Sexta, 19 Março 2021 09:59

 

 

****

Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
****

 

JUACY DA SILVA*

O Brasil esta diante da maior crise, na verdade da maior tragédia nacional que afeta o país não apenas em relação ao caos, sofrimento e morte como característica do nosso Sistema de saúde pública e privado, mas também  profundamente a economia e a sociedade como um todo.

A evolução da pandemia do coronavírus foi rápida e atingiu praticamente todos os países, em todos os continentes. Todavia, a incidência tanto de casos quanto de mortes tem sido bem diferentes, sendo que as Américas (Norte, Central, Sul e Caribe), além da Europa concentram a grande maioria tanto de casos quanto de mortes.

Em 18 de Março de 2021 a OMS já contabiliza 121,3 milhões de casos e 2,68 milhões de mortes. Os Estados Unidos ocupam o primeiro lugar tanto em casos quanto em mortes, cabendo ao Brasil o segundo lugar nesta trágica estatística.

No Brasil já foram contabilizados 11,7 milhões de casos e 284,8 mil mortes para uma população de 212,6 milhões de habitantes; enquanto a China, onde o coronavírus foi identificado pela primeira vez, com 1,4 bilhão de habitantes registra apenas 101,5 mil casos e 4,8 mil mortes; situação também bem diferente do Brasil é apresentada pela Índia, com uma população de 1,39 bilhão de habitantes e apenas 159,2 mil mortes.

A mesma tendência pode ser observada em alguns outros países mais populosos do que o Brasil como Indonésia com 270 milhões de habitantes, tendo registrada 1,4 milhão de casos e apenas 39,1 mil mortes e o Paquistão com 220 milhões de habitantes tendo apenas 615,8 mil casos e 13,7 mil casos, situação muito melhor do que a existente em diversas estados brasileiros, com população infinitamente menor.

Situação também muito diferente do Brasil vive a Nigéria, com população de 206 milhões de habitantes, bem próxima `a população brasileira tem apenas 161,3 mil casos e um número insignificante de 2,0 mil mortes.

Outra situação digna de nota é a Coréia do Sul, com população de 51,3 milhões de habitantes, bem mais do que do estado de São Paulo ou 15,5 vezes a população de Mato Grosso, registra apenas 97,3 mil casos e 1,7 mil mortes; enquanto São Paulo registra 2,24 milhões de casos e 65,5 mil mortes e Mato Grosso 278,0 mil casos e 6,5 mil mortes; ou seja, Mato Grosso com apenas 3,3 milhões de habitantes tem mais mortes por covid do que a China e a Nigéria, países com mais de 1,4 bilhão e 206 milhões de habitantes, respectivamente.

Algo de errado está acontecendo no Brasil e com nossos governantes, com certeza, isto é o que devemos refletir ao analisar a atual situação de um colapso no Sistema de saúde de nosso país.

Esses dados demonstram como governantes, em diferentes países, enfrentaram ou estão enfrentando a COVID 19, com medidas que conseguiram, de fato, barrar a disseminação do vírus e também reduzir os índices de letalidade e, pelo que se tem notícia não enfrentaram situação de calamidade pública como esta acontecendo no Brasil e nem queda do PIB.

O último relatório de acompanhamento da COVID-19 da FIOCRUZ, instituição centenária, respeitadíssima tanto no Brasil quanto no exterior pela sua excelência em matéria de ensino, pesquisa e extensão, entidade governamental, vinculada ao Ministério da Saúde, portanto, que trabalha com seriedade e reconhecimento público, com a mais alta credibilidade não deixa dúvida quanto `a extrema gravidade da situação. Pena que o governo federal não considere os alertas que ao longo de meses a FIOCRUZ e seus pesquisadores vem fazendo quanto `a gravidade desta pandemia.

Vejamos o que consta de seu último relatório sobre a situação caótica e crítica dos indicadores que permitem que o conteúdo deste relatório, de 15 de março de 2021, portanto há poucos dias, seja, de fato, um alerta nacional, principalmente `as autoridades Federais, estaduais e Municipais: “ Uma pandemia envolve uma doença infecciosa que afeta populações em muitos países, em diferentes regiões, ainda que de diferentes modos, como no caso da Covid-19. Se estes países não estão preparados para controlar a sua disseminação, seus efeitos podem resultar em uma grave interrupção do funcionamento de uma sociedade e exceder sua capacidade de resposta utilizando recursos próprios, de forma que uma pandemia pode ser compreendida como um desastre. Porém, quando a capacidade de resposta, como as ações desenvolvidas pelos serviços e sistemas de saúde, se apresenta em uma situação extremamente crítica ou mesmo em colapso, como se vê em quase todo país, sendo incapaz de atender às necessidades de todos os pacientes graves e levando os trabalhadores da saúde a situações de exaustão, estamos próximos ou diante de uma catástrofe.”

Seguem outros alertas quanto a situação dos leitos de UTI no citado relatório: “No momento atual são 24 estados e o Distrito Federal, entre as 27 unidades federativas, com taxas iguais ou superiores a 80%, sendo 15 com taxas iguais ou superiores a 90%. Em relação às capitais, 25 das 27 estão com taxas de ocupação de leitos de UTI Covid-19 para adultos iguais ou piores a 80%, sendo 19 delas superiores a 90%. A situação é absolutamente crítica. Como nos boletins anteriores, chamamos à atenção para o fato de a situação da pandemia por Covid-19 ser gravíssima. Um conjunto de indicadores, incluindo as médias móveis de casos e de óbitos e as taxas de ocupação de leitos UTI Covid-19 para adultos, apontam para situação extremamente crítica ou mesmo colapso, em todo o país.”

Um outro aspecto não mencionado no relatório da FIOCRUZ, mas que esta umbilicalmente relacionado com a situação apontada é quanto `a super lotação dos leitos de UTI que são as filas da morte, ou seja, existem atualmente mais de 6 mil pessoas necessitando e aguardando um leito de UTI e inúmeras já morreram nessas filas e outras mais irão sucumbir nos próximos dias, semanas e meses. Para essas, como para as que ficaram e ainda vão ficar sem oxigênio em alguns hospitais, o direito `a vida, constitucionalmente amparado, não tem passado de letra morta.

O que todos se perguntam ou como se diz “a pergunta que não quer se calar” é como em apenas um ano um país que tanto se orgulho de seu potencial, de sua pujança econômica, principalmente ao se transformar em um dos três maiores países produtores de commodities, principalmente alimentos, não ter sido capaz de controlar a covid 19, como aconteceu com alguns outros países como China, Vietnam, Nova Zelândia, Coreia do Sul, da Índia e outros mais, que conseguiram enfrentar, controlar esta terrível pandemia, alguns desses países chegaram até mesmo a experimentar crescimento econômico em 2020.

Indo `a raiz desta tragédia, podemos encontrar o negacionismo do Presidente como a causa básica, a partir da qual todas as demais mazelas vieram a ocorrer e continuam presentes neste drama que estamos vivendo.

De inicio o mesmo ridicularizou o coronavírus dizendo ser apenas uma “gripezinha”, depois, sem ser médico e contrariamente ao que toda comunidade científica do mundo e também no Brasil, médicos e suas entidades representativas, docentes e pesquisadores de diversas universidades públicas e privadas e centros de excelência no mundo como o CDC nos EUA e a própria FIOCRUZ e também a OMS que declarou a COVID-19 como uma PANDEMIA mundial em março de 2020, o nosso presidente sempre foi contra o uso de máscara, do distanciamento social, do isolamento social, de medidas que restringem a circulação de pessoas, como formas de reduzir a circulação do vírus.

O seu negacionismo é complementado pela propaganda quanto ao uso de cloroquina, hidroxicloroquina e outros medicamentos que há muito tempo foram declarados pelas comunidades médicas, cientistas e a OMS, como sendo ineficazes na prevenção ou tratamento da covid-19. Este fato foi determinante na saída dos ex-ministros Mandetta e Nelson Teich do Ministério da Saúde.

O próprio novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que irá substituir o atual ministro da saúde General Pazuello, através da Sociedade Brasileira de Cardiologia, da qual é presidente, ja se manifestou contra o uso da cloroquina e hidroxicloroquina para tratamento de prevenção e cura da coronavírus, argumentando que tal ação não tem respaldo científico, além de pessoalmente também ter defendido o uso massivo de mascaras, higienização, isolamento e distanciamento social, além de “lockdown” em localidades específicas. Talvez se persistir nessas ideias não deverá permanecer por muito tempo `a frente do Ministério, a menos que se molde totalmente `as determinações do presidente, que, para muitos é o único e verdadeiro ministro da saúde.

Outra forma de negacionismo  tem sido sua postura do Presidente em relação `a vacina, chegando em alguns casos a ridicularizar a mesma que seria (como acabou acontecendo) produzida pelo Instituto Butantan, em parceria com a China, ao dizer que não compraria a vacina da China, país sempre denegrido por seus filhos e por seus seguidores, por ser um um país comunista.

Como parte deste negacionismo chegou a dizer que ele jamais tomaria a vacina (mas sua genitora acabou tomando), insinuando numa forma jocosa que quem a tomasse poderia “virar jacaré”. Além disso, desautorizou publicamente o General Ministro da Saúde que em determinado momento anunciou aos governadores que iria comprar 46 milhões de dose da coronavac (a vacina do Butantan/China), obrigando o mesmo a voltar atrás e cancelar os entendimentos.

Na ocasião o Presidente esbravejou publicamente dizendo que ele é o presidente, que “quem manda sou e que por isso não abro mão de sua autoridade” , dizendo que  “já mandei o Pazuello cancelar esta compra”. Todavia, meses depois o Governo Federal, com aval de Bolsonaro e do General Pazuello voltaram atrás desta decisão e “fecharam” a compra de 100 milhões de doses da vacina do Butantan/China.

Outro episódio que contribuiu para a falta de vacina no Brasil, provocando a demora e lentidão da campanha de imunização/vacinação, foi a forma negacionista em relação a uma oferta de compra de 70 milhões de doses feita pela Pfizer em Agosto de 2020.

Bolsonaro e Pazuello se apegaram a uma clausula contida no contrato onde fica estabelecido que aquela empresa farmacêutica não se responsabiliza por danos colaterais que, porventura, ocorram com pessoas que tomam a vacina.

Este lenga lenga, que acabou se mostrando apenas uma cortina de fumaça, foi deixado de lado e o Governo brasileiro irá comprar  alguns milhões de doses da Pfizer, cujo contrato é o mesmo anteriormente apresentado nas negociações e que foram aceitos por dezenas de países, cujas campanhas de vacinação estão muito avançadas do que o Brasil. Vale ressaltar que o Brasil ocupa a 50a. posição no ranking dos países em termos de percentuais da população que já receberam a primeira e segunda dose, onde a vacina da Pfizer fez uma grande diferença.

Podemos notar o negacionismo de Bolsonaro quando se referiu a quem usa máscara como maricas ou que a população deve deixar de frescura e parar de chorar, se lamentar,  esquecendo-se de que mais de 11,8 milhões de pessoas já foram infectadas e mais de 287,8 mil pessoas já morreram. Pergunta-se: será quem nem chorar seus mortos e se lamentar de que pessoas estejam nas filas da morte, a espera de uma vaga de UTI, ou entubadas em hospitais seus familiares não tem o direito sequer de chorar, já que nem velório podem ser feitos e nem se despedir de um ente querido que faleceu?

Deixando de lado o negacionismo do Presidente , de diversas de seus auxiliares diretos e milhões de seus seguidores que, na verdade acabam provocando aglomerações, sem uso de máscaras e facilitando a propagação do vírus, podemos também identificar na origem do caos, catástrofe e colapso dos sistemas de saúde tanto a incompetência do Governo Federal em liderar as ações de prevenção e combate à COVID 19, quanto `a falta de articulação entre os três níveis de poder e de governos: federal, estaduais e municipais.

Tanto por parte do Governo Federal quanto dos Governos Estaduais e municipais o que se tem visto é uma verdadeira balburdia, uma politização político-partidária, colocando sempre interesses menores, como as futuras eleições gerais de 2022, na frente dos principais desafios que estão direta ou indiretamente relacionados com o enfrentamento daCOVID-19.

Ao longo da pandemia a população tem acompanhado um confronto, um conflito aberto entre o Palácio do Planalto, o Ministério da Saúde e os governadores e também os mesmos conflitos entre governadores e prefeitos, principalmente das capitais e maiores cidades, onde estão os maiores colégios eleitorais.

Esta desarticulação tem acarretado sérios prejuízos financeiros e de gestão de recursos humanos e insumos, contribuindo para a presente tragédia, que poderá se agravar se mudanças radicais e profundas na condução das ações governamentais não forem feitas com urgência. Tanto isto é verdade que o Ministro da Saúde, General Pazuello está sendo investigando pelo STF por acusação de se omitir na crise sanitária/hospitalar de Manaus quando centenas de pacientes tiverem que ser transferidos para outros estados e dezenas  morreram por falta de oxigênio nos hospitais e no Congresso Nacional já foi aprovado uma CPI, ainda não instalada, para investigar as ações do governo federal em relação à pandemia.

A evolução da pandemia, tanto em números de casos quanto de mortes teve um perfil que não foi acompanhado pelas ações governamentais correspondentes, ou seja, houve negligência, certo descaso e incompetência por parte de governantes e gestores públicos nas três esferas de governo.

Diante de inúmeros alertas por parte de médicos e especialistas quanto aos riscos e desafios que a pandemia iria acarretar se medidas efetivas não fossem adotadas a tempo, como de fato aconteceu, ou seja, esta é uma tragédia anunciada e muitos alertas foram feitos, só faltaram mais ações efetivas e menos discursos, meias verdades ou inverdades, inclusive, falta de transparência quanto `as estatísticas e medidas que deveriam ser adotadas.

Uma das grandes falhas que podem ser mencionadas foi a falta de testagem em massa, como fizeram inúmeros países, para que pudessem ser detectados todos os casos de pessoas contaminadas e, assim, poderem ser isoladas e tratadas adequadamente.

Diversas pesquisas, realizadas por  universidades,  centros médicos, prefeituras e governos estaduais demonstram e continuam demonstrando que o número real de pessoas infectadas representa duas ou três vezes mais do que as estatísticas oficiais indicam (que só identificam as pessoas infectadas quando as mesmas buscam unidades de saúde). Isto significa que de fato existem no Brasil mais de 35 ou 40  milhões de pessoas infectadas ao longo desta pandemia e os níveis de contágio são muito maiores do que as informações governamentais passam para a população, daí este colapso que estamos assistindo.

Se, desde o inicio da pandemia, houvesse testagem em massa, campanha por parte do Ministério da Saúde para o uso massivo, inclusive com distribuição gratuita, de máscaras para a população e isolamento e distanciamento social articulado em todos os estados ao mesmo tempo e severa fiscalização por parte dos diferentes níveis de governo e uma maior compreensão por parte do empresariado, com certeza o panorama atual seria muito diferente e o país teria conseguido controlar a pandemia, como fizeram tantos outros países e já teria retornado à plenitude das atividades como aconteceu na China, Vietnã, Coréia do Sul e outros países, como já mencionado.

Vejamos como evoluíram os casos e mortes relacionados com a COVID 19 no Brasil.

O primeiro caso registrada de covid 19 foi em 26/02/2020 e só depois de 124 dias foi registrada o primeiro milhão de casos em 19/06/2020. Em menos de um mês depois, em 16/07/2020 atingimos 2 milhões; em 9 de Agosto chegamos a 3 milhões; em 02 de setembro 4 milhões; em 7 de outubro 5 milhões; em 20 de novembro 6 milhões; em 16 de dezembro 7 milhões; em 8 de janeiro deste ano (2021) 8 milhões; em 28 janeiro 9 milhões; em 18 de fevereiro último 10 milhões; em 08 de marco (ha pouco mais de uma semana) 11 milhões e, nesta semana, em 17 marco de 2021 atingimos 11,7 milhões.

Mantida a tendência de aceleração observada nas duas últimas semanas dentro de poucos dias, entre este domingo ( 21 de março de 2021) e segunda feira próxima o Brasil estará registrando 12 milhões de pessoas infectadas e 296,2 mil mortes.

Convenhamos, nossos governantes tiverem bastante tempo para agirem de forma mais eficiente, efetiva e eficaz para debelar esta pandemia, se não o fizeram não foi por falta de alerta e das observações quanto a velocidade em que a covid se alastrava e continua se alastrando pelo país. Há quem  diga que tudo isto pode ser traduzido em poucas palavras: incompetência, negligência, omissão, descaso e insensibilidade em relação ao, drama, sofrimento e morte de tanta gente, cifras jamais vistas em nosso país ao longo de sua história.

Vejamos como tem ocorrido o registro/dados sobre mortes por covid-19 no Brasil.

A primeira morte foi registrada em 12/03/2020, há pouco mais de um ano. Quando da saída de Mandeta do Ministério da Saúde, em 16 de abril de 2020, o Brasil registrava apenas 30.891 casos de covid e 1.592 morte, praticamente um terço da media dos casos diários e metade das mortes registradas por dia atualmente.

O Ministro Nelson Teich, alcunhado de “o breve”, pois ficou menos de um mês no cargo por se recusar a seguir as recomendações do Presidente, principalmente quanto ao uso da hidroxicloroquina, que desde sempre tem contrariado a ciência. No dia de sua saída do ministério o Brasil já registrava 220.191 casos e 14.062 mortes.

Com Pazuello tanto durante seus poucos meses como ministro interino e depois como ministro efetivo , tanto os casos quanto as mortes evoluíram com extrema rapidez, apesar de que o mesmo sempre tentava minimizar a gravidade do quadro sanitário e hospitalar brasileiro.

Em 16 de setembro de 2020, quando da efetivação de Pazuello como titular do Ministério da Saúde, o Brasil registrava 4,4 milhões de casos e 134,2 mil mortes e, em 15 de março deste ano (2021) quando Bolsonaro, apesar dos constantes elogios quanto à sua gestão à frente da Pasta (razão pela qual ninguém entendeu a troca, ou seja, se Pazuello era tão eficiente, qual a razão da toca?), repetido no anúncio do final da gestão de Pazuello e a escolha do quarto ministro da saúde em apenas um ano de pandemia, o Brasil registrou mais um triste recorde de 11,5 milhões de casos e 279,6 mil mortes.

Hoje (18/03/2020) o Brasil registra 11,8 milhões de casos e 287,8 mil mortes, sendo que só nas últimas 24 horas ocorreram 87,2 mil casos e 2,7 mil mortes, indicando uma tendência de alta em ambos os indicadores, o que demonstra que ainda estamos longe de um controle efetivo da pandemia, o caos e colapso total dos sistemas público e privado de saúde

Apesar de que Bolsonaro ter dito certas frases que não foram bem recebidas pela população,   como as que disse em relação ao elevado número de mortes: “E daí? Sou messias, mas não faco milagres”, agora, no auge desta tragédia nacional, que pode ainda ficar pior, pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha, demonstra que o Presidente  Bolsonaro não tem sido bem avaliado pela população em relação `as suas posturas e ações no combate `a pandemia e que ele, Presidente, é o maior responsável pelo atual situação, mais do que os governadores e prefeitos, a quem também a população não avalia positivamente.

Vamos a alguns números desta pesquisa.

Em relação `a condução das ações de enfrentamento `a pandemia, 22% aprovam a forma como o Presidente tem atuado e 54% o reprovam. Quanto `as declarações do Presidente 18% dos entrevistados afirmam que sempre acreditam e 45% jamais acreditam; em relação `a capacidade de Bolsonaro liderar o país no combate `a pandemia, 42% afirmam que ele tem condições e 56% que ele não tem condições para desempenhar satisfatoriamente tal missão.

Uma visão temporal também demonstra uma certo desencanto e deterioração tanto na imagem quanto nas ações do Presidente, bem como quando comparadas com governadores e prefeitos.

Em março de 2020, em torno de 35% consideravam o desempenho do Presidente como ótimo e bom, enquanto 33% consideram ruim e péssimo. Já em março de 2021, ótimo e bom caíram para 22% e ruim e péssimo passou para 54%.

A pesquisa do Datafolha também indagou quem seria o maior responsável pela escalada da pandemia no Brasil. Para 42% dos entrevistados é o Presidente da República; para 20% são os governadores e para 17% são os prefeitos.

Quando a questão “quem está combatendo melhor a pandemia”, ou seja, tendo um melhor desempenho, os resultados seguem a mesma linha: Presidente 16%; Governadores 38% e Prefeitos 28%; ou seja, a imagem de Bolsonaro quanto `a eficácia, eficiência e efetividade de suas ações continua bem arranhada perante a população.

Uma quesito que também lança luz sobre a avaliação quanto ao desempenho dos governantes em relação ao enfrentamento `a pandemia do coronavírus, o panorama da situação é o seguinte.

Em março de 2020 em torno de 54% dos entrevistados avaliaram que os governadores estavam tendo um desempenho ótimo e bom e em marco de 2021 caiu para 34%.; e os que disseram ruim e péssimo passou de 16% para 35%, ou seja, também a avaliação negativa quanto ao desempenho dos governadores fica bem patente na pesquisa.

Um dado interessante é em relação ao desempenho do ministro da saúde. Em março de 2020, o então ministro Mandetta foi avaliado positivamente, ou seja, ótimo e bom para 55% dos entrevistados e em marco de 2021, o ministro Pazuello foi avaliado positivamente por apenas 28%; e , inversamente, ruim e péssimo (avaliação negativa) março de 2020 Mandetta 12% e Pazuello em março de 2021 nada menos do que 39%.

Esses dados são importantes para que passamos refletir como a população está reagindo não apenas quanto a este caos, colapso e tragédia que está estrangulando todo o sistema de saúde (pública e privada) e o sofrimento daí advindo; mas também e principalmente, dando um recado, através dos resultados da pesquisa de que não está nada satisfeita com seus governantes quando se trata de politicas, estratégias e ações de enfrentamento `a pandemia do coronavírus.

Os mesmos sentimentos de angústia, frustração, sofrimento e também de indignação podem ser observados em relação `a campanha de vacinação, cuja morosidade e falta de uma coordenação mais eficiente por parte do ministério da saúde pode levar muitos meses ou até mais de um ano para que toda a população adulta, acima de 18 anos ou talvez, inclusive, adolescentes a partir de 15 anos, possam ser devidamente imunizados.

Enquanto isto podemos observar um verdadeiro pandemônio com ações e iniciativas por parte de governadores e prefeitos tentando suprir a lacuna da incapacidade do Ministério da Saúde em cumprir seu verdadeiro papel que seria adquirir e articular as ações como já eram feitas em outras campanhas de vacinação em que até mesmo o setor privado, como os planos de saúde podem participar deste esforço coletivo com excelentes resultados.

Diante desta balburdia, descontinuidade na direção do Ministério da Saúde, troca de equipes e a politização politica e partidária, quando todos os políticos tanto do Poder Executivo quanto Legislativo, nas duas esferas de poder (União e Estados), com  certeza vamos ter que conviver com mais mortes e pessoas sendo infectadas, podendo atingir mais de 500 mil ou 600 mil mortes e mais de 18 milhões de casos até o final do ano de 2021, caso a tendência recente se mantenha.

Segundo a Dra. Ludhmila Hajjar, que passou a ser chamada de ex-futura ministra, “o cenário brasileiro é sombrio”, lamentavelmente. O Brasil e o povo brasileiro merecem governantes melhores, mais capazes, mais comprometidos com as aspirações do povo e que tenham mais solidariedade diante do sofrimento do povo, principalmente de dezenas de milhões de excluídos que estão passando fome, sem condições de sobrevivência e morrendo e menos apegados aos seus projetos pessoais, partidários ou de grupos em busca do poder, das vantagens e privilégios que emanam de suas estruturas.

 

*JUACY DA SILVA, professor universitário, titular e aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia e colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy

Terça, 09 Março 2021 08:47

 

  

****

Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
****

 

JUACY DA SILVA*

 

Para conquistarem seus direitos as pessoas, individual ou coletivamente, precisam lutar com coragem, determinação, consciência dos objetivos a serem alcançados continuamente, só assim avançam rumo a uma vida digna e a uma sociedade justa e igualitária. Com as mulheres esta caminhada não pode ser diferente.

Nenhuma conquista é fruto da concessão, da dadiva ou da forma amorosa dos opressores, dos poderosos ou donos do poder, mas sim, da luta permanente que, as vezes, custa a vida de muitas pessoas. Lutar contra todas as formas de opressão é o único caminho para a libertação total.

Pela importância das mulheres em todas as sociedades e culturas ao longo da história, pelo trabalho realizado em casa, quase sempre não reconhecido, no cuidado com os filhos, em suas trajetórias de vida, de luta e de contribuição para o desenvolvimento das sociedades, da ciência, da tecnologia, das letras e das artes e de tantas outras áreas, não precisaria existir um dia especial para marcar esta trajetória, todos os dias deveriam ser dias das mulheres.

No entanto a realidade não é bem assim, a mulher para conquistar seu espaço sempre precisou de ir `a luta e isto muitas vezes tem lhe custado muito, inclusive a própria vida, como acontece com o crescimento da violência, seja física, psicológica, simbólica ou patrimonial, incluindo formas aterrorizantes como o elevado número de estupros e ultimamente com um crescimento exponencial do feminicídio em inúmeros países e, inclusive, no Brasil.

Não bastassem essas formas mais visíveis de violência e que colocam em risco a integridade física, moral, psicológica ou emocional da mulher, ainda a mesma tem sido sujeita a diversas formas de preconceitos, machismo, assédio moral e sexual, até mesmo em espaços em que jamais poderíamos imaginar cenas como as mostradas recentemente na Assembleia Legislativa de São Paulo quando um deputado foi flagrado e filmado apalpando os seios de uma “colega” deputada.

No caso, o mais estarrecedor foi a “punição”, que o Conselho de Ética daquela Casa de Leis impôs ao parlamentar tarado, apenas suspensão temporária de 3 meses com a regalia do recebimento do salário e demais vantagens do cargo, o que não deixa de ser um reforço ao espirito machista e de corpo do conselho de ética do referido parlamento.

O Dia Internacional da Mulher foi criado pela ONU em 1975, para que possa ser um momento de comemorarmos as vitórias alcançadas pelos diversas movimentos, principalmente das mulheres e também de outros movimentos sociais e políticos, para comemorar tais conquistas, realizar um balanço da situação da mulher a cada ano nos diversos países e uma reflexão em relação aos próximos passos para que as futuras gerações de mulheres possam viver em sociedades e um mundo justo, igualitário, sem opressão, onde todas as pessoas, independente do sexo ou gênero e de outras características como cor, forma de se vestir ou de externar sua religiosidade possam ser tratadas com respeito e dignidade.

Muito antes de a ONU voltar seu olhar para a questão da mulher, desde o inicio da século XX, na década de 1910, durante a Conferência das Mulheres Socialistas, realizada em Copenhague, a líder socialista alemã, Clara Zetkin apresentou uma proposta que foi aprovada, para que fosse instituído um dia especial para celebrar anualmente as lutas e vitórias das mulheres quanto aos direitos trabalhistas, outros direitos civis, incluindo o direito de votarem e serem votadas, como forma de ocuparem posições e cargos nas estruturas de poder.

Um ano antes, em fevereiro de 1909, tanto nos EUA quanto em diversas países europeus ocorreram várias manifestações de massa nas ruas de diversas cidades como maneira de protestar contra formas discriminatórias e desiguais como as mulheres eram tratadas nesses países, principalmente no ambiente de trabalho.

No inicio de 1917, quando a Rússia passava por um período de grande agitação politica, grandes manifestações de ruas, as mulheres  socialistas e comunistas também tiveram um papel de destaque nesses movimentos que levaram `a eclosão da Revolução Bolchevique em outubro daquele ano e a implantação de um regime socialista/comunista naquele país.

Entre 1919 e o inicio da Segunda Guerra Mundial as lutas sociais e politicas se intensificaram na Europa e em diversas outros países e no seio delas também o movimento das mulheres, com suas pautas específicas, como o direito ao voto secreto e melhores condições de trabalho, igualdade de salário e outras mais que tiverem um grande impacto em conquistas futuras.

Durante o período da Segunda Guerra e no pós Guerra, com o advento da Guerra Fria, o movimento feminino, a luta das mulheres esteve muito identificado com pautas ideológicas e politicas, sem perder de vista suas especificidades e em vários países isto serviu para repressão por parte de governos conservadores que eram aliados do machismo e da exclusão das mulheres.

Com a instituição do DIA INTERNACIONAL DA MULHER pela ONU em 1975, a luta pelos direitos das mulheres passa a ser reconhecido internacionalmente e ganha mais um fôlego, passando a ter uma pauta mais abrangente incluindo os direitos civis, políticos, econômicos, culturais e sociais e também, um destaque para as questões do racismo, do machismo, da desigualdade e da violência contra as mulheres.

A cada ano a ONU estabelece um tema para servir de base para a reflexão durante as comemorações do DIA INTERNACIONAL DA MULHER. Em 2021 o tema escolhido pela ONU é “A mulher na liderança: conquistando um futuro igual em um mundo de COVID-19”.

Apesar da luta pelos direitos da mulher e diversas conquistas legais, o Brasil ainda está muito longe de ser uma referência neste aspecto. Segundo relatório da ONU, em 2016, nosso país ocupava a 92a. posição no ranking da desigualdade de gênero entre 191 países. Para a ONU este índice reflete as diferenças de gênero nos seguintes aspectos: a) empoderamento da mulher, tanto nos espaços públicos quanto privados; b) participação da mulher no mercado de trabalho; c) salário, renda e benefícios; d) nível de vida; e) situação de abandono e dependência econômica, financeira e patrimonial e, f) nível educacional.

No Brasil, além do DIA INTERNACIONAL DA MULHER, através da Lei 12.987, de 25 de Julho de 2014,  sancionada pela Presidente Dilma, foi também instituído o DIA DA MULHER NEGRA, a ser comemorado no dia de nascimento de Tereza de Benguela, líder quilombola, que viveu em Mato Grosso, no Século XVIII, em Vila Bela da Santíssima Trindade.

Neste contexto, devemos relembrar que as mulheres não representam uma “minoria” como muitas pessoas imaginam, mas sim a MAIORIA da população brasileira. Em 2020 a composição da população do Brasil era de 212,6 milhões de habitantes, sendo 48,2% homens (102,5 milhões de habitantes) e 51,8% mulheres (110,1 milhões de pessoas). Apenas para destacar, cabe ressaltar que do universo demográfico  do Brasil, as mulheres Negras representam 28% da população total (59,5 milhões de mulheres afrodescendentes) e este contingente representa 54,0% do universo feminino em nosso país.

Apesar das mulheres representarem mais da metade da população do Brasil e também representarem 52,5% do eleitorado brasileiro em 2020, a participação da mulher em cargos eletivos, como Câmaras Municipais, prefeituras, assembleias legislativas estaduais, governadores, deputados federais, senadores e Presidentes da República é insignificante e pouco representativa.

O empoderamento da mulher, um dos objetivos do desenvolvimento sustentável da ONU, para 2030 ainda está muito longe de ser realizado no Brasil e, dificilmente, nesta década será atingido. Do total de 9 mil vereadores eleitos em 2020, apenas 16% são mulheres, em 2016 eram 13,5%; ou seja, um crescimento de apenas 2,5% em quatro anos. Isto significa que, mantendo-se este mesmo cenário, as mulheres só vão conseguir ter a representatividade que o conjunto eleitoral indica em 54 anos, ou seja, nas eleições municipais de 2072 ou 2076.

Quanto `as mulheres Negras o “progresso” em relação ao empoderamento politico, a começar pelas câmaras municipais, o caminho e muito mais complexo, difícil e mais longo, considerando que, mesmo representando em torno de 30% do eleitorado brasileiro, são apenas 6,3% da composição das câmaras municipais e muito menos nas demais instâncias de poder.

Nas eleiçôes de 2020, em 948 municípios não foi eleita  nenhuma mulher para o legislativo municipal e em 1.800 municípios, incluindo alguns de porte médio ou até mesmo capital, apenas uma mulher foi eleita para a respectiva câmara municipal.

Em Cuiabá, capital de Mato Grosso, por exemplo, nas eleições municipais de 2016 nenhuma mulher foi eleita e em 2020 apenas duas vereadoras foram eleitos, em um universo de 25 vereadores, o mesmo pode ser observado em diversas municípios de porte grande, incluindo capitais, onde existe uma sub-representação das mulheres.

Quando se trata das prefeituras a sub-representação das mulheres é maior, ou seja, o desafio ainda é maior. A mesma sub-representatividade pode ser observada quanto às Assembleias Legislativas onde a participação feminina é muito pequena, como no caso de Mato Grosso, onde há décadas apenas uma ou as vezes duas deputadas são eleitas em cada legislatura para um total de 24 deputados estaduais.

No caso das eleições municipais de 2020, foram eleitos 651 prefeitas que representam 12% do total de municípios, sendo que das 96 maiores cidades/municípios do Brasil apenas 9 serão administradas por mulheres e das 26 capitais, apenas uma (Palmas, Tocantins) elegeu uma prefeita.

Também a representação feminina no Congresso Nacional, apesar de alguns avanços e alguns retrocessos, ainda é muito diminuta. Na Câmara Federal na atual legislatura tem assento 75 deputadas (14,6% daquela Casa de Leis) e no Senado 11 senadoras (13,6%), cabendo uma ressalva que a única senadora eleita por Mato Grosso em 2018, teve o mandato casado e, em seu lutar, um homem passou a ocupar aquela cadeira, portanto hoje são apenas 10 senadoras (a representatividade feminina caiu para 12,3% no Senado). Esta situação coloca o Brasil na 140a. posição no ranking da participação feminina no Legislativo Nacional, entre 191 países , segundo a UIP/ONU em 2020.

Além do aspecto do empoderamento politico das mulheres, cabe um destaque quanto `a participação da mulher em cargos de Gerente e Diretor em grandes empresas e conglomerados econômicos e financeiros, tanto privados quanto públicos. No caso do Brasil, apesar de diversas discursos enaltecendo a conquistas de espaços por mulheres nesses grandes conglomerados, percebe-se , na verdade uma redução. Em cargos de gerência em 2011 a presença feminina era de 39,5%; em 2016 foi de 37,8% e em 2020 caiu para 35%.

De forma semelhante, apesar de representar 52,6% da população ativa no Brasil, conforme dados do IBGE, em 2020 as mulheres representavam 53,4% da população desocupada; 53,7% da população subocupada; 55,2% da população subutilizada e 65,3% da população fora do mercado de trabalho.

O índice de desemprego entre as mulheres durante o ano de 2019 e primeiro trimestre de 2020 foram sempre acima dos índices correspondentes dos homens. No primeiro trimestre de 2019 desemprego Mulheres 14,9% , homens 10,9%; segundo trimestre de 2019 Mulheres 13,1%; homens 9,2% e no primeiro trimestre de 2020, antes da pandemia, mulheres 14,5% e homens 10,4%

Outro aspecto que demonstra o quanto o Brasil ainda esta longe de ser uma sociedade justa e mais igualitária, principalmente na questão de gênero, em 2020 o rendimento médio das mulheres era de 24,7% inferior ao rendimento médio dos homens.

Este fosso, distanciamento em termos de gênero, se mantém a despeito de outras características como cor e nível educacional. O maior distanciamento é entre uma mulher negra e um homem branco, em que a mulher negra ganha, em média, 85,1% a menos do que o homem branco. Mesmo a mulher branca ganha em media 37,9% a menos do que o homem branco e também a mulher negra ganha, em média, 26,5% a menos do que o homem negro, ocupando cargos e funções similares ou iguais.

Quando a variável é o nível educacional, a mulher sem instrução ganha 11,6% a menos do que o homem sem instrução e este desnível se acentua, por incrível que pareça, `a medida que o nível educacional se eleva, chegando a situação de que a mulher com nível superior completo ganha, em média 112,6% a menos do que o homem que tem nível superior completo. Não foi possível conseguir dados oficiais com os cruzamentos dos níveis educacionais versus cor e gênero.

No contexto do universo do trabalho em relação `a questão de gênero, cabe destacar que 92,1% dos empregados domésticos são mulheres e dessas, 94,1% são Negras e afrodescendentes. Esta é a ocupação que menos remunera as trabalhadores e onde boa parte dos direitos trabalhistas não são respeitados e cujo salário médio é de apenas um salário mínimo, que não é suficiente sequer para sustentar uma moradia com 4 ou 5 pessoas, como preceitua a legislação que instituiu o salário mínimo no Brasil na década de 1940.

Deve-se destacar também que a presença de mulheres, empregadas domésticas que são “chefes” de família é bem acentuada neste setor e isto também está umbilicalmente relacionada à condição de pobreza e outras formas de exclusão, onde a presença da mulher, principalmente, da mulher negra é uma constante, refletindo características de um período desumano de nossa história que foi a escravidão, cujas consequências ainda estão presentes no Brasil do Século XXI.

Dois outros aspectos fundamentais para melhor se refletir sobre a realidade do universo feminino em nosso país são as questões da saúde da mulher e da violência contra a mulher.

Mais de 75% da população brasileira depende, única e exclusivamente, do SUS para seus cuidados com a saúde e com toda a certeza este percentual é bem maior entre as mulheres, principalmente as mulheres Negras, que são as que recebem os menores e piores salários ou mesmo apoio de programas sociais.

Na questão da saúde da mulher, podemos tomar como exemplo a questão do câncer, onde o câncer de mama é um dos problemas mais sérios para as mulheres, com milhares de novos casos por ano e milhares de mortes a cada ano, por falta de diagnósticos precoces e tratamento adequado.

Segundo dados do INCA, entre 2020 e 2022 deverão ser diagnosticados por ano 316,3 mil novos casos de câncer entre as mulheres, sendo que a maior incidência é de câncer de mama, com 66.280 mil novos casos, ou 29,7% deste total.

Além das restrições de exames e consultas médicas durante o peróodo da pandemia do coronavírus para diversas outros problemas de saúde a população em geral e as mulheres em particular ainda enfrentam o sucateamento e caos em que de longa data caracteriza a saúde publica no Brasil.

Ora, para que o câncer de mama seja detectado é fundamental a existência de mamógrafos. Em 2020 o SUS tinha apenas 1,3 mamógrafo para cada 100 mil habitantes e, mesmo assim, a distribuição desses se concentrava, muito além da representatividade populacional, em estados das regiões Sudeste e Sul;  só o Estado de São Paulo tinha 402 mamógrafos enquanto toda a região norte tinha apenas 145, com destaque para o Estado do Amapá onde existiam apenas dois mamógrafos para o estado todo, ou seja, 0,36 mamógrafo para cada 100 mil habitantes. Esta é a condição quando se refere a um aspecto da saúde da mulher, o mesmo acontecendo em todas as dimensões desta realidade feminina, em se tratando de grandes massas de mulheres empobrecidas e excluídos social, econômica e politicamente.

Outro aspecto que sempre tem estado na “ordem do dia”, tanto no dia-a-dia do noticiário quanto e, principalmente, nas reflexões do DIA INTERNACIONAL DA MULHER é a questão da violência que tem se perpetuado ao longo de décadas.

Neste sentido gostaria de refletir sobre duas formas cruéis e abomináveis de violência contra a mulher que são o estupro e o feminicídio.

Segundo dados do site Gazeta Web e também da Folha/UOL de 11/09/2019, em 2018 ocorreram 66 mil estupros no Brasil e ainda de acordo com o Ministério Público do Paraná (MP/PR) matéria de 09/03/2020,  onde foi constatado que em 53,8% dos estupros as vítimas são de crianças e adolescentes (meninas) com até 13 anos de idade.

Ressalta-se que existe uma subnotificação dos casos de estupros e tentativas de estupros estimando-se que os registros representam apenas 20% da realidade, principalmente porque em 91,7% das cidades/municípios brasileiros não existe sequer uma Delegacia da Mulher e a falta desta estrutura de apoio inibe as vitimas de registrarem as ocorrências. Na realidade podemos estimar que a cada ano ocorrem em torno de 330 mil estupros no Brasil.

Em 2018 foram registrados 1.206 feminicídios, número que também não representa a totalidade dos casos, sendo que 60% das vitimas eram mulheres Negras ou afrodescendentes; 58% tinham entre 20 e 39 anos e, em 90% dos réus eram maridos, ex-maridos, namorados ou ex-namorados  que cometeram o feminicídio pelo simples fato da vítima ser mulher e o agressor julgar-se proprietário/dono da mulher e de seu corpo.

Apesar da existência de leis de proteção `a mulher, com destaque para a Lei Maria da Penha, a realidade ainda está bem distante para garantir não apenas os direitos das mulheres no papel, mas também a sua integridade física e a vida dessas mulheres vitimas de violência.

Enfim, enquanto muitas pessoas oferecem flores, belas mensagens em homenagem `as mulheres pelo DIA INTERNACIONAL DA MULHER, imagino eu, que é fundamental, imperiosa podermos realizar uma reflexão permanente e não apenas em um dia sobre a realidade em que vive a mulher brasileira, em suas várias dimensões, o que podemos e devemos fazer para que passamos, realmente, unir esforços e definirmos politicas públicas capazes, de fato, de promover a igualdade de gênero e o respeito à dignidade a todas mulheres.

Enquanto milhões de mulheres forem excluídos, social, econômica, cultural e politicamente, centenas de milhares continuarem sofrendo violência ou não usufruindo de todos os direitos que constam de nossa Constituição Federal e demais disposições legais, enquanto as mulheres, principalmente as mulheres pobres e negras continuarem como cidadãs de segunda classe, não podemos nos ufanar e dizer que vivemos em um pais na forma de um Estado de direito, com democracia verdadeira, com justiça, justiça social e igualdade para todos!

Este é, a meu ver, o significado do DIA INTERNACIONAL DA MULHER.

*JUACY DA SILVA, professor universitário, titular e aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy

 

Quarta, 24 Fevereiro 2021 10:18

 

 

****
 
Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
****

 
 
JUACY DA SILVA*
 

Sempre é bom a gente tentar entender a realidade atual que nos cerca, sem perder de vista a caminhada da história, os acontecimentos que marcaram a vida de países e de gerações, o surgimento dos conflitos, das guerras e as razões que levam alguns grupos a tentarem impor suas crenças, suas ideologias e suas visões de mundo, utilizando-se da violência institucionalizada, inclusive das armas para dizimar populações inteiras.

Costuma-se dizer que a Guerra é a demonstração cabal da intolerância, do ódio, enfim, da bestialidade humana. Campos de concentração, massacres de populações civis, tortura, uso de armas de destruição em massa, fornos crematórios, fuzilamentos e outras formas cruéis de tratar “inimigos”, até mesmo compatriotas, atestam muito bem os horrores das guerras, inclusive das guerras civis, apesar de que alguns teóricos imaginam que “a Guerra é a politica por outros meios”, pois tudo gira em torno do poder e também das ambições desmedidas.

Como a omissão, a passividade, a alienação e a conivência acabam gerando as catástrofes, como foi com o avanço do nazi-fascismo na Europa de antes da Segunda Guerra Mundial e em boa parte o que está acontecendo nos dias de hoje nos EUA, em vários países europeus e diversos outros, inclusive no Brasil,  com o avanço dos extremistas de direita, da violência institucionalizada e as ameaças `a democracia e ao Estado de direito.

O texto de Bertold Brecht continua muito mais atual do que estamos imaginando, basta pararmos um pouco para observarmos a violência institucionalizada e o poder do crime organizado, das milicias, enfim, de um verdadeiro estado paralelo, contra a população excluída e marginalizada, os negros, as minorias, as mulheres, as pessoas deficientes, onde o racismo, o machismo, a homofobia, o feminicídio, a disseminação dos discursos de ódio e de intolerância estão cada vez mais presentes em nossa sociedade, principalmente nas chamadas “redes sociais’.

A invasão recente do Congresso Americano, por uma grande massa de extremistas de direita, estimulados pelo então Presidente Trump, que tentavam impedir que em Sessão Constitucional os Congressistas americanos homologassem a vitória do Presidente Eleito Joe Biden e que acabou deixando 5 pessoas mortas, deve servir de alerta ao que eventualmente pode acontecer no Brasil em algum momento futuro.

O caso do Deputado Federal do PSL/RJ, Daniel Silveira é apenas a ponta de um grande iceberg que está minando e colocando em sério risco as instituições nacionais, a ordem democrática e o estado de direito.

Em seu relatório sobre a manutenção ou relaxamento da prisão  do referido parlamentar, a  Deputada Federal Magda Mofatto, relatora da matéria, ao apresentar seu parecer favorável `a aprovação e manutenção da prisão decretada pelo STF  e transcrever alguns trechos do vídeo/live postado pelo citado deputado em suas redes sociais, com linguagem extremamente chula, a mesma menciona que “Temos entre nós um deputado que vive de atacar a democracia e as instituições e transformou o exercício de seu mandato  em uma plataforma de propagação de discursos do ódio, de ataques `as minorias, da defesa de golpes de estado e de incitação à violência contra as autoridades públicas”. E que a defesa da imunidade parlamentar e de liberdade de expressão, não podem ser exercidas contra a democracia, contra o estado democrático de direito e com a falta de respeito às instituições.

Apesar do parecer da Relatora e do conteúdo antidemocrático e de ataque aos ministros do STF difundidos pelo Deputado Daniel Silveira, a votação no Plenário da Câmara Federal foi majoritariamente pela manutenção da prisão do mesmo, mas houve um número razoável de parlamentares que indiretamente fizeram coro com as aleivosias do referido parlamentar, quando 130 Deputados, de diversas partidos, a maioria conservadores e de direita e centro-direita, que representam quase um terço dos deputados presentes (26,2% de um total de 497 presentes), que aprovaram o conteído da “live” do Deputado que teve a prisão decretada pelo Ministro Alexandre de Moraes e homologada pelo Pleno (11 votos a zero) do STF e foi referendado por ampla maioria pelo plenário da Câmara dos Deputados dá a dimensão do problema politico e institucional.

Diversos ou com certeza a maioria desses parlamentares que votaram pela soltura do “colega” encarcerado são militares ou fazem parte do aparato de segurança dos Estados, são policiais estaduais civis, militares ou fazem parte de forças de segurança federais ou até mesmo pertencem ou pertenceram aos quadros das Forças Armadas e outros, civis, pertencem ou apoiam grupos radicais ideológicos de extrema direita e representam milhões de eleitores espalhados por diversas estados, inclusive Mato Grosso, onde, dos 8 deputados federais, três voltaram pelo relaxamento da prisão do colega encarcerado.

Diante do achincalhe, aleivosias, ataques, ameaças, difamação, com palavras chulas proferidas pelo citado Deputado, aos ministros do Supremo Tribunal Federal, a instituição maior do Poder Judiciário a quem cabe a interpretação e a guarda da Constituição Federal nos dá a dimensão do nível a que estamos chegando.

Em ocasião anterior um dos Filhos do Presidente Bolsonaro, deputado federal pelo Estado de São Paulo, em palestra no Estado do Paraná disse que para “fechar o STF bastava um jipe com um cabo e um soldado”, posteriormente um outro grupo bolsonarista atacou fisicamente, ao estilo Ku Klux Klan (KKK), com rojões e tochas o STF e em várias manifestações de apoiadores do Presidente, inclusive com a presença do mesmo, portavam cartazes e faixas pregando o fechamento do STF e do próprio Congresso Nacional, a intervenção militar/golpe de estado e a defesa do AI-5, o instrumento que representou o arbítrio, a censura, as prisões de opositores, a cassação de mandatos, a tortura e o fechamento do congresso, por quase duas décadas de governos militares no Brasil.

Não podemos também esquecer de uma “famosa” reunião do Presidente Bolsonaro, no Palácio do Planalto, com todos o seus ministros, o então ministro da educação, considerado um dos expoentes do grupo ideológico de apoio a Bolsonaro, disse de forma clara que, “ por mim, eu prendia todos esses vagabundos, a começar pelos do STF”, demonstra que a falta de respeito `as autoridades, ministros que integram a mais alta corte de justiça de nosso país, não mereceram, naquela ocasião o mínimo de respeito. Todos os presentes, inclusive o Presidente da República ouviram as aleivosias do então ministro da Educação e se calaram. Existe um proverbio que diz “quem cala consente”.

Isto demonstra que existe uma base de apoio de direita e extrema direita dentro do próprio Governo Bolsonaro e também nos aparatos de segurança e repressão do próprio estado brasileiro (considerando os estados federados e a União), que não se cansam de fustigar e denegrir tanto os partidos de esquerda, os movimentos sociais, as ONGs e, principalmente, o Poder Judiciário, assacando contra os Ministros da Suprema Corte (o STF). Isto é uma afronta contra a integridade física e moral dos ministros, contra a separação, a independência e harmonia entre os poderes e contribui sobremaneira para o enfraquecimento das instituições nacionais aos olhos do povo.

Voltando ao caso dos EUA, vale destacar que a  Ku Klux Klan é uma organização terrorista, integrada apenas por brancos, que surgiu nos Estados Unidos, na virada de 1865 para 1866, logo após a Guerra Civil Americana. Esse grupo foi criado para promover os ideais do supremacismo branco, ideais racistas, e a cultura do ódio e da violência, que se alinham com a ideologia da extrema direita, que promovem a segregação e o ódio contra negros e outras minorias, principalmente imigrantes, que ainda persiste agindo nos EUA na atualidade.

Durante décadas a KKK costumavam atacar e incendiar igrejas, residências ou estabelecimentos comerciais de negros, utilizando tochas e máscaras para encobrir os rostos.

No caso do Brasil, a conclusão a que se pode chegar é que existe um conflito muito mais sério e profundo de natureza ideológica, politico institucional e partidário do que podemos imaginar, cujas consequências podem ser altamente desastrosas para a paz social, a democracia e para as liberdades e os direitos civis, inclusive os direitos humanos.

Se nada for feito para pacificar o país, com toda certeza as eleições gerais de 2022, principalmente para Presidente da República, poderão ocorrer dentro de um clima de grande acirramento e de conflitos políticos, eleitorais e ideológicos com sérias consequências para as instituições e para o futuro do Brasil, incluindo a aventura de um golpe de Estado e a supressão das liberdades democráticas, a considerar a contaminação politica e ideológica que já existe no seio das Forças Armadas,  como relatado  nas revelações contidas no Livro recém publicado pelo General Vilas Boas, Comandante do Exército há pouco mais de 2 anos, quando afirma o “alerta/ameaça” que foi feito ao STF em relação a um julgamento de habeas corpus de Lula, naquela ocasião, com respaldo do Estado-Maior do Exército.

Com todo o respeito ao Autor do Livro, cabe, no entanto, destacar e realçar que as Forças Armadas, mesmo que o Presidente da República (que tiver sido eleito e estiver de plantão, por alguns anos, como Chefe de Governo e de Estado) seja o Comandante Supremo das Forças Armadas, essas são, pela Constituição Federal, Instituição permanente do Estado brasileiro e jamais um órgão deste ou daquele governo.

Todas as vezes que as Forças Armadas se desviam de suas funções constitucionais e se enveredam para o lado da politica partidária ou se alinham ideologicamente aos governantes de plantão, podem colocar em risco a estabilidade democrática e causar sérios danos ao país, a começar pela quebra da hierarquia e disciplina dentro da caserna que será contaminada pelo embate partidário, politico e ideológico.

Com certeza não vivemos mais nos tempos dos capitães do mato, quando os militares estavam a serviço dos donos do poder e das oligarquias que os apoiavam. O papel das Forças Armadas é muito mais nobre do que ficar se imiscuindo em disputas politicas, eleitorais e ideológicas, cabe `as mesmas a defesa da soberania, à garantia da Lei e da Ordem, a defesa da pátria, do território brasileiro e das instituições nacionais e contribuírem para a conquista e manutenção dos Objetivos Nacionais Permanentes, internamente e no contexto internacional
Quem viver verá!

Texto de Bertold Brecht:

“Primeiro levaram os negros não me importei com isso, eu não era negro. Em seguida levaram alguns operários, mas não me importei com isso, eu também não era operário. Depois prenderam os miseráveis, mas não me importei com isso porque eu não sou miserável. Depois agarraram uns desempregados, mas como tenho meu emprego, também não me importei. Agora estão me levando, mas já é tarde, como eu não me importei com ninguém, ninguém se importa comigo” Bertold Brecht 1898 – 1956.
 

 

 *Juacy da Silva, professor universitário, titular e aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy

Terça, 02 Fevereiro 2021 09:58

 


****

 
Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
****

JUACY DA SILVA*


A pandemia causada pelo coronavírus que, em seu inicio aqui no Brasil foi considerada uma “gripezinha” pelo Presidente Bolsonaro, até 31 de Janeiro de 2021 já infectou 102.853.080 milhões de pessoas e já causou a morte de 2.225.433 vítimas ao redor do mundo, continua presente e, em diversas países, inclusive no Brasil está quase fora do controle, a considerar tanto os novos casos e novas mortes a cada 24 horas quanto à falta de leitos de UTIs e até de oxigênio, provocando a morte de pacientes por asfixia, o que não deixa de ser uma verdadeira aberração e um crime hediondo, provocado pela incúria de gestores do sistema publico de saúde por não terem capacidade de prever os recursos para a gestão plena de hospitais, como aconteceu em Manaus e outras cidades do Estado do Amazonas e pode acontecer também em outros estados e cidades.
Apesar de que o número de pessoas infectadas tenha uma certa preponderância no que tange `as pessoas com 60 anos e mais, não se pode descartar o risco de infecção e até mesmo de mortes entre grupos populacionais em faixas etárias abaixo de 50 anos e acima de 20 anos.

Todavia, quando a variável são as mortes, em todos os países, praticamente sem exceção, mais de 70% ou em alguns casos chegando a mais de 80% dos óbitos ocorrerem entre grupos de idosos, principalmente acima de 70 anos. Além de idosos ou inclusive entre esses, o que tem sido observado também é a presença de outras comorbidades, principalmente doenças cardio e cerebrovasculares, diabetes, doenças respiratórias e renais que contribuem para o agravamento da situação de pacientes nessas condições e faixas etárias.

Mesmo que diversas vacinas já tenham sido aprovadas para uso emergencial ou algumas em caráter definitivo em alguns países e várias outras estão em processo de testes, o que se nota é que ainda não existem vacinas disponíveis em quantidade suficiente para a imunização sequer de todos os grupos de risco em todos os países, incluindo, profissionais de saúde que estão atuando direta ou indiretamente no que se chama de “linha de frente”, onde, inclusive, tem sido constatada, em números alarmantes, tanto a infecção quanto óbitos nesta categoria, provocando não apenas temor, medo de quem continua trabalhando arduamente enfrentando condições precárias de trabalho, como falta de máscaras adequadas, produtos de higiene e limpeza, medicamentos, respiradores, leitos de enfermaria e de UTIs , oxigênio ou até mesmo instalações adequadas, gerando um verdadeiro caos ou pandemônio em meio a esta terrível pandemia.

O cenário, em alguns locais, em diversas países, inclusive no Brasil é como uma Guerra, uma frente de batalha, doentes amontoados nos corredores, gente gemendo, familiares desesperados por noticias de seus entes queridos nas portas de unidades de saúde, de hospitais ou de necrotérios, ambulâncias retidas por falta de vagas com doentes em macas, jornadas extenuantes e falta de quadros profissionais.
Enquanto isso governantes posam para tirarem fotos junto aos primeiros vacinados, quando existem diversas perguntas que esses governantes, verdadeiros enganadores, demagogos não conseguem responder como continua acontecendo no Brasil.  Onde foram parar milhões ou bilhões  de reais de recursos financeiros, equipamentos e produtos super faturados? O que foi feito com esses criminosos de colarinho branco que roubam recursos escassos da saúde pública? Por que não tiram fotos em frente a pilhas de caixões que nem os familiares podem abrir para se despedirem?

Três países disputam os primeiros lugares neste campeonato macabro em número de casos: Estados Unidos, que durante mais de um ano de pandemia tinha como presidente um negacionista que debochava da pandemia e do coronavírus (Trump) registrou até 31 de janeiro de 2021 nada menos do que 26,2 milhões de casos (25,5% dos casos no mundo, apesar  de os EUA terem apenas 4,3% da população mundial); em segundo em número de casos desponta a Índia com 10,7 milhões de casos ou 13,4% do total mundial, em que pese que aquele país conte com 1,38 bilhões de habitantes o que representa 17,7% da população mundial.
E na terceira posição, bem distante do quarto lugar, vem o Brasil com 9.2 milhões de casos ou 8,9% dos casos quando nossa população corresponde apenas 2,7% do total mundial. O quarto lugar é ocupado pelo Reino Unido, com 3,8 milhões de casos ou 41,4% dos casos registrados no Brasil, em que pese que aquele país represente apenas 32% da população brasileira.

Quanto ao Reino Unido cabe destacar que no inicio da pandemia o primeiro ministro Boris Johnson tinha uma postura totalmente negacionista e sempre que podia minimizava o tamanho e a gravidade do problema e acabou pagando o preço de seu negacionismo, tanto pessoalmente quando contraiu o coronavírus e teve que ser internado quanto na situação em que estive o país na primeira onda e o sufoco em que se encontra atualmente no auge da segunda onda e das novas variantes do vírus.

Quanto ao número de mortes, o total mundial até este último dia de janeiro de 2021 atingiu 2,22 milhões de vítimas. Os EUA ocupam também o topo quanto ao número de mortes 440,9 mil, número maior do que as mortes de soldados americanos na primeira e na segunda Guerras mundiais; na Guerra da Coréia e na Guerra do Vietnã.

Enquanto a COVID 19 já matou 440,9 mil pessoas nos EUA em pouco mais do que um ano, todas as guerras mencionadas duraram entre 4 a 10 anos. Segundo fontes do Governo Biden, a expectativa é de que até final deste ano de 2021, mesmo com o incremento da vacinação, o coronavírus deverá provocar mais de 630 mil mortes, número também maior do que a mais cruel Guerra em que os EUA se envolveram que foi a Guerra civil, durante 4 anos de abril de 1.861 ate abril de 1865, quando 620 mil vidas foram estupidamente ceifadas em uma Guerra fratricida.

No caso do Brasil, apesar de ser o terceiro país em número de casos, há quase um ano ocupa o triste segundo lugar em número de mortes, tendo sido registrados até o último dia de janeiro de 2021 nada menos do que 223,94 mil mortes. Tanto o número de casos quanto de óbitos provocados pelo coronavírus há mais de um mês tem sido acima de 50 mil casos e mais de 1,200 mortes diárias, chegando em alguns dias a mais de 1.500 mil óbitos diários, o que não deixa de ser preocupante, alarmante ou até mesmo desesperador como acontece há mais de um mês em Manaus e outras cidades.

Isto pode servir de base para que seja elaborado um cenário,  mesmo com o inicio muito lento e tímido da vacinação, que dentro de três meses teremos mais de 12 milhões de casos e mais de 310 mil mortes, o que é uma situação muito triste, número maior do que a soma de todas as mortes por assassinatos, acidentes automobilísticos, suicídios, acidentes de trabalho e domésticos.

O pior em toda esta situação é que ainda temos muitas autoridades de forma direta ou indireta boicotando a campanha de vacinação, parece que torcendo para que mais gente seja infectada e venha a morrer e também boa parte da população que, mesmo diante de tanto sofrimento, morte, falta de recursos médicos e hospitalares e noticias da imprensa demonstrando a gravidade da situação, parece  que ignoram a  velocidade de como o coronavírus se espalha e a letalidade do mesmo, principalmente para os grupos de risco, principalmente as pessoas idosas e com comorbidades.

O próprio Presidente da República, há poucos meses declarou explicitamente que o Brasil ou melhor, seu governo, não iria comprar a vacina chinesa (da Coronavac em parceria com o Butantan), chegando, inclusive, a desautorizar o seu próprio Ministro da Saúde, General Pazuello, obrigando-o a voltar atrás e cancelar uma promessa de compra de 46 milhões de doses da vacina junto ao Instituto Butantan , depois de dizer abertamente a todos os governadores que iria comprar, tendo que cancelar o compromisso.

Todavia, de forma contraditória, coube ao Governo Federal firmar contrato de exclusividade para a compra de 100 milhões de doses da vacina do Butantan, como se diz, usando sinais trocados. O que o governo fala um dia, pela boca do Presidente, acaba mudando de posição na primeira oportunidade, isto gera dúvidas e falta de orientação para outros níveis de governo e da população.

Durante vários dias e semanas o Governo Federal tentou desacreditar a eficácia da vacina do Butantan, chegando o presidente a dizer que se alguém tomar a vacina e sendo homem vai ficar falando fino ou alguém pode virar jacaré, ou que a vacina não pode ser obrigatória, lançando dúvidas na cabeça do povo, mesmo assim, pesquisas de opinião pública continuam indicando que mais de 70% ou até 80% em alguns estados e grupos demográficos que essas pessoas desejam e irão tomar a vacina, tão logo a mesma esteja disponível.

Apesar de que o Presidente Bolsonaro há alguns dias tenha falado abertamente que o Brasil é o sexto país em termos de imunização/vacinação, isto não é verdade, tanto em número de doses aplicadas quanto do percentual de pessoas vacinadas em relação à população total do país, comparativamente com outros países, neste final de janeiro, bem depois da declaração do Presidente, ocupamos um dos últimos lugares, o 43a. posição, com pouco mais de 2,05 milhões de pessoas vacinadas, ou seja, apenas 1% da população total ou 1,27% da população com 18 anos ou mais ou então apenas 2,6% do total de pessoas que são classificadas como grupos de risco (idosos acima de 60 anos, pessoal da área de saúde e pessoas com as diversas comorbidades), que atingem 80 milhões de pessoas, o que demandaria pelo menos 160 milhões de doses de vacina, algo muito longe de ocorrer nos próximos meses.

O Brasil só começou a vacinação, mesmo que de forma lenta e sem previsão exata da disponibilidade de vacina para todos os integrantes de grupos de risco, após mais de 46 países terem dado inicio a imunização, o que não deixa de ser um fiasco para um país que tanto se orgulho de seu potencial e projeção econômica no cenário mundial (em termos de PIB o Brasil foi em 2019 a nona economia).

Apesar da propaganda dos diversas níveis de governo e também por parte da maioria dos veículos de comunicação incentivando a população a se vacinar, o fato concreto é que o  Brasil é dependente tecnologicamente nesta e em diversas outras áreas importantes e estratégicas (por jamais ter tido um plano de longo prazo e não ter investido o suficiente em  educação, ciência e tecnologia) de outros países para a importação dos insumos necessários `a produção de vacinas, inclusive em relação `a covid-19, seja no Instituto Butantan ou na FIOCRUZ e existe uma certa escassez  a nível mundial tanto de vacinas quanto desses insumos e outros produtos e também considerando a desorganização, falta de uma coordenação nacional mais efetiva por parte do Governo Federal e também a uma verdadeira Guerra politica, eleitoral e ideológica entre o governo federal e alguns governos estaduais, principalmente o Governador de São Paulo, possível adversário de Bolsonaro em 2022, dificilmente a população brasileira, nem mesmo todas as pessoas dos grupos de risco, conseguirão se imunizar até meados deste ano. Vivemos um verdadeiro pandemônio em meio a uma das piores pandemias de que se tem notícia na história do pais.

Tendo em vista a velocidade da transmissão do coronavírus, o surgimento de novas cepas, variantes ou enfim, mutações que estão sendo observadas, constatadas, estudadas e também ao caos em que se encontra a saúde pública brasileira, que já era enorme e tornou-se pior com o advento da pandemia, com tendência de piorar nos próximos meses, mais o descaso da maioria da população quanto `as medidas e recomendações das autoridades sanitárias quanto à biossegurança, a situação da pandemia do coronavírus no Brasil pode, com alta probabilidade de ocorrer, atingir patamares incontroláveis como o que está acontecendo nos EUA e em alguns países europeus e de outras regiões, fruto da combinação desses fatores, aliados ao negacionismo tanto por parte do Governo Federal quanto de diversas outros entes e níveis governamentais e boa parte do setor empresarial, ávido por seus lucros.

Aqui cabe uma ressalva importante, uma coisa são as aglomerações com a finalidade de “curtir”, de se divertir em praias, festas privadas, clandestinas, comemorações em família; outra coisa bem diferente, mas que acarreta as mesmas consequências é a necessidade da grande massa de trabalhadores, seja dos setores essenciais ou de outros não essenciais, mas que continuam trabalhando “normalmente”, tendo que se locomover em sistemas de transportes urbanos sucateados, amontoados em trens, ônibus, metros sem possibilidade de qualquer distanciamento social, aumentando sobremaneira a possibilidade de novos contágios e transmissão do vírus, já que o Brasil continua sendo um dos países que menos testes para covid-19, por milhão de habitantes, realiza no mundo.

Além disso, fica difícil manter isolamento social ou promover higienização pessoal para milhões de famílias pobres, miseráveis que vivem em favelas, casas de cômodos, palafitas ou outras formas precárias e sub-humanas de “habitação”, com cinco ou seis pessoas em um ou dois cômodos, em vielas estreitas, casas que não tem ventilação, sem esgotamento sanitário e, as vezes, até sem água potável. Isto também contribui para a proliferação da pandemia e o aumento de casos da covid-19 e das mortes, conforme dados estatísticos tem demonstrado que esses grupos populacionais são os que mais demandam atendimento no Sistema único de Saúde (SUS), onde o sucateamento e precariedade são gritantes.

Enquanto a população pobre, miserável, sem emprego, sem renda sequer para comprar comida, vive este drama, os nossos governantes, marajás da República, quando contraem o coronavírus, rapidamente se deslocam para São Paulo `a procura de atendimento em hospitais de primeira linha, cujas diárias nesses hospitais correspondem a mais de 15 ou 20 meses de “auxílio emergencial’ de R$600,00 , que em determinado momento foi considerado muito alto e cortado pelo Governo Bolsonaro pela metade, tendo se encerrado no final do ano.

Outro aspecto importante que contribui para o agravamento da situação da pandemia do coronavírus no Brasil é a falta de empenho direto do Presidente da República e de seu ministro da saúde em planejar, articular, coordenar e liderar todas as ações relacionados com o enfrentamento à pandemia, como acontece com mandatários de outros países, cujo melhor exemplo pode ser mencionado o empenho do recém empossado Presidente dos EUA, Joe Baiden, que deu um novo rumo no combate da covid 19 naquele país.

Este fato, ou seja, falta de protagonismo do Governo Federal e o próprio Presidente Bolsonaro, contribui para que governadores e prefeitos, principalmente  das capitais e grandes cidades ocupem esses espaços e o resultado é um Sistema totalmente caótico, com desperdício de recursos, corrupção e um “bate cabeças”, todos, sem exceção tentando usar o combate `a pandemia como plataforma para ganhos políticos, eleitorais e partidários, como aconteceu nas eleições recentes para as prefeituras e, certamente, deverá ocorrer a partir de agora em função das eleições gerais de 2022.

Este é o lado triste de toda esta história, o uso politico, ideológico e eleitoral do sofrimento do povo, principalmente dos pobres, excluídos. E aí também podemos incluir o debate e embate relacionados com o auxílio emergencial, que, em determinados  momentos, as necessidades imediatas da população que mais sofre com a pandemia, inclusive que tem aumentado  os níveis e índices de pobreza, de miséria e de fome, sendo colocado em um lugar secundário em nome do equilíbrio das contas públicas e do teto dos gastos.

Para esses políticos, gestores e governantes a fome, a miséria, o desemprego e o sofrimento humano de milhões de brasileiros pouco contam tanto em relação aos seus projetos pessoais ou de grupos quanto na manutenção de seus privilégios. O povo é visto apenas enquanto eleitores que lhes darão acesso e manutenção do poder e das benesses que daí advém.
Este é o retrato da realidade em relação ao avanço do coronavírus no Brasil, bem distante tanto da propaganda oficial quanto do descaso por parte da população, lamentavelmente! Estamos nos aproximando de uma situação em que a melhor solução pode ser a do “salve-se quem puder”.

Diversos analistas tem concluído que a derrota de Trump para Biden, deveu-se, fundamentalmente, à forma negligente e negacionista (a mesma seguida por Bolsonaro) como o mesmo tratou/administrou a pandemia do coronavírus nos EUA e que acabou fugindo totalmente do controle do governo e da população. Este foi o preço pago por seu negacionismo.

Há quem diga que isto também poderá acontecer em breve no Brasil, se bem que até 2022, espera-se  que a covid-19 seja algo do passado, mas suas consequências humanas, econômicas, sociais e politicas permanecerão por vários anos, podendo afetar politicamente a realidade e ter reflexos profundos nas eleições gerais de 2022 e nos anos seguintes. Quem viver verá!

JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, articulista/colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy

Quarta, 20 Janeiro 2021 08:29

 


***


Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
****


JUACY DA SILVA 

Nesta quarta feira, 20 de Janeiro de 2021, finalmente, tomarão posse o 46º presidente eleito Joe Biden e sua Vice Kamala Harris, pondo fim a um período tumultuado da vida politica e das relações sociais nos EUA, liderado pelo controvertido Donald Trump, um ou Talvez o maior expoente da direita e extrema direita tanto nos EUA quanto ao redor do mundo.

Quando de sua vitória nas primárias do Partido Democrata e homologação de sua candidatura a Presidente, Biden construiu uma Plataforma, unindo praticamente as diversas propostas de outros candidatos e candidatas, de todos os matizes filosóficos e ideológicos do Partido Democrata, possibilitando, assim que seu Partido, apesar de uma acirrada disputa  interna, durante meses em que ocorreram as “primárias”, continuasse unido com um único propósito, derrotar Trump que buscava a reeleição e recolocar um presidente democrata na Casa Branca, o que acabou acontecendo.

O seu slogan tanto nas primárias quanto após ser escolhido candidato do Partido Democrata bem representa as ideias, valores e propósitos que o levaram a obter a maior vitória tanto em termos de votos populares, mais de 81,2 milhões de sufrágios, quanto no Colégio Eleitoral, 306 votos, bem mais do que o mínimo necessário para homologar sua vitória rumo a Casa Branca, que são 270 sufrágios naquele colegiado.

O seu slogan trazia uma mensagem de fé, de esperança e confiança em relação ao future, ao estabelecer, de forma simples, o que a maioria da população norte americana desejava e deseja: Reconstruir melhor o país e contribuir para um mundo melhor, em inglês “Build back better”.

A ideia é reconstruir um país, não apenas em suas estruturas físicas e econômicas, mas principalmente em suas relações políticas, sociais, humanas e institucionais. Todos sabemos que, historicamente, os EUA,  desde a Guerra Civil  que durou de 12 Abril de 1861 até 09 de Abril de 1865, tendo deixado um saldo de 620 mil mortos (algumas estimativas de estudos mais recentes indicam que as mortes podem ser bem superiores, entre 850 mil e 1,2 milhão de pessoas que perderam a vida em uma das guerras mais fratricidas que o mundo já assistiu) e em torno de 476 mil ou mais feridos. Estima-se que entre mortos, feridos e prisioneiros a Guerra civil americana afetou diretamente próximo a 1,8 milhões de pessoas.

Considerando que a população dos EUA em 1.860 era de apenas 31,4 milhões de habitantes aquela Guerra afetou diretamente 5,7% da população daquele país. Apenas para efeito comparativo, em 2020 a população dos EUA era de 331 milhões de habitantes, uma Guerra como a que ocorreu entre 11 estados do Sul que pretendiam separar-se da União e constituir em um país independente, baseado no racismo estrutural e na escravidão, isto significa que uma Guerra com aquela afetaria hoje nada menos do que 18,9 milhões de pessoas, número superior do que a soma de todas as perdas americanas em todas as guerras em que participou ao longo de mais de um século e meio desde então.

Com certeza, boa parte dos conflitos internos, do racismo estrutural, da violência institucional, social e politica e da pobreza que ainda persistem nos EUA até os dias de hoje, em que os últimos acontecimentos que culminaram com a invasão do Congresso americano há poucos dias, por extremistas de direita e de extrema direita, instigados por um discurso falso e de ódio de Trump, insistindo que venceu as eleições, quando o Congresso estava iniciando a sessão conjunta para conferir os votos do Colégio Eleitoral e proclamar, como ato final, a vitória de Joe Biden e Kamala Harris como os próximos presidente e vice-presidente dos EUA, tem sua origem, não apenas no radicalismo politico e ideológico de Trump e de seus seguidores de direita e extrema direita, mas com certeza no divisionismo e violência antes, durante e muitos anos após o término da Guerra civil, há mais de um século e meio, incluindo o assassinato de A. Lincoln em pleno exercício da Presidência.

Parece uma ironia da história, quando da Guerra civil os 11 Estados do Sul eram “comandados”, governados pelo Partido Democrata e os Estados do Norte, a União pelos republicanos, cujo expoente máximo era exatamente A. Lincoln.

Basta um exemplo de como a divisão do Congresso persiste ao longo de séculos. Em 08/06/1868, três anos após o assassinato de A. Lincoln, o Senado dos EUA aprovou a emenda 14 `a Constituição Federal, com 33 votos a favor e 11 contra, sendo que todos os senadores democratas voltaram contra e todos os republicanos voltaram a favor daquela emenda, que impedia que Estados pudessem legislar estabelecendo medidas que atentassem contra a vida, a liberdade e os direitos civis dos americanos natos ou naturalizados residindo em qualquer estado americano.

É interessante notar como o racismo estrutural permeia a politica americana. O democrata, vice presidente da rebelião sulista (confederados) Alexander A. Stepens, da Georgia, em 1861,  assim declarava: “ Nosso governo (dos confederados, democratas) baseia-se na grande verdade de que o negro não é igual ao homem branco (social, cultural, institucional e politicamente) ou seja,  para os escravocratas de então e os racistas da atualidade, o negro, afrodescendente não pode ter os mesmos direitos, como aconteceu e ainda acontece, mesmo após mais de século e meio da abolição da escravidão. Talvez ai esteja uma das origens do racismo estrutural que ainda hoje está presente nos EUA.

O período da reconstrução do país de 1863 até 1877, dizimado pela Guerra Civil,  foi um dos períodos mais significativos da história americana, assemelhando-se muito com o que aconteceu durante final dos anos 50 e a década de 60, quando das grandes marchas, lideradas por Martin Luther King contra o racismo e pelas liberdades e direitos dos afrodescendentes, novamente acessas no decorrer do governo Trump e que contribuíram diretamente para a eleição de Biden/Harris, esta a primeira mulher de origem Indiana e negra a ocupar o segundo posto mais importante da politica americana, dando, como alguns analistas assim pensam, continuidade das politicas sociais e de resgate dos direitos humanos implementadas pelo Governo Obama, o primeiro negro eleito presidente dos EUA.

Entre 1863 e 1884, por seis mandatos consecutivos, o Partido Republicano dominou a politica dos EUA e ocupou ininterruptamente a Casa Branca, solidificando-se como um partido mais aberto `as mudanças, enquanto os democratas continuavam arraigados ao conservadorismo oriundo do período escravagista e dominavam os estados do sul.

Nas últimas décadas o Partido Republicano tem hegemonia em praticamente todos os estados do Sul e do meio Oeste, enquanto os Democratas são maioria em diversas estados do leste, noroeste e oeste dos EUA. Olhando o mapa dos EUA em cores, o vermelho representa os republicanos e azul os democratas, pode-se perceber facilmente esta divisão.

Atualmente,  o Partido Republicano é o porta-voz do conservadorismo social, econômico, politico e ideológico nos EUA, dando guarida a grupos mais radicais `a direita e extrema direita, os quais defendem a posse e porte irrestrito de armas, o estado mínimo, o liberalismo econômico e fiscal, pautas de costumes conservadoras; enquanto os democratas advogam uma pauta mais liberal, tanto em relação aos costumes, passando pela economia e quanto ao papel do Estado enquanto instância para reduzir as desigualdades econômicas e sociais, a defesa do meio ambiente, a proteção dos trabalhadores, saúde publica e universal.
As ações do Governo Biden/Harris tem duas vertentes, em termos de politica: externa e interna, em ambas serão ações bem diferentes, radicalmente diferentes do período Trump.

Em relação à politica externa, enquanto Trump buscou fortalecer os EUA no isolacionismo e uma crítica exacerbada aos organismos internacionais e aos pactos e acordos globais ou regionais que foram implementados nos 8 anos de governo Obama; Biden/Harris e o partido democrata já sinalizaram que os EUA buscarão fortalecer os organismos internacionais, ampliando a participação direta dos EUA nessas organizações; e apoiarão pactos e alianças regionais como o retorno dos EUA ao Acordo de Paris, que deverá ser uma das primeiras decisões do novo governo, a retorno das discussões quanto ao Bloco Transatlântico, entre os EUA, Canadá e a União Europeia, como estratégia de fortalecimento de um mercado comum e uma forma de frear o expansionismo da China.

Neste particular, em relação à China, o Governo Biden terá menos retórica nacionalista, que de prático poucos ganhos trouxe aos EUA, mas sim uma visão e prática mais pragmáticas, com ganhos mútuos e, ao mesmo tempo, os EUA fortalecerão pactos regionais e acordos bilaterais com países asiáticos, como forma de reduzir a dependência daqueles países em relação `a China e também, o fortalecimento politico, estratégico, econômico e militar na região.

O governo Biden/Harris implementará politicas bilaterais importantes com potências regionais e ou emergentes, tanto na Ásia quanto na África e Oriente médio, principalmente com a Índia, Indonésia, Coréia do Sul, Japão e Rússia.

Os grandes desafios estratégicos continuarão sendo o controle de armas de destruição em massa, a questão da nuclearização da Coréia do Norte, do Irã e também dos misseis balísticos intercontinentais, de longo e médio alcance.

A questão dos oceanos, a livre navegação e segurança das rotas marítimas também fazem parte tanto de uma estratégia de contenção da China e de outras possíveis potências militares quanto de fortalecimento do comércio internacional e de projeção de poder por parte dos EUA.

No aspecto de apoio e fortalecimento dos acordos internacionais cabe destaque `a OTAN, que durante o mandato de Trump foi duramente criticada, mas que para Biden reveste-se de uma forma de conter o expansionismo e intervencionismo Russo na Europa e Eurásia.

No que concerne ao programa espacial durante o Governo Biden estão previstas medidas e ações que possibilitem aos EUA a retomada da hegemonia espacial e para tanto é importante o fortalecimento e a modernização da NASA e de outros organismos estratégicos militares e espaciais.

A politica interna representa, talvez, o maior e mais imediato desafio para o governo Biden/Harris, a começar por uma postura mais proativa e efetiva por parte do Governo Federal, em articulação com os governos estaduais e os governos locais para o combate mais eficaz e decisivo à pandemia do coronavírus.

A meta imediata, já anunciada por  Biden é de vacinar CEM MILHÕES de pessoas nos primeiros CEM DIAS DE GOVERNO, além de outras medidas emergenciais de apoio aos trabalhadores, aos desempregados, aos pequenos e médios empreendedores/empresários, aos governos locais e diversas categorias de trabalhadores. Para isso há poucos dias Biden anunciou um pacote de US$1,9 trilhão de dólares, sendo mais de US$400 bilhões de dólares para o enfrentamento da COVID-19, com repercussão direta na economia do país.

Além deste pacote emergencial, Biden comprometeu-se a, tão logo tomar posse encaminhará ao Congresso, que a partir de sua posse terá maioria democrata nas duas casas, já que o Partido Democrata conquistou as duas vagas que estavam em disputa, em segundo turno, no Estado da Geórgia, ficando o Senado com 50 senadores para cada partido e como a presidência do Senado nos EUA é exercida por quem é vice-presidente do País e, neste caso, o mesmo será presidido pela atual senadora e vice-presidente Eleita (do Partido Democrata) Kamala Harris.

O plano a ser encaminhado por Biden ao Congresso teve suas linhas gerais e principais aspectos aprovados pela convenção do partido democrata e abordará questões fundamentais , fiel à sua plataforma de campanha “Reconstruir melhor”.

Entre esses aspectos estão:  um novo acordo voltado ao meio ambiente (Green New Deal), como a retirada e maior taxação sobre combustíveis fósseis; incentivos `as fontes de energia limpa, como solar, eólica e outras; combate `as mudanças climáticas, incluindo tanto medidas internas quanto apoio a medidas internacionais que visem combater as mudanças climáticas e reduzir a poluição do ar, dos solos e das águas, incluindo a poluição dos oceanos e o desmatamento das florestas tropicais ao redor do mundo.

A grande aposta do Governo Biden será na Economia Verde, possibilitando a geração de mais de 20 milhões de empregos e investimentos de mais de US$17 trilhões de dólares.

Outra proposta e frente de ação será no combate à violência interna e no racismo estrutural, incluindo a reforma das forças policiais como mecanismo de redução da violência policial, principalmente contra a população afrodescendente e imigrantes, estopim das varias manifestações de rua nos últimos anos nos EUA.

Correlata a esta politica, faz parte também das propostas de Biden/Harris, a definição de uma politica imigratória mais racional e humana, como forma de evitar tantas injustiças e arbitrariedades ocorridas ultimamente.
Diferente de Trump que tentou, de todas as formas, acabar com o OBAMA CARE, Biden propõe a ampliação da atuação na área da saúde que possa ser acessível a todos, de forma universal.

As áreas de educação, da ciência e da tecnologia devem ganhar destaques no Governo Biden como forma de melhorar a qualidade da educação americana, principalmente em relação a diversas países, cujo desempenho tem sido bem superior aos EUA.

Essas três áreas representam a possibilidade também de melhorar a qualidade da mão-de-obra americana e aumento em produtividade para a economia e avançar em setores estratégicos como o militar, o espacial, da biotecnologia, da inteligência artificial, da robótica e, principalmente em relação à internet 5 G e as novas fronteiras do conhecimento.

Quando se fala em reconstrução, logo vem à mente das pessoas, a reconstrução física e, neste aspecto, o plano de governo de Biden/Harris terá um amplo impacto na recuperação de obras de infraestrutura federal e de apoio aos Estado nesta mesma área, incluindo infraestrutura urbana.

Cabe destaque em termos econômicos a proposta de Biden para elevar o salário mínimo federal dos atuais US$7,25 dólares por hora para US$15,00 dólares por hora, cabendo um esclarecimento de que o atual salário mínimo federal está congelado desde 2009, ou seja, ao longo desses últimos 12 anos houve uma grande perda do poder aquisitivo dos trabalhadores que ganham apenas o salário mínimo e isto tem empurrado milhões de trabalhadores para abaixo da linha de pobreza estabelecida pelo próprio governo federal.

Enquanto os republicanos e grupos conservadores criticam tal proposta, Biden justifica a mesma dizendo que isto vai reduzir um pouco a concentração de renda, as injustiças e iniquidade social e, ao mesmo tempo, vai colocar mais dinheiro diretamente nas mãos de milhões de famílias que irão aquecer o mercado interno e estimular a economia.

Outra área importante, também inserida no contexto da saúde coletiva é a prevenção, tratamento e recuperação de dependentes químicos, além de um combate mais efetivo ao narcotráfico e crime organizado, principalmente nas grandes e médias cidades.

Enfim, Joe Biden e Kamala Harris tomam posse em meio ao um país extremamente dividido, com ameaças internas e também externas, mas com uma grande esperança tanto de pacificação internamente no país, quanto ao fortalecimento de laços de cooperação, de negociação como mecanismos de resolução pacífica dos conflitos, onde o papel dos organismos internacionais, como a ONU e seu Conselho de Segurança, a OEA e suas congêneres em outras regiões do planeta devem desempenhar papel fundamental.

Esta é mais uma diferença entre os governos de Trump, que satanizou os organismos internacionais e pautou a atuação internacional dos EUA pelo isolacionismo e um nacionalismo obsoleto e o governo Biden, mais pautado pelo dialogo, fruto de sua experiência de 36 anos como senador, 12 dos quais como presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado americano e também seus 08 anos como vice presidente do Governo Obama, onde e quando desempenhou importantes papeis de negociador internacional representando os EUA.

Mesmo com tanto entusiasmo, a fé e a esperança em dias melhores para os EUA de Biden. Harris, do Partido Democrata e de mais de 80 milhões de eleitores, cabe ressaltar que também politicamente os EUA estão muito divididos neste momento. No Senado são 50 senadores para cada partido; na Câmara Federal os democratas tem 224 deputados e os republicanos 221; quanto aos governadores, 27 são republicanos e 23 democratas; dos senadores estaduais os republicanos tem 1088 e os democratas 884 e dos deputados estaduais os democratas tem 2638 e os republicanos 2773. Isto demonstra que a disputa e luta politica tanto para a Câmara Federal cujas eleições ocorrem a cada dois anos e também as disputas para governadores , senadores estaduais e deputados estaduais vai ser uma verdadeira Guerra, de um lado os democratas tentando ampliar a maioria no senado e de outro os republicanos tentando retomar o controle da politica estadual em diversas estados como forma de retomarem a Casa Branca nas próximas eleições presidenciais, com Trump ou com alguém que possa derrotar os democratas.

Como estratégia de ampliar a representatividade de diversas grupos que o apoiaram e foram decisivos para a eleição o Governo Biden/Harris é o que mais mulheres, negros, Negras, descendentes de imigrantes estarão em altos postos, no comando de cargos estratégicos neste governo que se inicia.

Por isso, mesmo em meio ao maior esquema de segurança jamais visto, que foi criado para garantir a posse de um presidente dos EUA, esta quarta feira pode representar o fim de uma era, mas não do trumpismo e o início de um novo momento de esperança, fé e confiança no futuro dos EUA, com impactos tanto no contexto interno quanto internacional, incluindo o fato de que diversas governos e movimentos de direita e de extrema direita, como de Bolsonaro no Brasil e em outros países, sentir-se-ão como órfãos a partir de agora!

Em um outro momento pretendo realizar uma reflexão/análise sobre o Governo Biden/Harris e suas relações com a América Latina, com destaque para as relações entre EUA e Brasil, já que o alinhamento automático, quase subserviência do Governo Bolsonaro a Trump não terá mais lugar.


JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy

Segunda, 11 Janeiro 2021 10:11

 


***

 
Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
****



JUACY DA SILVA*
 

“Após meses de isolamento, casal sai para cortar cabelo e morre de Covid-19” Fonte: Site CNN (EUA) 30/12/2020 Simret Aklilu, da CNN. “Visita de Papai Noel com Covid-19 provoca 18 mortes em lar de idosos na Bélgica. 121 moradores e 36 funcionários foram infectados no começo de dezembro no asilo localizado na Antuérpia.” Fonte: Site G1 Globo, 27/12/2020.

“Pelo menos 46 idosos foram diagnosticados com Covid-19, em um surto de contágio registrado em um asilo no município de Cantagalo, na Região Serrana do Rio de Janeiro. Até o momento, quatro pessoas morreram”. Fonte: CNN Brasil 30/12/2020.

Essas são apenas três noticias, várias histórias de vida, sofrimento e morte, dentre milhares ao redor do mundo e também no Brasil, onde e quando pessoas infectadas com a COVID-19, sem saberem que estão contaminadas com o CORONAVIRUS ou até mesmo sendo assintomáticas, não se resguardam, ou não são orientadas e assistidas como no caso de idosos, muitas das quais não usam máscaras, não mantem o distanciamento social de dois metros, não higienizam as mãos e acabam sendo contaminadas e também contaminando outras pessoas, principalmente idosos/idosas e outras integrantes dos vários grupos de risco.

Essas pessoas, ao lado da negligência dos poderes públicos, na verdade, são os agentes do sofrimento, das desgraças e das mortes que continuam dizimando milhões de pessoas ao redor do mundo e o Brasil também está nesta mesma situação e faz parte desta triste e lamentável realidade.

Não bastasse o descaso de governantes, que negam a existência e a letalidade do vírus, alguns, como Bolsonaro que dizia, no inicio da pandemia no Brasil, que o CORONAVIRUS “é apenas uma gripezinha”, ou insinua que quem usa mascara não passa de maricas, quando referindo a esta realidade, disse explicitamente que “o Brasil precisa deixar de ser um país de maricas”.

O CORONAVIRUS, COVID-19 está circulando no mundo todo e ultimamente com novas variantes mais contagiosas e letais, muitos imaginavam e ainda imaginam que o surgimento de uma ou várias vacinas iria representar o fim da pandemia de um dia para o outro e que tudo estaria resolvido, o mundo e os países voltariam ao “antigo” ou “novo” normal. 

Ledo engano, mesmo com a vacina, apesar de que mais de 50 países já estarem imunizando suas populações e nos próximos dias, semanas ou meses com certeza mais de uma centena de países também estarão protegendo suas populações, inclusive, países com dimensões econômicas e geopolíticas de peso muito menor do que nosso país, o Brasil, lamentavelmente, pela incompetência, descaso, negacionismo e incúria de nossos governantes, está no fim da fila, sem vacinas e nem seringas e agulhas o Ministério da Saúde consegue comprar, o que demonstra tanto o descaso quanto a falta de planejamento e de compromisso do Governo Bolsonaro e de diversas governantes estaduais e municipais com a saúde e a vida da população.

Por outro lado não podemos culpar apenas ou exclusivamente tais governantes insensíveis ou negacionistas mas, também, boa parte ou talvez a maior parte da população que é estimulada por tantas demonstrações de descaso quanto aos perigos e letalidade da COVID-19 por parte de autoridades, a quem atribuem uma grande dose de verdade, continua se aglomerando, promovendo festas e comemorações clandestinas ou ostensivas, pessoas saindo `as ruas ou frequentando áreas de comércio popular, com grande número de pessoas aglomeradas e circulando sem distanciamento social e sem o uso de máscaras, tem contribuído para o aumento assustador de novos casos de infecções e de mortes nos últimos dois meses, caracterizando que estamos em plena segunda onda desta pandemia.

Dados estatísticos e inúmeras reportagens tem demonstrado que o Sistema de saúde, principalmente o Sistema público de saúde, está entrando ou em alguns estados e capitais já entrou em colapso total.

Hospitais não tem mais leitos, nem de enfermaria e muito menos de UTI para atender ao aumento assustador de casos, números esses que, conforme diversas especialistas, tendem a aumentar nas próximas duas ou três semanas, como consequência e resultado das aglomerações e falta de cuidados por parte da população e falta de ação dos poderes públicos para coibirem tais eventos durante os festejos natalinos e de final de ano.
Da mesma forma que a segunda onda impôs novas medidas drásticas de isolamento, fechamento de estabelecimentos comerciais, atividades econômicas, esportivas, de lazer e outros setores na Europa e em vários outros países, talvez, já que a vacina ainda vai demorar muito tempo, muitos meses para estar disponível para toda a população, o Brasil terá que adotar, novamente, medidas restritivas, tendo em vista que os hospitais estão super lotados e sem chances de atender o aumento do volume de pessoas infectadas que demandam leitos hospitalares, principalmente leitos de UTIs, respiradores, além de equipes de profissionais de saúde que também estão morrendo e desfalcando tais quadros técnicos, o que torna a situação ainda mais crítica e assustadora. Só não vê quem não quer ou quem acredita em fake news, charlatanismo ou curandeirismo que continuam negando a existência e a letalidade do coronavírus.

Temos ouvido e visto no noticiário diário que o Sistema de saúde pública está encontrando dificuldade para contratar novos profissionais de saúde, seja para repor os cargos/funções de inúmeros que contraem a COVID-19 e outros que foram vitimas/morreram.

Conforme dados da OMS até Agosto pouco mais de 7 mil profissionais de saúde perderam a vida para o coronavírus, sendo 1.077 nos EUA, 649 na Inglaterra; 634 no Brasil; 631 na Rússia e 573 na Índia, entre os diversas países.

No caso do Brasil, conforme dados do Ministério da Saúde, em reportagem no site Agência Brasil, a COVID-19 infectou 257 mil profissionais de saúde e provocou centenas de mortes, impactando negativamente o volume e qualidade dos serviços prestados aos pacientes.

Cabe ressaltar que enquanto a corrupção através de criminosos de colarinho branco, dentro e fora dos organismos públicos continuam roubando recursos destinados ao enfrentamento do coronavírus, falta dinheiro para pagar pessoas abnegadas, como os profissionais de saúde, que colocam suas vidas em risco, ou adquirir equipamentos, sem os quais se torna impossível oferecer serviços de qualidade, como acontece em vários estados.

Roubar dinheiro da saúde pública deveria ser considerado crime hediondo e esses ladrões deveriam receber penas longas, por muitas décadas, para demonstrar que, realmente, o crime não compensa, já que no Brasil não existe pena de morte e nem de prisão perpétua para tais tipos de crimes e criminosos.

Lamentavelmente os ladrões de colarinho branco ainda continuam agindo e soltos após cumprirem penas bem leves, passando a mensagem para outros corruptos de que o crime compensa, já que a impunidade é a tônica dominante.

O Brasil, por falta de planejamento e gerenciamento precário no Sistema de saúde pública vive também um verdadeiro paradoxo, de um lado estão faltando leitos hospitalares e de outro existem milhares de leitos equipados mas falta pessoal técnico e de apoio, principalmente médicos e outros profissionais especializados.

Só no Rio de Janeiro, onde a situação está praticamente fora do controle, existem mais de mil leitos de UTI desativados por falta de médicos e outros profissionais de saúde, principalmente em hospitais públicos federais, estaduais, municipais e também hospitais universitários, o que é um absurdo, verdadeiro crime contra a população que tem na saúde pública a única forma de buscar atendimento e socorro.

Volto a repetir e a enfatizar, os hospitais estão superlotados, o número de leitos de enfermarias e, principalmente, de UTIs estão praticamente com capacidade esgotada, as filas da morte com dezenas de milhares de pessoas em todos os Estados aguardando uma vaga de UTI que não surge e ai a MORTE CHEGA NA FRENTE, tem aumentado dia após dias a angustia de doentes e seus familiares.

Neste cenário vamos continuar assistindo, ouvindo relatos, noticiário da imprensa radiofônica, impressa e televisiva pessoas amontoadas em corredores de hospitais ou nas portas de unidades de saúde, em ambulâncias que perambulam de hospital para hospital, muitas morrendo sem qualquer assistência. É muito triste e revoltante observarmos uma situação como esta.

Falamos tanto em democracia, em “Estado democrático de direito”, em direitos fundamentais das pessoas, direitos humanos como consta de nossa Constituição Federal que em seu artigo 196 assim estabelece “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Ora, a saúde é mais do que importante para que as pessoas, os cidadãos e cidadãs possam exercer vários de seus direitos fundamentais, dentre os quais, o direito mais sagrado, a partir do qual todos os demais direitos estão vinculados que é a VIDA.

Sem saúde todos os demais direitos, inclusive o direito `a vida, se tornam sem sentido, por isso é a mesma Constituição Federal, que todos os Governantes juram cumprir e fazer cumprir e inclusive existe a mais alta instância do Poder Judiciário , que é o STF, cuja única atribuição é de ser o guardião de nossa Carta Magna, mas que em muitos casos, inclusive nesta pandemia, quase 200 mil pessoas não tiverem seu direito a vida garantido e foram tragadas pela morte.

Até o dia 05 de Janeiro de 2021, o Brasil já registrou 7,8 milhões de casos e 197,7 mil mortes, sendo que nas últimas 24 horas do dia 04 para 05 de janeiro foram registrados 56.648 novos casos e ocorreram 1.171 novas mortes, dentro de mais três meses, quando supõe-se que pelo menos parte dos grupos de maior vulnerabilidade possam já ter sido vacinados, estima-se que o número de casos podem seja igual ou superior a 10 milhões e o de mortes pode superar 250 mil, mantendo-se o atual índice de letalidade da COVID-19 no Brasil que é de 2,5%, como tem ocorrido ao longo dos últimos meses.

Sempre é bom ler e reler o que consta de nossa Constituição Federal, como, por exemplo em seu artigo quinto quando estabelece “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes….”

No andar atual “da carruagem”. como se diz, o plano nacional de imunização, no que tange à COVID-19, poderá não passar de um belo documento, para enfeitar prateleiras ou para que os governantes o exibam perante os meios de comunicação, jamais um plano real que represente ações de fato, que contenham metas e indicadores, prazos precisos e que consigam reduzir ou eliminar a circulação do vírus em nosso país.
Até que mais da metade dos brasileiros , incluindo todas as pessoas integrantes dos grupos de risco possam receber a vacina, vamos ter que aguardar vários meses ou talvez até o ano todo de 2021 para que isto aconteça.

Enquanto isso, dezenas de milhares de pessoas  serão infectadas  e centenas morrerão todos os dias. Assim, o Brasil poderá contabilizar e superar em 2021 mais de 12 milhões de pessoas infectadas pela COVID-19 e mais de 300 ou 350 mil mortes.

Neste contexto, é bom refletir que o Brasil continua sendo o terceiro país em número de casos, atrás dos EUA e da Índia. Mesmo tendo pouco mais de 15,3% da população Indiana tem 31,7% mais casos do que aquele país, isto significa que o índice de mortalidade por COVID-19, por 100 mil habitantes é de 10,7 na Índia e de 92,9 no Brasil. Nos EUA este índice é de 107,2 mortes por 100 mil habitantes e no mundo é de apenas 24,4 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes.

Quando comparamos os índices de letalidade, ou seja, qual o percentual das pessoas diagnosticadas/infectadas com COVID-19 que acabam morrendo,  esses índices são os seguintes: mundo 2,2%; Itália 3,5%; Inglaterra 2,7%; Espanha 2,6%; Brasil e França 2,5%; Alemanha 2,0%; Rússia 1,8%; EUA 1,7%; Índia 1,4% e Turquia 1,0%. Esses são os dez países com maiores números de casos no mundo. A média do índice de letalidade desses dez países é de 1,9%.

No entanto, desde o inicio da pandemia do coronavírus os dados estatísticos tanto em relação ao mundo como um todo quanto de inúmeros países onde tais dados estão disponíveis indicam que a taxa de letalidade cresce de acordo com o aumento das faixas etárias, a despeito de que os índices de contágio sejam mais uniformes, ou seja, pessoas em todas as faixas etárias, a partir de 20 ou 30 anos são contaminadas, mas, mesmo que os idosos com 60 anos e mais sejam a minoria da população, proporcionalmente são infectados em maior percentual e, pior ainda, apresentam índices de letalidade diversas vezes maiores do que das faixas etárias menores do que 60 anos.

Os dados a seguir são do Estado de São Paulo, até meados de dezembro e representam a média nacional em relação aos Brasil como um todo e guardam a mesma relação  com dados da China, de diversas países Europeus, dos EUA e também de praticamente todos os países da América Latina.

Internamente, no caso do Brasil, os índices de letalidade variam bastante e decorrem tanto do estado de higidez da população quanto da qualidade dos sistemas de saúde, principalmente dos sistemas públicos.
Isto significa que as pessoas cujo estado imunológico esteja comprometido com outras comorbidades, como portadores de diabetes, doenças cardíacas, vasculares, renais, câncer, fumantes, obesos ou que sofrem com doenças respiratórias ou degenerativas quando infectadas pelo coronavírus tem a probabilidade de serem afetadas com maior severidade e irem a óbito do que as demais pessoas que tenham melhor imunidade e não tenham comorbidades.

Além disso, a falta de condições no atendimento do Sistema público de saúde principalmente, com a falta de leitos hospitalares, falta de medicamentos, falta de profissionais e técnicos de saúde contribuem para a demora no atendimento e diagnóstico correto, complicando sobremaneira a situação desses pacientes e aumentando a probabilidade de um aumento de mortes. Nessas situações os grupos populacionais excluídos, pobres e moradores das periferias urbanas e meio rural são as maiores vitimas.

Voltando aos índices de letalidade no Estado de São Paulo, por faixa etária, os dados indicam que em pessoas com menos de 40 anos este índice é de 0,2% ou seja, de cada mil pessoas infectadas apenas duas vão a óbito, nas demais faixas etárias os índices são: 40 a 49 anos 1%, em mil contaminados 10 morrem; 50 a 59 anos 2,8% ou seja, de cada mil infectados 28 acabam morrendo; de 60 a 69 anos 8,4% indicando que em mil pessoas contaminadas 84 acabam morrendo; 70 a 79 anos 18,5% ou seja, de cada mil infectados 185 morrem; 80 a 89 anos 32,0% indicando que de cada mil pacientes nesta faixa diagnosticados 320 acabam morrendo e pacientes com mais de 90 anos o índice de letalidade é de 37,8% demonstrando que quanto maior e a faixa etária maior é o índice de letalidade, no caso dos idosos com mais de 90 anos 378 dos diagnosticados com COVID-19 acabam morrendo.

Na maioria dos países e também aqui no Brasil, idosos com 60 anos ou mais representam 76% do total de mortes por COVID-19, isto significa que das 197,7 mil mortes ocorridas até o dia 05 de Janeiro de 2021, nada menos do que 150,2 mil óbitos foram de pessoas idosas com 60 anos ou mais, um absurdo, quando este grupo representa apenas 13,6% da população brasileira.

A negligência em relação a esses grupos, principalmente os mais idosos, pode representar um verdadeiro genocídio, ou seja, extermínio de boa parte dos idosos em idade mais avançada.

Merece também um destaque para o fato de que os índices de letalidade no Brasil variam muito entre os Estados. Enquanto o índice de letalidade do Brasil é de 2,5%, em Mato Grosso do Sul de 1,9%, em Pernambuco 5,3% e no Rio de Janeiro 6,6%.

Para situarmos melhor a questão dos idosos em relação à COVID-19 e a vacinação, precisamos destacar que existem no Brasil 28,9 milhões de idosos (pessoas com 60 anos ou mais) ou 13,6% da população brasileira.
Por faixas etárias temos o seguinte Quadro: a) de 60 a 74 anos existem 22,2 milhões de idosos, ou 77% de idosos que serão excluídos inicialmente do plano de vacinação do ministério da saúde; b) acima de 75 anos existem 6,7 milhões de idosos ou 23,0% da população idosa, que, em princípio serão vacinados em caráter prioritário nos termos do plano de vacinação do governo federal.

Só para vacinar todos os idosos o Brasil teria que garantir nada menos do que 57,8 milhões de doses de vacinas, além dos grupos de risco como profissionais de saúde, portadores de comorbidades, cujos dados exatos estão ausentes nos diversas planos de vacinação dos governos federal, estaduais e municipais.

É neste contexto que precisamos discutir a questão da vacinação, pois além dos idosos, não apenas acima de 75 anos, mas sim, acima de 60 anos sejam vacinados, em cumprimento inclusive ao que consta do Estatuto do idoso, que em seu artigo 15 estabelece “ É assegurada a atenção integral à saúde do idoso, por intermédio do SUS, garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo  a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos”.

Ora, neste e em nenhum outro artigo o grupo de idosos de 60 ate 75 anos consta que este grupo deva ser excluído, razão pela qual tanto o Governo Federal quanto os governos estaduais e prefeituras não podem excluir a maior parte dos idosos no Brasil em se tratando de vacinação contra a COVID-19.

Os idosos no Brasil (pessoas com 60 anos e mais) representam 13,6% da população; 16,3% dos casos de COVID-19 e o absurdo de 76,8% das mortes por esta terrível pandemia.

Em relação à vacinação e fabricação de tantos insumos e equipamentos fundamentais e imprescindíveis para o pleno funcionamento dos sistemas de saúde, é importante refletirmos que, enquanto alguns países como EUA, diversas europeus, Rússia, China, índia e Japão estão em um estágio avançado em educação, ciência e tecnologia em todas as áreas, inclusive nesta de equipamentos e insumos hospitalares e de saúde, o Brasil, ao longo de décadas pouco tem investido em educação, ciência e tecnologia e tanto se orgulha de ser um dos grandes exportadores de commodities, matérias primas com baixo índice de agregação de valores, como era a economia brasileira durante os períodos colonial e do império. Esta é uma razão para não produzirmos vacinas, respiradores e até mascaras e luvas, itens que devem ser importados, uma vergonha!

Parece que um cenário como este não abala as preocupações dos políticos, gestores e governantes municipais que começaram uma nova gestão a menos de uma semana ou políticos estaduais e federais que só pensam nas eleições de 2022, até lá, o povo que se dane, o povo que se lasque, o povo que continue chorando seus doentes e enterrando seus mortos, sem sequer poder vela-los com dignidade.

Também é necessário que os Ministérios Público Federal e Estaduais, que são “os fiscais da Lei”, as Defensorias públicas e inclusive o Poder Judiciário, tenham uma ação mais decisiva e efetiva para que os Governantes e instituições públicas e privadas realmente cumpram com as leis que garantem os diversas direitos da população. Afinal, a existência de Leis que não são cumpridas não passam de “belas mentiras”, ou como dizem, “para inglês ver”.

Este é o Brasil que teremos, em 2021, no que tange à maior crise sanitária de nossa história, é a falência total do Sistema público e, em parte do Sistema privado de saúde, inclusive dos planos e seguros de saúde, além de todas as demais mazelas que colocam nosso país no centro do noticiário internacional como o descaso, degradação e crimes ambientais, a violência endêmica que já tomou conta de nossa sociedade, a corrupção que continua correndo solta, a pobreza, a miséria e a fome que afetam mais da metade da população brasileira, situação que vai piorar muito com o fim do auxílio emergencial a partir deste inicio de 2021.

JUACY DA SILVA, professor universitário, aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia e colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy

 

Quinta, 29 Outubro 2020 09:35

 

 

****
 
Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
****

 

JUACY DA SILVA*


A exclusão de pessoas e grupos sociais, ao longo da história, em todas as sociedades, é uma realidade factual e incontestável e as justificativas ou bases para tal processo e formas de agir podem variar de lugar para lugar, mas em sua essência é a mesma.


Diversos são os tipos e formas de exclusão, sendo que `as vezes tais justificativas estão inter-relacionadas e fica difícil classificar tais razões, tipos ou formas, mas o fato é que podemos afirmar, sem sombra de dúvida, que existe uma CULTURA DA EXCLUSÃO, da mesma forma que existe uma CULTURA DA VIOLÊNCIA e uma CULTURA DO ESTUPRO, onde estereótipos e preconceitos são formados e passam de geração em geração.


Exclusão, em seu sentido amplo, pode ser considerado o modo, a maneira ou a forma como as pessoas são tratadas na sociedade, baseada em determinadas características pessoais ou circunstâncias e são impedidas, implícita ou explicitamente, de participarem plenamente da vida de sua comunidade, de seu estado ou de país ou da sociedade em geral.


Exclusão é uma forma cruel de rejeição, quando não se reconhece na outra pessoa, devido a determinadas características pessoais, os seus direitos fundamentais, que, de forma inata, todos os seres humanos possuem e por isso devem ser tratados com respeito, igualdade, liberdade, equidade, fraternidade e solidariedade.


Em 1789, logo após a Revolução francesa que aboliu a monarquia e instituiu a República naquele país, foi aprovada a Declaração dos direitos do homem e do cidadão, que assim estabeleceu: “Artigo 1º- Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-se na utilidade comum”, relembrando que a referida revolução universalizou o seguinte tripé: liberdade, igualdade e fraternidade, como base para a construção de uma nova ordem social mais justa e igualitária.


Após os horrores da Segunda Guerra Mundial, diversos países se reuniram e organizaram a ONU – Organização das Nações Unidas e aprovaram, em 10 de dezembro de 1.948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em cujo artigo primeiro, está escrito de forma bem clara “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espirito de fraternidade”.


O artigo segundo estabelece que “Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania.”


Se atentarmos bem para o conteúdo dessas declarações de direitos humanos, dos cidadãos, percebemos que não deveria existir espaço para a exclusão, qualquer que seja o tipo e forma, porquanto exclusão é incompatível tanto com a dignidade das pessoas quanto com os direitos e garantias individuais, sociais e coletivos, também inscritos, praticamente, em todas as Constituições dos diferentes países, inclusive do Brasil.


Isto porque, na verdade, a exclusão não reconhece a dignidade intrínseca que todas as pessoas devem ter, como filhos e filhas de Deus, dignidade esta que deve ser a base para uma sociedade justa e harmônica e fonte de todo o ordenamento jurídico de um país.


Em diferentes momentos e em diferentes sociedades a cultura da exclusão foi baseada em leis que garantiam direitos para uma minoria e negava esses mesmos direitos a certas categorias ou grupos sociais, vale dizer, a imensa maioria da população. Exemplos são a escravidão/trabalho escravo, o racismo, o apartheid, os manicômios, o sistema prisional, os “guetos”, os campos de concentração, o confinamento e outras formas que podemos facilmente identificar em qualquer sociedade ou país, inclusive no Brasil.


Exemplos típicos de formas de exclusão embasados em Leis, podem ser encontradas na instituição do “apartheid” na África do Sul e do racismo nos EUA, onde negros e afrodescendentes não podiam frequentar os mesmos locais, nem utilizarem os mesmos meios de transportes ou estudarem nas mesmas escolas, nem podiam se casar fora de seu grupo racial. Casamento inter-racial (entre negros e brancos) por muitas décadas era considerado crime nos EUA e sujeitos a penas severas.


Para entendermos  por que a exclusão é considerada um pecado social, devemos buscar a origem  do que é pecado, a começar pelo seu significado religioso, judaico-cristão. Existem diversas passagens na Bíblica Sagrada e na doutrina católica, por exemplo, onde é discutido exaustivamente o conceito de pecado.


Para nosso entendimento do que seja PECADO SOCIAL, vamos nos basear no que consta no Novo Testamento, na primeira Epístola/Carta do Apóstolo João 3:4 onde está escrito “"Todo aquele que pratica o pecado  transgride a Lei; de fato, o pecado é a transgressão da Lei.". Em algumas versões da Bíblia Sagrada encontramos este conceito de forma um pouco diferente quando é afirmado que “qualquer que comete pecado, também comete iniquidade; porque o pecado é iniquidade”.


Neste contexto religioso, a lei referida é a “Lei de Deus”, principalmente, a partir dos ensinamentos de Jesus quando se refere à síntese de todos os mandamentos, ao dizer que os dois maiores mandamentos (resumo dos mencionados no Velho Testamento) são “amar a Deus sobre todas as coisas e ao seu próximo como a si mesmo”, apontando, de forma explícita que o grande mandamento a reger as relações entre a criatura e o criador e também dos seres humanos entre si ou seja, nossas relações em sociedade deve ser o amor, daí um conceito moderno que também tem ocupado o tempo de teólogos, cientistas políticos, sociólogos, filósofos e outros estudiosos que é o que chamamos de “civilização do amor”.


Ora, se todos somos filhos e filhas de Deus, nossas relações politicas, econômicas, sociais, culturais, religiosas e ideológicas e, inclusive, internacionais, devem ser pautadas pelo amor, pela tolerância, pela justiça, pela equidade, pela solidariedade, pela fraternidade, enfim, pela INCLUSÃO, ou seja, ninguém, independente da cor de sua pele, pelas suas condições físicas, origem racial, credo religioso ou filosófico, “status” socioeconômico, gênero ou preferências pessoais, deve ser excluido/excluida da vida em sociedade. As pessoas devem ser tratadas como sujeitos de sua própria história, de sua caminhada e jamais como objetos, como ainda acontece em pleno Século XXI.


Em maior ou menor grau podemos identificar diversas tipos de exclusão, tais como: exclusão politica, ideológica, social, econômica, cultural, religiosa, sanitária, digital, educacional, patológica, de gênero as quais aparecem em diferentes formas que geram a exclusão, como: desemprego/subemprego; trabalho escravo ou semiescravo; analfabetismo (inclusive analfabetismo digital); pobreza/miséria; prostituição; migrações forçadas; deficiências físicas ou mentais; determinadas enfermidades, violência, racismo, encarceramento, preconceitos, abuso de poder, dependência química. fanatismo religioso e outras mais.


Mesmo que aparentemente esses grupos excluídos possam ser considerados como minorias, em seu conjunto, acabam formando a maioria populacional em todas as sociedades, principalmente quando sabemos que apenas uma minoria da população de um país participa das camadas “superiores” da sociedade, que detém a maior ou em alguns casos a quase totalidade da renda, da riqueza, dos bens e das oportunidades que existem em tais sociedades.


No caso brasileiro, por exemplo, existe um grande fosso econômico, de renda, salário, riqueza e propriedades entre a camada dos 10%, dos 5% ou de 1% das pessoas que estão no ápice da pirâmide social e as camadas que não tem renda ou apenas uma renda que as classificam como pobres ou miseráveis, que, em alguns países representam mais de 50% ou 60% da população, que vivem em permanente estado de exclusão.


Nessas sociedades, onde alguns vivem em mansões suntuosas ou imóveis de luxo, muitas vezes mantidos pelo Estado, pelo Tesouro e milhões de sem teto que vivem em favelas, palafitas, sem acesso aos bens e serviços básicos que lhes garantam uma vida digna. Esses conformam o que o Papa Francisco denomina dos três “Ts”: sem terra, sem teto e sem trabalho.


De forma semelhante, podemos identificar este distanciamento social e exclusão em relação aos serviços de saúde, as camadas que integram os estratos econômicos superiores, com renda/salário mensal acima de R$30 mil; 50 mil, cem mil ou um  milhão de reais podem pagar do próprio bolso ou custeadas pelo Governo sistemas de saúde que são denominados de primeira linha, com diárias de custos elevadíssimos, enquanto os excluídos, os pobres e miseráveis, só conseguem atendimento em um Sistema público de saúde (SUS) totalmente sucateado, onde filas físicas ou virtuais acabam agravando o estado de saúde/doença desses pacientes ou até mesmo provocando a morte, por falta de atendimento ou negligência, em completo desrespeito aos direitos humanos e à dignidade da pessoa humana.


Mas voltando ao conceito de pecado social aplicado ao processo de exclusão, podemos tomar como referência o contexto da Doutrina Social da Igreja (Católica), cujos princípios fundamentais são: a) o bem comum; b) subsidiariedade; c) solidariedade. Esses princípios tem um significado profundamente moral e remetem `as bases da organização da sociedade, incluindo suas dimensões econômica, social, cultural, politica e religiosa.


Vale a pena transcrevermos e refletirmos sobre o significado do item 118 do Compêndio da Doutrina Social da Igreja, sobre os pecados sociais, que assim afirma “Alguns pecados, ademais, constituem, pelo próprio objeto, uma agressão direta ao próximo. Tais pecados, em particular, se qualificam como pecados sociais. É igualmente social todo o pecado cometido contra a justiça, quer nas relações de pessoa a pessoa, quer nas da pessoa com a comunidade, quer, ainda, nas da comunidade com a pessoa. É social todo o pecado contra os direitos da pessoa humana, a começar pelo direito à vida, incluindo a do nascituro, ou contra a integridade física de alguém; todo o pecado contra a liberdade de outrem, especialmente contra a suprema liberdade de crer em Deus e de adorá-lo; todo o pecado contra a dignidade e a honra do próximo. Social é todo o pecado contra o bem comum e contra as suas exigências, em toda a ampla esfera dos direitos e dos deveres dos cidadãos. Enfim, é social aquele pecado que «diz respeito às relações entre as várias comunidades humanas. Estas relações nem sempre estão em sintonia com o desígnio de Deus, que quer no mundo justiça, liberdade e paz entre os indivíduos, os grupos, os povos”.


Em setembro de 2003 a Conferência Episcopal portuguesa (similar à CNBB no Brasil), aprovou um documento de grande repercussão tanto na época quanto na caminhada da Igreja Católica naquele país até os dias atuais.


O citado documento intitulado “Responsabilidade para o bem comum”, menciona sete PECADOS SOCIAIS e recomenda a necessidade de “uma conversão `a solidariedade responsável” como forma individual e coletiva para se redimir desses pecados, ou seja, o pecado social em si, decorre de uma ação individual; mas `a medida que se enraíza na cultura e na sociedade, surge o que chamamos de cultura da exclusão ou o pecado social.


Os sete pecados sociais definidos e mencionados pela Conferência Episcopal portuguesa são: 1) egoísmo individualista, pessoais e coletivos representado pela falta de solidariedade humana, diante a situação de marginalização em que vivem milhões de pessoas em diferentes países e bilhões ao redor do mundo; 2) consumismo desenfreado, que gera desperdício e degradação ambiental; 3) a corrupção, que é, na verdade a matriz geradora de todos os demais pecados sociais, que gera descrédito para as autoridades e para as atividades públicas e privadas, contribui para o surgimento da pobreza, da miséria, da fome e falta de acesso aos bens e serviços fundamentais para que a dignidade humana seja respeitada; 4) A injustiça tributária e desarmonia do sistema fiscal e tributário, (principalmente quando tal Sistema fiscal e tributário é regressivo como no Brasil penalizando de forma injusta os já excluídos) que gera sonegação consentida, corrupção e evasão de receitas públicas;  5) falta de responsabilidade nos sistemas de trânsito e transporte públicos, gerando acidentes e mortes; 6) exagerada comercialização esportiva, retirando dos esportes seu caráter lúdico e de lazer, transformando-os em negócios bilionários, estimulando, inclusive distorções e corrupção; e, finalmente, 7) Exclusão social, gerada por preconceito, racismo, homofobia, desemprego, subemprego, trabalho escravo ou semiescravo, fanatismo politico partidário, ideológico e religioso, que, por sua vez geram violência, injustiça e morte.


Em entrevista ao jornal L’Osservatore Romano de 07 de janeiro de 2014, o Monsenhor Gianfranco Girotti, da Cúria Romana, assim se manifestou sobre os pecados sociais, como sendo originários de “ manipulações genéticas antiéticas; degradação ambiental, desigualdades sociais; injustiças, eis as novas formas de pecado que fazem parte do atual contexto social gerado pela globalização”.


Bem antes dessas manifestações, em 1968, o Documento de Medellin, intitulado “A presença da Igreja na transformação da América Latina” (II Conferência do Episcopado Latino americano”), definiu o pecado social como “situações presentes na realidade socioeconômica e politica que geram injustiças”.


De forma semelhante, em 1979, o Episcopado latino americano reunido em Puebla, no documento intitulado “A evangelização no presente e no futuro da América Latina”, é afirmado que “A igreja reconhece e discerne na angustia e na dor que afeta as pessoas uma situação de pecado social”.


Vale a pena também refletir quando a Doutrina social da Igreja (Compêndio da DSI 169) ao afirmar que “para assegurar o bem comum, o governo de cada país (e, por extensão , todas as instâncias governamentais regionais e locais) tem a tarefa específica de harmonizar, com justiça e justiça social, os diversas interesses setoriais, (evitando-se, imagino eu, a exclusão de amplas camadas populacionais, como acontece na maioria desses países, inclusive no Brasil).


No caso brasileiro, estudos, pesquisas, reportagens especiais e o noticiário dos meios de comunicação tem demonstrado que a cultura da exclusão esta extremamente enraizada em nossa formação social, econômica, politica, cultural e religiosa.


Certos grupos ou categorias de pessoas são as vitimas constantes deste processo de exclusão social, tais como as mulheres, as pessoas e grupos afrodescendentes (negros/pretos, mulatos; quilombolas), indígenas, as pessoas deficientes, as pessoas que fazem parte do grupo LGTB; os praticantes de cultos de origem afro; as pessoas obesas e, principalmente, os pobres em geral.


Existem pessoas que integram ao mesmo tempo diferentes grupos excluídos e discriminados e, em decorrência dessas situações, sofrem de uma forma mais aguda as mazelas do processo de exclusão: por exemplo, uma mulher, negra e deficiente sofre três formas de exclusão, preconceito e até violência, primeiro por ser mulher, segundo por ser afrodescendente (negra ou mulata) e terceiro, por ser deficiente e, se for pobre, como a imensa maioria desses grupos, sofrerá mais ainda esta exclusão.


Como existe o que se chama de cultura da exclusão, o combate a tais práticas,  além de um novo ordenamento jurídico que coloque fim a tal processo, cabe ao Estado (todos os organismos públicos) definir politicas, estratégicas  e ações afirmativas e reparadoras, para que, de fato, o círculo vicioso contido na cultura da exclusão, seja rompido de forma mais rápida e mais efetiva.


Não bastam leis que definam os direitos desses grupos e camadas que sofrem com a exclusão, mas que permanecem apenas como letra morta, no papel, como se diz “para inglês ver”, é fundamental que os  bens e serviços públicos atendam realmente esta “demanda contida”, por melhor qualidade de vida e também respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana, da justiça verdadeira e do rompimento de todas as barreiras que continuam presentes no país e na sociedade que  propiciam a reprodução histórica da cultura da exclusão.


O filósofo Aristóteles afirmava que “ tratar os desiguais de forma igual gera mais injustiça”, ou seja, precisamos de leis e ordenamento jurídico especiais, diferenciados, que realmente protejam os excluídos, os quais são também excluídos do acesso ao judiciário, basta vermos o número e percentual de pessoas Negras, pobres e de baixa escolaridade, que permanecem longos períodos em presídios sem conseguirem a mesma assistência judicial que presos de outras camadas possuem, inclusive os delinquentes de colarinho branco que quase nunca são condenados, apesar de roubarem milhões e bilhões de reais ou dólares, enquanto outros são trancafiados por anos a fio por delitos de baixo poder ofensivo.


Não tem sentido, por exemplo, que a abolição (legal) da escravidão no Brasil, o último país do continente a decidir pelo fim da escravidão, ocorrida há mais de 132 anos, os descendentes de escravos (os afrodescendentes) ainda sejam discriminados como aconteceu com um entregador de pizza há poucos dias em Goiânia, quando a moradora, impediu que o mesmo adentrasse o edifício, chamando-o de macaco e exigindo, de forma explícita ao estabelecimento que outro entregador branco atendesse seu pedido. Casos como este são bastante recorrentes ultimamente no Brasil e, ao que consta, tais manifestações de racismo explicito acabam não sendo punidas.


Inúmeros casos de racismo e preconceito racial tem sido testemunhados no Brasil e em diversas outros países, como nos EUA e em países europeus, o que exige de todas as pessoas uma reflexão mais profunda sobre o que realmente seja uma democracia ou um “Estado democrático de direito”, onde a exclusão esteja bem presente.


Este tema, que na verdade pode ser mencionado como “a cor da exclusão social”, que será objeto de uma outra reflexão oportunamente, tendo por base, as condições de vida e as barreiras que existem no Brasil em relação `as pessoas Negras, pretas ou mulatas.


Se o Brasil é um  país laico, mas  de maioria esmagadora de cristãos, bem como outras religiões que professam princípios que enaltecem a dignidade da pessoa humana, que todas as pessoas são filhos e filhas de um mesmo Deus e, portanto, “todos somos irmãos e irmãs”, como atestou recentemente em sua nova  “CARTA ENCÍCLICA FRATELLI TUTTI, o Papa FRANCISCO, sobre a fraternidade e a amizade social”, não podemos aceitar e nem nos omitir ante tantas demonstrações de práticas consideradas pecados sociais, onde a exclusão social é sua matriz geradora.


Existe um longo caminho a ser percorrido, que acontecerá se e quando as pessoas e massas excluídas resolverem lutar pelos seus direitos e conquistarem seus espaços na sociedade. Nada é conseguido através da benevolência por parte dos opressores e dos donos do poder, mas sim a partir do despertar da consciência de quem é excluído, ao descortinar um novo mundo onde a exclusão seja algo do passado.

*JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy

 

Sexta, 23 Outubro 2020 11:57

 

 

****
 
Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
****

 


JUACY DA SILVA*
 

Uma coisa é quando alguém que não é uma pessoa portadora de alguma deficiência e que pretende ou se empenha em defender os direitos das pessoas deficientes; outra coisa, completamente diferente, é quando uma pessoa deficiente, que experimenta na pele o que é ser excluída, discriminada, violentada, ignorada, não ter liberdade de ir e vir, não ter acessibilidade em locais públicos ou destinados ao grande público, enquanto pessoa humana, assume o protagonismo da representação de milhões de outras pessoas deficientes que, vergonhosamente, continuam sendo excluídas em nosso país, que tanto se ufana de ser um “estado democrático de direito”, uma República.


Este é o sentido que se deve dar quando debatemos, refletimos ou analisamos como as pessoas com deficiência estão sendo tratadas e incluídas no processo politico, social, cultural e econômico do país, quando essas pessoas até  hoje desfrutando de posição como cidadãos e cidadãs de segunda classe, buscam assumir seu protagonismo politico, não apenas como eleitores e eleitoras, mas também, como candidatos e candidatas a vereadores, vereadoras, prefeitos e prefeitas.


Estamos em plena campanha eleitoral para a escolha de prefeitos e vereadores em todos os municípios brasileiros, quando mais de 147,9 milhões de eleitores no Brasil, mais de 3,32 milhões em Mato Grosso, 378 mil em Cuiabá, mais de 160,4 mil em Várzea Grande, estão aptos a exercerem este direito e definirem quem serão os gestores de nossas cidades e municípios pelos próximos 4 anos.


Todavia, o número e percentual dos eleitores e eleitoras com deficiência, nem de longe guardam a mesma representatividade que as pessoas com deficiência representam na população do total do Brasil, de cada Estado e cada município.


Durante várias décadas o IBGE simplesmente não incluiu a questão da deficiência quando da realização dos censos decenais e os números a partir do censo de 1991 também são extremamente conflitantes e controvertidos.


Em 1991 o número de pessoas com deficiência divulgado pelo IBGE foi de 1,7 milhões de pessoas ou 1,14% do total da população brasileira. No ano de 2.000 o número de deficientes no censo atingiu 24,5 milhões de pessoas ou 14,5%. Em 2010 foi divulgado que as pessoas com deficiência chegava a 45,6 milhões de pessoas ou 23,9% da população brasileira.


Se considerarmos este mesmo percentual em 2020, quando a população brasileira foi estimada em julho último em 212,6 milhões de pessoas, chegamos `a conclusão que atualmente existem no Brasil nada menos do que 50,8 milhões de pessoas com deficiência.


Em 2018, nas eleições gerais, o número total de eleitores no país foi de 147,3 milhões de pessoas e o de deficientes aptos a votarem foi de apenas 1,02 milhões de eleitores ou 0,7% do total de eleitores registrados no país. Já em 2020, segundo informações do TSE existem no Brasil 147,9 milhões de eleitores, dos quais apenas 1,3 milhões ou 0,9% são de pessoas com deficiência.


Ou seja, neste ritmo para que os eleitores com deficiência correspondam `a representação populacional dos mesmos no conjunto da população brasileira, que é de 23,9%, serão necessárias, 115 anos para que as pessoas com deficiência estejam proporcionalmente representadas no conjunto do eleitorado brasileiro, ou seja, apenas nas eleições de 2.135, quando mais de 3 ou 4 gerações já tenham desaparecidas.


O Brasil, todos os estados e todos os municípios enfrentam inúmeros e complexos  desafios, que representam problemas, `as vezes que se arrastam por décadas e que se não forem encarados de frente e resolvidos irão contribuir para aumentar a miséria, a fome, as desigualdades sociais, a violência e, principalmente, a exclusão de inúmeras parcelas da população, que mesmo sendo consideradas minorias, em seu conjunto representam a maioria esmagadora da população do país e de todos os municípios.


Um desses grandes desafios que precisamos enfrentar nessas eleições e pressionar os candidatos e no futuro os prefeitos e vereadores eleitos, para que incluam em suas agendas, planos de governo, politicas públicas e as ações municipais, temas como a INCLUSÃO SOCIAL, tanto de pessoas portadoras de algum tipo de deficiência, como deficiência física, de locomoção, visual, auditiva, mental ou cognitiva, social, cultural e econômica, ou enfim, todas as deficiências, facilitando a vida e garantindo os direitos de 23,9% da população brasileira ou 50,8 milhões de pessoas que, conforme dados do IBGE, existem no Brasil, espalhadas por todos os municípios, tanto na área urbana quanto rural.


No caso das pessoas com deficiência, para que isto aconteça e possa mudar radicalmente a atual situação, é fundamental que esta parcela da população esteja representada não apenas no contingente eleitoral, ou seja, no conjunto do eleitorado, mas também estejam representadas tanto no poder executivo/prefeitos quanto nas Câmaras Municipais.


Em 2016, o então Senador Romário e outros signatários apresentaram no Senado da República a PEC (projeto de emenda constitucional) 34/2016, para garantir uma pequena cota, progressiva, para candidatos a cargos legislativos federal, estaduais e municipais. Todavia, esta PEC continua parada naquela Casa de Leis.


A falta de representatividade das pessoas com deficiência é uma situação que pode ser observada nos demais níveis de cargos eletivos como deputados federais, estaduais, governadores, senadores, presidência da República, e também no Poder Judiciário, no Ministério Público, nas defensorias publicas, onde a presença de pessoas com deficiência é algo extremamente raro, para não dizer completamente ausente. O mesmo ainda acontece com o mercado de trabalho, onde as pessoas com deficiência continuam sendo excluídas, principalmente, nas ocupações com melhor remuneração.


Outros grupos demográficos como mulheres, negros (população afrodescendente), LGBT, indígenas também sofrem o mesmo processo de exclusão, discriminação, constituindo verdadeiros “apartheids” em um pais que tanto se orgulho de sua democracia racial e outras qualidades, que parece só existirem no papel, porquanto a realidade está muito distante do que determina as convenções internacionais, das quais o Brasil e signatário e que deveria observar e o ordenamento jurídico brasileiro.


Por isso é que em cada eleição, de dois em dois anos, a luta desses grupos populacionais que estão excluídos na sociedade, principalmente, na esfera politica/pública, empunhem esta bandeira, afinal, a conquista e garantia de direitos não são uma dádiva oferecida  de forma benevolente pelos atuais donos do poder ou pelas camadas privilegiadas, mas sim, fruto de muita luta, as vezes com o sacrifício da própria vida de quem defende essas bandeiras.


No caso das pessoas com deficiência, só quem é deficiente e seus familiares conhecem a realidade do dia-a-dia em que vivem e sofrem milhões de brasileiros e brasileiras sendo discriminados, sofrendo violência de toda ordem e os diversas tipos de preconceitos.


Só um deficiente visual, ou auditivo ou cadeirante ou alguém que tenham algum parente que sofre com outras deficiências,  sabe o que é tentar se locomover por cidades que não tem calçadas, ou onde as calçadas estejam cheias de lixo, de buraco, matagal, degraus ou até mesmo carros estacionados, nos espaços que deveriam ser destinados para pedestres e pessoas com deficiência ou idosos. Ou a peregrinação dessas pessoas, seus parentes e cuidadores quando os mesmos necessitam de atendimento médico, hospitalar, quando são defrontados com a negligência, a prepotência e omissão de sistemas de saúde pública sucateado ou mesmo em sistemas privados que neste particular não se diferencia muito dos sistemas públicos.


Só que é deficiente tem plena condição e representatividade suficiente para dialogar com integrantes dos poderes constituídos, seja no âmbito municipal, estadual ou federal, para denunciarem e exigirem que a Constituição Federal,  o Estatuto da pessoa com deficiência (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência , Lei Federal  Nº 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015) sancionada pela então Presidente Dilma Rousseff; as Constituições Estaduais, as Leis Orgânicas dos Municípios , enfim, que todo o ordenamento jurídico que garante os direitos das pessoas com deficiência seja cumprido.


Vale a pena transcrever alguns artigos do Estatuto da Pessoa com deficiência para que passamos refletir sobre o significado e o espirito da LEI e como a realidade brasileira, ainda esta tão longe deste ideal de inclusão.


“Art. 1º É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.”


“Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”

No contexto da gestão municipal, cabe, por exemplo, aos vereadores fiscalizarem as ações dos prefeitos e nada melhor do que um vereador ou vereadora que seja deficiente, que sente na pele o quanto é duro, quanto pesa a exclusão e o desrespeito aos direitos das pessoas com deficiência, seja o portador das reivindicações que atendam este contingente significativo de pessoas alijadas de direitos fundamentais, como o direito de ir e vir, direito à educação pública de qualidade e inclusiva, direito ao meio ambiente saudável, direito à saúde, ao bem estar e lazer e outros tantos que nossas leis mencionam.


Em Várzea Grande, Estado de Mato Grosso,  existe o exemplo de uma mulher lutadora, entusiasta pela causa das pessoas com deficiência, que, por também ser deficiente, sabe, como se diz, onde “o sapato aperta”, e resolveu ir para a luta e aceitar o desafio de ser candidata a vereadora, para melhor representar as pessoas portadoras de deficiência e outros grupos excluídos, na Câmara Municipal daquela cidade.


Trata-se de Ana de Paula, uma ex-agente penitenciária, aposentado por deficiência motora, que é cadeirante, mas nem por isso tem se furtado a ir à luta, apresentar suas propostas, que além da inclusão das pessoas com deficiência também inclui propostas para outras áreas como a reinserção de presos em regime de liberdade condicional ou ex-detentos que já cumpriram suas penas e precisam de apoio para se reintegrarem `a sociedade, terem uma ocupação digna e poderem contribuir para o progresso e bem estar, não apenas de suas famílias, como também de suas comunidades.


Com certeza, em alguns outros municípios também deve haver candidatos e candidatas `a cargos executivo ou legislativo municipal, que estão imbuídos deste mesmo propósito que é de quebrar paradigmas, romper barreiras pela construção de cidades que respeitem os direitos de quem, historicamente, tem sido excluído ou excluída.


A luta pela inclusão é um dos maiores desafios que existem hoje no Brasil, pois para que nosso país possa cumprir seus compromissos internacionais, como por exemplo, em relação `a Agenda 2030, que é corporificada nos 17 Objetivos do Desenvolvimento sustentável DA ONU, praticamente, para atingi-los, é fundamental que haja INCLUSÃO social, econômica, cultural e politica de todos os grupos e segmentos representativos da população brasileira; ninguém deve ser deixado para traz, pois onde existe exclusão não existe democracia de verdade, apenas um arremedo, um simulacro.


É neste contexto que se insere a luta em defesa dos direitos das pessoas portadoras de deficiência, mas que, lamentavelmente, poucos avanços tem sido alcançados em nosso Brasil, a começar pelas gestões municipais.


O Exemplo de Ana De Paula em Várzea Grande é a demonstração de coragem, confiança e cidadania, que deveria ser seguida por todos que se dispõem  a lutarem por cidades acolhedoras, cidades mais verdes, mais sustentáveis, mais humanizadas, enfim, cidades plenamente INCLUSIVAS.

A INCLUSÃO das pessoas com deficiência e de outros segmentos sempre excluídos, no caso das cidades, exige não apenas planejamento de curto, médio e longo prazos, mas também a continuidade e expansão de obras e serviços públicos voltados a esses segmentos. Isto já acontece de forma efetiva em diversas países e não podemos deixar ao sabor da vontade dos atuais governantes que continuam negligenciando esses direitos fundamentais de tão ampla camada populacional, que não custa relembrar, direitos de mais de 50,8 milhões de pessoas `a margem da sociedade.


Ruas, avenidas, parques arborizados, florestas urbana, calçadas limpas, livres de obstáculos, sinais sonoros em cruzamentos viários, pisos táteis, rampas em edifícios, públicos e privados, principalmente em estabelecimentos voltados ao atendimento de pessoas com qualquer tipo de deficiência, inclusive igrejas, difusão da linguagem de sinais (libras), livros didáticos e outros documentos públicos em braile, tudo isto e muito mais já consta no ordenamento jurídico brasileiro voltando `a defesa das pessoas com deficiência, mas que nem sempre tem sido cumprido.


A falta de cumprimento dessas normas e princípios legais é uma violência, um desrespeito aos direitos humanos fundamentais em geral e das pessoas com deficiência em particular e não podemos mais tolerar. Nossos governantes não podem continuar omissos e coniventes com esta situação, sob pena de não terem a legitimidade suficiente para continuarem governando, já que excluem parcelas consideráveis da população, empurrando milhões de pessoas de todas as idades para um abandono social e econômico criminoso.


Neste caso, é importante que também os órgãos de fiscalização e controle, como as defensorias públicas e os ministérios públicos da União e dos Estados sejam mais atuantes, mais presentes na fiscalização desses preceitos legais, afinal, no caso do Ministério Público (Federal e estadual) o mesmo é alcunhado de “fiscal da Lei”, só que muitas vezes isto não acontece e  milhões de brasileiros e brasileiras continuam sendo desrespeitados, excluídos quando se trata, por exemplo, das administrações municipais.


Se você é eleitor e também contribuinte, procure observar quantos candidatos deficientes para prefeitos e vereadores existem em sua cidade/município, procure verificar se das propostas ou agenda dos candidatos (para prefeitos e vereadores) consta alguma coisa em relação ao atendimento às pessoas com deficiência em seu município.


Ainda é tempo para você, eleitor ou eleitora, além de analisar a vida e as propostas dos candidatos, também cobrar dos mesmos e, depois dos eleitos, que das politicas públicas municipais as pessoas com deficiência não continuem excluídos como tem acontecido até agora.


Este é o nosso maior desafio. Uma democracia só existe quando as pessoas não apenas exercem o seu direito de votar, mas também, como munícipes, cidadãos, cidadãs e contribuintes sejam contemplados nas diversas obras e serviços públicos, que, volto a repetir, não é favor prestado de forma magnânima pelos governantes de plantão, mas um direito concreto por parte da população.


O orçamento público, desde o âmbito municipal, estadual até o federal, não é constituído de dádivas dos poderosos, mas sim, fruto de uma imensa e injusta carga tributária que recai sobre o lombo e os ombros da população e, de forma regressiva, como é o Sistema tributário brasileiro, que pesa muito mais sobre as camadas mais baixas da sociedade e de imensa parcela brasileira excluída totalmente dos “frutos” do desenvolvimento nacional, do que das elites dominantes e grupos econômicos poderosos que continuam mamando nas tetas do governo!


Por tudo isso é que a INCLUSÃO SOCIAL, econômica, politica e cultural em geral e das pessoas com deficiência é fundamental, é um passo decisivo para continuarmos sonhando com um mundo melhor e construirmos um município, um Estado e um Brasil mais igualitário, mais justo, mais humano e mais desenvolvido.


*JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy
 

Sexta, 02 Outubro 2020 15:03

 


****
 
Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 

****



  

JUACY DA SILVA*


Há décadas, talvez séculos, os centros de estudos, as organizações internacionais, as universidades, os grandes conglomerados privados transnacionais e, principalmente, as instituições militares do mundo inteiro, cada qual limitadas pelas dimensões geopolítica, científicas, tecnológicas, econômicas, financeiras e orçamentárias tem dado passos significativos no que é chamada de “modelagem do futuro”, ou, `as vezes também denominados de “estudos do futuro”.

Tais estudos são um pouco diferente do que até hoje entendermos por planejamento estratégico ou planejamento de longo prazo, pois a sua principal finalidade é despertar a capacidade crítica e analítica em relação ao que no momento nem sempre é conhecido em sua plenitude, no caso das instituições militares isto se aproxima mais do que é descrito como “Hipóteses de Guerra”.

Essas “modelagens” e “estudos do futuro”, ou planejamento prospectivo, utiliza diferentes metodologias e com o advento do que hoje chamamos de era digital, com o surgimento da internet e dos super computadores, tem dado passos muito rápidos, trabalhando na construção de variáveis complexas e as interações entre essas variáveis, onde são construídos diversas matrizes com a ajuda da inteligência artificial, uma verdadeira miríade de informações.

A cada ano ou dentro de uma certa periodicidade esses cenários vão sendo ajustados, inseridas novas variáveis ou descartados alguns fatos e fatores que não provocaram os efeitos desejados ou previstos, determinado o grau de acerto ou de erro quando da construção do cenário original.

O interessante em tudo isso é que mesmo que não haja um trabalho conjugado, principalmente devido `as dimensões geopolíticas, onde cada país, principalmente em se tratando das grandes potências ou dos grandes blocos de poder mundial, tem suas variáveis secretas, pois afinal o que sempre existe em termos de relações internacionais é a busca ou manutenção não apenas das soberanias nacionais, mas também uma corrida frenética no que concerne à hegemonia, seja global, em que apenas poucos países possuem o caráter de superpotência mundial, mas também nessas modelagens podemos identificar uma luta ora aberta ora encoberta por hegemonias regionais ou sub-regionais.


Todavia, independente desses aspectos geopolíticos, em todos esses estudos pode-se perceber uma certa “coincidência” de referência aos riscos, ameaças e desafios que pairam sobre o planeta terra e que afetam direta ou indiretamente todos os demais países.

Ao longo dos últimos cinco anos, houve uma “agudização” da questão ambiental, com destaque para as mudanças climáticas e todas as consequências atreladas ao aquecimento do planeta, alterações profundas no clima, no regime das chuvas e outras derivadas dessas que afetam diretamente a economia e a sociedade, tanto em nível nacional quanto regional e mundial.

Em alguns desses estudos, pode-se perceber a presença de uma variável que pouca atenção estava despertando, tanto entre a população quanto entre governantes e empresários e outras lideranças, que era a questão da saúde pública e suas relações com algumas variáveis como a precariedade do saneamento básico, o surgimento ou recrudescimento de algumas epidemias, inclusive relacionados com animais silvestres.

Foi preciso surgir uma epidemia que fugisse ao controle das autoridades sanitárias, diante da baixa qualidade dos serviços públicos de saúde, mesmo em países desenvolvidos, para que o mundo viesse a entrar em um grande pânico, simplesmente pelo fato de que não havia e ainda não existe medicamento para tratamento e nem vacina para controlar e combater a pandemia que já infectou, até o último dia 30 de setembro de 2020, quase 34 milhões de pessoas ao redor do mundo e matou mais de um milhão de vitimas, principalmente integrantes de grupos mais vulneráveis e excluídos social e economicamente. Refiro-me ao “novo” coronavírus ou COVID 19.

Esta pandemia, com certeza não estava bem definida e identificada nos radares desses grandes centros e instituições que tentam, sempre, desesperadamente, perscrutar o futuro, na tentativa de controlar fatores, variáveis ou fatos que possam impactar negativamente o mundo todo ou os interesses nacionais ou de grandes corporações transnacionais, são os chamados fatores disruptivos ou portadores de futuro.

O fato é que a COVID-19 desarticulou todos os governos, toda a economia mundial, enfim, todas as atividades humanas e sociais e até que esteja disponível alguma vacina que possa, de fato, imunizar a população mundial, continuamos vivendo um verdadeiro sufoco, principalmente as consequências sociais como o aumento do contingente de pessoas sem trabalho e sem renda, dependendo da caridade pública (medidas e fontes de renda emergenciais) ou da solidariedade das pessoas e instituições com preocupações humanitárias.

Mesmo que praticamente todos os países já estejam “flexibilizando” as restrições impostas durante esses últimos seis meses e estejam “retornando” ao que estão chamando de “novo normal”, ainda assim, diversas outras ameaças e desafios pairam sobre nossas cabeça, inclusive a possibilidade do surgimento de novas epidemias e pandemias relacionados com animais silvestres ou catástrofes decorrentes da crise climática e ambiental.

O Fórum Econômico Mundial há 15 anos realiza e publica estudos relacionados com fatos portadores de futuro, denominado de “Relatório dos Riscos Globais”, classificados em duas dimensões: a) probabilidade de ocorrência de cada risco/ameaça e, b) impacto que cada risco produz no mundo ou em determinadas regiões ou países.

Alguns desses riscos são substituídos ao longo desses anos, o mesmo acontecendo tanto em relação `a probabilidade de acontecerem e seus impactos, tudo na forma de um “ranking”/classificação, em ordem de gravidade e do tamanho do impacto produzido, caso tais riscos/ameaças venham a se concretizar.

No Relatório relativo ao corrente ano (2020) os dez riscos com maiores probabilidade de ocorrerem são os seguintes: 1) clima extremo/mudanças climáticas; 2) fracasso das ações para combaterem as mudanças climáticas; 3) ocorrência de desastres naturais; 4) perda da biodiversidade; 5) desastres naturais provocados pela ação humana (exemplo das queimadas na Amazônia, no Pantanal, no Cerrado, demais biomas e centenas/milhares  de outros locais no Brasil ou em outros países); 6) fraudes e roubos cibernéticos; 7) ataques cibernéticos; 8) crise da água; 9) falência global de governos nacionais e, 10) bolhas econômicas e financeiras.

Já os impactos, desses ou de outros riscos/ameaças não mencionadas, entre os de maiores probabilidades de ocorrência, o mesmo relatório apresenta o seguinte “ranking”/classificação: 1) fracasso  das ações de combate às mudanças climáticas, ou seja, fracasso do Acordo de Paris, em que diversas países ou abandonaram o acordo, como aconteceu com os EUA ou alguns que simplesmente firmaram os compromissos e não os cumprem, como o caso do Brasil, cuja politica, estratégias e ações e omissões na área ambiental tem sido motivo de críticas dentro e fora do país, prejudicando, sobremaneira, a imagem no país, principalmente no exterior.

Os demais riscos/ameaças que causam os maiores impactos são os seguintes: 2) ameaça de armas nucleares e de destruição em massa; 3) a perda acelerada da biodiversidade mundial; 4) a ocorrência de mudanças climáticas extremas; 5) a crise aguda da água, que pode, tanto matar milhões de pessoas quanto provocar conflitos entre nações; 6) desarticulação total de redes e da infraestrutura de informação, o que colocaria em risco iminente tanto a soberania nacional quanto a oferta de serviços públicos essenciais; 7) o aumento de desastres naturais, como furacões, tornados, tsunami, secas prolongadas, chuvas torrenciais, boa parte dos quais decorrentes da ação do ser humano que continua destruindo a natureza e degradando o meio ambiente; 8) ataques cibernéticos, comandados por países ou organizações terroristas internacionais; 9) desastres naturais provocados pela ação humana, incluindo o aumento do desmatamento, das queimadas, da poluição do solo, do ar e das águas; e, 10) doenças infectocontagiosas e pandemias.

Neste último caso, mesmo que na época da produção do relatório a COVID 19 ainda não estava em seu auge, vislumbrava-se que suas consequências sanitárias, econômicas, financeiras e na gestão pública poderiam ser desastrosas.

Todavia, mesmo com tantos alertas, inclusive de inúmeros cientistas, diversas países e seus governantes, incluindo o Brasil, pouco fizeram para se anteciparem e reduzirem os impactos dessa ameaça.

Resumindo, em termos de probabilidade de ocorrência, cinco ameaças/riscos foram classificadas como ambientais;  e uma em cada variável, a saber: econômica; geopolítica, social e tecnológica. Considerando os impactos, também cinco foram classificados na dimensão ambiental; dois na social; um na econômica e dois na tecnológica.

Um outro estudo de grande repercussão foi realizado pela ONU, durante quase nove meses, tendo iniciado em janeiro de 2020 e apresentado seus resultados há poucas semanas, por ocasião das comemorações dos 75 anos do surgimento da ONU,  denominado “UN75 2020 e depois”,  com o lema “construindo/modelando nosso futuro juntos” e o tema “O futuro que queremos e a ONU que precisamos”.

Na ocasião do lançamento da pesquisa que iria embasar o Relatório, o Secretário Geral da ONU António Guterrez, assim resumiu o desafio que estava sendo proposto “Juntos nós devemos ouvir o mundo e juntos nós precisamos agir”.

Foram entrevistadas mais de 1,0 milhão de pessoas em, praticamente todos os países, uma amostra da população mundial incluindo gênero, raça, faixa etária, local de residência, status socioeconômico e outras mais, além mais 50 mil entrevistas em 50 países por um grupo independente “Edelman Inteliggence”, em parceria com a Pew Research Center, para, finalmente, ser elaborado um relatório de 94 páginas que a ONU disponibilizou há poucas semanas por ocasião da abertura da Assembleia Geral em comemoração aos 75 anos da mesma.

As principais conclusões e os principais desafios, ameaças e riscos que esta pesquisa mundial chegou, dentro do contexto de uma visão de futuro, sem perder de vista a existência dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável ou a chamada AGENDA 2030, para os próximos anos ou talvez algumas décadas foram resumidos em 10 dimensões.

De forma sintética, esses desafios são os seguintes: 1) tem havido uma redução da cooperação internacional para, de fato, conseguir atingir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e suas mais de 160 metas; 2) Aceleração da crise climática com danos irreversíveis e irreparáveis; 3) ameaça cada vez maior da proliferação e possibilidade de uso de armas nucleares e de destruição em massa; 4) alteração do perfil demográfico, aumento populacional e envelhecimento rápido da população em diversas países, migrações internas e internacionais forçadas, gerando crise humanitária; 5) ameaças cibernéticas e desarticulação de grandes sistemas produtivos, de comunicação, afetando, inclusive sistemas de transporte, de abastecimento e a segurança nacional e internacional; 6) aumento das tensões geopolíticas e surgimento ou agravamento de conflitos bélicos regionais, colocando em risco a paz regional e internacional; 7) aumento acentuado dos diversas tipos de violência, desde a violência doméstica e de gênero, a violência social, politica, a proliferação do terrorismo e do crime organizado transnacional; 8) aumento da desigualdade social, econômica, regional e de gênero, aumentando a pobreza, a miséria e a fome; 9) aumento da chamada “rebelião das massas”, com grandes “ondas” de protestos como tem ocorrido na Europa, nos Estados Unidos, em Hong Kong e diversas outros países e regiões; 10) aumento da exclusão digital, ampliando o fosso entre países e grupos sociais em relação ao domínio e acesso `as tecnologias de última geração, contribuindo para o surgimento de conflitos de interesse, como, por exemplo, a questão da Internet de alta velocidade, o 5G.

A ONU identificou três grandes prioridades que deveriam nortear as ações dos diversos países, sem o que, o futuro do planeta e da humanidade está em jogo: a) prioridade global e urgente  - ampliar o acesso aos serviços públicos essenciais de qualidade e sua universalização como educação; saúde, saneamento básico e alimentação; b) ampliar as medidas de solidariedade e apoio `as áreas em crise, onde vivem  mais de 2,8 bilhões de pessoas; c) combater de forma efetiva as desigualdades e injustiças que geram pobreza, fome, miséria e degradação humana.

Além dessas três prioridades o Relatório também destaca como desafios urgentes a serem enfrentados, os seguintes: a) proteção efetiva ao meio ambiente e combater/controlar/reverter as mudanças climáticas; b) garantir os direitos humanos, incluindo o acesso aos serviços públicos de qualidade e uma melhor distribuição da justiça.

Consoante com suas atribuições que é de também analisar as tendências e tomar medidas de controle do Sistema financeiro, em novembro de 2019, em uma conferencia sobre “A economia das mudanças climáticas”, um dos integrantes do Conselho Diretor do FED/Banco Central Americano, falou com todas as letras sobre os impactos das mudanças climáticas na economia dos EUA, enfatizando que “projeta-se (estudos de futuro) que os riscos climáticos tenham profundos efeitos sobre a economia e o sistema financeiro norte americano”.

E há poucas semanas, nesta mesma linha de alerta, o Relatório da Comissão Federal (do próprio Governo e Congresso dos EUA) também declarou publicamente que as mudanças climáticas podem desestabilizar todo o Sistema financeiro e mercado futuro dos EUA.

Uma última observação que devemos ter em conta é que mesmo que todos esses estudos se refiram a riscos, ameaças e desafios globais, as ações humanas que provocam essas ameaças são realizadas ou deixam de ser realizadas em cada localidade do planeta, razão pela qual todas as pessoas devem observar o que está acontecendo no planeta a partir de sua inserção no território e agir de forma mais responsável.

Por exemplo, uma pessoa que provoca queimada, seja por ato criminoso, por descuido ou acidente, deve pensar que sua ação pode redundar em uma grande ou várias imensas queimadas como as que estão acontecendo no Pantanal, no Cerrado, na Amazônia ou em qualquer outro bioma brasileiro. Só no Pantanal este ano já foram destruídos mais de 3,7 milhões de ha, com perdas irreparáveis para a biodiversidade, além dos prejuízos econômicos e sociais.

De forma semelhante, governantes, sejam no âmbito federal, estadual ou municipal que se omitem ou fazem vistas grossas para crimes ambientais ou promovem o sucateamento de órgãos de fiscalização ambiental também estão contribuindo para a degradação do meio ambiente ou de outros fatores que reforçam riscos e ameaças globais.

De forma semelhante, empresários que teimam em destruir a natureza, provocando danos ambientais, imaginando que suas ações nada tem a ver com as mudanças climáticas, também contribuem para a destruição da biodiversidade, para o aquecimento do planeta e outras mazelas que bem conhecemos.

Como podemos perceber, existe uma grande preocupação com as diversas ameaças globais que pairam sobre todos os países, com destaque para as questões ambientais, que, em outros estudos tem sido consideradas como os novos paradigmas do desenvolvimento ou o que o Papa Francisco tem exortado quando fala da “Nova Economia” e que um desenvolvimento realmente humano, precisa estar focado não apenas ou exclusivamente na “saúde” das empresas e na busca desenfreada pelo lucro, sacrificando/destruindo, inclusive  a natureza, mas sim, ter como base o respeito ao meio ambiente, `a dignidade da pessoa humana, onde a exclusão social que atinge mais de 80% da população mundial seja algo de um passado muito triste que deve ser superado.

Enfim, todos esses estudos servem de alerta para que passamos refletir de uma maneira mais consciente e responsável em relação à natureza e que a mesma deve ser um patrimônio não apenas da atual geração, mas, fundamentalmente, um legado a ser deixado para as futuras gerações. Se assim não for, vamos deixar um passivo ambiental impagável para o futuro!

*JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.  twitter@profjuacy

Segunda, 28 Setembro 2020 12:32

 

 

****
 
Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 

****

 

JUACY DA SILVA*

Todas as pessoas, com raríssimas exceções, gostariam de viver em cidades limpas, sem esgoto correndo a céu aberto, com ruas, avenidas, praças, parques e quintais totalmente arborizados; com inúmeros parques, áreas verdes, margens de córregos e rios cobertos de vegetação e com águas limpas; cidades sem poluição oriunda das chaminés das fábricas ou de imensas frotas de veículos que lançam diariamente milhões de toneladas de gases tóxicos na atmosfera; sem favelas e habitações que não atendem aos requisitos da dignidade humana, com sistema público de transporte, eficiente, seguro, movidos por fontes de energia limpa e renovável; com calçadas que permitam que idosos, crianças, pessoas com deficiência ou mulheres empurrando os carrinhos de seus filhos possam se locomover com segurança; sem lixões onde amontoam dezenas ou centenas de milhares de pessoas buscando no lixo seu sustento e sua comida do dia-a-dia, misturando-se com urubus, ratos, cobras e outros animais peçonhentos ou rejeitos tóxicos, onde a educação ambiental seja parte dos currículos escolares em todos os níveis, para que as crianças, adolescentes, jovens e adultos possam despertar para a consciência ecológica/ambiental e melhor cuidarem do planeta.

Enfim, isto e muitos outros aspectos é o que fazem das cidades lugares aprazíveis para se viver, com qualidade de vida, com segurança e com saúde ou o que podemos denominar do BEM VIVER. Cidades assim são denominadas de CIDADES VERDES ou então CIDADES SUSTENTÁVEIS. Este deve ser o sonho de consumo de milhões e bilhões de pessoas que jazem `a margem da sociedade, excluídas econômica, social, ambiental e politicamente.

A grande maioria das cidades mundo afora, inclusive no Brasil, mais se parecem com áreas segregadas, verdadeiros apartheids sociais e econômicos,  onde convivem, as vezes lado a lado, uns poucos bairros ou residenciais de alto luxo, com características de uma cidade verde ou sustentável, e a maior parte do espaço urbano com as características que bem conhecemos e, as vezes, principalmente os governantes, fingem não perceberem que mais de 80% da população de algumas cidades vivem na mais precária e degradante situação e condição de vida.

Diante de tantos desastres e degradação ambiental que vem ocorrendo em diversas países, em todos os continentes, inclusive no Brasil, em todos os Estados e municípios, diante da constatação de que as mudanças climáticas estão se tornando uma ameaça `a vida no planeta e a própria sobrevivência da humanidade, parece que, a duras penas o nível de consciência ambiental vem ganhando espaço paulatinamente, mas, em minha opinião, ainda de forma muito vagarosa. Parece que ainda não acordamos deste sono letárgico, desta alienação que, de forma passiva nos impõe um olhar desvirtuado desta triste e cruel realidade.

Todavia, além desses aspectos, outro fator que também tem contribuído para este despertar vagaroso da consciência quanto à gravidade da situação ambiental é que a população mundial, em praticamente todos os países está cada vez mais concentrada no meio urbano, onde é gerada a maior fatia do PIB mundial e também onde são produzidos os maiores volumes de gases de efeito estufa, oriundos, basicamente, dos diversas tipos de poluição, principalmente da poluição do ar e que são os maiores causadores do aquecimento do planeta e a maior causa das mudanças climáticas.

Diante do avanço da urbanização que tem ocorrido, principalmente nos países do chamado terceiro mundo e também dos países emergentes, que, por ironia são os mais populosos, a preocupação com o desenvolvimento sustentável e com a presença do verde, tem se tornado um elemento crucial no que concerne ao planejamento estratégico e sustentável das cidades. Daí, o surgimento do conceito de cidades sustentáveis e de cidades verdes.

No contexto da sustentabilidade e, principalmente, das cidades sustentáveis, o verde é condição necessária, mas não suficiente, para que as cidades possam, de fato, serem consideradas sustentáveis. No entanto, podemos afirmar, sem sombra de dúvida , de que sem o verde, abundante, sem arborização dos espaços públicos e privados, sem áreas verdes, sem áreas de proteção ambiental, sem quintais verdes, sem florestas urbanas, uma cidade, mesmo que tente atender `as demais dimensões da sustentabilidade, jamais poderá ser considerada uma cidade sustentável.

O verde é essencial para proteger as nascentes, as margens de córregos, dos rios e lagos, para sequestrar carbono e outros  gases tóxicos que são lançados diariamente e se acumulam na atmosfera, para embelezar a cidade, para dar sombra e frutos, para propiciar a existência da biodiversidade, para manter o regime das chuvas, para a valorização dos imóveis, para garantir saúde para todos e para melhorar ou garantir uma boa qualidade de vida.

O conceito de sustentabilidade como é conhecido e utilizado atualmente, surgiu em 1987, quando da apresentação do Relatório “NOSSO FUTURO COMUM”, produzido, a pedido da ONU, pela Comissão Brundtland, quando a ideia de desenvolvimento sustentável passou a ser uma preocupação e um dos mais importantes pressupostos do planejamento urbano e, também de cientistas e líderes mundiais.

Por decisão da Asssemblaia Geral da ONU aquela Comissão tinha como mis são e objetivo analisar os impactos que as atividades humanas tem ou tinham sobre os recursos naturais do planeta, ou seja, sobre o meio ambiente.

No entanto, mesmo antes do Relatório da Comissão Brundtland, nos EUA, em 1969, quando da aprovação da primeira legislação nacional de proteção ao meio ambiente, o conceito de desenvolvimento sustentável foi formulado/definido como sendo o desenvolvimento econômico que beneficie a atual geração (daquela época ou de cada época considerada) e também  sem prejudicar as futuras gerações e, ao mesmo tempo, sem causar danos (degradação ambiental) aos recursos do planeta, incluindo seus recursos biológicos/biodiversidade, as águas, o solo e o ar.

Daí surge a certeza, baseada em estudos, pesquisas e constatações científicas, de que os recursos naturais não são infinitos, mas sim limitados e não podem ser explorados de forma predatória, mas com parcimônia e no contexto do bem comum e da justiça ambiental.

Desde meados da década de 1960, com ênfase nos anos seguintes e com mais vigor na atualidade, em todos os centros de estudos, pesquisas e universidades a questão da sustentabilidade passou a ser objeto de análise em diversas disciplinas acadêmicas e, aos poucos surgiu a certeza de que apenas na interdisciplinaridade, em uma perspectiva holística, podemos pensar, planejar e gerir as cidades, tendo como foco central o que hoje conhecemos como CIDADES SUSTENTÁVEIS, CIDADES VERDES ou sustentabilidade urbana. Isto está muito próximo do que o Papa Francisco tem enfatizado na Encíclica “Laudato SI”, quando fala de ECOLOGIA INTEGRAL.

O ano de 2015 é um marco significativo para as relações da humanidade e a natureza. Naquele ano o Papa Francisco apresentou ao mundo a Encíclica LAUDATO SI (a chamada Encíclica Verde), enfatizando as ideias e conceitos de que tudo neste planeta terra, que é a nossa CASA COMUM, está interligado nesta teia de relações, de que os recursos naturais devem ser usados para o bem comum e a melhoria da qualidade de vida da população inteira e não apenas como um bem privado ou de apenas alguns países ou grupos dominantes, que visam única e exclusivamente a exploração irracional dos recursos naturais e o lucro, que é o motor de uma economia insana e desumana, razão pela qual o Santo Padre tem também insistido quando fala da NOVA ECONOMIA ou a ECONOMIA DE FRANCISCO.

Foi também em 2015 que a ONU, ao se encerrar o período do que eram considerados os OBJETIVOS DO MILÊNIO, foram substituídos pelos 17 OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENÁVEL e suas 161 metas, como forma de balizar o desenvolvimento dos países até o ano de 2030, a chamada AGENDA 2030.

Mais de 190 países firmaram o compromisso de atingir tais objetivos e metas até o ano 2030 em diversas áreas, a quase totalidade delas que tem uma estreita relação com o meio urbano, com as cidades, onde a cada ano uma maior proporção de pessoas fazem seu local de residência/moradia e trabalho.

Apesar de já terem se passado cinco anos desses marcos internacionais, muitos países ainda ignoram, inclusive o Brasil, os Estados e municípios a importância desses objetivos e suas metas como bússolas para planejarem, definirem politicas, estratégias e ações para que os mesmos sejam conquistados.

De forma semelhante, apesar da ênfase contida na Encíclica Laudato Si e das constantes exortações do Papa Francisco, a grande maioria dos católicos, incluindo fiéis, sacerdotes ou mesmo membros da alta hierarquia da Igreja em diversas países, inclusive no Brasil, simplesmente continuam ignorando o conteúdo da Encíclica Verde, as exortações e apelos do PAPA e pouco ou quase nada existe em termos de atuação nas paróquias, dioceses e arquidioceses que demonstram que existe um empenho real da Igreja na defesa e cuidado com o meio ambiente.

Mesmo que praticamente todos os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável direta ou indiretamente estejam relacionados com o meio ambiente e com as cidades, onde vivem os maiores contingentes populacionais, alguns tem um significado maior para a sustentabilidade urbana.

Alguns estudiosos, tentam classificar ou agrupar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) em quatro grupos, a saber: Dimensão social: 1) erradicação da pobreza; 2) fome zero e agricultura sustentável; 3) saúde e bem estar; 4) educação de qualidade; 5) igualdade de gênero e 10) redução das desigualdades; Dimensão ambiental: 6) água potável e saneamento básico; 7) energia limpa e acessível; 12) consumo e produção responsável; 13) ação contra as mudança global do clima; 14) vida na água; 15) vida Terrestre; Dimensão econômica: 8) trabalho decente e crescimento econômico; 9) indústria, inovação e infraestrutura e 11) cidades e comunidades sustentáveis e, finalmente, Dimensão institucional: 16) paz, justiça e instituições eficazes e, 17) parcerias e meios de implementação.

Como em todas as classificações, não existem limites rígidos entre os grupos de objetivos, muitos ou todos estão inter-relacionados e os efeitos das ações ou omissões em relação aos mesmos também tem caráter holístico.

Por exemplo o Objetivo número 11 estabelece: “Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”,  está intimamente relacionado com os seguintes objetivos:15 “Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade”, bem como o Objetivo 13. “Tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos” e também os demais objetivos inseridos no contexto da dimensão ambiental e, intimamente interligados com o de numero 2. “fome zero e agricultura sustentável”, principalmente com a agricultura urbana e periurbana e também com o objetivo 12. “consumo e produção responsável”, que se assim não acontecer estaremos produzindo a cada dia e a cada ano um volume muito maior de resíduos sólidos/lixo, principalmente plásticos, que irão aumentar a poluição das águas (córregos, rios, lagos/lagoas e os oceanos).

Também é importante destacar que na elaboração e aprovação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável é feita uma referência explícita ao Acordo de Paris, que estabeleceu uma série de compromissos de todos os países com medidas e ações que consigam reduzir as emissões de gases de efeito estufa de tal maneira que a temperatura média do planeta fique entre 1,5 e 2,0 graus centigrados a mais, considerando o marco temporal dos níveis pré-industriais.

Com certeza, o terceiro marco importante na questão ambiental foi, sem dúvida, a aprovação do ACORDO DE PARIS, também em 2015, estabelecendo que “Reconhecemos que a UNFCCC [Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima] é o principal fórum internacional e intergovernamental para negociar a resposta global à mudança climática. Estamos determinados a enfrentar decisivamente a ameaça representada pela mudança climática e pela degradação ambiental.”

Apesar deste compromisso solene, alguns países, como os EUA deixaram o Acordo e outros, como o Brasil, pouco fazem para de fato, cumprirem integralmente os compromissos assumidos naquele Fórum Ambiental Internacional.

Em 2018, o IPEA publicou um documento bem extenso (546 página) intitulado “AGENDA 2030 ODS – Metas Nacionais dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”,  detalhando cada objetivo, suas metas e indicadores e quais são os compromissos firmados pelo Brasil para que em 2030, passamos dar a nossa contribuição para um mundo melhor, com melhor qualidade de vida, economicamente menos injusto, socialmente mais solidário,  ambientalmente mais sustentável e democraticamente mais transparente e participativo. Estamos muito longe de atingirmos aqueles objetivos e metas, apesar dos discursos falaciosos de nossas autoridades.

O que seria razoável é que tanto o Governo Federal quanto os governos estaduais e municipais incluíssem, de forma explícita, tais objetivos, metas e indicadores em seus respectivos planos, politicas, estratégias e ações de governo, visando, de fato, um desenvolvimento sustentável, integrado, articulado, enfim, uma agenda cujo horizonte deve ser o ano de 2030, de acordo com a ONU e todos os países, inclusive o Brasil, que se comprometeram com a AGENDA 2030.

No entanto, todas essas instâncias governamentais não conseguem sequer planejar os períodos de seus mandatos/gestões e nunca, ou praticamente quase nunca, uma administração/gestão governamental consegue dar continuidade `as ações de seus antecessores, acarretando paralização de obras e serviços públicos, desperdício de recursos humanos, materiais, financeiros e tecnológicos escassos, o que significa um verdadeiro crime contra a administração pública, a população e o país.

Quando falamos em cidades e comunidades sustentáveis, não podemos perder de vista que a primazia das ações deve ser dos poderes/organismos públicos, afinal, a população está a cada dia mais sujeita, no caso do Brasil, a uma das maiores cargas tributárias do mundo e pouco ou quase nada recebe em retorno na forma de obras e serviços públicos essenciais e de qualidade, incluindo serviços ambientais.

Todavia, existe um grande espaço para a ação voluntária, em todas as áreas relacionados com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) onde participam cada vez mais as pessoas, as organização não governamentais (ONGs), os clubes de serviços e entidades sindicais representativas dos trabalhadores e do empresariado e, também, algumas Igrejas de diferentes credos e denominações.

Se houver conjugação de ações, tendo os ODS como referenciais, com certeza, poderemos contribuir sobremaneira para que as CIDADES VERDES E SUSTENTÁVEIS, sejam, de fato, uma nova face da sustentabilidade urbana. Sem isso, continuaremos vivendo em cidades que representam um verdadeiro caos, onde a violência, a exclusão social e econômica, a corrupção, a marginalização social e a degradação ambiental estão presentes no dia-a-dia de milhões de brasileiros.

Na tentativa de identificar as características de uma CIDADE SUSTENTÁVEL OU CIDADE VERDE, mencionadas em diversas estudos e pesquisas disponíveis ao grande público e também aos gestores públicos e empresários, podemos mencionar alguns desses requisitos, a saber: 1) promover a agricultura orgânica urbana e periurbana (agroecologia, hortas domésticas, escolares e comunitárias); 2) encorajar dietas alimentares saudáveis, através da educação alimentar, com preferência para consumir alimentos orgânicos produzidos localmente; 3) reduzir o consumo e o desperdício de água, de energia e de alimentos, contribuindo para a redução da geração de lixo; 4) promover o reuso, a RECICLAGEM e a economia circular; 5) estimular o VERDE, através de amplos programas de arborização dos espaços públicos e privados, estimular a criação de QUINTAIS e moradias VERDES; 6) recuperar e preservar nascentes e cursos d’água (córregos, rios etc.) arborizando essas áreas; 7) estimular o cultivo de plantas medicinais e árvores frutíferas e pomares  principalmente em áreas urbanas e periurbanas desocupadas (incluindo verdadeiros latifúndios urbanos); 8) reconectar a cidade (área urbana) com seu entorno (áreas rurais), estimular os cinturões verdes; 9) criar corredores ecológicos dentro das cidades e entre cidades de uma mesma região fortalecendo a biodiversidade; 10) criar, ampliar e manter ciclovias, estimulando a substituição do transporte motorizado individual e coletivo, uma das maiores fontes de poluição urbana; 11) estimular e incentivar o uso de fontes alternativas de energia limpa, como a energia solar e eólica abundantes no Brasil; 12) construir e manter calçadas verdes e ecológicas, que favorecem o escoamento das águas de chuva e o deslocamento seguro de pedestres, pessoas com deficiência e mulheres com crianças de colo; 13) universalizar o abastecimento de água potável e esgotamento sanitário para todos os moradores, contribuindo sobremaneira para a melhoria da saúde pública e a qualidade de vida urbana; 14) promover a universalização da coleta e tratamento adequado dos resíduos sólidos/lixo; 15) promover a reciclagem de forma ampla, reduzindo significativamente o volume de lixo que não tem destinação correta e contribui para aumentar os níveis de poluição urbana; 16) reduzir e controlar os níveis de poluição urbana (poluição do ar, das águas e do solo); 17) estimular a redução do consumo de energia e estimular a eficiência energética em todos os setores e atividades urbanas; 18) estimular práticas sustentáveis na indústria, no comércio, nos serviços públicos e privados, na agropecuária e silvicultura, que conduzam a uma economia verde, uma economia circular de baixo carbono; 19) estimular e promover sistemas de transportes urbanos sustentáveis, facilitando a mobilidade urbana, reduzindo os níveis de poluição urbana e as mudanças climáticas; 20) universalizar e garantir moradia digna para todos os moradores das cidades, reduzindo drasticamente as habitações sub-humanas (favelas, casas de cômodo, palafitas e congêneres).

Com certeza, todos esses aspectos devem estar presentes no que poderíamos denominar de uma NOVA URBANIZAÇAO e em uma AGENDA URBANA SUSTENTÁVEL, sem o que se falar em cidades verdes e sustentáveis pode soar como apenas um reforço de discursos demagógico por parte das autoridades e gestores públicos.

Estamos em pleno período eleitoral, quando pouco mais de 147,9 milhões de eleitores, mesmo em meio `a pandemia do coronavírus, deverão escolher os futuros prefeitos e vereadores nos 5.570 municípios existentes no Brasil. A partir de 01 de Janeiro de 2021 esses eleitos estarão iniciando mais uma gestão municipal, momento, mais do que oportuno, para que a população pressione tais gestores a colocarem o meio ambiente no centro das ações municipais.

Oxalá todos os municípios possam construir uma AGENDA URBANA SUSTENTÁVEL, para que até o ano de 2030 possamos ter milhares de CIDADES VERDES E SUSTENTÁVEIS em nosso país.

Este desafio é de cada pessoa e de todos os brasileiros, é uma verdadeira cruzada da cidadania em prol da SUSTENTABILIDADE URBANA, ninguém pode se omitir, nem durante as eleições e muito menos após a posse dos novos eleitos. A cidade pertence, não aos seus governantes, que são transitórios, mas sim a todas as pessoas que nela vivem, lutam, trabalham, reclamam de suas mazelas e sonham com dias melhores!

*JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, articulista e colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy