Sexta, 22 Maio 2020 10:39

 

Na manhã desta quinta-feira, 21 de maio, foi apresentado, na Câmara dos Deputados, um pedido de impeachment do governo Bolsonaro. O documento foi assinado por mais de 400 entidades civis, movimentos sociais e sete partidos políticos. O ANDES Sindicato Nacional assina o pedido, seguindo as deliberações dos últimos congressos e CONAD, e se dedica a tentar vencer as práticas conscientemente genocidas que estão em curso neste momento pelo atual governo.

Segundo Antonio Gonçalves, presidente do ANDES-SN, é preciso derrotar o conjunto deste governo genocida, que ataca a educação pública e a classe trabalhadora com uma pauta econômica neoliberal e anticiência.  ‘‘O ANDES-SN, em consonância com seus quase 40 anos de luta como Sindicato classista e combativo, assina o pedido de impeachment de Jair Bolsonaro. Não temos nenhuma ilusão com esse Congresso Nacional, mas entendemos que esta ação política é uma ferramenta importante para mostrarmos a nossa disposição de luta nessa conjuntura. Esperamos contribuir para a construção da unidade necessária para derrotar este governo Bolsonaro/Mourão’’, pontua Antonio.

O documento assinado pelas entidades aponta para os diversos crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente Bolsonaro em meio à pandemia do novo coronavírus. Além disso, traz os discursos do presidente contra o Supremo Tribunal Federal (STF), contra a segurança do país, entre tantos outros. A prerrogativa de iniciar o procedimento para o impeachment vem de Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados. Porém, nas últimas semanas, Maia se manteve contido quanto aos pedidos de impedimento e disse que ‘‘as solicitações devem ser tratadas com muito cuidado’’.

Manifestações

Também na manhã desta quinta-feira, manifestantes realizaram um ato em frente ao Congresso Nacional. Na ocasião, os participantes usaram máscaras, mantiveram distanciamento necessário e estenderam faixas pedindo o impedimento do governo Bolsonaro.

 

Fonte: ANDES-SN

Terça, 19 Maio 2020 12:33

 

A crise do capital, que se expressa na pandemia da COVID-19, criou uma situação excepcional para a luta. Desde a eleição dos governos de extrema- direita, em 2018, as instâncias máximas de deliberação do ANDES-SN têm afirmado e reafirmado a centralidade da construção de uma ampla unidade para combater todos os ataques do capital contra os direitos e as liberdades democráticas. Derrotar a agenda ultraliberal, conservadora, autocrática, fundamentalista e obscurantista de Bolsonaro, Mourão, Guedes e seus aliados está no centro de todos os esforços e ações de nosso sindicato.

A conjuntura se agravou muito com a pandemia. Apesar de todos os alertas provenientes de organismos como a Organização Mundial da Saúde (OMS), desde a grave epidemia mundial de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) em 2003, com a emissão de vários alertas, nada foi feito pelos governos. O investimento em pesquisas e esforços coordenados poderia ter resultado em vacinas e medicações que teriam preparado a humanidade para enfrentar a mais grave crise de saúde pública nos últimos 100 anos.

A situação é gravíssima! Possivelmente já morrem mais de mil pessoas por dia no Brasil, dada as subnotificações, enquanto banqueiros e empresários, representados por Bolsonaro e alguns governos estaduais, lutam para que as medidas de isolamento social sejam revogadas e a classe trabalhadora seja sacrificada para salvar os CNPJ do capital.

A pandemia da COVID-19 e a situação de isolamento social criaram um enorme desafio para a classe trabalhadora, os movimentos sociais, populares,  estudantil e sindicatos, que lutam em condições inéditas. Patrões e governos sabem disso e estão aproveitando a oportunidade para efetivarem uma série de ataques que, certamente, em outras condições, enfrentariam forte resistência com ações de rua, manifestações, ocupações etc. O último exemplo foi a aprovação do PLP 39/2020, construído por Davi Alcolumbre (DEM) em parceria com a equipe econômica de Guedes e aprovado rapidamente, além do trilhão destinado aos bancos através de pacote do Banco Central.

Em consonância com as deliberações dos últimos congressos e CONAD, que se expressam no plano de lutas aprovado pelo 39o Congresso e na carta de São Paulo, que afirma textualmente que aquele foi: “um Congresso com delegadas e delegados conscientes de que a luta política para derrotar Bolsonaro deve ser travada nas ruas em unidade na ação” e em unidade com todas e todos disposto(a)s a resistir aos retrocessos impostos pelos agentes do capital, temos travado lutas em uma conjuntura extremamente volátil, complexa, difícil e polarizada. No meio de uma crise de proporções históricas e em condições absolutamente extraordinárias, o ANDES-SN tem se dedicado a tentar vencer as práticas conscientemente genocidas que estão em curso na atualidade. Por isso, priorizamos toda e qualquer ação que seja um passo adiante na luta para derrotar Bolsonaro e que tem se manifestado na consigna #BastaBolsonaro/Mourão.

Recentemente, com a intensificação das ações e declarações que explicitam um projeto genocida, militar e autocrático emanado do executivo federal, as lutas para derrotar Bolsonaro e Mourão ganharam ainda mais importância. Inúmeras táticas apareceram e estamos, a partir dos esforços para construir unidade de ação em todos os espaços, considerando as deliberações de congressos e CONAD. Assim como a história classista e de luta de nosso sindicato, avaliamos que é necessário dar um passo à frente, apoiando todos os esforços que possam desgastar a extrema-direita e fortalecer a ampla unidade na ação necessária para defender nossas vidas.

É no contexto em que o presidente da república fala “é daí?” para os mortos pela COVID-19, que incentiva carreatas para reabertura do comércio, que apoia atos absolutamente anticonstitucionais contra as já limitadas liberdades democráticas, que surge, por parte de movimentos sociais, entidades políticas, partidos, sindicatos, entre outros, a iniciativa de apresentar o pedido de impedimento de Jair Bolsonaro.

A Diretoria Nacional do ANDES-SN se reuniu virtualmente nos 14 e 15 de maio para aprofundar a agenda de iniciativas políticas para derrotar os ataques em curso, organizar a luta pelo adiamento do ENEM, combater as ações de reitore(a)s que querem impor um arremedo de EaD em substituição ao ensino presencial e impõem ainda maior precarização e assédio através de tentativas descabidas de controle do trabalho remoto, entre outras. Diante da situação de profunda excepcionalidade criada pela pandemia que impossibilita a realização de assembleias presenciais ou reuniões presenciais de nosso Sindicato Nacional, a Diretoria Nacional deliberou por assinar o pedido de impedimento de Jair Bolsonaro.

A assinatura desse pedido de impedimento não expressa qualquer ilusão em um legislativo carcomido por corrupção, fundamentalismo religioso, conservadorismo e práticas lobistas de banqueiros e empresários. Mas é uma iniciativa de movimentos sociais, populares e partidos que compõem um campo combativo que, em situação normal, estaria ocupando ruas e prédios públicos, realizando greves em favor da agenda aprovada por nosso sindicato em suas legítimas instâncias.

Por isso, convidamos as seções sindicais para, além de divulgarem nosso apoio à luta pelo impedimento de Bolsonaro, dedicar especial atenção ao conjunto de iniciativas e campanhas em defesa da educação pública e dos serviços públicos que estão sendo divulgadas por nosso Sindicato Nacional.

Ao assinarmos o atual pedido, reafirmamos nossa prioridade: construir uma Frente Nacional Unitária como espaço que pode intensificar a mobilização da classe trabalhadora para combater as contrarreformas neoliberais, as violações às liberdades democráticas e assegurar os direitos fundamentais de trabalhadoras e trabalhadores, assim como a defesa dos serviços públicos. As disputas institucionais não são a frente prioritária de luta, ainda que possam ser instrumentalizadas para fazer avançar nossa agenda, e, por isso, devemos continuar envidando esforços para intensificar as lutas e a reorganização da classe trabalhadora para impedir o avanço do genocídio provocado pelas ações do governo Bolsonaro diante da pandemia da COVID-19 e defender nossas vidas!

Basta Bolsonaro/Mourão!
A vida acima do lucro!
Combater o genocídio !
Não à redução ou ao congelamento salarial!
Em defesa dos serviços públicos!
Fortalecer o SUS e o SUAS!
Pelo adiamento do ENEM!

 

Brasília (DF), 17 de maio de 2020

Diretoria Nacional do ANDES-SN

Segunda, 18 Maio 2020 13:51

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Roberto Boaventura da Silva Sá
Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP
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        O título deste artigo dialoga com a expressão “terrivelmente evangélico/cristão”, enunciada por Bolsonaro por conta de indicação que fará, em novembro, de um juiz ao Supremo Tribunal Federal.
       
        Quando o presidente verbalizou a expressão acima, várias análises surgiram, como a de Reinaldo Azevedo que, em seu site (10/07/2019), registrou que “Bolsonaro tinha muitos advérbios para modificar o adjetivo "evangélico"; e citou “alguns que integram o paradigma ligado à força e à convicção: ‘profundamente’, ‘convictamente’, ‘serenamente’, ‘inquestionavelmente’ e, até, sob certo sentido, ‘generosamente’...”

      Na semântica, “terrivelmente” liga-se a: “aterrorizante, amedrontador, angustiante, apavorante, arrepiante, assombroso, assustador, atemorizador, aterrorizador, atroz, espantoso, hediondo, horrível, intimidador, medonho, pavoroso, temeroso, temível, terrificante, terrífico, torvo...”; ou seja, a tudo que um evangélico/cristão não deveria ser, pelo menos não, na perspectiva do Novo Testamento (NT).

         Em que pese “terrivelmente” ligar-se a circunstâncias nada agradáveis, ou justamente por isso, Bolsonaro mantém coerência com sua forma de ser-e-estar. Quando ele utiliza esse advérbio, o faz imerso ao mar de sangue que escorre de incontáveis páginas do Velho Testamento. Estas, se espremidas, para o delírio de mentes belicosas, sangram mais do que as de jornais sensacionalistas; tudo porque, naquelas páginas, predomina a máxima do “dente por dente, olho por olho”, bem o oposto do que a Cristo é imputado nas páginas dos evangelistas do NT.

         Mas por que falar disso?

        De saída, pelo escárnio do pastor Waldemiro Santigo, que está vendendo “feijões que curam coronavírus”. Se isso não fosse trágico, seria digno de riso. Santiago pede às TVs que realizem reportagens sobre o “milagre do feijão”.

        Contra essa aberração, o Ministério Público Federal pediu investigação, pois o referido pastor sugere R$ 1 mil dos fiéis pelas sementes. Nisso, o órgão vê indícios de estelionato cometido por Santiago, que “praticamente debocha (aliás, há décadas) da boa-fé de seus seguidores” ao vender a falsa cura e ainda estampar nos feijões o slogan da Igreja Mundial do Poder de Deus:

      “Não se pode, a título de liberdade religiosa, permitir que indivíduos inescrupulosos ludibriem vítimas vulneráveis e firam a fé pública... valendo-se da crendice alheia, mediante sofisticados esquemas publicitários, psicológicos e tecnológicos”, diz um procurador do MPF.

     Outro motivo para falar disso é complexo e surge por conta das considerações acima; ele recai no dilema de procurarmos saber quem somos como brasileiros: cordiais, como idealizou Sérgio Buarque? Solidários? Felizes? Macunaímicos, à lá Mário de Andrade, ou seja, sem nenhum caráter? Ou simplesmente “...batuqueiro, bragulheiro, baderneiro, bandoleiro...”, como cantou Gonzaguinha?

      Somos um pouco disso tudo e muito mais, mas com nítida perversidade arraigada em muitos de nós, principalmente nos que seguem determinados mitos, religiosos e/ou políticos.

      Com respeito às divergências, e deixando de lado o empresariado da fé, que nada de braçada na onda da ignorância vigente, mas um ser humano não perceber manifestações odiosas, preconceituosas, perversas vindas do “mito” político da extrema direita brasileira é ser um seu igual: é questão de espelho. Pior: conforme pesquisas, há cerca de 30% desse tipo.

        Portanto, o brasileiro, na proporção da belicosa cristandade de muitos, é também “terrivelmente” cruel.

        E tudo em “nome do Pai”. Ai se não fosse...

 

Sexta, 15 Maio 2020 14:12

 

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Por Roberto de Barros Freire*

Bolsonaro não se cansa de afirmar que o povo está com ele. Será? Estatisticamente isso não é verdadeiro. Seus seguidores são no máximo 30% da população, e com tendência crescente de baixa. Cada vez mais as pessoas estão percebendo o despreparo do governo. Se teve mais eleitores, esses hoje estão arrependidos, e abandonando o presidente.


70% não concordam com ele, nem confiam, nem acreditam, nem o querem. Há meia dúzia de gatos pingados, financiados sabe-se lá por quem, que vão adulá-lo nos seus passeios pela capital, atrapalhando a vida do cidadão, ameaçando a todos, a imprensa, ao STF, ao Congresso, e ele acha que essa parcela insignificante é o povo; é parte, e a parte ruim da população, que é uma pequeníssima parte.


Golpistas, terroristas, pessoas que agem contra a lei, e que representam uma ameaça às instituições republicanas e ao cidadão comum. Clamam por um golpe de estado, por uma quartelada, pela morte da esquerda, dos juízes, dos deputados e senadores. Esse é o povo do Bolsonaro. A maior parte da população está em casa, distante dessas atividades antidemocráticas, antirrepublicanas, atrasadas, contra a ciência e o bom senso.


Esses maus cidadãos sequestraram a bandeira e as cores nacionais, como Collor em idos passado também o fez. Como os militares também fizeram na ditadura. Na verdade, envergonham a nação perante o mundo civilizado, como Collor e os militares fizeram no passado, utilizando um símbolo para aparentarem algum tipo de patriotismo que desconhecem o verdadeiro sentido. Patriotismo não é carregar bandeiras ou vestir verde e amarelo, isso é coisa de torcedor da seleção. Patriotismo é atuar para a melhoria das instituições nacionais, não contra elas. Esses supostos patriotas levam também bandeiras de Israel e dos EUA, contra a vontade de ambos, que se sentem ofendidos de serem associados com essas manifestações antidemocráticas, atrasadas. Os israelenses não se cansam de reclamar de Bolsonaro e do Ernesto Araújo de menosprezarem o nazismo, de falarem mentiras sobre ele, associando-o a atividades presentes. De um lado, querem ampliar a maldade de setores sociais atuais, falsamente, e por outro lado desconhecem a especificidade do nazismo, cuja maldade é algo sui generis na história humana, movimento só visto uma vez na história, e esperamos que pela última vez, ainda que tenha tolos seguidores até hoje, principalmente entre bolsonaristas. Lembram do antigo secretário de cultura plagiando nazistas?


Enfim, nada sabem sobre patriotismo, nazismo, nem mesmo sobre comunismo ou esquerda, ou mesmo sobre valores morais e éticos. São assassinos em potenciais, basta ver o exercício bárbaro de ficar atirando objetos contra figuras nacionais em faixas: se pudessem fariam com os próprios. Se pudessem matariam a todos que consideram inimigos das suas crenças impróprias para a vida civilizada, que significa respeito a diversidade, e a defesa da pluralidade, não sua eliminação.


Seremos obrigados a fazer o mesmo que se fez com Collor, começarmos a sair de preto, para mostrar nossa insatisfação com essa patifaria de patriotismo chulo, tacanho, retrógado.


Quero a bandeira de volta, que ela não sirva para vestir péssimos brasileiros, que nem apreciam as instituições nacionais e não respeitam a maioria da população que não é golpista, nem aprecia quartelada.


É preciso com urgência que tanto o Congresso como o STF atuem para limitar a sanha golpista de Bolsonaro, que estimula e patrocina essas atividades antipolíticas e antirrepublicanas dos seus seguidores. Já deveriam ter agido contra esses movimentos e repreendido Bolsonaro. Não é possível termos que ficar aturando essas pessoas agindo contra a república e a nação, mas principalmente contra o povo, realizando atos nitidamente contra as instituições e a favor de golpes violentos contra os seus inimigos políticos, que são bem mais do que 80% da população. É preciso investigar de onde vem o dinheiro para financiar esse movimento dos apoiadores de Bolsonaro, com carro de som, bandeiras, faixas, bonecos; tudo isso custa muito dinheiro: quem está financiando esses maus patriotas?
 
 
*Roberto de Barros Freire
Professor do Departamento de Filosofia/UFMT
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Sexta, 08 Maio 2020 14:53

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

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Longe já se vai o 1º de maio deste atípico ano. As dificuldades rotineiras dos trabalhadores estão potencializadas por conta da COVID-19; pois, mesmo nesse cenário, Jair Bolsonaro ignorou a data.

Todavia, no último dia 3, em outro ato inconstitucional/antidemocrático, portanto, criminoso, em frente ao Planalto, perante milicianos vestidos à lá bandeira, Bolsonaro defendeu a volta ao trabalho, contrariando a OMS e o próprio Ministério da Saúde. Com naturalidade cruel, disse que “infelizmente muitos serão infectados pelo coronavírus, e que muitos perderão suas vidas”.

Em seguida, Bolsonaro “caiu nos braços” de bajuladores; e falou até “pelos cotovelos”. Dos discursos inseridos no arcabouço das teorias conspiratórias, passou à retórica da ameaça.

Em outras palavras, o “mito” extrapolou os discursos que veem como comunistas até as araras vermelhas, passando a disseminar uma narrativa terrorista de extrema direita. Consoante resumo do Estadão, “Bolsonaro disse que as ‘Forças Armadas” estão ao lado do seu governo e que pede a Deus que ‘não tenhamos problemas nesta semana’ porque ele ‘chegou no limite’ e ‘daqui para frente não tem mais conversa’ e a Constituição ‘será cumprida a qualquer preço’. Desespero.

Essa fala surgiu após dois fatos: 1) o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), proibiu a nomeação de Alexandre Ramagem para a Polícia Federal; 2) o ex-ministro Sérgio Moro prestou depoimento em ação que tramita no STF; a ação já investiga se Bolsonaro tentou interferir na PF para ter acesso ilegal a inquéritos sigilosos, conforme disse Moro, pois há inquéritos que podem acertar alguns “mitinhos” do clã.

A reação a tudo isso foi imediata e contundente. Até o ministro da Defesa, contrariando a ameaça de Bolsonaro, disse que as "Forças Armadas estarão sempre ao lado da lei, da ordem, da democracia e da liberdade". Disse também ser "inaceitável" a agressão a profissionais da imprensa, como as que ocorrerão naquele ato antidemocrático. Tomara.

O desespero de Bolsonaro, que quer livrar o clã de problemas com a Justiça, bem como sair ileso dos pedidos de impeachments, vai lhe deixando cada vez mais encurralado; daí sua atitude de tentar ganhar no grito uma luta contra a lógica que estrutura a República.

Mesmo que dificilmente venha a ter êxito nessas bravatas de discursos antidemocráticos, o clima, em si, é de desconforto. Ouvir ameaça do retorno aos tempos de chumbo é inaceitável. E foi nesse clima que o país ainda perdeu uma de suas vozes mais importantes. Por conta de complicações advindas da COVID-19, o cantor, compositor e escritor Aldir Blanc faleceu no dia 4.

Sobre a importância de Blanc, seu grande parceiro musical, João Bosco, disse:

"Perco o maior amigo, mas ganho, nesse mar de tristeza, uma razão para viver: quero cantar nossas canções até onde eu tiver forças. Uma pessoa só morre quando morre a testemunha. E eu estou aqui para fazer o espírito de Aldir viver. Eu e todos os brasileiros tocados por seu gênio".

Ao dizer que continuará cantando as canções que fez com Blanc, Bosco reforça a necessidade de que “o show tem de continuar”, pois o autoritarismo herdado do golpe de 64 está sendo invocado, agora, por criaturas inomináveis. Por isso, “os brasileiros tocados pelo gênio de Aldir”, e de tantos outros resistentes, precisam acreditar, como propôs Ivan Lins, “No novo tempo”:

“...Apesar dos perigos// Da força mais bruta// Da noite que assusta// Estamos na luta// Pra sobreviver...”.

E sobreviveremos.

Segunda, 04 Maio 2020 11:58

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

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Há poucos dias, Sérgio Moro, ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro, pediu demissão, após saber da exoneração do diretor-geral (delegado Maurício Valeixo) da Polícia Federal (PF), que, por conta de investigações em andamento, não deveria livrar o presidente e três de seus filhos de constrangimentos, que poderão advir da eventual confirmação de alguns crimes; por isso, Bolsonaro tentou intervir politicamente na PF.

Nesse panorama, lembrei do delegado Chaves da “Ópera do Malandro”, de Chico Buarque e Ruy Guerra, escrita em 1978, baseada em adaptação à “Ópera dos Mendigos”, de John Gay, e à “Ópera dos Três Vinténs”, de Brecht e Kurt Weill.

No que tange ao seu tempo cronológico, tudo se passa na década dos anos 40, cujo pano de fundo era a legalidade de contravenções, como o jogo do bicho, a prostituição e o contrabando.

O enredo da ópera de Chico gira em torno da cafetinagem de Duran e de sua mulher Vitória. A filha desse casal apaixona-se por Max Overseas, que vive de golpes e da contravenção, tudo feito em conchavos com o chefe de política, o delegado Chaves, amigo de infância de Max.

Nesse universo da malandragem, surgem outras personagens, como os camaradas e as amantes de Max, as prostitutas (“Las muchachas de Copacabana”) e Geni, a travesti que “é feita pra apanhar...”.

Mas por que dessas lembranças?

Por conta da foto em que estão juntos – no réveillon 2019 – Carlos Bolsonaro e Alexandre Ramagem, ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência, e que chefiou a segurança de Bolsonaro na campanha/2018. O delegado Ramagem é o amigo íntimo da família que Bolsonaro nomeou (depois foi obrigado a desfazer o ato) para a direção-geral da PF.

Como item complementar, a Folha diz que “a investigação da PF, conduzida pelo Supremo Tribunal Federal, aponta Carlos Bolsonaro como o mentor das fake news contra os ministros da Suprema Corte”.

Aqui, vale lembrar da aproximação dos Bolsonaro com milicianos. Dessa amizade, eclodem as rachadinhas de Flávio Bolsonaro; por consequência, surgem outras contravenções, como a que noticiou o The Intercept Brasil (25/04/2020):

Rachadinhas de Flávio financiaram prédios da milícia”.

Para os investigadores, os dados mostrariam que o senador receberia o lucro do investimento.

Saindo dessa perspectiva de contravenções concretas e observando as de obsessão ideológica, mais crimes cometidos pelo clã Bolsonaro, como os ataques à democracia, toda vez que invocam o retorno da ditadura/AI-5. Desses crimes, Jair Bolsonaro chegou a fazer discurso em ato público no dia 19.

Insanidade?

Não. Ousadia, testando os limites da democracia, mesclada com esforços que podem estar visando, por algum tipo de “arte maligna”, se perpetuar no poder. O clã já tem ciência dos imensos problemas que enfrentarão. Afastamento e/ou impeachment do presidente já estão no horizonte, uma vez que dificilmente haveria a nobreza da renúncia.

Para encerrar, de novo, Chico Buarque. Desta vez, em sua “Homenagem ao malandro”, eis a constatação de que aquela saudável malandragem da Lapa, “Agora já não é normal”, pois, ela dera lugar ao “...malandro regular, profissional/ Malandro com aparato de malandro oficial/ Malandro candidato a malandro federal/ Malandro com retrato na coluna social/ Malandro com contrato, com gravata e capital/ Que nunca se dá mal…”.

Sem saudosismos dos governos anteriores, torço para que o último verso transcrito esteja errado, pois espero ver muitos brasileiros “ ir se acostumando” com a ideia de um “tchau, querido”.

Segunda, 04 Maio 2020 11:27

 

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Por Roberto de Barros Freire*

 

Demorou mais tempo do que esperava, mas o lado tirânico e golpista de Bolsonaro não conseguiu ficar escondido, ele não consegue mais se conter e apareceu esplendoroso na sua briga com Sergio Moro, querendo que o ministro usasse a polícia federal para obstruir a justiça, para esconder fatos relacionados a sua família, ou ainda ter informações sigilosas de outros. Durante toda sua vida política, Bolsonaro sempre se colocou favorável a ditaduras militares, a favor da tortura, da pena de morte, enfim, considerava que a ditadura brasileira tinha matado pouco, que deveria ter matado uns 30.000. Ele sempre foi favorável a que o Estado controlasse a sociedade civil, que deve ser tutelada por militares, segundo ele, os únicos capazes de controlar o povo. Sempre foi favorável a censura e perseguição dos inimigos políticos, e nunca teve outra intensão, senão utilizar o Estado a seu favor, como sempre fez nos seus mandatos como deputado federal. Sempre defendeu os milicianos e até distribuiu medalhas para eles, ele e os perversos filhos que sempre mamaram nas tetas do Estado.


Sempre teve uma visão totalitária do Estado, considerando que o governante deve ser capaz de tudo, até agir contra as leis, se for do interesse do ocupante do poder, e se esse ocupante for um militar. As leis, as instituições sociais, os diversos poderes todos devem estar submetidos a ele, e não suporta dividir o poder: ele é a constituição, afirmação dele digna de um absolutista, nunca de um republicano, que é servo das leis, não seu senhor. Se finge obedecer às leis e os demais poderes não é por convicção, mas porque não tem força suficiente para obrigar os demais a se submeterem. Seu intuito, cada vez mais visível, é destituir todos que tenham alguma competência e possam ofuscar sua baixa estatura, ou impeçam de usar o Estado a seu favor, e assim impor um caos na sociedade, para que possa justificar o uso de força e dar um golpe. Se há um golpista em Brasília, não está no congresso (ainda que também haja muitos por lá), está antes no palácio do planalto, um golpe contra a constituição, as instituições e o povo.


Ele não quer que seus subalternos e subordinados hajam de acordo com a lei e sua competência, ele quer utilizá-los para retirar vantagem de tudo, da polícia federal ao procurador da república, do ministro da saúde, aos órgãos de informação, tudo deve estar direcionado para legitimar suas loucuras, seus gostos pessoais, suas mediocridades, suas ousadias de tentar passar por cima de tudo e de todos, em particular do Congresso e do STF. Ele quer usar a polícia federal para investigar seus desafetos políticos.


O discurso da escolha dos ministros por competência é uma falácia; escolhe os mais serviçais, os que menos possam ofuscar sua figura, aqueles que mais adulam seu ego minúsculo. Quer pessoas que combatam os diversos setores sociais que tenham uma visão distinta da dele. Ele não quer um chanceler, ele quer um capacho que se engaje nas suas lutas ideológicas. Ele não quer um médico no ministério da saúde, mas alguém que defenda sua loucura. Ele não quer um juiz no ministério da justiça, mas alguém que o favoreça em qualquer contenda contra seus inimigos, que é a grande maioria da população.


Tanto o Congresso como o STF têm obrigação de investigarem as graves acusações de Moro, de tomar uma posição sobre os procedimentos presidenciais. Da saída e discurso para um movimento antidemocrático e terrorista há poucos dias, querendo derrubar instituições republicanas, à forma como ele procede com seus subordinados querendo não apenas fidelidade, mas cumplicidade em atitudes pouco republicanas, tudo tem que ser esclarecido. Não faltam motivos para o impeachment, falta coragem e discernimento dos deputados e senadores. Nós temos um governante que age contra a nação e é preciso que tomemos uma atitude digna e de maturidade. Ele tira força e dinheiro de um Estado empobrecido, e fica jogando a população contra si mesmo, induzido seus seguidores a atitudes ilegais e imorais. Ele presta um desserviço a todos nós. O ideal seria que renunciasse, que não tivéssemos que gastar energia num processo de impeachment, mas não devemos esperar grandeza de alguém pequeno, minúsculo, miúdo e desonesto.


 
*Roberto de Barros Freire
Professor do Departamento de Filosofia/UFMT
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Quinta, 23 Abril 2020 17:01

 

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Há pouco mais de um mês, Paulo Brondi, promotor de Justiça em Jataí-GO, adjetivou o presidente, seus filhos e seu grupo de cafajestes. A Bolsonaro, em especial, disse que “não há outro adjetivo que se lhe ajuste”.

Mesmo sempre atendo ao noticiário, só agora soube desse artigo-desabafo de Brondi. A AGU disse que o processaria.

Diante desse embate, recordando das crônicas A um jovem, de Drummond, eu poderia acatar o primeiro “anti-conselho” que o poeta oferece, ali, ao jovem Alípio:

I – Só escreva quando de todo não puder deixar de fazê-lo. E sempre se pode deixar”.

Como já não sou mais um jovem, continuarei a escritura deste artigo. Assim, já imerso na desobediência, destaco o terceiro de seus anti-conselhos:

III – Se ficar indeciso entre dois adjetivos, jogue fora ambos, e use o substantivo”.

Ao que tudo indica, Brondi teve certeza de seu “cafajeste”; não passou pelo dilema que, por vezes, experimento: machadianamente falando, encontrar o adjetivo tipo “a mão e a luva” para determinados seres e/ou situações.

Sempre que começo a pensar no melhor adjetivo, seja para o que for, Drummond vem à mente; por isso, a casos e/ou a circunstâncias que extrapolam a lógica, tenho preferido dizer que se trata de um ser ou de algo “inominável”. Este termo tem sido a saída para minhas perplexidades.

Em “inominável” cabe tudo que o leitor quiser. Também pode não caber nada, mas aí o problema não é de quem escreve; pode ser o conforto da solução de quem lê.

Voltando ao desabafo de Brondi, mesmo abominando as ações de Bolsonaro e asseclas, mas liberto de “igrejas”, quero reflexionar sobre duas de suas afirmações:

1ª) “nem todo bolsonarista é canalha, mas todo canalha é bolsonarista”;

2ª) “aquele tio idiota do churrasco, aquele vizinho pilantra, o amigo moralista e picareta, o companheiro de trabalho sem-vergonha... reflete à perfeição aquele lado mequetrefe da sociedade”.

Mesmo não discordo, indago: o “lado mequetrefe da sociedade” é exclusivo de bolsonaristas? Se for, ótimo. Se não, e penso que não seja, temos de tratar das diferenças entre mequetrefes.

Já reflexionando, no dia 19/04, tivemos alguns elementos que diferenciam os mequetrefes da Pátria. Dos elementos, destaco a defesa da volta da ditadura/AI-5 e os fechamentos do Congresso e do STF feita por grupelhos de bolsonaristas, incluindo o próprio presidente, a quem Carlos Luppi encontrou a antonomásia perfeita: “Apóstolo da ignorância”.

Assim, ser idiota, moralista, picareta, sem-vergonha pode revelar (e revela) um lado mequetrefe da sociedade, mas não diz tudo. Ser alguma coisa disso tudo ou, pior, tudo, dessas coisas, junto, é para lá de comprometedor, social e politicamente falando. Todavia, é inominável se essas criaturas, que já carregam tais “defeitos de fábrica”, ainda forem antidemocráticas.

Diante de atos pró-ditadura e congêneres, apoiados por Bolsonaro, espero que o STF, provocado pela PGR, dê as respostas que o país precisa sobre as responsabilidades de seus inomináveis organizadores e financiadores.

Enquanto seguem as investigações, encerro com mais reflexões de Drummond, agora, de O avesso das coisas:

1ª) “O ditador não precisa atrasar o relógio; ele mesmo atrasa a História. Se os ditadores não tivessem algo de fascinante, ninguém pensaria em imitá-los. A diferença entre o ditador e o Presidente é que o primeiro costuma governar mais tempo”;

2ª) “... Resignamo-nos ao mau tempo, que é periódico, mas não nos acostumamos com os maus governos, que também o são...

 

Quinta, 09 Abril 2020 14:57

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

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O título deste artigo reflete um absurdo: o antagonismo entre os que apostam no poder da ciência e os que creem nos labirintos da ignorância, movida por achismos, paixões e crenças em lendas e mitos criados por uma legião de ignaros. Por falar deles, Bolsonaro, em 06/04, sugeriu que demitiria o ministro da Saúde, Luiz Mandetta. Não demitiu, pelo menos por enquanto. Também pelo menos por enquanto, Bolsonaro foi enquadrado por outros governistas.

De minha parte, destacarei a atuação pontual de Mandetta; porém, para não ser confundido como integrante da legião, relembro que o ministro da Saúde, em recente passado, fora financiado politicamente por planos de saúde. Ele também é investigado por fraude à frente da Secretaria de Saúde de Campo Grande (MS); logo, o jaleco do SUS não fazia parte de seu guarda-roupa.

A bem da verdade, Mandetta opunha-se ao Mais Médicos. Para ser indicado ao Ministério, teve aval da Frente Parlamentar da Saúde, que reúne representantes dos interesses privados dos planos de saúde, santas casas e organizações sociais de saúde. Só faltava um item biográfico: declarar-se cristão...

Não sem lamentar por tudo isso, hoje, Mandetta, mesmo forjado no ninho bolsonarista, aparenta ser pedra no caminho de seu chefe; e isso não é questão menor diante da magnitude do problema de saúde pelo qual passa o Planeta. Sem aqui pregar a absolvição de eventuais pecados capitais de Mandetta, o fato é que: ruim com ele, pior sem.

Digo isso porque, enfim, um bolsonarista federal defende a ciência. Não fosse essa postura, acompanhada da orientação do isolamento social, os números da COVID-19, no Brasil, seriam absurdamente maiores.

Pois bem. Em seu discurso do “dia do Fico”, Mandetta foi didaticamente sofisticado, o que também é raro em seu habitat político. Além de ironias, citou o “Mito da Caverna” (Livro VII de A República) de Platão, que, dialeticamente, explora os conceitos de escuridão e ignorância, luz e conhecimento.

No “Mito da Caverna”, é descrito que, desde sempre, alguns homens encontram-se aprisionados em uma caverna, de onde não conseguem se mover, pois vivem acorrentados. De costas para a entrada da caverna, veem apenas o seu fundo, mas, atrás deles, há uma parede, onde existe uma fogueira. Por ali passam homens transportando coisas, mas como a parede oculta seus corpos, apenas as coisas transportadas são projetadas em sombras e vistas, pelos prisioneiros, sempre de forma distorcida.

Certo dia, um dos acorrentados escapa e vê uma nova realidade. Todavia, a luz da fogueira, bem como a luz externa à caverna, agride seus olhos. Esse homem tem a opção de voltar e manter-se como até então, ou encarar a nova realidade. Optando pelo novo, ele ainda podia voltar para libertar os demais, dizendo o que havia descoberto; contudo, correria o risco de não ser acreditado, já que a verdade era o que conseguiam perceber da sua vivência na caverna.

Uma das possibilidades interpretativas desse texto é a de que o senso comum, que dispensa a reflexão/ciência, é representado pelas impressões aparentes, vistas pelos homens “por meio de sombras”. Por sua vez, a ciência, baseada em comprovações, é representada pela luz.

No discurso de Mandetta, o “Mito da Caverna” tinha alvo: seu chefe, visto como mito por seguidores. Todavia, esse mito tupiniquim ainda estaria acorrentado na caverna; daí a distorção de seu olhar sobre a realidade.

Ao final de seu discurso, outra preciosa citação de Mandetta: “Tocando em frente” de Almir Sater.

Até quando?

 

Sexta, 03 Abril 2020 13:55

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

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               Em que pese o tom mais ponderado na fala de Bolsonaro, ontem (31/03), o que vimos no domingo (29) foi um presidente – isolado até por aliados – fazendo um “tour” por locais de Brasília e cidades satélites: audácia ou irresponsabilidade?

               A dúvida tem sentido por diversos motivos. Deles, destaco que, no dia anterior (28), o ministro da Saúde, Luiz H. Mandetta, pedira à população que respeitasse o isolamento, dada a periculosidade do COVID-19; que, quando saísse, que fosse por motivos indispensáveis, e com os cuidados devidos. Pediu ainda que acreditássemos na ciência; subjetivamente, que duvidássemos de seu chefe.

               Pois bem. Logo após, medindo forças com Mandetta, Bolsonaro foi às ruas: caminhou e conversou com trabalhadores, muitos informais, dos quais, inocentemente, vieram pedidos semelhantes aos dos pequenos e médios empresários, promotores de recentes carreatas realizadas alhures.

               Detalhe: nas carreatas, os “ativistas engravatados”, que pediam aos trabalhadores o retorno às empresas, permaneceram dentro de seus carros, muitos deles blindados, inclusive contra a pobreza e a miséria dos empregados, cinicamente tratados como “colaboradores”. 

               Sobre esse panorama, numa conclusão da Folhapress (29/03), depois de uma tentativa de produzir discursos menos divisionistas, aquela “postura (desrespeitosa e isolada) de Bolsonaro diante do COVID-19 foi gerada pelo receio de perder apoio do setor empresarial e de trabalhadores autônomos, pilares de sustentação de seu mandato”.

               O receio apontado teria sido inflado por seus filhos. “Para convencer o presidente, foram mostradas a ele previsões do desemprego nos EUA diante da pandemia”.

               Isso posto, começo chamando atenção para o fato de Bolsonaro ter dito que fez o teste para COVID-19, e que o resultado fora negativo.

               Ótimo, mas alguém viu isso?

               Por ser Bolsonaro o presidente, ele não poderia ter apresentado o resultado à nação?

               Garantido o meu direito de duvidar, se não for verdade sua, no domingo passado, o presidente pode ter distribuído mais vírus do que afagos àquelas pessoas.

               A despeito de qualquer intensão, o “tour”, em si, afrontou o ministro Mandetta, que, na condição de médico, poderia ser mais enfático contra as “receitas” dadas pelo presidente Bolsonaro que, mesmo nesta condição, não tem autoridade para desrespeitar profissões, tampouco a Medicina. 

               Mas a propósito, até quando as próprias elites engolirão um presidente tão limitado? 

               Pergunto isso porque a elite empresarial já entendeu que articulações da equipe econômica do governo, liderada por Guedes, são para lhes favorecer, antes de tudo e de todos. As medidas que já estão sendo aprovadas pelo Congresso comprovam isso.

               De qualquer forma, aos incrédulos, serei didático: peço que prestem atenção em anúncios recentes de transnacionais e de megaempresas nacionais. Dentre os que já vi, cito o comercial em que OI, VIVO, CLARO e TIM se uniram em torno do discurso cada vez mais internacionalista, aliás enunciado até por Trump: ‘Stay at home and save lives’.

               Bondade empresarial?

               Não. As empresas só passaram a expor esse comportamento humanista após anúncios das medidas governamentais que, antes de outras vidas quaisquer, salvarão – com incalculáveis recursos públicos – as vidas das próprias empresas, mantendo intactos seus exorbitantes lucros; e isso em diversos países!

               Sendo assim, se Bolsonaro entendeu essa jogada, precisamos reflexionar mais sobre os porquês daquele seu rolezinho no meio do proletariado.