Terça, 12 Abril 2016 13:32

Praças de Cuiabá

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GABRIEL NOVIS NEVES*
 

Resolvi fazer um passeio pelas praças da minha cidade. Iniciei meu city-tur pela “pração”, chamada de Campo d’Ourique - centro geodésico da América do Sul. Era uma enorme área, onde no século XIX e início do XX, a nossa gente se divertia com as touradas e festas religiosas, sendo a do Divino a mais marcante. A criançada aproveitava o local para as peladas de futebol. No final da década de sessenta o governo escolheu este espaço para construir o prédio da Assembléia Legislativa. Ninguém disse nada, e perdemos um precioso espaço de lazer em uma cidade rica em espaços livres. Asfixiamos aquela importante região, que hoje abriga a Câmara de Vereadores.
 
Prossegui em direção ao Porto. Em frente à antiga cadeia pública, outro grande espaço que poderia ser um maravilhoso bosque, foi fechado para a construção do hoje inviável, por questões, principalmente, de logística, o estádio de futebol Presidente Dutra, carinhosamente chamado de Dutrinha. Próximo ao Arsenal de Guerra, imensas áreas livres faziam a alegria da meninada aos domingos, onde “apareciam” vários campos de futebol. Por incrível que pareça todos esses espaços foram cedidos para construções de prédios públicos. A Praça do Porto continua ainda aguardando a construção de um prédio oficial qualquer. No momento serve de dormitório para mendigos, menores abandonados e ponto de prostituição.
 
No centro da cidade, passei pela Praça Ipiranga, outrora parque de recreação dos estudantes da Escola Modelo Barão de Melgaço – escola onde minha geração estudou. A Praça Ipiranga está localizada numa área que era um dos pulmões da cidade. Hoje parece uma cozinha, com fumaça de frituras por todos os lados. Herdou o belíssimo coreto da Praça Alencastro. Nesta última, para substituir o antigo coreto, foi construída uma fonte luminosa, paixão de todos os prefeitos da época.
 
Ainda no centro passei pela Praça da República, com a Matriz na sua cabeceira. Não é mais um ponto de lazer dos cuiabanos. Durante o dia funciona como passagem de pessoas, e local para pequenos protestos políticos. À noite é um local deserto e perigoso para a integridade física dos cidadãos.
 
Continuando pelo centro vou para a Praça Alencastro - ex-praça principal de Cuiabá. O Palácio do Governo ficava ali, mas foi demolido e no seu lugar foi construído esse monstrengo que é hoje a sede do governo municipal. Sem o gasômetro, símbolo de uma época da nossa história, sem o coreto das retretas, e a presença da sociedade cuiabana, essa praça só não foi utilizada para a construção de um prédio de trinta andares, por ser área tombada pelo patrimônio histórico. A Praça Alencastro atual só serve para se contratar negócios macabros, com preços de ocasião.
 
As praças dos bairros, construídas nos últimos quarenta anos, hoje funcionam como lugar de comercialização de drogas e fazendas do mosquitinho da dengue. O nosso bosque, outrora centro terapêutico para tratamento da coqueluche, virou praça para a comercialização de mercadorias. Possuímos praças sem vida, apenas para homenagear personalidades. A pracinha da Avenida Lava-pés, em área nobre da cidade, foi aproveitada para a construção de um sufocante prédio, hoje cedido a Secretaria de Cultura. Nos bairros periféricos e não tão periféricos também, as pracinhas funcionam como sinal de “Cuidado” aos seus moradores.
 
Uma cidade que destrói o seu passado, que não respeita as suas praças, ora fazendo ocupações irracionais com prédios ou jogando-as ao abandono, não é uma cidade, mas sim um lugar onde as pessoas ficam sozinhas juntas.
 

Gabriel Novis Neves, reitor fundador da UFMT, é médico em Cuiabá
 

 

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