Quinta, 13 Fevereiro 2020 17:34

SOBRE PARASITAGENS - Roberto Boaventura

Escrito por 
Avalie este item
(0 votos)

 

****

Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.

****

  

Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

Para escrever meu artigo desta semana, tive de optar entre duas aberrações: uma veio da Secretaria de Educação de Rondônia, que tentou censurar livros de nossa literatura; a outra, de um discurso de Paulo Guedes, ministro da Economia do governo Bolsonaro. Optei por esta, mesmo sendo professor de Literatura. 

Dentre os falantes da língua portuguesa, poucos termos podem ser mais ofensivos, quando dirigido a alguém, do que “parasita”, pois nos causa repugnância já a partir de sua denotação.

Biologicamente falando, “parasita” diz respeito ao “organismo que vive de e em outro organismo, dele obtendo alimento e não raro causando-lhe dano”. Em contextos metafóricos, dir-se-á do “indivíduo que vive à custa alheia por pura exploração ou preguiça”.

Pois, creiam! Sem o menor respeito, Guedes, em palestra na Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV EPGE), disse que o funcionário público brasileiro é parasita que está matando o hospedeiro, no caso, o erário. Pior: foi aplaudido; claro, a plateia era narcísica.

Diante de tamanha agressão, fui ao Wikipédia verificar a biografia de Guedes. Do que vi, destaco sua atuação como docente, em tempo integral, na Universidade do Chile (Alguma parasitagem, ali?), quando ela esteve sob intervenção da ditadura militar de Pinochet, um dos maiores assassinos da América Latina; sobre isso, que o diga o Museu da Memória e dos Direitos Humanos, localizado em Santiago. O Chile tem memória. O Brasil precisa consolidá-la.

Também destaco de sua biografia o seu doutorado em Chicago, onde aprendeu as lições falidas de Economia que os Chicago boys promoveram no Chile. Das lições aprendidas em terras do Tio Sam, Guedes quis nos impor o regime de capitalização na recente reforma da Previdência.

Detalhe: a capitalização que Guedes tentou nos impor ajudou a deteriorar a economia chilena, uma das melhores da América Latina. Também por isso, o Chile foi às ruas ano passado, e de forma violenta: fruto da miséria plantada na ditadura de Pinochet, que, repito, teve auxílio do brasileiro Guedes. Aqueles erros de três décadas passadas estão explodindo agora no território chileno.

Pois bem. Assim que Guedes classificou os servidores públicos brasileiros como parasitas, as reações foram imediatas e contundentes. Há entidades que já disseram que vão questionar o ministro juridicamente. O Ministério Público também deverá ser acionado, pois Guedes, além de promover agressões verbais, disse inverdades.

No mesmo sentido, a Associação Nacional dos Delegados da PF afirma repudiar "a estratégia sistemática de apontar os servidores públicos como culpados dos problemas nacionais, silenciando sobre as causas verdadeiras, bem como a de difundir notícias inverídicas a respeito... Guedes parece nutrir ódio crescente pelos agentes públicos".

Em matéria do Estadão, de 09/02, destaco a que segue: “Representante de diplomatas diz que fala de Guedes sobre servidores é insulto”.

Na verdade, Guedes superou os adjetivos que nós, servidores públicos, já recebemos ao longo do tempo: marajás, preguiçosos, incompetentes, elites, corporativistas, sangues-azuis. Isso sem contar os vagabundos, dirigidos especialmente aos aposentados.

Quanto desrespeito!

Mas a despeito disso tudo, continuaremos a servir nosso país, e não aos governantes de plantão; aliás, excetuando os beija-mãos, o ódio dos agentes bolsonaristas contra o servidor público é não nos ter em suas mãos.

PS.: depois das repercussões, Guedes pediu desculpas, mas isso é pouco diante do tamanho da ofensa.

 

Ler 2264 vezes