é que nesses dias especiais, como o Dia Mundial da Saúde (07 Abril próximo), Dia Mundial do Câncer, e tantos meses com ênfase a cores diferentes, amarelo, verde, rosa, roxo, azul voltados para despertar a consciência popular e nacional sobre importância de cuidarmos melhor de nossa saúde, é fundamental que também coloquemos neste contexto a questão da saúde pública, como prioridade para que o SUS, em nome do Estado Brasileiro, cumpra com o mandamento constitucional de defesa da vida.

Que tal a gente refletir neste 04 de fevereiro de 2023 sobre o tema CÂNCER e Saúde pública, em cada município, em cada estado e no Brasil inteiro, esta é a questão de fundo neste despertar de consciência coletiva.

Dialogando com um professional da saúde há algum tempo, sobre a vergonha que é a precariedade da saúde pública no Brasil, por acaso surgiu a questão do câncer e aquele professional, competente, que atendia na saúde pública e não tinha a medicina apenas como uma forma de ganhar um bom dinheiro e talvez até ficar rico se atendesse apenas a camada mais abastada da população dizia, no caso do câncer de mama, que continua matando dezenas de milhares de mulheres todos os anos  no Brasil, repito, dizia ele “ é importante estimular as mulheres a fazerem o autoexame, apalpar seus seios, identificar nódulos; mas só isso não é suficiente”.

Prosseguindo, dizia este meu amigo, “muitas mulheres identificam nódulos e ai bate o desespero das mesmas e de suas familiares, pois por serem pobres dependem apenas do SUS e quando procuram a saúde pública não conseguem atendimento para, de fato, realizaram um diagnóstico correto e definitivo, muitas vezes naquela região o SUS não tem médico especializado, não tem mamógrafo ou o mamógrafo está estragado”’, e completava, “esta é a realidade que tanto angustia profissionais de saúde que um dia juraram defender, de fato, a vida e fazem da saúde pública seu ideal professional”.
Apenas algumas informações para demonstrar a importância dessa discussão, reflexão. O câncer é a segunda causa de morte no mundo, responsável por 10,1 milhões de mortes por ano. Sendo os principais tipos, pela ordem de óbitos: Câncer de mama, de pulmão, colorretal, próstata, pele (não melanoma) e estômago.

Cabe ressaltar que por ano ,no mundo, surgem mais de 400 mil casos de câncer em crianças e adolescentes e entre adultos 18,6 milhões de novos casos também são diagnosticados a cada ano, sendo 9,8 milhões entre homens e 8,8 milhões entre mulheres.

Estudos, pesquisas bem fundamentadas por diversas instituições no Brasil e em outros países tem demonstrando que apesar dos avanços científico, tecnológico e na indústria farmacêutica, voltados para a prevenção, diagnóstico e tratamento de diversas doenças, a incidência do câncer continua avançando mundo afora e no Brasil este cenário não é diferente.

O INCA projeta um cenário de que até 2025, ou seja, dentro de três anos, incluindo este que mal se iniciou, no Brasil, a cada ano serão diagnosticados nada menos do que 704 mil novos casos de câncer, com destaque para os casos de câncer de próstata entre os homens, de mama entre as mulheres e câncer colorretal e de pulmão tanto entre homens quanto mulheres.

Notícia, reportagem publicada pelo Jornal O Estado de São Paulo, em 27 de Julho de 2021, é um alerta quanto ao desafio que o câncer representa no Brasil. “O número de brasileiros que morreram de câncer aumentou 31% de 2010 a 2019- foi um salto de 178.990 para 235.301. Os dados, tabulados pelo Estadão a partir do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, mostram que os tumores com maior número de vítimas no País foram os de pulmão, intestino e mama”. Ou seja, a cada década mais de 1,3 milhões de pessoas morrem por câncer no Brasil e esses números tendem a aumentar, tornando-os uma verdadeira tragedia nacional.

Com certeza as pessoas diante desses números e deste cenário podem estar se perguntando sobre as razões dessas projeções nada animadoras. As respostas vem de alguns especialistas renomados na área de oncologia e para as quais devemos estar bem atentos e para embasar nossas ações e nossa luta contra todos os tipos de câncer.

O aumento de casos de câncer na população brasileira é multifatorial. Além do próprio aumento populacional em uma década, temos também o envelhecimento da população, o aumento de forma exponencial da obesidade, o aumento da incidência de doenças crônicas, além de maior sedentarismo da população e exposição a mais fatores de risco, como tabaco e álcool. O consumo excessivo de gorduras saturadas e produtos industrializados que se tornaram mais acessíveis à nossa população também influencia’, diz o cirurgião oncológico Gustavo Cardoso Guimarães, diretor do Instituto de Urologia, Oncologia e Cirurgia Robótica, que também atua como coordenador dos departamentos cirúrgicos oncológicos da Beneficência Portuguesa de São Paulo”.

Outro alerta que não podemos ignorar, vem de outra professional da área, oncologista da clínica Onco Star e do Hospital São Luiz Itaim, da Rede D’Or São Luiz, a médica Maria Del Pilar Estevez reforçando o argumento de que deve-se acrescentar à lista de fatores que explicam o aumento dos casos de câncer ‘a crescente urbanização, com mudanças do estilo de vida, como sedentarismo e obesidade, além da maior exposição a carcinógenos’. Estudos mostram, por exemplo, que a poluição do ar, (que é responsável por mais de sete milhões de mortes por ano no mundo) muitas vezes ignorada, pode contribuir para o desenvolvimento dos tumores. Além do uso de fungicidas, herbicidas e pesticidas; agrotóxicos que contaminam os alimentos e estão associados ao surgimento de alguns tipos de câncer.

O rastreamento do câncer, segundo Maria Del Pilar, é outro gargalo que precisa ser enfrentado, para que os casos possam ser tratados mais cedo, em última análise, a politica adotada principalmente pelo SUS é aguardar que a população (geralmente pobre) procure os serviços de saúde seja de forma rotineira ou em casos em que a doença já está instalada, quando o tratamentos torna-se bem menos efetivo do que se fosse realizado de forma preventiva.

Finalmente, uma última palavra, da mesma forma que o combate `a fome não pode ficar restrito `as ações assistencialistas, motivadas pela solidariedade das pessoas e das organizações não governamentais, que, diga-se de passagem, são meritórias, principalmente ante a omissão das instituições públicas e governantes insensíveis, corruptos e demagogos, é necessário, é fundamental, imperioso que a população lute para que a saúde pública seja dotada de recursos técnicos, tecnológicos, financeiros, orçamentários e humanos, capaz de atender `as demandas do povo, principalmente, das camadas pobres e excluídas, cumprindo, integralmente o que consta da Constituição Federal e do ordenamento jurídico que garante a todas as pessoas os direitos humanos fundamentais, a começar pelo DIREITO `A VIDA, para todos e não apenas para quem tem dinheiro para fazer face ao desafio de encarar doenças terríveis, como o câncer.

Este é o sentido e a reflexão que devemos fazer sempre, principalmente, neste DIA MUNDIAL DO CÂNCER.

*JUACY DA SILVA, 80 anos, professor titular aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da PEI Pastoral da Ecologia Integral. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy

Terça, 20 Dezembro 2022 10:12

 

 

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Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.

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JUACY DA SILVA*
 


O Papa Bento XVI em seu discurso perante o Corpo Diplomático acreditado junto ao Vaticano, em 08 de Janeiro de 2007, assim dizia “É preciso, de forma urgente, eliminar as causas estruturais das disfunções da economia mundial e corrigir os modelos de crescimento econômico que parecem incapazes de garantir o respeito ao meio ambiente”.


O Papa Francisco, poucos anos após o inicio de seu Pontificado publicou a Encíclica Laudato Si, unificando diversos fragmentos do pensamento da Igreja (Católica) quanto `a necessidade de um melhor cuidado com a Casa Comum sob um novo paradigma que é a Ecologia Integral.


Publicada em 24 de maio de 2015, a Laudato Si insere-se e enriquece a Doutrina Social da Igreja e orienta tanto católicos quanto evangélicos e não cristãos quanto `a importância desse cuidado, dentro do contexto de que “tudo está interligado, nesta Casa Comum”, por isso sua atualidade até os dias de hoje.


No item 3, sobre a Perda da biodiversidade Francisco deixa claro que “Os recursos da terra estão sendo depredados também por causa de formas imediatistas de entender a economia e a atividade comercial e produtiva. A perda de florestas e bosques implica, simultaneamente, a perda de espécies que poderiam  constituir, no futuro, em recursos extremamente importantes, não só para a alimentação, mas também para a cura de doenças e vários serviços….Neste  sentido, o custo dos danos provocados pela negligência egoísta (e exploração predatória dos recursos naturais) é muitíssimo maior do que os benefícios econômicos que se possa obter”.


Podemos também perceber esta mesma preocupação nas palavras do Secretário Geral da ONU, António Guterres, na abertura da COP-15, no último dia 07 deste mês de dezembro de 2022 “Mais da metade do PIB global, o equivalente a US$ 41,7 trilhões, depende de ecossistemas saudáveis. Bilhões de pessoas, em nações desenvolvidas e em desenvolvimento, se beneficiam diariamente da natureza e produtos que ela proporciona, incluindo alimentos, energia, materiais, medicamentos, recreação e muitas outras contribuições vitais para o bem-estar humano. Ecossistemas saudáveis também são fundamentais para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e limitar o aquecimento global a 1.5°C, no entanto, é provável que a mudança climática se torne um dos maiores motores da perda de biodiversidade até o final do século”.


Podemos também asseverar que a perda/destruição da biodiversidade tem um impacto significativo e grave nas mudanças climáticas e no aquecimento global. É o verso e o reverso da mesma moeda. Apesar disso, parece que a questão da destruição acelerada da biodiversidade não tem tido a mesma preocupação como tem acontecido com as mudanças climáticas, lamentavelmente.


Enquanto a maior parte do planeta não tirava e continua não tirando os olhos dos jogos da copa do mundo de futebol que está sendo realizado no Catar; enquanto no Brasil os bolsonaristas continuam acampados em frente aos quartéis ou promovendo arruaças nas rodovias, ruas, avenidas, atentando contra a democracia e as Instituições nacionais, depredando bens públicos e privados, cerceando a liberdade de ir e vir das pessoas, teimando em não aceitar a derrota que os eleitores impuseram `a extrema direita; enquanto a Guerra absurda que a Rússia promove contra a Ucrânia, tentando destruir totalmente aquela país; enquanto os conflitos armados em países Africanos, Asiáticos e do Oriente Médio continuam ceifando milhares de vidas e fazendo vítimas todos os dias; quase que anonimamente representantes de centenas de países e milhares de ambientalistas estão reunidos desde o último dia 07 deste mês de Dezembro de 2022, em Montreal, no Canadá, para discutir, avaliar e definir estratégias, planos e ações para combater a destruição acelerada da biodiversidade em todos os continentes e países, inclusive no Brasil.


Esta é a COP-15, a Conferência Mundial em Defesa da Biodiversidade que deverá se encerrar na próxima segunda feira, dia 19 , um dia após o Mundo já ter um novo Campeão Mundial de Futebol. Parece que “pão e circo” sempre tem tido um apelo muito maior na consciência coletiva do que problemas graves, como as mudanças climáticas, a degradação do planeta e a destruição acelerada da biodiversidade e o risco de desaparecimento de todas as formas de vida no planeta, inclusive da vida humana.


Há pouco mais de 30 anos, na Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro, a ECO-92, entre 03 e 14 de Junho de 1992, quando uma das decisões mais importantes, senão a mais importante, foi a aprovação por quase a totalidade das Delegações dos países presentes àquela Conferência de uma Resolução que instituiu a Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica ou Biodiversidade, que entrou em vigor em 29 de Dezembro de 1993, tendo sido ratificada até o momento por mais 185 países e territórios, inclusive o Brasil, com exceção dos EUA e de alguns poucos países mais.


Para nortear as discussões e reflexões dos participantes da COP-15 e também da população mundial em geral, os diversas estudos e relatórios da ONU e outras organizações nacionais e internacionais apontam as principais causas da destruição da biodiversidade: degradação dos ecossistemas e dos “habitats”/territórios das várias espécies animais e vegetais; exploração excessiva e predatória dos recursos naturais terrestres, marítimos, lacustres e ribeirinhos; avanço de espécies invasoras e de doenças que afetam a biodiversidade; poluição dos solos, das águas e do ar, principalmente pelo uso abusivo/exagerado de agrotóxicos, pesticidas e outros produtos tóxicos; mudanças climáticas que aumentam a incidência de desastres naturais como chuvas torrenciais; desabamento de encostas, inundações, maremotos, furacões; secas prolongadas, falta de saneamento básico e destinação incorreta de rejeitos (lixo); consumismo e o desperdício que estimulam o uso super intensivo e incorreto dos recursos naturais dentre outras.


Desde a ECO-92 até o presente a ONU vem realizando um grande esforços, emitindo alertas através de relatórios de milhares de cientistas, estudiosos das questões socioambientais. Centros Nacionais e Internacionais de pesquisas tem demonstrando de maneira cabal que o mundo está caminhando aceleradamente para um grande desastre já bem conhecido colocando em risco todas as formas de vida no planeta, inclusive a vida humana.


Esses esforços podem ser observados no estabelecimento dos Objetivos do Milênio (2000); nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável em 2015 (a chamada Agenda 2030), as Conferências do Clima, o protocolo de Kyoto; a Convenção de Paris sobre as mudanças climáticas (2015), a Década da Proteção da Biodiversidade (2011 – 2020); a Década da Recuperação dos Ecossistemas Degradados ( 2021 -2030); a Década de Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável ou a chamada Década dos Oceanos, que foi aprovada em 2017 e que deve vigorar de 2021 até 2030.


Diversas outras iniciativas tem sido tomadas pela ONU quando aprovou em 2007 o ano internacional do Planeta terra; 2010 Ano Internacional da biodiversidade;  2011 como Ano Internacional das florestas;  2015 como o Ano Internacional dos Solos, como forma de combater tanto as mudanças climáticas quanto para reduzir a destruição da biodiversidade resultante da degradação e destruição de dezenas de milhares de espécies vegetais e animais em  mais de 520 milhões de ha de terras antes agricultáveis.


Neste sentido a Sociedade Brasileira para a Ciência dos Solos vem alertando para os riscos da degradação dos solos quando, em Janeiro de 2015, enfatizava que “A degradação do solo é reconhecida como componente de risco para manutenção da vida no planeta. Enquanto isso, o aumento da população implica em maior demanda por alimentos e matéria prima vegetal e animal. Depara-se assim com o dilema de, ao mesmo tempo, produzir alimentos, reduzir os impactos ambientais causados pelo uso intensivo (e irracional) do solo, recuperar grande parte dos recursos naturais já degradados e, ainda, preservar os sistemas naturais remanescentes”.


Todas essas iniciativas tem como objetivo despertar a consciência da população mundial e também dos diversas governos nacionais, regionais e locais sobre aspectos importantes relacionados com a questão ambiental/recursos naturais e sua importância para a vida humana. Apelo este que, lamentavelmente, parece não estar ainda despertando o interesse e a consciência coletivo da humanidade.


Quando cientistas e a própria ONU alertam para a questão das mudanças de uso dos solos e a degradação de milhões de hectares (ha) a cada ano, incluem-se neste aspecto também o desmatamento, as queimadas e a erosão, que destroem de forma grave tanto a biodiversidade vegetal quanto animal, como tem ocorrido com frequência em todos  os ecossistemas ao redor do mundo, inclusive, nos seis Biomas brasileiros, com ênfase maior quanto a este processo de destruição irracional no Pantanal, na Amazônia e no Cerrado, além da Caatinga, dos Pampas e da Mata Atlântica, esses três últimos, que estão praticamente destruídos, cuja recuperação se torna quase impossível ante a destruição de uma, outrora, rica biodiversidade.


Mesmo assim o Brasil ainda ocupa em termos globais o topo do “ranking” mundial quanto ao tamanho e variedade da biodiversidade tanto vegetal quanto animal, razão pela qual é visto como um ator fundamental nesta cruzada internacional para salvar o que ainda resta de vida terrestre e aquática (lacustre, ribeirinha e marinha) do planeta.


Quando da aprovação pela Assembleia Geral da ONU declarando  a Década da Proteção da Biodiversidade a ser observada entre 2011 e 2020, foram estabelecidos os seguintes objetivos e metas: 1) despertar e aumentar a consciência mundial quanto `a importância da biodiversidade no planeta; 2) defender uma maior integração de esforços quanto aos valores da biodiversidade; 3) reformar e aumentar os incentivos para que a biodiversidade seja protegida; 4) produção e consumo responsáveis e sustentáveis ( combater o consumismo e o desperdício que induzem `a destruição dos recursos naturais); 5) redução de 50% das perdas/destruição da biodiversidade; 6) gestão sustentável dos recursos aquáticos (rios, lagos e oceanos); 7) agricultura, aquicultura e silvicultura sustentáveis; 8) reduzir os níveis de contaminação dos solos, do ar e das águas por pesticidas e agrotóxicos; 9) prevenção e controle das espécies invasoras; 10) redução dos níveis de vulnerabilidade dos ecossistemas `as mudanças climáticas; 11) aumentar e melhorar o cuidado com as áreas protegidas; 12) redução dos riscos de extinção das espécies animais e vegetais (terrestres, lacustres, ribeirinhas e marítimas); 13) salvaguarda da diversidade genética; 14) estimular os serviços dos ecossistemas; 15) restauração e resiliência dos ecossistemas (objeto novamente que deu origem à Década da Restauração dos Ecossistemas Degradados, já mencionada anteriormente nesta reflexão); 16) acesso amplo dos países aos recursos genéticos e participação em seus benefícios; 17) estratégias e planos nacionais, regionais e locais e ações visando a proteção da diversidade biológica/biodiversidade; 18) catalogar e valorizar o conhecimento sobre a biodiversidade 19) intercâmbio de informações e conhecimento sobre a biodiversidade e, finalmente, 20) mobilização mundial de recursos de todos os tipos e fontes, para combater a perda/destruição da biodiversidade.


Concluída a Década Mundial de Proteção da Biodiversidade, a ONU, através de suas diversas agências especializadas e com a participação dos países membros, realizaram uma avaliação quanto aos objetivos  e metas estabelecidas e, LAMENTAVELMENTE, a conclusão é que quase nada ou poucas conquistas ocorreram, ou seja, o mundo continua destruindo implacavelmente a biodiversidade e degradando todos os ecossistemas, de uma forma quase que irrecuperável e  a custos bilionários ou trilionários.


Durante os dez anos da Década Mundial de Proteção da Biodiversidade só o desmatamento destruiu em torno de 100 milhões de ha de florestas e nada menos do que 420 milhões de ha entre 1990 até 2020. De acordo com dados da ONU de 2020, só esta área destruída nesses ecossistemas abrigavam a maior parte das espécies do planeta, com cerca de 60 mil espécies de árvores, 80% de todos os anfíbios, 75% das aves e 68% dos mamíferos.


Não podemos também esquecer que a poluição dos oceanos contribuir significativamente para a destruição da biodiversidade marinha. Por ano mais de 30 milhões de toneladas de lixo são carregadas para os oceanos, sendo que 80% deste lixo são os plásticos. Este cenário pode triplicar até 2040, cujo custo anual passaria de US$15,0 bilhões para mais de US$100.0 bilhões.


Constatou-se que praticamente todos os países ficaram muito aquém de atingir os objetivos e metas estabelecidos e aceitos na forma de compromissos soberanamente firmados e ratificados, ou seja, os acordos e decisões das Assembleias Gerais da ONU tem sido meros documentos assinados e ratificados, sem que os mesmos sejam cumpridos, resumindo: letra morta e discursos demagógicos em fóruns internacionais  para alimentar o noticiário e manipular a opinião pública nacional e internacional, como vimos recentemente por ocasião da COP 27 no Egito.


Em termos globais, tendo o ano de 1970 como parâmetro temporal, até 2020 foi constatada que as perdas/destruição da biodiversidade são alarmantes: a fauna marinha, lacustre e ribeirinha 83%; a biodiversidade terrestre também caminha na mesma direção, em todos os continentes: Ásia/Pacífico 55%; África 66%; América Latina e Caribe 94%; Europa/Ásia Central 18%, Estados Unidos 20%, do total de biodiversidade que existia em 1970. Vale destacar que a destruição da biodiversidade tanto na Europa quanto nos EUA já em 1970 tinha atingido níveis alarmantes e até mesmo catastrófico.


O relatório da ONU que avaliou o cumprimento dos objetivos e metas do Acordo de 2010, deixa claro que atualmente mais de um milhão de espécies animais e vegetais correm o risco de serem extintos,  desaparecerem dentro de poucas décadas, como aconteceu na Era dos Dinossauros.


O mundo já perdeu dezenas ou centenas de milhares de espécies animais e vegetais, incluindo mais de 50% de todos os corais e nos ecossistemas terrestres continua desmatando e queimando em torno de dez milhões de hectares por ano, 95% desta destruição ocorrem nos países tropicais, onde estão concentrados mais de 70% de toda a biodiversidade planetária, mas continuam utilizando este processo para produção e exportação de “commodities” principalmente para atender suas metas de exportação e ao  consumo dos países ricos, que, indiretamente são  parceiros desta destruição irracional e contribuem para que as atuais gerações deixem para as próximas um passivo ambiental imenso, impagável de destruição, sofrimento e morte.


Os interesses econômicos e financeiros imediatos, a busca do lucro, cada vez mais gananciosa e a acumulação de renda, riqueza e poder continuam falando mais alto do que o compromisso de governos  nacionais, regionais ou locais em participar dos esforços coletivos para evitar o desastre anunciado que são as mudanças climáticas e a destruição da biodiversidade, o que colocará a humanidade, principalmente as próximas gerações , diante de desafios mais prementes, mais , mais onerosos e com maior poder de destruição.


Por isso, a realização da COP 15, que termina na próxima  segunda feira, 19 de dezembro de 2022, no Canadá, um dia após a final da Copa do Catar, está sob ameaça de fracasso, tendo em vista que seu objetivo fundamental é definir um acordo internacional, à semelhança do Acordo de Paris, com objetivos e metas concretas para nortearem o estabelecimento de políticas, estratégias, planos, projetos e ações dos países, em seus diversas níveis de governo: nacional/federal; regionais/estaduais e locais/municipais, bem como definir formas como a iniciativa privada, os agentes econômico, o famoso mercado, os setores produtivos e a sociedade em geral (população) também participem deste esforço coletivo, a vigorar de 2023 até 2032; coincidindo praticamente com a Agenda 2030, quando o mundo, se honrar seus compromissos acordados em 2015, deverá atingir todos os ODS – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e suas metas, vários dos quais estão direta ou indiretamente vinculados tanto ao combate das mudanças climáticas quanto ao combate `a destruição da biodiversidade.


Neste sentido, em seu discurso na Abertura da COP-15, há poucos dias em Montreal, Canadá, o Secretário Geral da ONU, António Guterres tornou a enfatizar os alertas que vem fazendo há alguns anos quanto a importância e urgência das questões socioambientais e disse textualmente “o planeta não pode continuar sendo a lixeira e a latrina da humanidade, algo tem que mudar e mudar com urgência”.


Oxalá, que para além de pão e circo e dos conflitos políticos e ideológicos que estão a cada dia mais se acirrando no Brasil, o próximo governo (Lula) a ter inicio a partir de Janeiro próximo (dentro de poucos dias), coloque, de fato as questões socioambientais/ecologia integral como uma de suas reais prioridades, considerando, principalmente que são as camadas pobres, excluídas que acabam pagando a conta da degradação dos ecossistemas, da destruição da biodiversidade e das mudanças climáticas. A conferir!


*Juacy da Silva, professor titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy

Terça, 06 Dezembro 2022 11:05

 

 

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para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.

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JUACY DA SILVA*
 


“Os Direitos Humanos são os fundamentos da dignidade humana, a pedra angular para a paz (entre as pessoas e entre as Nações), inclusive para a construção de sociedades prósperas, justas e igualitárias”. António Guterrez, Secretário Geral da ONU, em sua Mensagem alusiva ao Dia Mundial dos Direitos Humanos de 2022.

Lutar e defender os direitos humanos é defender a vida plena, em toda a sua dignidade e em todas as suas dimensões ou aspectos. Nada é mais importante do que realmente garantir que todas as pessoas, independente da raça, da cor da pele, da idade, da profissão ou ocupação, da condição social, econômica, cultural ou política, do gênero, da condição física, da religião ou da ideologia, tenham seus direitos fundamentais garantidos, ou seja, todos os seus direitos humanos realmente respeitados, só assim, poderemos construir nações, sociedades, comunidades e instituições, verdadeiramente democráticas, plurais, inclusivas, transparentes e humanas!

O respeito aos direitos humanos deve ser a bússola para orientar nossas ações sejam como cidadãos em geral, empresários, religiosos, religiosas, profissionais, agentes governamentais, inclusive, devem ser o parâmetro central para definir e implementar políticas públicas, em todos os níveis de governo. Se assim não acontecer, com certeza estará faltando algo muito importante em nossa sociedade e em todos os países que é a Justiça, inclusive a Justiça Social.

Neste próximo sábado, 10 de Dezembro de 2022; o mundo todo estará celebrando, comemorando mais um DIA MUNDIAL DOS DIREITOS HUMANOS, `a semelhança do que vem ocorrendo desde o ano de 1948, quando apenas 48 países, dos 58 que naquela época integravam a recém criada Organização das Nações Unidas (ONU) decidiram aprovar a Resolução 423 e estabelecer que a partir de então nesta data deveríamos celebrar os direitos Humanos.

A Declaração universal dos Direitos Humanos esta assentada sobre cinco grandes dimensões: os direitos civis, os direitos sociais, os direitos culturais, os direitos econômicos e os direitos políticos.

A cada ano a ONU estabelecer um tema central, em torno do qual devem ser organizadas as celebrações ou seja, girar as ações para que os Direitos Humanos sejam colocados no contexto de uma atualidade permanente e não caiam no esquecimento.

Neste ano de 2022 o Tema das celebrações são: Dignidade, Liberdade e Justiça para todos e todas.

Vale recordar que naquela ocasião (1948) eram decorridos apenas três anos que o mundo respirava mais aliviado com o fim de uma das mais sangrentas guerras da história humana que dizimou entre 40 a 50 milhões de pessoas, somente na Rússia as tropas nazistas mataram mais de 18 milhões de pessoas.

Diante das atrocidades daquela Guerra, cuja memória ainda estava, principalmente contra as populações civis, como acontece em todas as guerras, desde então até os dias de hoje em diversas partes do mundo, os representantes dos países que então integravam a ONU decidiram que além da paz entre as Nações, também as pessoas, os cidadãos e as cidadãs de todos os países deveriam ser protegidos de todas as formas de violência, desrespeito e abusos, seja por parte dos Estados Nacionais (a chamada violência estatal), as prisões arbitrárias, a tortura por parte de agentes públicos, o abuso de autoridade, a escravidão, os campos de trabalho forçado ou sejam contra práticas cruéis ou dissimuladas nos países como a discriminação, a exclusão social e econômica, a pobreza, a fome, a miséria, o tráfico humano, a exploração sexual, enfim, a falta de reconhecimento da dignidade intrínseca das pessoas.

A visão e os ideais que nortearam aquela Resolução aprovada na Sessão Plenária da Assembleia Geral da ONU em 04 de Dezembro de 1948, estabeleceram que 10 de Dezembro em todos os anos, a partir de então seria considerado O DIA MUNDIAL DOS DIREITOS HUMANOS, a ser celebrado oficialmente em todos os países que, naquela época integravam e no futuro viessem a integrar a ONU, que atualmente são mais de 193 países e territórios.

Em muitos países e territórios este dia é considerado feriado nacional e diversas atividades e comemorações são realizadas para relembrar tanto os governantes quanto a população em geral em relação à importância de que os direitos humanos sejam realmente defendidos e respeitados universalmente, para que possamos viver em sociedades e comunidades que, de fato, primam pela paz,  pelo respeito às pessoas e pela dignidade humana.

A ONU, através do Conselho dos Direitos Humanos, do Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos e de suas varias agências, departamentos, comitês tem realizado um grande esforço no sentido de que a Declaração Universal dos Direitos Humanos seja plena e integralmente respeitada e cumprida em todos os países, tanto em tempo de paz quanto, e principalmente, em períodos de conflitos armados e guerras, quando ocorrem um total desrespeito à dignidade das pessoas através de atos de selvageria como a tortura e estupros coletivos.

Para que as pessoas possam defender seus direitos humanos inalienáveis é preciso e é fundamental que esses direitos sejam conhecidos. Neste sentido, a ONU, as Organizações regionais como a OEA (Organização dos Estados Americanos), Governos Nacionais, Entidades Representativas da Sociedade Civil Organizada, partidos políticos, movimentos sociais tem promovida a publicação da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Costuma-se dizer que as pessoas só conseguem defender seus direitos se, de fato, souberem quais são esses direitos. Assim, a Declaração dos Direitos Humanos está entre as obras mais traduzidas no mundo, até 2019, em 501 línguas, sendo a última tradução em Quéchua, na Bolívia. 

O texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos é relativamente pequeno, apenas 5 ou 6 páginas, contendo o preâmbulo, os fundamentos que inspiraram sua aprovação e seus 30 artigos e assim, todas as pessoas podem ter conhecimento de seus direitos universais, sendo que praticamente todos esses direitos de forma direta ou indireta fazem parte das varias Constituições dos países e do ordenamento jurídico nacional desses países, inclusive do Brasil.

O que falta na verdade é que tanto o texto da Declaração dos Direitos Humanos quanto de todas as demais convenções e acordos que a ONU aprova em suas Assembleias Gerais e que tem a adesão de todos os países,  não podem continuar “letra morta”, ou como se diz: “para inglês ver” e passem a ser conhecidas, respeitados e defendidos por todas as pessoas e Instituições civis, militares e Eclesiásticas e, também, os veículos de comunicação, mas, principalmente, pelas Instituições Governamentais, a quem cabe a primazia nesta defesa e divulgação.

No caso do Brasil o Sistema Judicial inclui duas Instituições fundamentais que devem estar a serviço da sociedade e não dos governantes de plantão e que são fundamentais para que não apenas o que consta da Declaração dos Direitos Humanos de forma genérica, mas todos os direitos das pessoas estabelecidos no ordenamento jurídico nacional e nos acordos e tratados internacionais, dos quais o Brasil faz parte.

Essas Instituições são o Ministério Público Federal e Ministério Público estaduais e também outra instituição que visa atender as pessoas desprovidas de recursos financeiros e humanos, para defenderem seus próprios direitos, aí surge a figura das Defensorias Públicas Federal e estaduais.

Assim, além da Declaração Universal dos Direitos Humanos a ONU tem aprovado uma série de acordos e convenções que garantem direitos de diversas segmentos específicos como direitos dos trabalhadores (OIT), Direitos das Crianças e adolescentes (UNICEF), Direitos das mulheres, Direito dos idosos, Direitos dos consumidores, Direito das pessoas com deficiência; direitos dos povos indígenas, direitos dos refugiados; Direito do mar; Direito `a Igualdade racial e de não ser discriminado/discriminada pela sua origem racial ou étnica e outros aspectos mais que também geram direitos individuais ou coletivos.

Existem os chamados direitos difusos que também são direitos humanos universais e assim devem ser reconhecidos, como o direito a um meio ambiente saudável e sustentável; o direito `a moradia, direito ao trabalho com salario e condições dignas, direito à saúde, direito ao acesso `a terra, direito de locomoção (direito de ir e vir); direito ao lazer, direito `a educação pública, inclusive e de qualidade; Direito `a Alimentação, `a Água, ao Saneamento básico e tantos outros que deixamos de mencioná-los, nesta oportunidades.

Enfim, a jornada em defesa da dignidade humana está pressente na história muito antes da ONU proclamar em 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos, há séculos, milênios temos presenciado diversas lutas e até revoluções que aconteceram neste sentido e, por incrível que pareça, ainda hoje os Direitos Humanos continuam desconhecidos por muita gente, razão pela qual o desrespeito e arbitrariedades contra as pessoas continuam bem presentes em todos os países, inclusive no Brasil.

Para finalizar, transcrevo a seguir alguns aspectos contidos na Declaração dos Direitos Humanos, como forma de divulga-los nesta oportunidade. É importante conhecer, por exemplo, o Preâmbulo da referida Declaração que são os fundamentos sobre os quais tais direitos foram estabelecidos; vejamos este preâmbulo:

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo;

Considerando que o desconhecimento e o desprezo dos direitos do Homem conduziram a atos de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os seres humanos sejam livres de falar e de crer, libertos do terror e da miséria, foi proclamado como a mais alta inspiração do Homem;

Considerando que é essencial a proteção dos direitos do Homem através de um regime de direito, para que o Homem não seja compelido, em supremo recurso, à revolta contra a tirania e a opressão;

Considerando que é essencial encorajar o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações;

Considerando que, na Carta, os povos das Nações Unidas proclamam, de novo, a sua fé nos direitos fundamentais do Homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres e se declaram resolvidos a favorecer o progresso social e a instaurar melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla;

Considerando que os Estados membros se comprometeram a promover, em cooperação com a Organização das Nações Unidas, o respeito universal e efetivo dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais;

Considerando que uma concepção comum destes direitos e liberdades é da mais alta importância para dar plena satisfação a tal compromisso: A Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos, como ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade, tendo-a constantemente no espírito, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e liberdades e por promover, por medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o seu reconhecimento e a sua aplicação universais e efetivos tanto entre as populações dos próprios Estados membros como entre as dos territórios colocados sob a sua jurisdição.

Diversos desses artigos, como os que a seguir transcrevo, explicitam o contexto onde estão inseridos esses direitos fundamentais, vale a pena conhecer para saber lutar e defender esses direitos.

Artigo 1° Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.

Artigo 3° Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo 5° Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.

Artigo 7° Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da lei. Todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Artigo 9° Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Artigo 12° Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a proteção da lei.

Artigo 18° Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.

Artigo 21° 1. Toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direção dos negócios, públicos do seu país, quer diretamente, quer por intermédio de representantes livremente escolhidos. 2. Toda a pessoa tem direito de acesso, em condições de igualdade, às funções públicas do seu país. 3. A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos: e deve exprimir-se através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio universal e igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde a liberdade de voto.

Artigo 22° Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia com a organização e os recursos de cada país.

Artigo 23° 1. Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual. 3. Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de proteção social. 4. Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em sindicatos para defesa dos seus interesses.

Assim, neste 10 de Dezembro de 2022, devemos não apenas celebrar o DIA MUNDIAL DOS DIREITOS HUMANOS, mas também refletirmos sobre como esses direitos humanos fundamentais estão sendo observados e cumpridos em nosso país.

Este é um momento oportuno para que em todos os setores da sociedade brasileira, inclusive nas escolas, universidades, sindicatos, associações de moradores de Bairros; nas Igrejas e, claro, em todas as Instituições públicas, em todos os poderes, em seus diversas níveis possam estabelecer alguns canais de dialogo para refletir sobre este tema crucial e fundamental para o presente e o futuro de nosso Brasil.

Pelos direitos humanos e seus defensores, rezemos por quem arrisca a própria vida lutando para garantir a todos direitos iguais. Esta luta requer coragem e determinação. Significa opor-se ativamente à pobreza, à desigualdade, à falta de trabalho, de terra, de habitação, de direitos sociais e trabalhistas’. (Papa Francisco, 2021).
 
Meu caro leitor ou leitora, você já parou uns minutos para refletir como estão os direitos humanos em sua volta? Em sua comunidade? Eu seu bairro? Em sua Cidade, estado ou no Brasil ou em outros países?  Convido vocês a refletirem um pouco sobre este assunto fundamental para as nossas relações em sociedade, que devem primar sempre pelo respeito e dignidade das pessoas.

 
*JUACY DA SILVA, professor universitário, aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

Sexta, 02 Dezembro 2022 09:09

 

 

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Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.

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JUACY DA SILVA*




Fraternidade e fome “Dai-lhes vós mesmo de comer” Mt. 14,16. Tema e lema da Campanha da Fraternidade 2023, CNBB.

 

A pobreza e a fome são os maiores escândalos que continuam presentes no mundo há muito tempo e assim permanecem na atualidade, inclusive no Brasil, ante o olhar passivo e até cínico ou hipócrita de muita gente em todos os setores das sociedades, incluindo governantes nos mais diversas países.
No mundo existem mais de 3,0 bilhões de pessoas vivendo na pobreza; das quais 828 milhões na extrema pobreza e passando fome, incluindo mais de 33 milhões no Brasil e mais  de 2,3 bilhões que sofrem com insegurança alimentar.

A fome continua matando mais pessoas do que inúmeras doenças consideradas graves, inclusive pandemias, como foi recentemente com a COVID-19. Diversos estudos apontam que anualmente em torno de aproximadamente 3,0 milhões de pessoas ou até 9 milhões, como relata a Organização “The World Counts”, que enfatizam que a fome e suas consequências continuam matando mais do que HIV/AIDS, malária, guerras e conflitos armados, assassinatos, desastres automobilísticos e tuberculose juntas.

A própria ONU no Relatório do Programa de Distribuição de Alimentos de 2021, alertou que em torno de 41 milhões de pessoas estão `a beira da morte por falta de alimentos, ou seja, correm o risco de morrer tendo como causa a fome e suas consequências.

No entanto, dados estatísticos recentes indicam que entre 1960 e 2020 enquanto a população mundial cresceu 166,7%, o PIB mundial cresceu 6.257,0%; e a produção de grãos e alimentos cresceu 1.065,0%. Ou seja, a produção de alimentos cresceu quase 6,4 vezes mais do que o crescimento da população e o PIB cresceu 37,7 vezes a mais do que o crescimento da população mundial.

Portanto, a pobreza e a fome continuam presentes em números alarmantes a despeito do crescimento econômico do mundo. As razoes, portanto são outras, ou seja, essas mazelas da fome e da pobreza decorrem da concentração dos bens de produção (terra, matéria prima, renda, riqueza (capital), cujas tendências permanecem elevadas na maioria dos países conforme dados do Indice de Gini (que mede a concentração de renda, riqueza e propriedade) bem recentes (anos de 2019 , 2020 ou 2021).

Além disso, aproximadamente 30% de todo o alimento que é produzido no mundo vai parar no lixo, ou seja, não chegam à mesa de quem esta passando fome ou morrendo por falta de alimentos.

Logo que foi eleito para suceder Bento XVI, em  13 de Março de 2013, o Papa Francisco em um Encontro com estudantes de escolas jusuítas, em 07 de Junho  daquele ano e em outros encontros e viagens  realizadas ao longo de seu pontificado, não tem se cansado de falar e exortar quanto `as várias questões que continuam presentes em maior ou menor grau, em todos os países.

Três questões, sempre ressaltadas em seus pronunciamentos: a pobreza (e os pobres); a exclusão social, econômica e política, ao lado do consumismo, do desperdício e da economia do descarte e a questão da ecologia integral, da degradação dos ecossistemas, a necessidade de a humanidade enfrentar com seriedade a crise socioambiental, tem contribuído para aumentar a gravidade desta situação. Essas três questões estão no âmago de praticamente todas as mazelas que pesam sobre o nosso planeta e toda a humanidade.

Em relação `a pobreza, que, na verdade é a matriz geradora de diversas outras mazelas, inclusive a fome, o sofrimento de quem não tem sequer a certeza de que poderá comer a cada dia, apesar de rezarmos/orarmos todos os dias dizendo “Pai nosso, que estais nos Céus….O pão nosso não dai hoje…”, só que as vezes nos esquecemos que bilhões de pessoas sofrem com insegurança alimentar, quase um bilhão sofre  com a dor da fome, que também mata milhões de pessoas, principalmente crianças, adolescentes, idosos e refugiados ao redor do mundo.

Vejamos o que nos diz o Papa Francisco sobre a Pobreza. “Os tempos nos tem falado que ainda existe muita pobreza no mundo e isto é um escândalo. Em um mundo onde tem tantas riquezas, tantos recursos para dar de comer a todos, não se pode entender como existem tantas crianças famintas, que existam tantas crianças sem acesso `a educação, tantos pobres! A pobreza hoje, é um grito” (Encontro com estudantes de escolas jesuítas, já mencionado anteriormente).

No mesmo ano, em um Encontro com dirigentes da FAO – Agência da ONU, especializada em agricultura e alimentação, em Roma,  assim disse o Sumo Pontífice “ É necessário, pois, encontrar a maneira para que todos possam se beneficiar dos frutos da terra, não apenas para evitar que aumente a diferença entre os que que tem mais e os que precisam conformar-se com as migalhas, mas também, e, sobretudo por uma exigência de Justiça (social), equidade e respeito a todo ser humano” (20 de Junho de 2013, em Roma).

Ao longo de muitos anos, décadas mesmo, principalmente a partir dos anos sessenta o debate sobre crescimento econômico, desenvolvimento x pobreza x desigualdades sociais, econômicas e regionais tinha como o único parâmetro a renda.

Todavia, as discussões foram sendo ampliadas e tanto nos organismos nacionais quanto internacionais, nas universidades e centros de pesquisa, a cada dia tem ficado mais nítida a ideia de que , como enfatiza o Papa Francisco na Encíclica Laudato Si, “tudo esta interligado, nesta Casa Comum” e que “não existem duas crises separadas, de um lado, uma crise social e econômica e de outro uma crise ambiental/ecológica; mas sim, uma única e complexa crise socioambiental/ecologia integral”.

Portanto, para responder a este desafio, são necessárias, tanto no âmbito governamental quanto da sociedade civil, inclusive das Igrejas e religiões, medidas, ações, enfim, principalmente no âmbito do governo (local, regional/estadual e nacional) políticas públicas que possam enfrentar, globalmente, todos esses desafios.

Isto implica mudanças de paradigmas tanto na sociedade em geral, quanto no meio empresarial, nas organizações da sociedade civil e, principalmente, na gestão pública, que levem a transformações e mudanças profundas nas estruturas sociais, políticas e econômicas, tanto na forma de pensar, quanto de sentir e agir.

A ONU, através de sua Agência/Departamento – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), desde o ano de 1990 vem publicando, anualmente, o Relatório do Desenvolvimento Humano, utilizando-se de dados estatísticos oficiais dos países membros e também estudos de instituições nacionais e internacionais, inclusive universidades, que estão voltadas para análises da realidade política, social e econômica mundial e a evolução temporal dessas realidades.

Ao longo dessas três décadas, mais precisamente 33 anos, esses Relatórios tem se constituído em uma fonte valiosa de informações e dados estatísticos sempre atualizados, colocando-os `a disposição não apenas das sociedades nacionais de uma forma geral, mas, principalmente, para os agentes públicos e privados, para que utilizem tais informações na definição de políticas públicas e do planejamento governamental em todos os níveis (nacional, regional/estadual e local/municipal), para que suas ações sejam mais articulados, integradas, tanto entre os diferentes níveis de governo quanto das instâncias governamentais com a iniciativa privada, agentes econômicos, sociais e políticos.

Nesses 33 anos a ONU desenvolveu três índices importantes e valiosos para que diferentes aspectos da realidade, considerados os mais prementes, possam ser devidamente avaliados.

Esses índices são os seguintes: IDH – Índice de Desenvolvimento Humano; o IDG – Índice de Desenvolvimento de Gênero, que mede especificamente as questões de gênero e o IPH – Índice de Pobreza Humana. Todos esses índices são construídos levando em consideração diversas indicadores, tendo em vista que apenas um indicador não é suficiente para que a análise de uma determinada parte da realidade seja captada em sua profundidade.

Para que ações tanto as governamentais quanto de todas as demais esferas não governamentais, a economia, a política, a social e até mesmo as Igrejas sejam eficientes, eficazes e efetivas, as mesmas precisam estar fundamentadas em metodologia, como no caso da Igreja Católica que desenvolve seu planejamento eclesial e ações baseadas no método: VER, JULGAR, AGIR e (CELEBRAR).

Pouco antes da “virada” do século, a ONU estabeleceu alguns parâmetros que os países deveriam seguir, para enfrentar problemas que surgem ao longo do processo de desenvolvimento nacional. Assim foram estabelecidos os oito Objetivos do Milênio que deveriam vigorar do ano 2000 até 2015.

Esses objetivos eram os seguintes: Erradicar a pobreza extrema e a fome; Alcançar o Ensino primário universal; Promover a igualdade de gênero e empoderar as mulheres; Reduzir a mortalidade infantil; Melhorar a saúde maternal; Combater o HIV/AINDS, a malária e outras doenças; Garantir a sustentabilidade Ambiental; e, Desenvolver uma parceria global para o desenvolvimento.

Como podemos constatar, o primeiro objetivo mencionado era erradicar a pobreza e a fome no mundo, sendo desde então ou muito antes, considerados um dos maiores, ou talvez o maior desafio que todos os países, em menor ou maior grau experimentam e o que tem se constituído em uma “chaga social” ou como eu denomino UMA VERGONHA MUNDIAL.

Passados os 15 anos, a ONU, através de todas as suas agências especializadas como UNEP, PNUD, FAO, UNICEF, UNESCO, programa mundial de distribuição de alimentos, Conselho dos Direitos Humanos, entre outras, juntamente com os países membros, avaliaram o progresso que os países haviam atingido em relação a esses objetivos e metas estabelecidas.

A avaliação demonstrou que em alguns países ocorreram avanços, mas em diversas outros, inclusive no Brasil, a conquista desses objetivos e metas deixaram muito a desejar e para alguns desses objetivos a situação havia até piorado e continua piorando.

Após esta avaliação, em Assembleia Geral, em 2015 a ONU decidiu, com apoio de todos os países membros, reformular os Objetivos do Milênio e estabelecer um novo Pacto Global, procurando desdobrar alguns objetivos e acrescentando outros, principalmente em relação `as questões ambientais. Assim surgiram os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) que tem como horizonte temporal o ano de 2030, daí também serem denominados, em seu conjunto, como AGENDA 2030.

Os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentáveis são os seguintes: 1) Erradicação da pobreza - acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares; 2) Fome Zero e agricultura sustentável – acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável; 3)  Saúde e bem-estar – Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todas e todos, em todas as idades; 4) Educação de qualidade – assegurar a educação inclusive, equitativa e de qualidade, promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas e todos; 5) Igualdade de gênero – alcançar a igualdade de gênero e empoderar as mulheres e meninas; 6) Água potável e saneamento – assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos e todas; 7) Energia limpa e acessível – assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível para todas e todos; 8) Trabalho decente e crescimento econômico – promover o crescimento econômico sustentado, inclusive e sustentável, emprego pleno e trabalho decente para todos e todas; 9) Indústria, inovação e infraestrutura – construir infraestrutura resiliente, promover a industrialização inclusive e sustentável e fomentar a inovação; 10) Redução das desigualdades – reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles; 11) Cidades e comunidades sustentáveis – tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis; 12) Consumo e produção responsáveis (e sustentáveis) – assegurar padrões de produção e consumo sustentáveis; 13) Ação contra a mudança global do clima – tomar medidas urgentes para combater  a mudança do clima e seus impactos; 14) Vida na água – conservação e uso sustentável dos oceanos e mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável; 15) Vida Terrestre – proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra (dos solos e subsolo) e deter a perda da biodiversidade; 16) Paz, Justiça e Instituições eficazes – promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso `a justiça para todos/todas e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis; e; 17) Parcerias e meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável.

Em setembro último (2022) a ONU divulgou o Relatório do Desenvolvimento Humano de 2021-2022, com dados atualizados, inclusive quanto aos impactos da pandemia COVID-19 sobre aspectos como POBREZA, FOME e outros mais.

E mais recentemente, no dia 17 de novembro último, há duas semanas apenas, a ONU também divulgou outro documento muito importante que é intitulado “ Índice multivariado global da pobreza”, com o subtítulo “ Desvendando os fatores/as causas, para reduzir a pobreza”, ou seja, esta chaga social que é a pobreza tem várias causas e também inúmeras consequências, como a FOME e outras mais principalmente pelas pessoas que nela vivem ou meramente sobrevivem.

Nesta relatório são apresentadas as três dimensões básicas ou componentes que estão associadas `a pobreza (e definem o índice multidimensional da Pobreza): Saúde, educação e padrão de vida. Na saúde são considerados essencialmente a fome, a insegurança alimentar e a mortalidade infantil; na educação são destacados o tempo (anos) de escolaridade e a frequência escolar e no padrão de vida, fontes de energia, inclusive para cozinhar, instalação sanitária em casa e acesso a saneamento básico, disponibilidade de água potável, eletricidade, condições da habitação, propriedade e renda pessoal e familiar.

Isto representam uma resposta ao desafio quanto `as diversas abordagens ou tentativas para enfrentar tanto a pobreza em si, quanto suas causas, inclusive a fome e a insegurança alimentar.

Se a fome é consequência da pobreza, sem extirpar a primeira, em suas diversas dimensões, a segunda (a fome) jamais será extinta, principalmente quando muita gente, muitas organizações, inclusive programas governamentais ou mesmo através da atuação de Igrejas e outras entidades caritativas, imaginam que com assistencialismo poderemos combater tanto a fome quanto a pobreza.

A CARITAS Brasileira, filiada `a CARITAS internacional, uma organização humanitária da Igreja Católica, enfatiza três níveis de caridade: a assistencial, a promocional e a libertadora. A primeiro busca o atendimento imediato a quem tem fome ou outras necessidades básicas; a segunda procura dotar quem assim esteja excluído de condições e habilidades para adentrar o mercado de trabalho e a última, tenta despertar a consciência dos excluídos quanto `a necessidade de transformações estruturais para que a pobreza e a fome, por exemplo, sejam, de fato enfrentadas.

O assistencialismo atende apenas a premência para evitar que as pessoas morram, literalmente de fome, mas se as causas da fome, que estão vinculadas `a pobreza não forem atacadas, com certeza, a fome continuará fustigando a vida de milhões e bilhões de pessoas ao redor do mundo, seja em países africanos, asiáticos, latino-americanos, do Oriente Médio, seja no Brasil, seja em países ricos, do primeiro mundo como a Europa, Estados Unidos ou mesmo entre os integrantes do G-7; os países mais ricos do mundo, onde estão a quase totalidade dos bilionários do planeta, mas que a fome e a pobreza ainda estão bem presentes.

Finalizando, gostaria de enfatizar as denúncias e propostas do Papa Francisco quanto aos caminhos que devemos trilhar para, não apenas  reduzir um pouquinho a pobreza ou simplesmente mitigar uma de suas consequências que é a fome, mas de fato dar um salto de qualidade nesta caminhada.

Vejamos: “Ao mesmo tempo que almejamos o progresso para atingirmos um mundo melhor, não podemos deixar de denunciar desgraçadamente o escândalo que é a pobreza em suas diversas dimensões. A Violência, a exploração, a discriminação, a marginalização, as formas restritivas `as liberdades fundamentais, tanto das pessoas quanto dos grupos sociais, são alguns dos principais elementos da pobreza que se devem superar com urgência. Exatamente esses aspectos é que caracterizam muitas vezes os movimentos migratórios, que unem essas migrações e a pobreza”. (Mensagem para a Primeira Jornada Mundial dos imigrantes e refugiados, 05 de Agosto de 2013).

Como alternativa aos modelos e estruturas sociais, políticas e econômicas injustas, nefastas e excludentes que geram pobreza, fome e tantas outras desgraças, o Papa Francisco apresenta propostas como: A Economia de Francisco e Clara, os seus três “Ts”: Terra, teto e trabalho; e diversas outros aspectos, principalmente em suas Encíclicas como a Laudato Si, A Fratelli Tutti e a Exortação Apostólica “Querida Amazonia”.

Esta é uma discussão que precisa ser mais aprofundada com dois olhares fundamentais: o olhar crítico sobre a realidade e o olhar samaritano e profético que a Doutrina Social da Igreja tanto tem enfatizando ao longo de 130 anos. Vamos participar desta caminhada?



*JUACY DA SILVA, professor universitário, titular e aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista e articulador da Pastoral da Ecologia Intregral. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy

Sexta, 25 Novembro 2022 11:24

 

 

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Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.

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JUACY DA SILVA*
 

“Eu sou a ressureição e a vida, aquela que crê em mim, ainda que morra viverá”

(Palavras de Jesus Cristo, conforme o Evangelho de São João, Capitulo 11:25)


“Humanidade de cima, estamos em sintonia, venha nos auxiliar, na luta de todo dia! A morte não é o fim, vocês já estiveram aqui; amanhã estaremos aí. a vida continua, sim! Humanidade do Espaço, as barreiras se rompem. é tempo de união! Hoje já não é ontem, aceite o nosso abraço, através desta canção! Humanidade de Cima, estamos em sintonia, venha nos auxiliar na luta de todo dia! (trecho da Canção Legionária Humanidade de Cima”.
 

O dia era 20 de Novembro de 2021, só que era um sábado, não um domingo, como hoje em novembro de 2022. Até mesmo a temperatura era mais amena, durante o dia em torno de 8 graus centigrados, enquanto nesta madrugada foi de 4 graus abaixo de zero e a máxima será de apenas um grau Celsius positivo.


Havíamos chegado nos EUA, no Aeroporto Internacional de Dulles, na Virgínia há apenas dois dias, depois de mais de dois anos termos estado “presos” em Cuiabá, devido a pandemia da COVID-19, praticamente reclusos em casa, longe das filhas, dos netos e neta, a quem tanto amamos e sempre estivemos por perto, mesmo residindo tão distantes.


Afife, que há pelo menos 5 anos desenvolvia demência vascular, sempre, boa parte do tempo estimulada como por exemplo nas chamadas de vídeos que nossas filhas sempre faziam, lembrava ainda relativamente bem das pessoas com as quais convivia mais proximamente e continuava com boa independência e autonomia.


Sofremos muito com a distância e as saudades das filhas, netos e neta e mais ainda com o pavor que o avanço da covid-19 fazia no Brasil e no resto do mundo, o noticiário diário era bem macabro, só noticias e imagens de mortes, sepultamentos, gente entubada e sofrendo nos hospitais e vendo, por diversas vezes a morte bem de perto com a despedida de parentes, amigas e amigos que foram tragados por esta terrível pandemia.


Assim, só depois de vacinarmos com três doses e submetermos aos testes exigidos pelas autoridades de todos os países, inclusive dos EUA e do Brasil, decidimos viajar rumo a esta região, nos EUA, com muitas saudades, expectativas e ansiedade, pois o medo do contágio ainda estava presente principalmente para pessoas idosas, como a gente.


Saímos de Cuiabá no dia 10 de novembro, uma quarta feira bem quente, em um voo da tarde, direto para o Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, para uma parada, evitando que a viagem fosse tão cansativa, onde permanecemos por uma semana, quando, como sempre fazíamos em Cuiabá, caminhávamos diariamente, de mãos dadas, na certeza de um apoio mútuo, tanto emocional quanto físico, o que sempre chamou a atenção de pessoas, muitas que nem ao menos nos conheciam e nos paravam para conversar e, logo, vinha a pergunta “quantos anos vocês têm de casados”.


Com certa alegria, entusiasmo e em tom as vezes jocoso, Afife devolvia a pergunta “advinha quantos anos”, e as pessoas diziam uns 30 ou 40 anos; e aí ora eu ora ela dizíamos 50, 51 ou nos últimos dias de nossa vida em Cuiabá, 52 anos. Geralmente as pessoas admiravam e falavam “Que Deus bbencoe voces sempre”, pois elas admiravam a nossa vitalidade fisica e companheirismo diário.


Outro aspecto interessante, Afife adorava ouvir o canto dos pássaros, tanto em casa quanto ao caminharmos pelas ruas de Cuiabá, principalmente das araras que migraram em bandos para Cuiabá, fugindo das queimadas que dizimaram boa parte do maravilhoso Pantanal Matogrossense e também os bem-te-vis, que ela volta e meia parava para imita-los e observa-los. Essas são cenas que permanecem bem vivas em minha mente e lembranças.


Afife também adorava plantas, sempre que via uma planta falava, “a gente podia conseguir muda desta planta e levar para casa”, onde, em Cuiabá sempre cultivamos o verde incluindo na frente da casa duas grandes árvores de primavera, um pé de acerola, pés de mamão e também hortaliças, que Afife gostava tanto de regar, cuidar e admirar o crescimento, as flores e os frutos.


Saimos de Cuiabá, estavamos alegres, felizes pois iriamos passar em torno de quatro a cinco meses nos EUA, só voltariamos após o aniversario de Afife, que seria em 27 de Março de 2021, chegamos até a planejar uma viagem da área de Washington, DC para Nova York, como fizemos há uns dez anos passadas, só Afife e Eu, quando por uma semana  comemoramos um aniversario dela naquela cidade maravilhosa.


Em nossos planos também estava uma viagem para a Italia, Roma, para ficarmos uns meses com Ludmila, nossa filha caçula  e o nosso netinho, Ollie, que moravam ainda naquela época em Bruxelas e que iria ser transferida para Roma. O que acabou não acontecendo.


No Rio, durante quase uma semana de 11 a 17 de novembro todos os dias caminhavamos, as vezes pelo calçadão de Copacabana ou pela areia a beira mar, sempre em torno de 5 a 6 km diários, as vezes pela manhã e as vezes ao entardecer e em alguns dias em ambos os períodos, extendendo a distância percorrida, mas que Afife conseguia fazer sem grande desgaste físico.


Antes de sairmos de Cuiabá, fizemos, como sempre fazíamos e eu continuo fazendo, anualmente, um “check up” complet, para ver se não pudesse surgir algum problema de saude na viagem ou quando aqui chegassemos.


Afife tinha alguns problemas de saúde, mas todos plenamente controlados e estava bem de saúde, incluindo o controle da hipertensão arterial, a degeneração ocular húmida e a osteoporose, ela não tinha colesterol elevado, nem diabetes, ao longo dos últimos 20 anos sempre tomamos regularmente as vacinas recomendadas, inclusive para gripe, pneumonia e gracas a esses e outros cuidados recomendados possamos ilesos durante a pandemia do coronavirus.


Enfim, sabendo que estavamos bem de saúde e que nenhuma risco imediato poderia surgir, decidimos fazer mais uma vez, talvez a vigéssima longa viagem entre o Brasil e os EUA, bem cansativa, mas que nos trazia alegria e felicidade por poderemos desfrutar de mais uns meses de convivio com nossas filhas, netos e neta, como fizemos ao longo dos últimos 30 anos, desde que, ao retornarmos ao Brasil no inicio dos anos noventa, nossas filhas, então ainda jovens decidiram aqui ficar e acabaram constituindo familias, adentraram o mercado de trabalha e se tornaram cidadãs americanas, por naturalização.


A viagem do Rio até os EUA, foi , como sempre é, bem longa, um voo saindo do Galeão de madrugada, amanhecendo na cidade do Panamá e chegando na Virgina logo depois de meio dia do dia 18 de novembro de 2021, em um contraste enorme de temperatura,pois ao deixarmos o Rio de Janeiro, onde na década de oitenta moramos por dez anos, onde nossas filhas passaram boa parte da infância e adolescência, repito, ao sairmos do Rio a temperatura estava quase 40 graus centigrados e ao aqui chegarmos estava na faixa dos dez graus.


No restante daquele dia descansamos bastante, mas logo no dia seguinte, 19 de de novembro, uma sexta feira, lá estavamos nós, Afife e Eu, de mãos dadas, fazendo nossa caminhada pela trilhas e em meio `as florestas urbanas que adornam muito esta região, que cujas árvores, diferentes do que ocorre este ano, ainda estavam com bastante folhas, de um colorido maravilhoso, como acontece durante o outono nos EUA, principalmente nesta região metropolitana de Washington, DC,  Distrito de Columbia, capital do país.


No sábado, dia 20 de novembro seria mais um dia como outro qualquer, caminhamos pela manhã, conversamos por telefone  Sophia, Raphael, Nick, Phil, Mark, nosos netos,  Valéria e Ludmila, esta última, que, mesmo morando na Europa estava por aqui. Haviamos combinado para almoçarmos juntos em um restaurante no dia seguinte, domingo, quando toda a família estaria reunida.


Após o almoço, fomos a uma loja que também é supermercado, a Wall Mart, comprar algumas coisas e já estavamos na expectativa das comemorações do “thanksgiving”  que seria na semana seguinte e também do Natal, que ocorre um mês após essas festividades do “Dia de ação de gracas”.


Ao retornar para casa, por volta das cinco da tarde, Afife queixou-se de cansaço e disse que não iria jantar, apenas tomou um yogurt e depois um copo de leite, deixando a missa para o dia seguinte, que seria domingo pela manha , na Igreja de Santa Verônica, aqui bem perto de onde ‘moramos”, costumamos ficar com Verônica e Mathew, quando estamos nos EUA.


Ao longo de minha vida já estudei bastante e escrevi vários artigos sobre saude, doença e mortalidade, mas, pessoalmente, nunca havia visto uma pessoa morrer na minha presença, na minha frente. Sei, como  sempre soube, ao comparecer a velórios de pessoas amigas e de varios familiares meus ou de Afife, o quão triste e complicada é a morte, na verdade um grande mistério.


Ver uma pessoa em uma urna urna funerária ou ver um enterro é uma experiência triste e dolorosa, mas ver uma pessoa morendo na frente da gente e algo mais triste e cruel ainda do que a gente imagina, mesmo que tentemos prolonger a vida, isto foge totalmente ao nosso controle.


Assim foi com Afife, ela subiu para o andar superior da casa onde fica nosso quarto, sentou-se na cama rezou/orou, como costumava fazer todas as noites ao longa da vida, antes de dormir, fez o sinal da cruz e deitou-se, pedindo que eu a cobrisse e deitou-se, dizendo que estava com frio, ai eu coloquei mais um cobertor.


Na mesa de cabeceira estava sua caneca de água, sua companheira insepaável, pois muitas vezes acordava a noite e costuma beber água e as vezes ir ao banheiro. Mas naquela noite foi totalmente diferente, como ela não quis jantar eu ia descer para preparar minha comida, mas antes que eu deixasse o quarto ela sentou-se na cama extremamente pálida e foi logo dizendo “ Juacy, eu vou morrer, chame um médico, chame um médico”, levei o maior choque pela palidez em que ela estava e gritei para Veronica que estava no quarto em frente, e ela chamou o 911, um número universal aqui nos EUA que ao ser chamado aciona um sistema de emergência de pronta respotas.


Em menos de quinze minutos duas ambulâncias, com suas equipes e aparelhos chegaram em casa, mas antes de chegar passaram orientações para Verônica, minha filha, quanto a alguns procedimentos que deveriam ser feitos até que as equipes de Socorro chegassem.


Graças ao apoio de Matthew, nosso neto mais velho que estava em casa e de Verônica, eles deitaram Afife no chão do quarto e realizaram os procedimentos de reanimação. Chegando as equipes esses procedimentos, com a ajuda de vários aparelhos foi tentata da reanimação, as vezes ela dava sinal de ‘voltar”, mas aos poucos foi desfalecendo até que a morte tomasse conta de sua vida e de seu corpo.


Sei que o espírito, a alma não permanece em um corpo inerte e assim estava alí, bem em nossa frente Affie aquela pessoa admirável,maravilhosa, cheia de vida , de coragem, que gerou nossas tres filhas, que jamais titubeou em enfrentar e vencer todos os desafios desde sua infância, juventude e idade adulta, inerte, sem poder dar suas gargalhadas, fazer suas piadas, conversar, rezar.


Como aqui nos EUA não existe o que no Brasil é o IML, todas as pessoas que morrem em casa, são levadas a um hospital imediatamente após o falecimento, para os exames de praxe e definir a causa da morte.


Aife foi levada para um hospital bem próximo no inicio da noite daquela sábado, 20 de novembro de 2021; onde ficou até no dia seguinte. Telefonei para Valéria e Ludmila, dando a mais triste notícia que podia falar em toda a minha vida.


Várias pessoas da família e Eu, estivemos no hospital por horas até que a equipe médica concluisse os trabalhos de diganóstico da causa da morte, quando, então foi possível iniciarmos o que seria o velório, que só terminaria 40 dias depois, em uma funerária em Cuiaba.


Enquanto ela estava no Hospital, foi possível contemplar seu rosto sereno,lindo,  como se ainda estivesse viva e apenas dormindo, lembro bem que naqueles momentos foram meus últimos abracos e beijos em seu corpo inerte, frio, sem qualquer reação.


Como desejei que aquela situação fosse apenas um sonho ou um pesadelo e que logo, ao acordar, tudo seria diferente. Mas não era nem sonho e nem pesado, apenas a realidade do final da etapa de uma vida terrena, cuja alma/espirito se desprende da matéria e volta `as suas origens, a Deus, `a eternidade, `a transcedência que, como cristãos, por acreditarmos na ressureição, um dia poderemos nos encontrar novamente, em outra realidade que transcende toda a materialidade e continua sendo, talvez, `a semelhança de quando a vida é gerada, um dos maiores mistérios que acompanha o ser humano desde tempos imemoriais. O inicio e o fim da vida são os dois grandes e indecifráveis da curta ou longa existência humana.


Foi alí no hospital que nos despedimos de Afife, era noite, talvez a noite mais longa, angustiante e triste de nossas vidas, por sabermos que ao amanhecer do domingo, que foi um dia ensolarado, lindo não teriamos mais a presença de nossa querida Afife que por tantos e tantos anos esteve conosco nas alegrias e tristezas, nos mo,mentos felizes e em outros mais desafiadores.


Logo cedo no domingo, fomos a uma funerária acertar os trámites e próximos passos para o translado de Afife para o Brasil, que, conforme o desejo dela, não desejava ser cremada ou sepultada fora do Brasil, queria que sua última morada terrena fosse  ao lado de seus pais e demais parentes no Cemitério de Várzea Grande, em Mato Grosso. E assim, fizemos.


Não me lembro bem, mas acho que foi na segunda ou terca feira após o falecimento que Ludmila, Phil, Mark e Nick foram `a funerária onde seu corpo, congelado, embalsamado estava “guardado”, para se despedirem de Afife. Eu não fui, estava muito angustiado e como iriamos promover o translado eu teria oportunidades de despedir-me e ver Afiffe pela última vez quando do velório e sepultamento em Mato Grosso.


Jamais poderiamos imaginar o quão longo , dificil e complicados seria o processo de translado de uma pessoa de um país para outro e mais complexo por estarmos ainda, naquela ocasião vivendo tanto nos EUA quanto no Brasil e diversas outros países o que poderiamos chamar de “rescaldo” da covid-19.


As exigências e a documentação foram imensas e somente depois de 39 dias conseguimos que Afife pudesse ser velada por poucas horas em Cuiabá e sepultada no Cemitário São Francisco, em Várzea Grande.


Entre a morte e o sepultamente dela, vários acontecimentos se transcorreram, desde as dificuldades do translado e também as “comemorações” do “thanksgiving” e Natal, que, confesso, não nos davam alegria como em tantas outras ocasiões ao longo de mais de 50 anos de vida em comum.
No domingo, dia seguinte `a morte de Afife, como já estava programado e reserva feita, fomos almoçar em um restaurante, havia sido feita uma reserve para 13 pessoas, só que um lugar ficou vazio, era o lugar de Afife. Nem precisa dizer que a comida não tinha gosto, a única coisa que povoava nossas mentes e alimentava as nossas conversas era a morte de Afiffe.


O mesmo aconteceu com as reuniões do Thanksgiving (Dia de Ação de Graças) e Natal ,sem graça e bem triste, pelo menos para mim e nossas filhas, netos e neta. Mas aos poucos a “ficha ia caindo” e a gente ia percebendo que por mais triste e dolorosa que fossse esta situação, era de fato uma realidade concreta e cruel, sem retorno.


Antes, porém, na sexta feira, dia 26 de Novembro, por iniciativa de nossa amiga de mais de 30 anos Neusa Medeiros, uma pessoa extremamente religiosa e companheira de caminhada aqui nos EUA, foi encomendada uma missa de Sétimo Dia, celebrada por um padre, cujo nome não consigo lembrar, na capelinha da “Missionhusrt”, nas proximidades da Marymount University, uma universidade católica na Virgínia, onde nossas tres filhas estudaram, onde, por tantas vezes Afife esteve frequentando missas e rezando.


Terminado o Natal e com todos os trâmites burocráticos resolvidos, no dia 26 de dezembro de 2021 embarcamos, minha filha Valéria e Eu, para o Brasil em um voo com destino ao Rio de Janeiro, com escala em Miami. Esta era a primeiro vez que, ao longo de mais de 30 anos, eu estava voltando ao Brasil sozinho, sem Afife.


Chegamos ao Rio e no dia seguinte, quando estavamos para embarcar para Cuiabá o voo que estava trazendo Afife para sua última morada no Brasil, saiu dos EUA com destino a SP e de lá para Cuiabá.


Assim, no dia 29 de dezembro de 2021, Afife estava, finalmente, sendo velada em Cuiabá, com a presença de algumas pessoas de nossas familias, alguns amigos e amigas. Na capela onde ela estava sendo velada foi rezada uma missa de corpo presente pelo nosso amigo de longa data, conselheiro espiritual, o nosso querido Padre Deusdédit, Vigário Geral da Arquidiocese de Cuiabá.


Concluido o sepultamento, logo nos dias seguintes ocorreram as celebrações do final de ano e almoço do dia 01 de Janeiro de 2022, no salão de festas do edifício onde mora minha cunhada Arlete, pessoa maravilhosa que me tem dado muito apoio, como Ivete, sua irmão e demais parentes de Afife.

Durante o almoço eu estava tossindo muito e minha filha Valéria insistia para que eu fizesse o teste para covid-19, no que eu dizia que era renite alérgica que me acompanha há longos anos. Pela insistência dela fiz o teste na segunda feira e logo depois, no mesmo dia veio o diagnóstico positivo, eu estava com covid.


Isto acendeu o alerta vermelho, minha filha deveria retornar aos EUA para “tocar” sua vida e se contraisse a doença teria que ficar de quarentena no Brasil por mais  algumas semanas até que testasse negativo e pudesse viajar.


Depois de 4 ou 5 dias, Valéria testou negativo, apesar de estar convivendo comigo e retornou ao Rio, para logo depois voltar aos EUA e eu fiquei sozinho, apenas com a companhia da Celeste, nossa boa escudeira, que não mediu sacrifícios para estar me ajudando nos cuidados enquanto eu estive com a covid-19, até em um dia em que por não estar passando bem tarde da noite precisei ir ao pronto atendimento da unimed e ela foi comigo.
Naqueles momentos, confesso que, como centenas de milhares de pessoas já haviam morrido ou estava internadas ou entubadas em hospitais eu também corria este risco, mas continuei confiante de que minha hora não havia chegado, como de fato não chegou até este momento.


Minha vida ao longo desses doze meses, desde que Afife nos deixou e foi para sua morada eterna, não tem sido fácil, por mais que eu me esforce, lute a dor interior apenas refece um pouco, pois as lembranças estao presentes 24 horas por dia.


Ao caminhar seja em Cuiabá, no Rio de Janeiro ou aqui nos EUA, todos os lugares, as ruas, as trilhas, as paisagens, as fotos que retratam um pouco dos momentos felizes ou tristes, que, como todas as familias percorrem ao longo de suas caminhadas continuam bem presentes.


Assim, com apoio, palavras amáveis, muita compreensão e carinho de parentes, amigas e amigos sigo nesta trajetoria, o que pode ser a última etapa desta caminhada por este planeta. Sei que aos 80 anos, tenho muito mais passado do que futuro, mas o tempo que mesma desta vida terrena quero vive-la promovendo o bem e buscando contribuir para um mundo melhor. Assim fazendo, sei que estarei honrando a memória de Afife, uma mulher amorosa, determinada, corajosa, lutadora e, acima de tudo, extremamente religiosa, cristã e “muito família”, que não media esforços ou sacrifício para estar junto a quem sempre dela necessitava.


Este é apenas o resumo, um pedacinho deste primeiro ano sem a presença fisica de Afife entre nós, pois sua presença espiritual continua bem constante e podemos senti-la a cada momento. Hoje, em Cuiabá e aqui nos EUA, Afife estará sendo lembrada em missas, quando podemos rezar presencial ou espiritual e emocionalmente pela sua alma tão generosa!


Afife Bussiki da Silva, primeira mulher que empreendeu em Mato Grosso, ao estabelecer e operar um laboratório de Análises Clínicas, em Cuiabá, uma das primeiros, segunda ou terceira mulher a dirigir e a ter um carro na capital do Estado, antes de haver SUS costumava realizar exames laboratoriais gratuitamente a quem não tinha recursos financeiros para faze-los; Católica fiel, praticante, voluntária na organização da Caritas Arquidiocesana de Cuiaba, esposa dedicada, parceira de tantas jornadas, mãe amorosa, irmã e filha generosa e sempre presente na vida da família, ao deixar este planeta sempre será lembrada por tantas coisas boas que fez para tanta gente!

*Juacy da Silva, professor aposentado da UFMT. Gaitherburg, MD 20 de Novembro de 2022
 

Segunda, 21 Novembro 2022 08:17

 

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.

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JUACY DA SILVA*
 


“É preciso dar terra aos negros, a escravidão é um crime, o latifúndio é uma atrocidade. Não há comunismo na minha nacionalização do solo (terra), é simplesmente democracia rural”.


Para muitos conservadores e adeptos da ideologia de direita ou extrema direita, defensores intransigentes da propriedade privada, principalmente da terra, como se fosse um dogma sagrado, esquecendo o que nos fala o Papa, atualmente São João Paulo II, na Encíclica sobre o Trabalho Humano de que “sobre toda propriedade privada pesa uma hipoteca social”.  


No contexto do liberalismo econômico e do “deus’ mercado, esta frase que poderia colocar em risco os valores e os pilares da civilização cristã ocidental, Todavia ela não faz parte de nenhum discurso esquerdista, socialista ou comunista nas últimas eleições, mas quem a pronunciou, poucos anos da assinatura da Lei Áurea, que colocou fim, pelo menos no papel, `a escravidão no Brasil, foi André Rebouças, abolicionista ferrenho, politico, primeiro engenheiro negro  a se formar na Escola Militar do Rio de Janeiro.


Através da Lei 10.639, sancionada no dia 09 de Janeiro de 2003, pelo então e, novamente, futuro Presidente Lula, poucos dias depois de tomar posse em seu primeiro mandato, foram feitas algumas modificações na Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional).


Essas modificações foram as seguintes: a) incluiu o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil; e, b) O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra”.


O Dia da Consciência Negra no Brasil é um resgate histórico da luta dos escravos por Liberdade, onde a figura de Zumbi dos Palmares ganhou destaque, dos descendentes de quase cinco milhões de escravos que foram trazidos da África, em condições as mais humilhantes e degradantes que um ser humano pode ser submetido, durante mais de 300 anos de nossa história, de 1550 ou 1560, conforme vários historiadores até 1850, quando da aprovação da Lei Eusébio de Queirós que aboliu o tráfico de escravos mas que só foi realmente abolido definitivamente em 1856.


Durante esses três séculos, a escravidão esteve na base do crescimento econômico dos períodos colonial e do Império e fez parte do processo de acumulação de renda, riqueza e propriedade no Brasil, das elites dominantes e escravocratas.


A “libertação” dos escravos ocorreu de forma “lenta e gradual”, determinando que o Brasil viesse a ser o último país nas Américas a abolir esta prática desumana e perversa, cuja nódoa, vergonhosa, cujas consequências permanecem até os dias atuais na forma de racismo estrutural, do trabalho semiescravo ou análogo `a escravidão, preconceito relacionado `a cor da pele, discriminação e toda sorte de violência e humilhações contra negros, pardos, enfim, afrodescendentes que ainda persistem em nossa sociedade.


Entre a Lei Eusébio de Queiroz, `a Lei do ventre livre, a Lei dos sexagenários até a Lei Áurea, se passaram 38 anos e esta só ocorreu não pela magnanimidade da Princesa Isabel, como por muito tempo era ensinada em nossas escolas, mas por pressão econômica, financeira e internacional da Inglaterra, que desejava ampliar o mercado brasileiro para expandir suas exportações de produtos industrializados.


Assim, o DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA, que é comemorado todos os anos em 20 de Novembro, deve servir para reflexões, não apenas em relação ao processo histórico das lutas em defesa dos direitos da população afrodescendente que apesar de representar 56% da população brasileira, ainda está concentrada majoritariamente nos extratos de baixo da sociedade, proporcionalmente muito maior, entre os excluídos, os injustiçados, os que sofrem violência de toda ordem, os que passam fome, os que recebem os menores salários, os que engrossam as filas dos pobres e miseráveis em busca de migalhas que caem das mesas dos poderosos e dos programas assistencialistas das instituições governamentais e privadas.


Vale a penas também termos em mente a evolução da legislação em relação `a questão racial brasileira mais recente. Em 1951 foi sancionada a Lei Afonso Arinos; em 1989 a Lei 7.716/89, conhecida com Lei do Racismo, que pune todo tipo de discriminação ou preconceito, seja de origem, raça, sexo, cor, idade ou aspecto físico.


Em seu artigo 3º, a lei prevê como conduta ilícita o ato de impedir ou dificultar que alguém tenha acesso a cargo público ou seja promovido, tendo como motivação o preconceito ou discriminação. Por exemplo, não deixar que uma pessoa assuma determinado cargo por conta de raça ou gênero. A pena prevista é de 2 a 5 anos de reclusão.


Esta Lei também veda que empresas privadas neguem emprego por razão de preconceito. Esse crime esta previsto no artigo 4o. da mesma lei, com mesma previsão de pena.


Pouco antes, havia sido aprovada e sancionada a Constituição Federal de 1988, que definiu o crime de racismo como uma das formas de violação dos direitos e liberdades individuais, como estabelecido no inciso XLII do artigo quinto da Carta Magna.


Vale a pena também mencionar que, ao definir os objetivos fundamentais do país, observar o seguinte no artigo terceiro item “IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.


Em 2010, no último ano do Governo Lula foi sancionada a Lei 12.288, o chamado Estatuto da Igualdade Racial, que define marcos legais significativos para por fim `as práticas discriminatórias e racistas em nosso país.


E, em 2014, no Governo da Presidente Dilma foi sancionada a Lei 12.990, a chamada Lei das Cotas, que garante vagas em vestibulares e concursos para cargos públicos para pessoas oriundas de escolas públicas ,que são frequentadas, majoritariamente, por pobres , indígenas e pessoas com deficiência, ampliando os parâmetros de inclusão social e econômica, uma forma indireta de reparação `a dívida social e histórica com essas populações.


Apesar de serem a maioria no Brasil, em torno de 56% da população total, as pessoas afrodescendentes continuam subrepresentadas nas estruturas do Poder, seja nos Legislativos municipais, estaduais e nacionais (Câmaras municipais, Assembleias Legislativas e Congresso Nacional); nos Executivos municipais, estaduais e federal (prefeitos, governadores e presidente da República); e, mais discriminados ainda, no Poder Judiciário, seja na justiça estadual, na Justiça Federal, em todas as instâncias, inclusive e marcadamente, nos tribunais de justiça estaduais e em todos os tribunais superiores.


O mesmo pode ser observado nos chamados cargos de confiança como Ministros, secretários de estado, dirigentes de empresas estatais, secretários municipais, onde os afrodescendentes são os grandes ausentes, ou seja, em cargos de direção superior a presença de brancos é quase total.


Outro setor onde se nota a ausência ou baixa representatividade de afrodescendentes é entre docentes do Ensino superior. Quando se olha para as universidades públicas, a taxa é de apenas 14,4% dos docentes, enquanto no ensino privado, a proporção é de 18%.


Na dimensão oposta, ou seja, no contexto da marginalização, exclusão e violência racial, os afrodescendentes representam a grande maioria das vítimas. Em matéria relativamente recente, de 02 de julho último, no Jornal Folha de São Paulo o titulo é bem sugestivo desta triste realidade: “Negros são a maioria da vítimas de crimes violentos no Brasil” e destaca que dessas vítimas 78% são negros/negras e apenas 21,7% brancos/brancas.


Em 2005 do total da população carcerária (onde mais de 31,9% são de presos provisórios, que jamais foram julgados e condenados), 58% eram afrodescendentes e em 2021, esta proporcionalidade aumentou para 67,5%; cabendo ressaltar que 70% dos crimes cometidos ou a eles imputados eram contra o patrimônio e apenas 12% contra a vida. Quando se trata de mortes provocadas por intervenções policiais, estudos recentes e dados oficias apontam que 65% das vítimas são pessoas negras ou pardas e apenas 20% são brancas. Isto demonstra que a “mão” da repressão do estado pesa muito mais contra negros e pardos do que contra brancos.


Entre pessoas com 65 anos e mais, o índice de analfabetismo entre negros é de 27% e entre brancos de apenas 9,5%; e na população acima de 15 anos, as taxas de analfabetismo é de 6,5% para brancos e de 18,0% entre afrodescendentes.


Em termos de renda, seja familiar ou individual, os trabalhadores brancos ganham em torno de 40% a 50% a mais do que afrodescendentes; quando se trata de trabalho informal a taxa entre afrodescendentes é de 46,3% e entre brancos 32,7%.


Outro aspecto importante é a pobreza, onde 34,5% são pretos; 38,4 são pardos (afrodescendentes 72,9% do total dos pobres) e brancos apenas 18,5%; isto pode ser constatado pelos dados do CADÚnico e também pelos programas de assistência como bolsa família, auxilio Brasil, vale gás e também por programas de caridade privada como nas Igrejas.


Mesmo que as vezes as estatísticas oficiais sejam defasadas, basta observarmos nas diferentes filas físicas ou virtuais no Brasil inclusive as filas do SUS, negros, pardos, pobres, desempregados, doentes, endividados, desesperançados, crianças, mães, representam a grande maioria dessas pessoas, muito maior do que a proporção que os afrodescendentes representam na sociedade brasileira.


Enquanto afrodescendentes estão majoritariamente presentes nas periferias urbanas, nas favelas e habitações sub-humanas, nas camadas mais baixas da sociedade, entre pobres e excluídas, nas posições, cargos e funções que representam maior ganho, salários mais altos, maior acúmulo de renda, riqueza e propriedade, inúmeros privilégios, benesses custeados pelo Estado, enfim, pelo contribuinte, dessas classes apenas , com raríssimas exceções, fazem parte as pessoas brancas.


Em cargos gerenciais ou de direção tanto em empresas privadas quanto em organismos públicos, nota-se claramente a ausência de pessoas afrodescendentes, apenas 14,6%, enquanto os brancos ocupam 84,4% dessas funções ou cargos.


Quando a variável de análise são os cargos e os respectivos rendimentos de ocupações com menor prestígio e remuneração muito mais baixa, nota-se que nos postos de trabalha que requerem menores índices de escolaridade e “expertise” professional, os afrodescendentes ocupam mais de 80% dessas posições enquanto nas profissões e ocupações melhor remuneradas praticamente a presença de negros e pardos é quase inexistentes, mais de 85% são brancos.


Por exemplo, as pessoas brancas são 88% entre dentistas, 89% entre médicos e professores de faculdades de medicina, mis de 75% entre advogados 88% entre engenheiros; enquanto 92% dos trabalhadores rurais e braçais, 90% dos lixeiros e faxineiros e 85% dos/das empregados/as domésticas são afrodescendentes.


A média salarial no Brasil em 2021 era a seguinte: homem branco R$3.471,00 reais; mulher branca R$2.674,00 reais; homem afrodescendente R$ 1.968,00 reais e mulher afrodescendente R$ 1.617,00 reais. Isto demonstra tanto a desigualdade racial (cor da pele) quanto a desigualdade de gênero, desfavorável à mulher.


Costuma-se dizer que o ponto mais baixo da pirâmide social no Brasil é ocupado pela mulher Negra/parda e pobre, enquanto no ápice da pirâmide social, econômica e política está o homem, branco e rico (milionário e bilionário), poucas exceções são encontradas neste “arranjo” social desumano e excludente.


O racismo estrutural, apesar do “avanço” da legislação nas últimas décadas ainda está presente em todas as dimensões da sociedade brasileira, principalmente no ápice das estruturas econômicas e políticas, ou seja, nas instâncias de poder.

No Poder Judiciário, por exemplo as estatísticas, em quase metade de todas as instâncias não coletam e apresentam dados tendo a variável raça/cor, tornando-se difícil uma análise mais profunda.

Todavia, mesmo com a precariedade de dados existentes e disponíveis nos relatórios do Conselho Nacional de Justiça, relativas ao ano de 2020 e publicadas em 2021,  pode ser verificado que em 2013 a presença de afrodescendentes era de 15,6% entre magistrados e de 29,1% entre os servidores/as. Já em 2021 os dados indicam que entre servidores a presença de afrodescendentes era de 30,0%; de estagiários 69,1% e entre magistrados caiu para 12,8%.

Em 2021 na Justiça estadual apenas 12,1% dos magistrados eram afrodescendentes; nos tribunais superiores 14,8%, com destaque (negativo) para a Justiça Federal onde 97,4% dos magistrados eram brancos e apenas 2,6% negros ou pardos.

Interessante, para não dizer muito triste, notamos que apenas 8% dos desembargadores no Brasil são negros ou pardos e 12,1% das desembargadoras estão neste grupo e nos tribunais superiores 17% dos ministros são afrodescendentes e apenas 11% das ministras são negras ou pardas.

Já em relação ao que costuma-se chamar de poder politico, ou seja, na esfera de quem realmente comanda o país, que define as regras do jogo “democrático”, notamos um certo avanço, muito lento quanto `a presença de negros e pardos em cargos eletivos, por exemplo, na composição do Congresso Nacional a partir de 2023 apenas 24% dos parlamentares são afrodescendentes; entre os atuais prefeitos 32% são negros e pardos e entre os vereadores do Brasil todo 44% são afrodescendentes.

Por isso, podemos concluir que a pobreza, a miséria, a exclusão no Brasil tem cor e gênero, elas são preta ou parda (afrodescendentes) e são marcadas também pela ausência das mulheres nos estamentos superiores. A Justiça e demais instâncias dos poderes Legislativo, Executivo  Judiciário e inclusive são ocupados majoritariamente por homens brancos e ricos.

Percebe-se, mesmo nas instâncias do poder, `a medida que observamos suas estruturas, na base sempre existem um número maior de negros, pardos e mulheres e, á medida que a estrutura vai se afunilando, esta presença vai sendo reduzida ou quase desaparecendo.

Esta e a dinâmica de como surge, se mantem e fica dissimulado em nossa sociedade o chamado RACISMO ESTRUTURAL, que, para ser rompido precisa também de reformas e transformações profundas e radicais, em todas as estruturas da sociedade brasileira, para que sejamos, realmente o tão sonhado Estado Democrático de Direito e um país justo, fraterno, menos desigual , menos violento, menos racista e mais solidário.


Finalmente, um esclarecimento, deixo de refletir sobre a questão do racismo estrutural nos Ministérios Públicos Estaduais e Federal pela ausência de dados em minhas buscas para elaborar esta reflexão. Todavia, tenho a hipótese de que neste grupo a realidade deve ser bem parecida com os demais setores aqui mencionados.

*Juacy da Silva, professor titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy