Quarta, 02 Dezembro 2020 16:00

Neste sábado, 05 de dezembro de 2020, a Adufmat-Ssind comemora 42 anos e homenageia uma grande referência: Dom Pedro Casaldáliga.

A Live "Adufmat-Ssind e Pedro: uma aliança de luta" será exibida nos canais oficiais do sindicato no Facebook e Youtube a partir das 20h.

Além do depoimento de diversos professores sobre a vida e a luta de Dom Pedro, a programação inclui a peça teatral "Fica, Pedro!", místicas e o momento de descerramento da placa do Largo da Adufmat-Ssind, em homenagem à Casaldáliga. 

Não perca!

Sexta, 21 Agosto 2020 19:14

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Publicamos o artigo de autoria de M. Francelina Ibrahim Drummond*  a pedido do Prof. José Domingues de Godoi Filho.

  

A morte de D. Pedro Casaldáliga e o incêndio no Pantanal causaram em mim uma espécie de devastação interior no território das lembranças e me trouxeram, de repente, a reposição da vida na época em que vivia em Mato Grosso. Na forma de texto, eis o que lembrei.
 
Embora o acompanhasse na imprensa ao longo de anos, tive com D. Pedro apenas um encontro ao vivo e foi na circunstância especial dos funerais de padre Burnier que havia sido assassinado em Cascalheira, MT, por policiais que estavam torturando duas mulheres. Ele se impôs àquela covardia juntamente com Pedro e levou os tiros que o mataram. A camisa estava exposta na igreja na missa de corpo presente. Outubro de 1976. Foi minha estreia na realidade bruta de Mato Grosso. D. Pedro na celebração lembrou que os tiros teriam sido para ele; era o mais visado, mas provavelmente os policiais não os distinguiam, e lá se foi o padre Burnier, jesuíta que teve passagem na Igreja mais conservadora, e estava então na via da conversão pelos pobres, trabalhando em missão junto a posseiros e índios na diocese de Diamantino. Fazia muito calor, o cortejo foi longo. Eu e Arnaldo éramos muito jovens de idade e casamento. Talvez fôssemos, e certamente éramos, bonitos e tínhamos esperança, apesar do impacto. E o impacto foi marcante para mim. Quando soube há dias que d. Pedro havia morrido aos 92 anos, me veio à lembrança a figura frágil do pregador dos funerais do padre assassinado, erguendo os braços finos e as mãos abertas como em oração inconformada e clemente. O contraste o marcava, ou pelo menos marcou para mim: na fala traduzia sua força de catalão místico e inconformado. Deu a vida por Mato Grosso, e agora Mato Grosso em um de seus paraísos que nessa época eu imaginava inexpugnável, o Pantanal, está ardendo em fogo que não se apaga e consegue destruir árvores e animais, pássaros e jacarés, pastagens e caminhos, transformando tudo em devastação e cinza. Lugar dos rios amplos e de lagoas imensas, não consegui ver, nas imagens da televisão, nem um só corixo, ou laguinho, invulnerável. Está tudo se convertendo em pó. E ao pó voltou o bispo-poeta, ou um dos nossos Y-Juca Pirama, aquele que deve morrer. Quantas vezes d. Pedro foi ameaçado de morte, de censura, de expulsão. E quantas resistiu, continuou entregando sua vida à crença! E como ele, voltam ao meu convívio pela lembrança (que dói) muitos outros com quem convivemos em Cuiabá, e muitos, quase todos, também estão dormindo profundamente. O convite para o enterro naquele dia remoto de 1976 partiu de João Vieira, Arnaldo me lembrou esse pormenor que também tem um significado. Ele nos chamou para presenciar o acontecimento e certamente sentir o peso da realidade tão perto de nós. A camisa perfurada a bala e manchada de sangue volta a me acenar como um sudário, nunca a esqueci. Tinha sinal de traição, de emboscada e de uma tristeza profunda que outras vezes ouvi descrita ou presenciei em Cuiabá. De sangue a sangue, me lembro um dia quando na porta do cineasta Arne, ele todo emocionado, mostrava os pingos de sangue de um pobre-coitado ferido por um gato à saída da porta de uma pensão, no bairro do Porto. Arne morreu sem ver resolvido o roubo de uma grande área de terra próxima do Xingu, onde pretendia fazer uma reserva. O procurador geral da Funai, um Fulano de Tal Conceição parece que estava envolvido na tramoia. Não sei se esse homem ferido escapou, e ele forma outra corrente com o Antônio. Padre Eduardo o encontrou também ferido e queimado no Hospital Geral e levou-o sorrateiramente para o esconder dos capangas da fazenda no sótão da igreja. As donas da Cruzinha o trataram, e um dia ele desapareceu. A missão de Eduardo foi também de entrega à crença de que os que têm fome e sede de justiça serão fartos. A última vez que o vimos, na Irlanda, cantou uma velha canção irlandesa e tocou acordeon. Queria voltar para o Brasil. Entre as donas da Cruzinha, já não vemos mais dona Heloísa, frágil e fina como dom Pedro, semelhante a ele arrastando termos espanholados, erguendo os braços. A fala a tornava imensa, forte, poderosa; convencia do nada e ia construindo uma rede de ideias, de alusões e amarramentos e chegava a conclusões como grandes oradores. Um encanto! Morreu também embalada nas bem-aventuranças, pensando certamente que os que choram serão consolados. Neca, ou Oswaldina, de vida prática, ativa, direta, franca como andamos precisando de gente. Formavam, para mim, como que anel e dedo: dona Heloísa clamava justiça, Neca nos apoiava como mãe, apenas. E tantas outras, a dona Benedita. Pequena e forte, saída desses índios da Baixada Cuiabana. Com sua benzeção, arca caída ia embora. As da Guarita, dona Venina Paula, que sabia tudo!, Sô Aleixo cuja fala alargava, a meus olhos, aquele território da beira-rio e tornava a baixada maior que o mundo; dona Íris que também benzia e tantas outras que conheciam os matos, os bichos, a vida. Oralice que trançava rede na conversa comprida na beira do rio, no Bonsucesso. E Xá Nega e sô Joaquim, que benzia, o melhor benzedor daqueles lados. Quantas vezes quis ter meu filho lá, acreditando que estaria sempre seguro de mau-olhado, sob a bênção dessas doninhas que faziam mágicas gratuitamente. E todos se ajuntam aos que buscavam a saúde da cultura, sem ferir a alma original xavante, nambikuara, pareci, munki, bororo e tantas outras. Uns jesuítas, outros salesianos. Adalberto, Tomás; outros leigos, como Ariovaldo de riso farto que viveu com os nambikuara. E outros como Günter Krommer, na defesa da luta pela terra em Porto dos Gaúchos, depois roído de malárias entre os índios, na diocese de Lábrea, no Amazonas, onde tudo, como a dor, é imenso. E como é sonho essa lembrança que a morte de dom Pedro e o incêndio no Pantanal desencadearam, vêm todos na corrente da vida. João Vieira acaba de partir, soubemos um ano depois, de quem Arnaldo tem saudade, por suas mãos então estreei a realidade dura de Mato Grosso, no funeral de Burnier. Eudson em defesa dos posseiros, da luta pela terra entre tantas outras lutas e solidário conosco, sem restrição. Dineva, que de freira convencional nada tinha, mas um brilho barulhento, rouco, engraçado e tão firme, tão amorosa, um rastro de luz. Carlos Rosa e Neusa, dos meus conhecimentos mais antigos em Cuiabá, ela já ausente, ele padecendo. Muitos que passaram, muitos que dispersaram a vida como estilhaços na terra cuiabana. E eu hoje como estou entregue à lembrança, deslanchada numa pequena “visão” desses dois fatossínteses - morte do bispo e morte no Pantanal, deixo de ver os que estão aí, vivos, pensando, recolhidos em casa por causa da pandemia, o novo medo da vida e da morte. Mas não os deixo, ou esqueço, porque quero a lembrança com vitalidade concreta, clara. Lá estão poucos, Waldir cujo sorriso desfaz ameaça, mal-entendido, tristeza. Integrado na luta dos negros, é muito mais índio, muito mais bugre de corpo e alma. Não conte com ele no horário certo; goste dele na conversa solta, na recordação, na panfletagem. E Felinto lembra o velho timoneiro que, entra noite, sai dia, continua firme no sonho de ajudar as comunidades quilombolas, os agentes de saúde comunitária, a ideia utópica de pegar mochila e bater para a Latino América e falar um espanhol mesclado, mas com um sorriso sempre e um gesto de mesa delicado ao se alimentar, prova de que teve uma educação fina, como era fina sua mãe dona Dora, de quem, palavra puxa palavra, ideia puxa ideia, me lembro agora, e me lembro também de dona Vita, mãe de Thienes, cuiabana que casou com Rogério catarinense, amigos-irmãos que hoje vivem em São Paulo. Dona Vita e dona Dora também já passaram. Como passou o grande guia que tivemos no Pantanal, o homem que conhecia tudo e sabia o nome do menor passarinho e da planta mais humilde daquele imenso alagado: Sô Milu. Carmelindo. Crente, magro, risonho e muito humilde. Nas horas vagas, barbeiro e cabelereiro que repetia o gesto muito antigo no interior do Brasil: o daqueles que cortam barba e cabelo em domicílio, no terreiro à frente das casas, que os fregueses são pobres, ou doentes, e tudo é feito como caridade. Há muita lembrança, lembrança sem fim. E este texto, que não se destina a coisa alguma senão passar para o papel um pouco de sentimento, é também um texto sem fim. (16/8/2020)
 
M. Francelina Ibrahim Drummond – Foi professora do Curso de Letras/UFMT; UFOP e UFU – Acompanhou a fundação da ADUFMAT.

 

Terça, 11 Agosto 2020 12:01

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
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Wescley Pinheiro
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            Minha primeira lembrança de Pedro vem de formações na Pastoral da Juventude do Meio Popular, onde padres e companheiras de resistência traziam seu exemplo nos embates no interior de Mato Grosso como inspiração para a nossa luta diante do desenvolvimentismo predatório e ilusório materializado na construção da barragem do Castanhão, no Vale Jaguaribano, em pleno sertão cearense, onde cada palmo de direito foi conquistado com muita luta para se ter condição de vida, moradia e algumas gotas daquela água futura que um dia alimentaria o grande capital à quilômetros de distância, no Complexo Portuário do Pecém, na longínqua região metropolitana de Fortaleza.
            Algum tempo depois ouvi de novo seu nome. Lembro de Pedro ganhar os noticiários mais uma vez, agora, numa greve de fome contra a dilapidação do Rio São Francisco. Ali, como fez em toda sua vida, encarou de frente os atalhos retóricos e fez de seu ato a palavra viva de transformação. Pedro foi um homem necessário. Um bisco contundente que ousou não cair no proselitismo diante da desigualdade promovida pelas elites para constituir soluções tão mágicas quanto destrutivas. Casaldáliga atravessou o tempo evidenciando uma Igreja cada vez mais distante, mas ainda mais necessária.
            É pela forma como viveu que Pedro nunca morrerá e, por isso também, é preciso que ele continue conosco para nos ajudar a enfrentar esses tempos turvos e pensar a espiritualidade para além dos quadros dados pelas estruturas. Falar de Dom Pedro Casaldáliga é falar de um Deus vivo, materialmente ancorado nas causas dos oprimidos, é reconhecer tantos outros sujeitos que realizaram a busca do novo sob os torpedos do reacionarismo. Penso em Pedro como a rebeldia e a solidariedade em unidade transcendente.
            Nessa hora onde seu espírito vira história e sua existência ainda nos inspira reproduzo parte das ideias que expus quando ocorreu lançamento de sua biografia, no dia 12/06/2019, no Instituto de Linguagem do campus de Cuiabá da UFMT, no livro “Um bispo contra todas as cercas: a vida e as causas de Pedro Casaldáliga”, escrito pela jornalista Ana Helena Tavares.
            Naquele momento eu já era professor em Mato Grosso. Saí do interior do Ceará, onde Pedro me inspirou, mudei tantas vezes de endereço e de percepção sobre espiritualidade, cheguei ao Estado onde o Bispo virou rio e raiz e, da caatinga ao Cerrado, o meu ceticismo sempre esbarrou na capacidade de pessoas como Casaldáliga, pois conseguiam consubstanciar uma ideia substantiva em matéria, fermentar o alimento da alma coletiva, multiplicar a possibilidade de seguir em frente diante de um mundo violento.
            Duvido da onipresença divina nos moldes antropomórficos, mas sei que a trajetória de Pedro atravessou a minha, os espaços que passei e a minha percepção política. Sei também que ele ainda tem muito o que ensinar, a mim e a todos que querem mudar o mundo.
            Dom Pedro viveu para demonstrar que a eternidade está numa trajetória que busque uma vida com sentido. Nesses tempos de pandemia o obscurantismo segue costurando sua perversidade por todos os âmbitos e a desesperança fortifica o medo social. Se a vida pede coragem, envoltos na atmosfera fatalista é preciso lembrar a famosa frase de Pedro Casaldáliga de que “o problema é o medo de ter medo”.
            Em tempos de cruzes laminadas e da sacralização das espadas se perpetua o mito de que a espiritualidade cristã caminha necessariamente com a intolerância, com a arrogância e com o comprometimento político com o fundamentalismo religioso e a ideologia econômica ultraliberal. No apogeu do protofascismo brasileiro as facções que catalisaram um “cristianismo de ódio” caminharam pelos rincões do país e pelas vielas das periferias, ocupando o vácuo do Estado e a ausência de políticas sociais universais, o distanciamento dos movimentos sociais, sindicatos e partidos de esquerda, além do enfraquecimento da formação política popular com sentido emancipatório em todos os espaços.
            Não é novidade que a história do Ocidente tem a cultura judaico-cristã e a estrutura religiosa como um importante pilar cultural do ethos moderno, burguês, branco, machista e eurocêntrico e que o processo de colonização impetrou particularidades históricas que fermentam as características da formação sócio-histórica do Brasil. No entanto, essa constatação em vez de enterrar os religiosos numa vala comum revela ainda mais a importância dos sujeitos individuais e coletivos que se expressaram na contracorrente desse processo.
            Nesse percurso, a ação orquestrada na Igreja Católica, a partir dos anos 1980, de dilapidar o humanismo cristão latino-americano da Teologia da Libertação casou com o fortalecimento dos setores neopentecostais entre os evangélicos protestantes, onde foi ganhando espaço uma lógica ampla que unificava a forma modernizada da indústria cultural com um conteúdo reacionário nos valores morais, articulando a potencialização da lógica neoliberal consumista com questões tradicionais do cristianismo.
            Esse processo se solidifica com o crescimento da ocupação da política formal por indivíduos e grupos fundamentalistas e reverbera a dificuldade de efetivação de um Estado laico, questão também fortalecida pelos recuos constantes dos governos ditos progressistas e sua ampliação em conchavos políticos para alimentar os demônios que, tão logo se aprofundasse as expressões de crise do capital, viriam os engolir.
            Nesse sentido, pensando a atual conjuntura, é preciso pontuar como foi (e tem sido) ineficaz o contraponto centrado apenas no apontamento dos equívocos de quem reproduz os discursos de opressão e menos no combate de quem articula e estrutura esse fortalecimento. O tom abstrato e de superioridade intelectual e moral que julga o outro como inferior não é incomum quando o assunto é a fé popular. 
            Assim, a “hegemonia da contra-hegemonia” tem circulado no pragmatismo eleitoral, na naturalização das (im)possibilidades conjunturais e, quando busca sair disso, caminha apenas na esteira dos discursos em-si-mesmados, sucumbindo às particularidades em particularismos, potencializando falas apenas entre aqueles que já se tem identidade e convencimento.A atuação política performática instrumentaliza condições, reza para convertidos e joga no inferno a principal parcela dos sujeitos que sofrem as opressões.
            O não-diálogo é o princípio do espírito do tempo histórico da barbárie não somente entre os conservadores. O resultado são os gritos sem direção, as guerras meméticas, divertidas mas estéreis e a incapacidade de descer do céu dos discursos e símbolos e pisar no chão da realidade concreta das pessoas que sofrem, vivem e reproduzem os valores que temperam sua própria exploração e o conjunto de complexos que os oprimem. A crítica radical se confunde com a mera auto-afirmação.
            Mas há dissonância e ela é fundamental. A pedra de Pedro permanece viva. Na seara das disputas dentro das religiões cristãs poderíamos citar muita gente na atualidade, poderíamos nominar pessoas como os Pastores Ricardo Gondim e Henrique Vieira, poderíamos citar coletivos como as Católicas pelo Direitos de Decidir. Poderíamos lembrar tantos outros. Nesse sentido, se exemplos não faltam, nesse momento de desesperança, rememorar práticas inspiradoras é fundamental, por isso, é preciso reavivar um daqueles que marcou com sua vida a história de fé e sua existência na materialização de que vale a pena lutar.
            Rememorar os caminhos e descaminhos de Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia, nos coloca a certeza de que o ser humano imperfeito e criativo, individual, mas coletivo, historicamente determinado, mas um ser da práxis, pode muito, pode sempre mais, pode lutar nas condições mais adversas e nas instituições mais difíceis.
            Pedro lembra cada liderança que não se rendeu ao status quo. Lembra Padre Augusto, pároco em Jaguaretama-Ce no fim no fim dos anos 1980, o padre que cantava samba enredo da Salgueiro, que falava das injustiças, que potencializava grupos de jovens para discutir política na paróquia, que era meu pai adotivo para que eu pudesse correr na calçada da igreja pelas manhãs enquanto meus pais trabalhavam.
            Pedro me lembra quem está aqui no meio de nós, como o Padre Júlio Lancellotti, homem que demonstra uma energia inesgotável na luta contra as injustiças, na vida mergulhada na solidariedade e no dom de enxergar Jesus em cada sujeito que sofre. Pedro me lembra um jovem negro da periferia de Fortaleza que virou pastor, lembra Jamieson Simões, que no apogeu do neopentecostalismo nas igrejas vai às ruas e prega um Cristo que pensa o êxodo em unidade com a ancestralidade africana, com a sabedoria de quem percebe a espiritualidade na transformação, no abraço e no embate contra a intolerância, contra a lgbtfobia, contra o racismo.
            Nesses tempos onde a intolerância parece ser quase unânime em alguns espaços, certamente o bispo do povo faz você lembrar também de várias mulheres e homens religiosas/os que estão na trincheira do lado de cá da história. Pedro foi pedra que cantou enquanto tentaram calar os profetas e, por isso, lembra cada mulher do movimento Católicas Pelo Direito de Decidir, cada Mãe-de-Santo que resiste ao fundamentalismo judaico-cristão, cada indígena e quilombola que sobrevive e ressuscita sua história sob o ataque dos tiros e do veneno do agronegócio. Pedro lembra o Sem-terra, o desempregado, lembra você. Você que é humano, que tem dúvidas e certezas, que tem esperança e que busca coragem e sentido.
            Pedro é pedra, é padre, é poeta, é político e é povo. É o bispo das colisões linguísticas, políticas e ideológicas. Ousou mais que falar, viver, vivenciar o que se acredita. O bispo que reverberou uma verdade pujante, tão firme que foi capaz de se comunicar por o mundo todo e com todo mundo, falando com crentes e ateus, com acadêmicos e analfabetos, com doutores das letras e doutores da terra, com o universo de todos aqueles que buscam uma vida com sentido, pois cultivou ações para que o suspiro da criatura oprimida e o coração de um mundo sem coração sejam repletos de ares e batimentos de um horizonte emancipatório.
            Sua caminhada permanece cada dia mais presente porque é preciso que sejamos o fio condutor dessa luta. Tantas lembranças servem para que ele nos recorde da humanidade que existe em nós, que, se em tempos de desumanização, de descrença no poder coletivo é difícil enxergar saídas, é possível ter fé, a crença no invisível, não é o pensamento mágico, o sofisma ideológico, mas o horizonte para olhar além da aparência e perceber a história aberta, pronta para a nossa ação. Pedro soube disso, gritou ao mundo e cochichou aos seus irmãos.
            Não é preciso comungar da cosmovisão teológica do Bispo, mas é fundamental perceber que sua história resguarda uma contra-hegemonia que nos falta na batalha das ideias da atual conjuntura. Se queremos enfrentar as duras batalhas pelos direitos das pessoas da classe trabalhadora precisaremos romper as cercas e os muros para se comunicar organicamente, para escutar e se fazer ouvir, para pensar coerência mesmo na contradição, para ter menos crença no além e ter mais convicção, como Pedro, de que se pode ir além.
            Por isso, quando o espírito da luta do nosso povo gritar "Casaldáliga", a história responderá: Presente, hoje e sempre!
 
 
 
Jaguaretama-Ce
08 de Agosto de 2020
Wescley Pinheiro
Professor da Universidade Federal de Mato Grosso
 



Sábado, 08 Agosto 2020 14:46

É com profundo pesar que a Adufmat-Ssind comunica o falecimento do bispo emérito de São Félix do Araguaia, Dom Pedro Casaldáliga, aos 93 anos, na manhã deste sábado (08/08). Símbolo de resistência e conhecido pelo seu trabalho pastoral ligado ao combate à violência dos conflitos agrários e defesa de direitos dos povos indígenas, o bispo emérito estava internado há uma semana devido a problemas respiratórios agravados pelo Mal de Parkinson. Ele havia sido transferido para um hospital em Batatais (SP) na noite de terça-feira (04/08). 

Para a Adufmat-Ssind, Dom Pedro Casaldáliga foi um baluarte da resistência dos povos originários. Sua história foi de luta e resistência pela garantia de direitos humanos, pois a sociedade capitalista não reconhece a humanidade.  Por fazer parte da mesma luta, o sindicato tem plena ciência da grandeza de Pedro Casaldáliga.

Alvo de inúmeras ameaças de morte e até mesmo de processos de expulsão do Brasil, durante a Ditadura Militar, ficou conhecido pela sua atuação pastoral e pela sua produção literária, que inclui poesias a manifestos, artigos, cartas circulares, obras ligadas a espiritualidade e de cunho político, editadas e publicadas no Brasil e no exterior. 

Em meados dos anos de 1980, se aproximou de pesquisadores da UFMT compartilhando o seu conhecimento acerca da região amazônica durante a penetração do capital naquele espaço, na tentativa de incorporá-lo à economia nacional e internacional com o programa POLOAMAZÔNIA. Três dos pólos prioritários eram em Mato Grosso: Xingu-Araguaia, Juruena e Aripuanã. “O Polo Xingu-Araguaia se situava na região da Fazenda Suiá-Missu, na Prelazia do Araguaia, local onde está localizada a Terra Indígena Xavante-Marãiwatsede. Então, foi inevitável recorrer a D. Pedro Casaldáliga, em função do seu profundo conhecimento da região, do trabalho que realizava em defesa dos povos indígenas, dos quilombolas, dos posseiros e de todos os pobres e expropriados da frente de ocupação da Amazônia”, lembra o professor José Domingues de Godoi Filho. 

Godoi ressalta que os laços de D. Pedro com a Adufmat-Ssind se estreitaram em 1999, quando dirigiu o sindicato e foi procurado por um trabalhador em regime de trabalho análogo à escravidão no noroeste do estado, que após conseguir se salvar do acampamento solicitou ajuda para encontrar outro colega. “Ele nos pediu ajuda e nos informou que um outro colega teria fugido para a região da Prelazia no Araguaia. Ao mesmo tempo que o acomodamos em local seguro, fomos procurar o seu colega. Eu, uma jornalista da Adufmat-Ssind, uma funcionária de apoio e um jornalista e um fotógrafo de um jornal de Cuiabá, seguimos para São Félix do Araguaia para consultar D. Pedro sobre a situação e para saber se ele tinha alguma notícia do fato ocorrido na região”, afirma Domingues.  

Em 2002, o sindicato propôs que a UFMT concedesse o título de “Doutor Honoris Causa” à D. Pedro Casaldáliga, em reconhecimento ao seu trabalho e luta por defender os direitos humanos, especialmente dos povos indígenas e marginalizados e também por suas posições políticas e religiosas a favor dos mais pobres. Assim, o bispo foi a primeira pessoa a receber tal honraria por parte da UFMT. 

Para José Domingues, o falecimento de D. Pedro é uma perda irreparável, especialmente no momento em que vivemos. "Grande D. Pedro, obrigada por seu exemplo de coragem e de luta. Honraremos a sua memória!”, declara. 

Em 2018, a Adufmat-Ssind também realizou um ato em homenagem aos 90 anos de Dom Pedro. 

Nas palavras do professor Domingues, o sindicato manifesta sua gratidão e respeito à vida de luta de D. Pedro Casaldáliga. 

 

"Malditas sejam todas as cercas! Malditas todas as propriedades privadas que nos privam de viver e de amar! Malditas sejam todas as leis, amanhadas por umas poucas mãos, para ampararem cercas e bois e fazer da Terra escrava e escravos os homens"

Dom Pedro Casaldáliga.

 

Dom Pedro Casaldáliga, presente hoje e sempre!

 

Informações sobre o velório: 

De acordo com a Prelazia de São Félix do Araguaia, que comunicou o falecimento de D. Pedro neste sábado, o bispo será velado em três lugares:

Em Batatais – SP, no dia 08 de agosto de 2020, a partir das 15 horas na capela do Claretiano – Centro Universitário de Batatais, unidade educativa dirigida pelos Missionários Claretianos, situada à rua Dom Bosco, 466, Castelo, Batatais, São Paulo, Brasil.

A missa de exéquias será celebrada, em Batatais, no dia 09 de agosto de 2020 às 15h, no endereço acima e será aberta ao público em geral, além de ser transmitida ao vivo pelo link https://youtu.be/spto8rbKye0. O link estará aberto para que outros veículos de comunicação possam retransmitir. 

Em Ribeirão Cascalheira – MT, no Santuário dos Mártires, a partir do dia 10 de agosto, sem previsão de horário de chegada do corpo.

Em São Félix do Araguaia – MT, no Centro Comunitário Tia Irene. O sepultamento será em São Félix do Araguaia, sem previsão de dia, pois antes passará por Ribeirão Cascalheira.

 

Layse Ávila

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind