Terça, 11 Julho 2023 16:48

 

Imposto progressivo e taxação de grandes fortunas deverão ser disputados em lei complementar

 

A Câmara dos Deputados concluiu, na última sexta-feira (07), a votação da reforma tributária (Proposta de Emenda Constitucional 45/19). Embora simplifique impostos sobre o consumo e promova alterações na legislação tributária bastante obsoleta do país, reforma não enfrenta problemas centrais da tributação brasileira e delega a uma lei complementar a definição, por exemplo, se a tributação será progressiva ou não.

A lei aprovada na Câmara prevê a criação de fundos para o desenvolvimento regional e para bancar créditos do ICMS até 2032, e unifica a legislação dos novos tributos. A proposta foi aprovada em dois turnos e segue para o Senado Federal.

 

 

Marcos Tavares, 1º vice-presidente da Regional Nordeste 3 do ANDES-SN, ressalta que a questão tributária no Brasil é bastante complexa e a reforma aprovada na Câmara simplifica impostos, reduz e limita em três o número de alíquotas - plena, média e zerada, esta última seria, por exemplo, para produtos da cesta básica. “Hoje, nós temos várias alíquotas e a reforma reduz e simplifica. Isso não é necessariamente bom ou ruim, vai depender de como a Lei Complementar vai atuar”, pondera. 

O diretor do Sindicato Nacional acrescenta, ainda, que caberá a uma lei complementar apontar para uma tributação progressiva, embora isso já esteja previsto no artigo 154 da Constituição Federal. Segundo o docente, esse será um aspecto de disputa e caberá às forças sociais atuarem para que a Constituição seja cumprida. “Na verdade, [a reforma] abre um campo de debate e disputa, em que se espera que os trabalhadores avancem e consigam exigir uma tributação mais progressiva para que, quem ganha mais, pague mais impostos”, ressalta.

Tavares alerta, ainda, que os movimentos sociais e sindicais devem pressionar para que a lei complementar contemple também a taxação sobre grandes fortunas. “É fundamental que seja, agora, aprovada uma lei complementar que faça com que a União cobre imposto sobre as grandes fortunas”, reforça.

 

 

Mudanças

De acordo com o texto, uma lei complementar criará o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), para englobar o ICMS e o ISS; e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) para substituir o PIS, o PIS-Importação, a Cofins e a Cofins-Importação.

A proposta cria dois fundos: um para pagar, até 2032, pelas isenções fiscais do ICMS concedidas no âmbito da chamada guerra fiscal entre os estados; e outro para reduzir desigualdades regionais. Esses fundos receberão recursos federais, aos valores atuais, de cerca de R$ 240 bilhões, ao longo de oito anos, e orçados por fora dos limites de gastos previstos no Arcabouço Fiscal (PLP 93/23).

O texto estabelece, ainda, outras formas de compensação das perdas de arrecadação com a transição para o novo formato, uma dentro do mecanismo de arrecadação do IBS e outra específica para a repartição do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a ser substituído por um imposto seletivo. Os valores de compensação do IPI também ficarão de fora dos limites do Teto de Gastos, ainda em tramitação.

Uma das novidades em relação a todas as versões já apresentadas, desde que o assunto vem sendo tratado ao longo das décadas, é a isenção do IBS e da CBS sobre produtos de uma cesta básica nacional de alimentos, a ser definida em lei complementar.

Além desta isenção, o texto prevê outras, de 100% ou 60% das alíquotas, contanto que aquelas aplicadas aos demais produtos sejam aumentadas para reequilibrar a arrecadação da esfera federativa (federal, estadual/distrital ou municipal/distrital).

Entre os setores contemplados estão serviços de educação e saúde, medicamentos e equipamentos médicos, transporte coletivo de passageiros, insumos agropecuários, produções artísticas e culturais e alimentos destinados ao consumo humano. Uma lei complementar definirá quais os tipos de serviços ou de bens desses setores serão beneficiados.

Adaptação

Caso seja aprovada ainda em 2023, a reforma tributária permitirá a adoção do imposto seletivo por medida provisória de maneira imediata. Quanto ao IBS (estadual e municipal) e à CBS (federal), que dependem de lei complementar para criá-los, o texto permite a cobrança da CBS a partir de 2026 com alíquota de 0,9% e de 0,1% do IBS a título de adaptação.

O valor calculado com essa alíquota poderá ser compensado pelas empresas com o devido a título de PIS/Cofins ou PIS-Importação/Cofins-Importação (no caso dos importadores). Se o contribuinte não conseguir compensar com esses tributos, poderá fazê-lo com outros devidos no âmbito federal ou pedir ressarcimento em até 60 dias.

A partir de 2027, a CBS substituirá definitivamente os quatro tributos federais sobre bens e serviços: PIS/Cofins e PIS-Importação/Cofins-Importação, finalizando a compensação.

O que for arrecadado com o IBS em 2026 será destinado integralmente ao financiamento da estrutura do Conselho Federativo, criado para gerir o tributo, e o excedente irá para o fundo de compensação dos incentivos do ICMS. Essa alíquota do IBS continuará a ser cobrada até 2028.

Imposto seletivo

Embora muitos detalhes dependam de lei complementar, e os tributos novos comecem a ser cobrados em 2026, já a partir da promulgação da futura emenda constitucional o Executivo federal poderá encaminhar medida provisória criando o imposto seletivo.

Esse imposto irá “conviver” com o IPI até 2033, quando este último será extinto. Entretanto, o seletivo não incidirá sobre produtos tributados pelo IPI, devendo ser cobrado pela produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos definidos pela MP, podendo ainda ser cobrado no mesmo ano de sua criação ou ter as alíquotas mudadas por decreto dentro do mesmo exercício.

O novo tributo não será cobrado nas exportações e poderá ter o mesmo fato gerador e base de cálculo de outros tributos, integrando essa base de cálculo do ICMS e do ISS, enquanto ainda vigentes, e do IBS e da CBS.

Zona Franca e IPI

A partir de 2027, o IPI terá alíquota zero para todos os produtos que também tenham industrialização fora da Zona Franca de Manaus (ZFM), que continuará a aproveitar os créditos desse tributo, para o qual conta com isenção, até 2033, quando será extinto e substituído pelo imposto seletivo.

Até 2078, ano atualmente previsto na Constituição para a vigência do tratamento tributário favorecido da ZFM, as empresas da região poderão contar com mecanismos para manter o diferencial competitivo assegurado à região nos níveis estabelecidos pela legislação dos tributos extintos pela reforma.

Isso deverá ser garantido pelas leis que criarem o IBS, a CBS e o imposto seletivo, o qual poderá ter sua incidência estendida às atividades da zona franca a fim de permitir o creditamento do tributo.

As leis desses tributos deverão garantir igual diferencial competitivo às áreas de livre comércio existentes em 31 de maio de 2023.

O texto prevê ainda a criação, por lei complementar, do Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Estado do Amazonas, com recursos da União para fomentar a diversificação de atividades econômicas no estado.

Esse fundo poderá suportar ainda eventual perda de receita do estado com as mudanças da reforma. A União poderá colocar receitas adicionais no fundo, contanto que haja redução de benefícios, segundo acordo com o governo amazonense.

Transição do ICMS e do ISS

Quanto ao ICMS e ao ISS, a transição ocorrerá por diminuição gradativa de suas alíquotas vigentes, reduzindo-se em iguais proporções os benefícios e incentivos vinculados. Assim, as alíquotas serão equivalentes às seguintes proporções das vigentes em cada ano: 90% em 2029; 80% em 2030; 70% em 2031; 60% em 2032.

A partir de 2033, o ICMS e o ISS serão extintos. De igual forma, para o período de 2029 a 2033, o Senado estipulará as alíquotas de referência do IBS a fim de compor a carga tributária diminuída dos impostos atuais. Nenhum dos impostos fará parte da base de cálculo de outro.

Entretanto, para ajustar a arrecadação à nova regra de cobrança do tributo a favor do ente de destino da mercadoria ou serviço, a PEC cria uma transição de 50 anos (2029 a 2078) a fim de distribuir a arrecadação total entre os entes federados segundo a receita média do ICMS, dos benefícios fiscais desse imposto e do ISS apuradas entre 2024 e 2028.

Transferências

As transferências constitucionais dos tributos extintos futuramente pela reforma continuam com os mesmos índices, com ajustes por causa da fusão do ICMS e do ISS e no direcionamento de parte da CBS para o pagamento do seguro-desemprego e do abono do PIS.

Assim, da arrecadação do IBS que caberá aos estados, 25% continuam a ser repartidos entre os municípios de seu território, mas com percentuais diferentes: 85% do montante, no mínimo, proporcionalmente à população; 10% desse montante com base em indicadores de melhoria nos resultados de aprendizagem e aumento da equidade segundo lei estadual; e 5% em montantes iguais para todos os municípios do estado.

Esses índices de rateio valerão inclusive para a parcela que o estado deve direcionar aos municípios do recebido da União referente à arrecadação do imposto seletivo em função da exportação de produtos industrializados, que contam com isenção.

Em relação ao seguro-desemprego e ao abono salarial, financiados pelo PIS, a PEC determina a reserva de 18% da arrecadação da CBS para essa finalidade, pois a nova contribuição abrangerá também outros tributos.

 

Fonte: Andes-SN (com informações da Agência Câmara de Notícias; Fotos: Zeca Ribeiro/ Câmara dos Deputados)

 

Segunda, 16 Dezembro 2019 15:17

 

Há décadas a sociedade brasileira clama por uma Reforma Tributária, pois o Brasil tem um dos modelos tributários mais injustos e regressivos do mundo.

 

Enquanto um mendigo que recebe moedas na rua e vai a uma padaria comprar um lanche paga diversos tributos embutidos no preço de seu lanche, banqueiros e grandes empresários que chegam a receber dezenas de bilhões de reais em lucros distribuídos não pagam um centavo sequer!

 

O projeto de lei PL 1981/2019 propõe a tributação dos lucros distribuídos aos sócios, cuja arrecadação estimada alcançaria R$ 85 bilhões por ano! Somente o Brasil e a Estônia não tributam lucros distribuídos aos sócios; todos os demais países tributam. Mas isso não está na pauta dos debates!

 

Grandes fortunas também não são tributadas no Brasil! Esse tema também não entra na pauta dos debates. O PLP 9/2019 propõe a cobrança de apenas 5% ao ano sobre as parcelas das grandes fortunas que excederem R$ 20 milhões, de pessoas que recebem mais de 320 salários mínimos por mês, ou seja, estamos falando de quem é muito rico – apenas 0,09% dos declarantes de Imposto de Renda no país. Essa tributação poderá gerar uma arrecadação tributária de cerca de R$ 38,9 bilhões por ano.

 

As propostas de Reforma Tributária em andamento no Congresso Nacional (PEC 110/2019, PEC 45/2019) não tocam nos temas acima e, ainda por cima, afetam o financiamento da Seguridade Social ao propor a transformação de contribuições sociais em imposto, acabando assim com a vinculação constitucional.

 

Ainda que conseguíssemos aprovar uma reforma tributária justa, estamos correndo grave risco de os tributos arrecadados serem desviados para investidores privilegiados, antes de alcançarem os orçamentos públicos! É disso que se trata o esquema fraudulento da chamada “Securitização de Créditos Públicos” embutido no PLP 459/2017 e na PEC 438/2018.

 

O PLP 459/2017 prevê a entrega do fluxo de arrecadação tributária em troca de adiantamento de recursos muitas vezes menor que o fluxo cedido. Em Belo Horizonte, conforme comprovado por CPI da PBH Ativos S/A, o município recebeu R$ 200 milhões de adiantamento (dívida contratada ilegalmente) e, em troca, comprometeu-se a desviar os impostos arrecadados no valor de R$ 880 milhões + IPCA + 1% ao mês sobre os R$ 880 milhões; não sobre o valor recebido! Além do escândalo do desvio dos recursos, que frauda toda a legislação de finanças do país, o dano financeiro é gigantesco, tornando esse negócio totalmente insustentável e extremamente arriscado.

 

A PEC 438/2018 insere o mesmo esquema da “Securitização de Créditos Públicos” de forma despistada, misturado com vários outros assuntos. Mas está lá, no art. 115, II, e, item 2 de seu texto, acrescentando ainda, no § 3º do mesmo artigo, que a cessão onerosa dos créditos não configuraria dívida, o que é mentira, conforme manifestação de diversos órgãos de controle federais e estaduais e também fartamente comprovado durante os trabalhos da CPI da PBH Ativos S/A em Belo Horizonte, que teve acesso aos contratos, escrituras e documentos referentes a esse modelo de negócios e comprovaram cabalmente a assunção de garantias públicas e até indenizações pelo ente federado.

 

Não existe garantia mais robusta que a própria entrega do fluxo da arrecadação tributária aos investidores privilegiados que adquirirem as debêntures emitidas pela nova empresa estatal (SPE) que está sendo criada para operar o esquema! O desvio de arrecadação se dá para o pagamento, por fora dos controles orçamentários, da dívida ilegal e onerosíssima, contraída sob a forma de adiantamento de recursos.

 

A terminologia “venda de direitos originados” de créditos usada nos projetos que pretendem “legalizar” esse esquema esconde que o que está sendo vendido é o fluxo da arrecadação tributária, o que acarretará rombo incalculável aos orçamentos de todos os entes federados, em todos os níveis (federal, estadual, distrital e municipal) comprometendo o funcionamento do Estado e a prestação de serviços para gerações atuais e futuras.

 

Tendo decifrado esse grave esquema financeiro, a Auditoria Cidadã da Dívida tem feito grande campanha para popularizar o seu conhecimento, e convocar a população para ligar, enviar mensagens e pressionar deputados(as) federais sob todas as formas para rejeitar o PLP 459/2017 e a PEC 438/2018. Participe você também!

 

 

Maria Lúcia Fatorrelli é auditora fiscal.

Texto publicado originalmente para o site Extra Classe, em 11 de novembro de 2019