Quinta, 16 Fevereiro 2023 11:42

RAIZES DA FOME - Juacy da Silva

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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JUACY DA SILVA*
 


“Enquanto eu distribuia alimentos aos pobres (assistencialismo) eu era considerado um santo; a partir do dia em que comecei a falar das causas/origens da fome, passei a ser considerado comunista” Dom Helder Câmara, Fundador da Caritas Brasileira e um dos fundadores da CNBB.

Em relação `a fome podemos identificar pelo menos quatro grandes grupos de causas (raízes): a) as estruturais/socioeconômicas e políticas;  b) as ecológicas/ambientais c) as geopolíticas que são as guerras, os conflitos armados entre grupos dentro de um mesmo país; d) os fenômenos da natureza como terremotos, furacões, tornados e vulcões. Com excessão das últimas, todas as demais tem suas origens nas ações ou omissões humanas, sociais, econômicas ou políticas.

Nesta reflexão/artigo, pretendo abordar apenas algumas dessas causas, no futuro podemos retornar a este assunto ampliando o escopo da análise.
No caso do Brasil, enquanto mais de 73% dos trabalhadores na ativa e 91% dos aposentados ou pensionistas vivem ou meramente sobrevivem com no máximo dois salários mínimos, que na verdade é um redimento de fome e ainda assim, tem o poder desta renda reduzida, comida pela inflação ao longo de décadas, minguando ano após ano, um número super reduzido de milionários e bilionários tem suas rendas, riquezas e propriedades sendo multiplicadas dezenas vezes, ampliando o fosso social entre esses dois grupos. Isto, com certeza, faz o regozijo do “deus” mercado, dos especuladores financeiros e dos rentistas, verdadeiros parasitas sociais e oportunistas políticos.

A inflação não é apenas um indicador técnico extrremamente valorizado pelos economistas e adoradores do mercado, mas sim um processo alimentado pelos agentes econômicos, principalmente pelo capital financeiro, coadjuvados pelas instituições públicas, vale dizer, governo, que, através de políticas públicas geram recessão, aumento da carga tributária e uma imensa injustiça fiscal, onde os mais pobres transferem renda, oriunda de trabalho sub valorizado, para os detendores do capital e dos meios de produção e seus defensores nas estruturas do poder, os chamados “marajás da república”.
Nesta esteira surgem as injustiças sociais, a concentração de renda, as desigualdades sociais, regionais e setoriais, a pobreza, a pobreza extrema, a miséria e A FOME, cujas raizes são estruturais, razões pelas quais não se combate a fome e nem a pobreza com assistencialismo e programas paternalistas ou manipulação política e eleitoral como a famosa distribuição de sacolões ou outros bens e serviços que são trocados por votos, colocando ou mantendo nas estruturas do Poder, as mesmas pessoas, os mesmos grupos que em lugar de defenderem os interesses, aspiraações ou necessidades do povo, transformam-se em representantes dos interesses dos grandes grupos econômicos ou de outros tipos.

Esta é a dinâmica socioeconômica, política e cultural que alimenta a exclusão de milhões de pessoas em todos os países, inclusive no Brasil e bilhões no mundo, que tornam as pessoas que fazem parte da chamada classe média em pobres; os pobres em miseráveis e os miseráveis em zumbis, mortos-vivos, onde a fome é apenas a face mais visível deste drama social que afeta essas pessoas, ante o olhar passivo, omisso e complacente da grande maioria da população, inclusive de governantes que, como o sacerdote e o levita, não socorreram um homem assaltado e violentado na estrada e mencionado por Cristo na Parábola do Bom Samaritano.

A fome é um dos dramas mais pungentes que tem acompanhado a humanidade ao longo de séculos e milênios. Muitos a associam com castigos dos “deuses”, de Deus; outras pessoas imaginam que a fome esteja ligada `a pobreza e que ambas são frutos da preguiça, de quem não quer trabalhar e outras pessoas, mais estudiosas tentam ir mais a fundo e identificar as suas verdadeiras causas e também as consequências da fome, que se não for debelada, provoca muito sofrimento, vergonha e a morte, como costumávamos ver através de reportagens dos diversos meios de comunicação, mostrando fotos ou cenas com pessoas literalmente morrendo de fome, pessoas vivas mais se parecendo com esqueletos humanos.

Tais cenas nós, brasileiros/brasileiras, associavamos isto como sendo uma realidade dura, nua e crua apenas em alguns países da Ásia, da America Latina e da África, continente este pilhado pela rapinagem dos países europeus durante séculos de ocupação e colonialismo, de violência, incluindo a destruição da natureza, da extração de recursos naturais e práticas desumanas como a escravidão, cujas consequências ainda estão presentes em todos os países que tiveram esta forma perversa e trágica de trabalho, na origem de sua riqueza e opulência capitalista, inclusive no Brasil.

A partir da próxima quarta feira de cinzas, quando para a Igreja Católica ocorre o período da Quaresma, 40 dias que devem ser de oração, reflexão, caridade (esmola), misericórida e arrependimento dos pecados, inclusive dos pecado social e ecológico, será realizada a CAMPANHA DA FRATERNIDADE (CF), conduzida pela CNBB e articulada em todas as Arquidioceses, Dioceses , Paróquias e comunidades católicas no Brasil inteiro.

Todos os anos a CNBB escolhe um tema e um lema para orientar as reflexões da CF. Neste ano de 2023, o tema escolhido foi “ FRATERNIDADE E FOME” e o Lema, um versículo da Bíblia que traz um mandamento que nos deixou o Mestre (Jesus) quando ante a fome das pessoas que o seguiam disse aos seus discípulos “Dai-lhes vós, mesmos, de comer”, Evangelho de São Mateus, 14:16.

A Cáritas Brasileira, fundada em 12 de novembro de 1956, é uma das 170 organizações-membro da Cáritas Internacional, que, ao longo desses quasee 70 anos tem prestado um grande serviço de apoio as pessoas pobres, excluidas, que sofrem e que também passam fome em nosso país.
Conforme dados de diversas Instituições públicas e privadas, nacionais e internacionais, a FOME, diferente do que pensava e dizia o último presidente da República, que não existe no Brasil, mas, repito, diversas organizações e centros de pesquisas tem demonstrado sobejamente que em nosso país em torno de 33 milhões de pessoas passam fome e mais de 130 milhões vivem em situação de insegurança alimentar.

O drama dos indígenas YANOMAMIS, que os meios de comunicação tem mostrado ao vivo e em cores e que tem maculado a imagem do Brasil ao redor do Mundo, é uma demonstração cabal desta tragédia humana, motivada, não por desígnios transcendentais ou castigo das divindades, mas pela ganância de uns poucos e também pela incúria, conviência e omissão de nossas autoridades que nada fizeram ao longo dos últimos anos para colocarem um paradeiro nas invasões das terras dos vários povos indígenas, na grilagem dessas áreas, na destruição do meio ambiente, na contaminação das águas e na desorganização social desses povos por garimpos ilegais, grileiros e madereiros é a prova mais clara e cabal de que a fome existe no Brasil e podemos identificar suas causas.

Outro exemplo da fome que podemos perceber todos os dias, muitas vezes bem ao nosso lado ao transitarmos pelas ruas, avenidas e praças das grandes e médias cidades é o aumento acelerado da chamada população em situação de rua. Segundo estimativas do IPEA esta realidade já atinge próximo de 300 mil pessoas.

A CNBB, representando a Igreja Católica, desenvolveu uma metodologia para orientar suas atividades pastorais que está sintetizada em 4 etapas: VER, JULGAR, AGIR e CELEBRAR. Isto significa que para agirmos e celebrarmos as vitórias sobre as mazelas que afetam o ser humano, precisamos primeiro olhar para a realidade, analisar de forma crítica e criadora a mesma; só então podemos interpretar, identificar as verdadeiras causas que deram origem ao problema ou desafio que pretendemos enfrentar.

Feito isto, cabe-nos definir as formas de AGIR, ou seja, o planejamento de nossas ações, através de projetos que contemplem todas as etapas de uma ação racional, com objetivos, metas , origem dos recursos e um calendário a ser seguido, sempre contando com a PARTICIPAÇÃO das pessoas que estejam em situação de vulnerabilidade, para que sejam tratados como sujeitos e não objetos de nossas ações.

A Cáritas Brasileira, tem insistido, desde as suas origens, que não podemos estimular apenas as ações assistencialistas, essas são importantes em caráter imediato, urgente diante de uma crise que esteja colocando em risco a vida e a própria sobrevivência das pessoas e que podem leva-las até a morte, como no caso da fome.

Diante da complexidade dos desafios sociais, econômicos, culturais e políticos que estão presentes na questão da vulnerabilidade social ou no que denominamos de exclusão e a configuração da sociedade brasileira em classes, a Cáritas enfatiza que existem Tres níveis de caridade: a ASSISTENCIAL “que oferece o peixe”; a PROMOCIONAL “ que ensina a pescar” e, finalmente, a LIBERTADORA “que pesca juntos”.

A Caridade assistencial é feita através de doações imediata de alimentos, roupas, assistência médica-hospital a quem tem fome, doente e passando por necessidades extremas; a Caridade promocional, é realizada através de cursos, treinamentos para que as pessoas marginalizadas ou em vulnerabilidade possam se qualificar e participar de forma mais efetiva do mercado de trabalho, são programas de geração de trabalho e renda.

Já a CARIDADE LIBERTADORA, procura despertar entre as pessoas excluidas, marginalizadas a consciência de que são cidadãos e cidadãs, sujeitos de direito e que precisam lutar para romper as amarras que as aprisionam em cadeias de exploração e manipulação política, social ou ideológica, que os problemas sociais e econômicos que afetam a população, como, por exemplo, a fome, a precariedade dos serviços de saúde e de educação, o desemprego, subemprego, a falta de moradia, a falta de terra para trabalhar, os esgotos que correm a céu aberto, a miséria, a violência e tantas outras mazelas, tem causas estruturais mais profundas e que não serão equacionadas com medidas assistencialistas,  mas sim através de mudanças, quase sempre radicais, das estruturas opressoras e exploradoras que geram tais anomalias sociais, que denominamos de exclusão e pobreza.

No caso da fome, podemos compara-la a uma árvore. A gente costuma ver uma árvore e sabemos que a mesma tem raizes que as alimentam e as sustentam, se cortarmos as suas raizes ou permitirmos que parasitas suguem sua seiva, com certeza, a árvora vai morrer, ou seja, vai desaparecer.
Assim também é a fome, o que nós vemos é sua forma aparente, mas o que dá origem e mantem a fome são suas raizes, que a gente, mesmo que imaginenos saber, não conseguimos ver `a primeira vista, preciamos ir mais ao fundo, identificar suas raizes e também os parasitas sociais, econômicos e políticos que sugam, exploram e se apropriam dos frutos do fator trabalho.

A raiz mestre ou o que se costuma chamar de “pião”, é a pobreza, em suas variadas formas e não apenas nos aspectos econômicos e financeiros, como até bem pouco tempo a maioria dos pesquisadores acreditava ser a única ou a principal causa da fome.

Se as pessoas não tem renda, não tem salário, se estão desesmpregadas faltam-lhes recursos suficientes para comprar os alimentos que lhes garantam a sobrevivência e, neste particular, esconde-se  outras mazelas oriundas das extruturas sociais, econômicas, culturais e políticas injustas, como a excessiva concentração de renda, riqueza e propriedades em pouquissimas mãos.

Essas estruturas injustas quase sempre são “alimentadas”, criadas e mantidas pela dinâmica do poder, onde as elites dominantes, as camadas abastadas da sociedade, ou o que se costuma chamar de “donos do poder” e os “marajás da república”, contribuem para a acumulação do capital via políticas públicas como subsídios aos grandes grupos econômicos, sonegação fiscal consentida; injustiça fiscal, juros subsidiados, “incentivos fiscais”, sem acompanhamento para avaliarem se realmente quem os recebe está contribuindo de alguma forma para gerar empregos e salários justos e decentes e não trabalho semi-escravo e salário de fome, como é o poder aquisitivo do salário mínimo no Brasil.

A ONU através de suas agências especializadas , como a UNEP, em 2022 aprofundou seus estudos quanto aos indicadores que devem ser utilizados para dimensionar a natureza e nuances da pobreza, que é, na verdade uma das ou a principal raiz da fome.

Até recentemente considerava-se pobre quem recebia em poder de compra relativo (a chamada PPP) até US$5,00 (cinco dólares) que em reais representa aproximadamente R$26,00 por dia e R$780,00 por mes e pobreza absoluta quem recebe ou dispõe de renda equivalente a US$1,90 ou R$10,00 por dia ou R$300,00 por mes, convenhamos valores que não são suficientes sequer para alimentar dignamente uma pessoa, bem abaixo até mesmo do salário mínimo de fome que vigora no Brasil até os dias de hoje.

Para a ONU a pobreza deve ser observada/entendida a partir de tres dimensões: Saúde, educação e nível ou padrão de vida, considerando 10 indicadores. Na saúde os indicadores são: nível de nutrição/desnutriçao e subnutrição e índices de mortalidade infantil; na educação: anos de escolaridade e frequência/matricula escolar e no nível/padrão de vida: fonte de energia usada para cozinhar; instalações sanitariás na habitação, acesso `a água potável tratada/qualidade, acesso `a eletricidade domiciliar; condições e tamanho da habitação, incluindo índices de saneamento comunitário e, finalmente, valor da propriedade.

Para finalizar, gostaria de refletir como a fome está relacionada com o fator trabalho, razão pela qual o Papa Francisco sempre tem insistido no que é chamado de tres “Ts”: terra, teto e trabalho. Sem trabalho as pessoas não tem como conseguir renda; trabalho incerto e intermitente, o chamado trabalho informal , o subemprego também não garante renda suficiente para ter sequer alimentação regular e de qualidade e, finalmente, com salário aviltado, o que eu chamo de salário de fome, como é o poder de compra do salário mínimo, as pessoas também não dispem de renda suficiente para alimentar-se ou atender as suas outras necessidades.

O poder aquisitivo do salário mínimo, que é regulado e manipulado pelo governo ao longo de mais de 80 anos, desde a sua criação em 1936, sua regulamentação em 1938 e estabelecimento de 14 faixas regionais de valor em 01 de Maio de 1940, perdeu em torno de 84% do poder aquisitivo neste período.

O DIEESE, instituição sindical de estudos e estatísticas do trabalho, demonstrou recentemente que o valor do salário mínimo a vigorar a partir de janeiro de 2023 ao invés de R$1.302,00 reais para manter o poder de compra que o mesmo tinha em 1940 deveria ser hoje de R$6.647,63.
Até 1984 vigoravam 14 faixas distintas regionais de salário mínimo, sendo que a em vigor na Capital da República, primeiro no Rio de Janeiro e ultimamente em Brasilia representava 3 vezes mais do que o Nordeste, demonstrando como uma política pública gera pobreza, fome e miséria.
Pela Constituição Federal de 1988, no Artigo sétimo está escrito, de forma clara, que “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social:.....IV Salário mínimo, fixado em Lei, nacionalmente unificado, capaz de atender suas necessidades vitais básicas e de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preserve o poder aquisitivo”.

Se considerarmos que 73% dos trabalhadores na ativa e 91% dos aposentados recebem no máximo dois salários mínimos e que 64,4% dos aposentados e 38% dos trabalhadores na ativa ganham apenas um salário mínimo, além de mais de 9 milhões de desempregados e mais de 39 milhões de subempregados/informalidade podemos entender o drama da fome no Brasil. Por isso, mais de 60 milhões de pessoas estão “penduradas” em programas emergenciais ou de transferência de migalhas orçamentárias, que não passam de medidas assistencialistas e de manipulação política eleitoral
Recuperar o poder aquisitivo do salário mínimo, concedendo apenas 2% ou 3% acima da inflação, a cada ano, o que é um sacrilégio para o “deus mercado” e um pecado para os economistas liberais ou neoliberais, vai demorar pelo menos 30 anos para repor o mesmo poder de compra que o salário mínimo tinha quando foi estabelecido em 1940.

Reduzir a carga tributária sobre aliemntos e sobre as camadas salariais com menor poder aquisitivo é a um so tempo medida de justiça fiscal e corrigir as distorções e regressividade do Imposto de Renda é,  ao mesmo tempo, uma forma melhor de combater a fome e devolver a dignidade a milhões de pessoas e famílias em nosso país.

Se continuar a mesma política de governo por mais alguns anos , dentro de uma década, o salário mínimo não chegará sequer a 10% em poder de compra do que representava há 83 anos, quanto menor for a renda real dos trabalhadores e dos aposentados no Brasil, maiores serão os índices de fome, de desnutrição, sub-nutrição e insegurança alimentar em nosso país.

O assistencialismo jamais vai combater efetivamente a fome, a pobreza, a miséria e a exclusão, precisamos de uma transformação profunda e radical nas estruturas sociais, econômicas e polítcas e também a definição e imnplementação de políticas públicas de valorização real do trabalho, de melhor cuidado com a ecologia integral e o cumprimento da Constituição, em sua integralidade, inclusive no que concerne aos direitos dos trabalhadores e da população em geral.


Não existe democracia de verdade em um país com dezenas de milhões de pessoas famintas, pobres, miseráveis, sem teto, sem trabalho, sem renda e excluidas. Precisamos urgentemente repensar os conceitos de democracia e de estado republicano de direito, para quem?


Da mesma forma que os atos terroristas de 08 de janeiro último em Brasilia foram considerados gravíssimos, a fome também é um atentado grave `a democracia, `a medida que solapa seus verdadeiros alicerces que é a cidadania plena, a garantia das pessoas viverem com dignidade, o que lhes é negado pela fome , pela pobreza e pela miséria!


Estava concluindo este artigo quando surgiu a notícia da entrevista do Presidente Lula anunciando que a partir de 01 de Maio próximo o valor do salário mínimo passará de R$1.302,00 para R$1.320,00 ou seja um aumento de R$18,00 reais por mes, nada mais do que 1,38% acima da inflação do ano passado (2022).  


Mesmo ante um aumento real praticamente insignificante para a vida de milhões de trabalhadores, o “deus mercado” reagiu negativamente, porquanto este aumento representará mais de R$7,7 bilhões de reais nos gastos do Governo Federal, quando nada é dito que o Governo Federal deverá gastar nada menos do que R$2,038 trilhões de reais, um aumento de 8,4%, dos R$1,88 trilhões de reais em relação ao que o governo Bolsonaro pagou em juros e amortização da dívida pública em 2022.


Tomando este percentual irrisório de aumento do poder de compra decorrente deste reajuste real do salário mínimo em 2023, para recompor o poder aquisitivo que o salário mínimo tinha em 1940, serão necessários 61 anos, ou seja, só em 2084.


O total do aumento de gastos públicos com este aumento/reajuste do salário mínimo em 2023 representa apenas e tão somente 0,38% dos gastos do Governo Federal com a rolagem da divida pública, contra isso nem os parlamentares, nem os economistas liberais e neoliberais e muito menos o “deus mercado” reagem, ficam todos de bico calado.

*JUACY DA SILVA, 80 anos, professor titular aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da PEI Pastoral da Ecologia Integral. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy 

 

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JUACY DA SILVA*
 


O Câncer, como todas as demais doenças não representam um “carma”, castigo de Deus ou uma mera loteria genética, mas, os seus cuidados estão diretamente relacionados com a realidade sócio-econômica e cultural que excluem as pessoas pobres quanto `a garantia de seus direitos humanos fundamentais, o principal deles que é a vida.


Enquanto as elites econômicas e os donos do poder dispõem de recursos próprios ou oriundos do Tesouro, para buscarem atendimento em hospitais de primeira linha em São Paulo, Rio de Janeiro, em diversas capitais ou até no exterior, os pobres, miseráveis e excluídos engrossam as filas, virtuais ou fisicas, das unidades de saúde sucateadas e sem condições de atenderem a quem precisa. Esta é a realidade da saúde pública em nosso pais.


Há poucos dias, tendo em vista o DIA MUNDIAL DO CÂNCER 2023, “comemorado” no último dia 04 deste mes de Fevereiro, escrevi um artigo alusivo a esta questão, tendo sido publicado em diversos veículos de comunicação, após o que, compartilhei os “links”,  procurando ampliar o número de pessoas que poderiam ler e refletir sobre o desafio que esta doenca representa na atualidade.


Dando prosseguimento a essas reflexões sobre esta que é uma das mais temidas doenças que a cada ano afeta milhões de pessoas, grande parte das quais não resistem e acabam sucumbindo, o que representa uma grande perda e muito sofrimento familiar, nesta oportunidade gostaria de chamar a atenção quanto ao DIA INTERNACIONAL DO CÂNCER INFANTIL, cuja data de “celebração”, que na verdade é um alerta principalmente `as famílias que tem crianças, adolescentes e jovens, é o DIA 15 DE FEVEREIRO.


Este dia representa o início de um movimento mundial que surgiu em 2002; portanto, há pouco mais de duas décadas, pela união de esforços, de propósitos e de luta pela vida, entre 170 organizações de famílias de crianças com câncer, em mais de 93 paises, dando origem a uma rede internacional de apoio mútuo, que luta por melhores condições para prevenção, diagnóstico precoce, tratamento médico-hospitalar e apoio material, financeiro e psicológico, tanto às crianças vítimas de câncer quanto suas famílias, principalmente em países pobres, de renda baixa e média e em todos os países, para famílias pobres que não dispõem de recursos suficientes, sequer para se alimentarem, quanto mais para fazerem face aos custos elevados que o tratamento de câncer representa.


Surgiu assim a Organização Internacional de apoio `as famílias de crianças com câncer, cuja denominação em inglês significa (CCI - Childhood Cancer International), cuja missão fundamental é advogar pela garantia de todas as pessoas `a saúde, mas, principalmente, `a garantia dos DIREITOS DAS CRIANÇAS, em convenção da ONU que estabelece “ As crianças (neste conceito quem tem menos de 20 anos de idade) tem o direito de usufruirem do mais elevado padrão de cuidados e atendimento médico-hospitalar, material e financeiro, em caráter prioritário”; cabendo ao Estado, poderes e instituições públicas em cada país garantirem que tais direitos sejam não apenas reconhecidos mas, também, plenamente respeitados.


Conforme dados estatisticos e estudos publicados pela OMS – Organização Mundial da Saúde e outras organizações públicas e privadas nacionais e internacionais, a cada ano nada menos do que 400 mil crianças são diagnosticadas com algum tipo de câncer.


A taxa de sobrevivência varia de 80% nos países desenvolvidos a menos de 20% nos países pobres e de renda média, sendo que este mesmo perfil  sócio-econômico é observado em todos os países quando se leva em conta a classe social, ou seja, crianças com câncer pertencentes a famílias de alta renda tem muito mais chance de serem diagnosticadas e serem tratadas precocemente do que crianças com câncer cujas famílias são pobres e não dispoem de recursos e meios para fazer face a este desafio.


Na quase totalidade dos países, principalmente nos paises pobres e de baixa ou média renda a saúde publica, como acontece no Brasil, é um simulacro, ou seja, não dispõe de meios e recursos técnicos, tecnológicos, humanos, financeiros e orcamentários para oferecer uma saúde de qualidade em caráter universal; na maior parte dos casos está em completo abandono, sucateada e, ainda, sujeito `a corrupção que rouba os já minguados recursos necessários ao atendimendo dígno `a população.


Quem rouba recursos da saúde pública ou quando esta não tem índices de qualidade, são verdadeiros assassinos, pois impossibilitam que milhares de pessoas tenham acesso aos cuidados de saúde e a serem condenadas `a morte pela falta de atendimento e isto também é verdadeiro para as pessoas com câncer, inclusive, crianças com câncer.


No mundo morrem aproximadamente 180 mil crianças com câncer por ano, entre as mais de 400 mil que são diagnosticas todos os anos. O Câncer infantil, dependendo dos países, está sempre entre as tres principais causas de morte de crianças, adolescentes e jovens com menos de 20 anos.
A Meta estabelecida pela OMS juntamente com diversos governos nacionais e outras instituições públicas e privadas é de elevar para 60% a média mundial de sobrevivência de crianças com câncer e, assim, reduzir em um milhão de mortes de crianças com câncer em uma década.


A Campanha em curso entre 2021 a 2023 tem como tema “A sobrevivência com melhores cuidados/dignidade é possível” e o símbolo representa que “de mãos dadas” podemos garantir vida digna e plena a todas as crianças com câncer.


Neste sentido dar as mãos representa tanto a solidariedade quanto o espírito de luta para a garantia dos direitos das crianças viverem felizes, mesmo aquelas que são diagnosticadas com câncer e que a presença do Estado/Poderes Públicos é fundamental nesta caminhada, imprescindível. Direito este que não pode ser negado a quem luta desesperadamente pela vida.


Da mesma forma, tenho plena convicção que cabe ao ESTADO, ou seja, `as instituições públicas, como bem atestam tanto os acordos internacionais aprovados sob os auspícios da ONU/OMS quanto, no caso brasileiro, a nossa Constituição Federal e a Lei de Criação do SUS, que diz e estabelece textualmente que “A saúde é um direito de todos e DEVER DO ESTADO”.


Diante disto, lutar para que nossos governantes, principalmente os integrantes dos Poderes Legislativos e Executivos definam e implementem políticas públicas, universais e humanizadas, para que a população pobre, mais de 120 milhões de pessoas tenham garantido este direito `a saúde, de verdade e não apenas no papel. Não podemos continuar passivos, omissos diante do sucateamento e da corrupção que campeiam, impunemente, na saúde pública sob a alegação de que é preciso respeitar o teto dos gastos e o equilíbrio das contas públicas, simplesmente não constar dos orçamentos públicos recursos suficientes para o pleno atendimento da população, quando se refere `a saúde publica.


É muito importante a responsabilidade fiscal na gestão das instituições públicas, mas da mesma forma, não podemos deixar de lado a RESPONSABILIDADE SOCIAL, ou seja, os orçamentos públicos não podem ser secretos, para beneficiarem uma minoria, dos donos do poder, mas sim, públicos e contemplarem, de fato, as demandas e necessidades da população.


Não tem sentido que o Orçamento Geral da União destine, todos os anos, ao longo de décadas mais de 50% dos gastos públicos com pagamento de juros, amortização e “administração” da DÍVIDA PÚBLICA, que ao longo dos últimos 6 ou 7 anos, destinaram alguns trilhões de reais, que contribuiram para que o sistema financeiro e seus agentes fiquem a cada ano mais ricos, milionários e bilionários valores quase dez vezes mais do que os recursos destinados `a saúde pública que deve atender milhões de pessoas, principalmente as pobres que vivem na exclusão.


Nossa luta por SAÚDE PÚBLICA de qualidade, humanizada e implementada com ética e transparência,, eficácia e efetividade deve ser permanente, e esta luta deve ser também implementada pelos organismos de controle social como os Ministérios Públicos Federal e Estaduais, afinal, essas instituições são consideradas “os fiscais da Lei”, e existem para realmente fiscalizarem e responsabilizarem os demais organismnos publicos que agem em desacordo com as Leis, principalmente, a nossa Constituição Federal.


Sobre o artigo que escrevi há poucos dias alusivo ao DIA MUNDIAL DO CÂNCER 2023, recebi diversas msg , inclusive uma solicitando-me se eu poderia agendar uma consulta, ante o que, informei que não sou médico , mas sim sociólogo e imagino que todas as pessoas precisam participar do despertar da consciência quanto `a necessidade de uma “educação para a saúde”, que possa representar a porta de entrada para os cuidados profissionais necessários e também o despertar da consciência de que como pessoas, cidadãos e cidadãs, temos o direito `a saúde, e em consequência, garantir nosso maior direito humano que é a VIDA. Recomendei, sugeri, que a pessoa procurasse alguma unidade de saúde pública e buscasse atendimento, pois isto é um direito de todas as pessoas.


Transcrevo uma das inúmeras msg recebidas, esta de uma amiga (virtual) psicóloga que, depois de ler o artigo, enviou-me sua reflexão que, julgo eu, possa também ser objeto da leitura de outras pessoas.


Segue a reflexão dessa minha amiga. “ Boa tarde, amigo! Obrigada por enviar seu texto. Estou me organizando por aqui e assim que conseguir ler conversamos e irei também lhe enviar meus textos por e-mail. Um forte abraço e uma boa semana!”


“Querido amigo, acabei de ler seu texto sobre o dia mundial do câncer. Fiquei bastante tocada com o tema pois fui acometida de um carcinoma de mama em 2006 aos 35 anos. E hoje estou viva graças à prevenção que me acompanha desde então. Em minha família muitas tias inclusive minha mãe, tiveram câncer de mama e faleceram pela doença. Por isso fico vigilante. Seu texto me chama muito a atenção por alertar sobre o aspecto multi-dimensional da abordagem sobre o cuidado e prevenção do câncer. Concordo enormemente com sua ideia de que justiça social deve ser o alicerce para a saúde pois isso engloba a conscientização acerca da prevenção mas também todo um cabedal de estruturas acolhedoras que precisam e devem existir quando se fala em saúde pública. Venho de família de uma classe social menos abastada e conheço os efeitos da injustiça social. Hoje, com meu trabalho, construí uma vida mais estabilizada para mim e me tocam as inúmeras atrocidades por falta de respeito à população.Seu texto é uma fotografia bem nítida dos problemas de saúde pública de nosso país. Você é um ser humano muito especial! Obrigada professor!”


São manifestações como esta que nos animam, mesmo com quase 81 anos, a continuar a escrever  semanalmente sobre temas variados, mas todos de cunho socioambientais e tão importante na atualidade mundial e brasileira.


Não ganho nada, financeiramente, com isso, apenas a certeza de que estou ajudando, de alguma forma, a despertar a consciência de que se nos omitirmos diante de tantas mazelas e desafios, com certeza os espíritos gananciosos e materialistas continuarão nadando de braçada e a pobreza, a miséria, a fome e a exclusão continuarão sendo esta grande e vergonhosa nódoa que tantos males continuam causando no mundo inteiro, inclusive em nosso Brasil.


De pouco adianta as pessoas se enrolarem na bandeira nacional e se auto denominarem “patriotas” se nada fazem para reduzir as desigualdades, a miséria, a opressão, a exclusão, o ódio, a violência e falta de acesso dos pobres `a saúde pública, que tantas vítimas continuam fazendo todos os dias em nosso país!

*Juacy da Silva, 80 anos, professor universitário aposentado UFMT. Sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da PEI Pastoral da Ecologia integral. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy

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