Sexta, 18 Fevereiro 2022 18:51

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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José Domingues de Godoi Filho*

A Mãe Terra parece estar ao abandono.
O impacto dos riscos geológicos
nas nossas vidas e na economia
 é enorme e nunca deixará de existir.
Inundações, tsunamis, tempestades, secas,
 incêndios, erupções vulcânicas, sismos,
deslizamentos e abatimentos de terras são responsáveis,
 todos os anos,
 pela perda de milhares de vidas,
 originando idêntico número de feridos e
 destruindo lares e meios de subsistência.
(Unesco, 2004.)

 


O conceito de áreas de riscos é abrangente, algumas vezes polêmico, mas, invariavelmente, envolve algum tipo de risco para as atividades da espécie humana em uma dada região da Terra. Os riscos e os respectivos desastres, que podem ser gerados, são produzidos tanto por processos naturais, como pela ação humana. A IUGS (União Internacional das Ciências Geológicas) define riscos geológicos como um termo que engloba fenômenos geológicos como deslizamentos de terras e erupções vulcânicas; os riscos hidrometeorológicos, do tipo inundações e marés extremas; riscos geofísicos, como sismos. “Qualquer processo da Terra que coloque em risco a vida humana pode ser considerado um risco geológico. O seu âmbito varia desde os acontecimentos locais (por exemplo, a queda de blocos de rochas e fluxo de lama) aos globais, que podem ameaçar a totalidade da espécie humana, como o impacto de asteróides e a ocorrência de grandes erupções em vulcões”.
 

A análise e avaliação dos processos geológicos superficiais que configuram o relevo implicam na necessidade de se considerar o resultado da interação entre as forças envolvidas com as Dinâmicas Interna e Externa da Terra.Os fenômenos de geração de vulcanismo, terremotos e deformações profundas no edifício da crosta terrestres estão relacionados às forças internas da Terra e geram grandes transformações na superfície do planeta, isto é, no relevo. A Dinâmica Externa que está associada aos agentes geológicos como as águas superficiais continentais, as águas oceânicas, os ventos e o gelo, tem como força principal de transformação a energia solar. Os agentes geológicos externos atuam sobre os materiais existentes desagregando-os, decompondo-os, transportando-os e depositando-os nas bacias de sedimentação.
 

O conjunto de processos de transformação do planeta envolvendo a Dinâmica Interna e a Dinâmica Externa ocorre há pelo menos 4,5 bilhões de anos, e é conhecido da espécie humana, sendo estudados sistematicamente pelo menos desde o século XIX.

Portanto, declarações, comuns em épocas de ocorrências de catástrofes, do tipo que “se conhece determinada região há mais de 50 anos e nunca nada aconteceu” não fazem o menor sentido, pois ainda que fossem séculos, nada significariam perto da idade de ocorrência dos processos geológicos na Terra.

Para atender suas necessidades, como energia, transporte, alimentação, moradia, segurança física, saúde, comunicação, a espécie humana é obrigada a ocupar e modificar os espaços naturais terrestres com a construção de cidades, indústrias, usinas para geração de energia, estradas, portos, canais, agropecuária, a extração de madeiras, minérios e combustíveis fósseis e a disposição de rejeitos industriais e urbanos. É a crosta terrestre que fornece a água e os solos que sustentam a espécie humana, a agricultura, as florestas e todas as demais formas de vida, além dos minerais necessários para as construções, à energia e a indústria. Assim, especialmente depois da segunda guerra mundial, como resultado da intensificação de suas ações, a espécie humana se tornou um agente geológico com elevado poder de transformação do planeta. Os ecossistemas naturais, até então resultado da interação da geologia e clima através do tempo passaram a sofrer grandes transformações impostas pelas atividades humanas. Daí a importância de se conhecer as dinâmicas terrestres para a compreensão do arranjo natural das paisagens, com suas formas de relevo, sua dinâmica de superfície, sua história geológica, suas características, seus comportamentos e suas vulnerabilidades frente a uma intervenção humana. É necessário dialogarmos com as pedras para estreitarmos nossa relação com a Terra.

As geociências, em particular a geologia, têm contribuído para melhorar o diálogo com a Terra com informações necessárias ao aproveitamento dos recursos minerais, energéticos e hídricos, à prevenção de catástrofes naturais e a melhor utilização do espaço físico.Atuando em interação com outras áreas do conhecimento como a agronomia, a química, a medicina e a engenharia civil, não tem deixado margem para culpar a natureza (com suas encostas e chuvas) pelas catástrofes.

Nas últimas décadas, as investigações dos problemas geológicos (estudos geoambientais) decorrentes da relação entre o homem e a superfície terrestre avançaram substancialmente, como resposta ao poder devastador da espécie humana, que tornou o homem um agente geológico com capacidade de transformação da paisagem, semelhante ou, em alguns casos, até maior que a dos eventos geológicos; porém, com uma velocidade muito superior e não assimilável pelo ambiente terrestre.  Um dos principais objetivos de um estudo geoambiental é fornecer aos administradores, planejadores e outros profissionais que atuam na organização e desenvolvimento territorial informações integradas sobre as principais características do meio físico e seu comportamento frente às várias formas de uso e ocupação. Este estudo é também empregado como instrumento de gestão ambiental de empreendimentos como mineração, hidrelétricas, túneis, estradas, indústrias, aterros sanitários, planos diretores, oleodutos, gasodutos e loteamentos e, ainda de regiões geográficas, tais como bacias hidrográficas, unidades de conservação, áreas costeiras, regiões metropolitanas e zonas de fronteira.

Para que essas informações produzam resultados e seja estabelecido um diálogo com a Terra, como recomendado pelos diferentes fóruns da IUGS/Unesco, “os cidadãos precisam conhecer onde e quando ocorrem os desastres naturais, a sua extensão, comportamento provável e duração”. Esta é uma questão que se relaciona com “o papel da ciência nas políticas de decisão pública, incluindo a forma como as questões como o risco e a incerteza, a qualidade e quantidade de dados influenciam quem usa a informação, que informação é necessária e com que objetivo ela é utilizada”. É fundamental a interação e a participação da sociedade, para que o diálogo com a Terra não seja truncado e para que, por exemplo, em épocas de chuva os acidentes em obras civis e nos espaços de ocupação humana, que têm causado inúmeras vítimas em nosso país, não sejam atribuídos, pelos responsáveis pelos empreendimentos e por muitas autoridades públicas, à intensidade das chuvas e/ou a imprevistos geológicos

Explicações que representam uma violência contra qualquer ser pensante e, salvo melhor juízo, um crime materializado na intenção de enganar a sociedade.Afinal, não são os riscos naturais que matam as pessoas, mas sim a irresponsabilidade daqueles que permitiram ou induziram as pessoas a ocuparem as margens dos rios, as encostas, dentre outros locais, onde os riscos eram bem conhecidos.

É a atividade humana que vem transformando o risco natural em desastre, como enfatiza o diretor da Estratégia Internacional de Redução de Desastres da ONU Salvano Briceno, relembrando, ao mesmo tempo, que “na Rússia, a má gestão das florestas foi uma das principais causas dos incêndios que destruíram o país. Na China, o crescimento urbano descontrolado e o desmatamento favorecem os deslizamentos de terra. No Haiti, no dia 12 de Janeiro 2010, os habitantes de Porto Príncipe foram mortos pela sua pobreza, não pelo terremoto. Um mês mais tarde, um terremoto semelhante atingiu o Chile, com muito menos mortos. A diferença foi a miséria, a urbanização dos terrenos de risco, a falta de normas de construção. Todos os anos, um mesmo furacão faz devastações mortais no Haiti, mas nenhuma vítima em Cuba ou na República Dominicana”.

O que aconteceu, por exemplo, na região serrana do estado do Rio de Janeiro e em outros locais do país, considerando-se o histórico das chuvas nesses espaços, poderia possivelmente ter gerado processos naturais de escorregamentos e de fluxos de lama, mesmo sem nenhuma ação humana.Contudo, as atividades humanas amplificaram e transformaram, por sua presença, o risco natural em desastre. E o pior, aqueles que deveriam ter a responsabilidade de apurar os acontecimentos e punir os infratores procuram se eximir pelas enchentes e por outros desastres, atribuindo os eventos à sua inevitabilidade e passando para a natureza e, eventualmente, para Deus, a culpa pelas catástrofes.

Sem retroceder muito no tempo e relembro apenas os desastres que foram motivos de destaque no noticiário: o colapso do túnel da Estação Pinheiros do Metrô de São Paulo (2007); os escorregamentos, fluxos de lama e inundações/enchentes devido às chuvas em 2008, em Santa Catarina e; em 2010, ao longo da bacia do rio Mundaú (AL), nas cidades do Rio de Janeiro, Niterói e Angra dos Reis no estado do Rio de Janeiro, em São Paulo (SP), Recife (PE) e Salvador  (BA). No mesmo período de tempo também foram registrados acidentes com as barragens de Câmara (PB), Apertadinho  (RO), Espora (GO), Algodões I (PI), Cataguazes (MG) e Mirai (MG). E, agora, os graves eventos ocorridos nesse verão na região serrana do estado do Rio de Janeiro e em diferentes locais de outros estados.

Já passou da hora e é preciso parar de considerar desastres naturais como algo imutável e inevitável e assumir que são as condições do desenvolvimento social e econômico, da ocupação do espaço rural e do crescimento urbano que criam ou reduzem os desastres e os riscos. Como nem sempre é possível evitar os riscos naturais, é imperativo que se implante uma estratégia de redução do risco, em substituição à política de gestão dos desastres. Já os cientistas e demais profissionais principalmente da área das engenharias não devem esquecer que, apesar dos métodos científicos prometerem e acenarem com a possibilidade de uma ciência do risco e da sustentabilidade melhorada, as políticas públicas serão sempre influenciadas pelo público e pela agenda política do dia. Isto tudo sem falar das contribuições e afrontas às normas técnicas e à legislação vigente no país produzidas, nos últimos anos, pelos ocupantes dos cargos mais elevados do poder executivo, com o discurso de acelerar o crescimento, o que só tem acelerado as catástrofes.

Com a continuação do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, seria importante que a sociedade exigisse dos governantes sua efetiva participação na construção de um diálogo com a Terra, para que daqui a quatros anos não chegue a triste conclusão de que foi submetida a um Programa de Aceleração de Catástrofes.

Finalmente, não é demais relembrar o alerta do Engenheiro Carlos Henrique Medeiros, divulgado pela Revista da ABGE – Associação Brasileira de Geologia de Engenharia (nº 85, julho-agosto-setembro de 2009) de que: “Precisamos refletir sobre as nossas limitações técnicas e/ou organizacionais, bem como sobre os fatores de natureza não técnica: contratação pelo menor preço, deficiência ou ausência de fiscalização, projetos com foco na economia e utilizando técnicos e/ou consultores sem a devida qualificação, prazos inexequíveis para os estudos, projetos e construção, planejamento e gerenciamento incompatíveis com a complexidade do projeto e técnicas executivas selecionadas, redução da equipe técnica, destruição da memória técnica de empresas tradicionais, assim como o sucateamento das universidades e institutos de pesquisa”.



José Domingues de Godoi Filho - Professor da UFMT/Faculdade de Geociências
 

1.  Artigo publicado em fevereiro de 2011, após as chuvas que atingiram Petrópolis e a região serrana, promovendo grande destruição e pelo menos 1000 mortos. Infelizmente, continua, 11 anos depois, muito atual. Até quando? (Fonte: Jornal “O Estado de Minas”, fevereiro de 2022).

Sexta, 18 Fevereiro 2022 18:07

 

 

Foto: Tânia Rego/Agência Brasil

 

Infelizmente, o número de mortos em Petrópolis (RJ), após o temporal ocorrido na última terça-feira (15), segue aumentando. Na tarde desta sexta-feira (18), a Secretaria de Defesa Civil já tinha registrado 129 vítimas fatais. Há, pelo menos, 218 pessoas desaparecidas.

 

Na última terça-feira, choveu cerca de 260 milímetros em 24 horas. Para se ter uma ideia do que isso representa, em apenas quatro horas, o volume excedeu o que era esperado para o mês inteiro.  Em áreas de risco, historicamente conhecidas pelos governos, mas que nunca recebem as devidas medidas de prevenção, essa tempestade resultou em violentas enxurradas, inundações e deslizamentos.

 

O cenário de destruição tomou a pequena cidade serrana. Mortes, casas invadidas pela água e lama, pertences destruídos, centenas de famílias desabrigadas. Vídeos nas redes sociais mostram uma destruição assustadora, como o desmoronamento da encosta no Morro da Oficina e um “rio” de lama e destroços descendo pelas ruas da cidade, com carros, árvores e tudo que havia pela frente. Famílias cavam em meio aos destroços procurando parentes e conhecidos desaparecidos.

 

Mais uma vez, descaso dos governos

 

Em 2011, no dia 12 de janeiro, após chuvas intensas, também foram registrados 73 mortos em Petrópolis. Em toda a Região Serrana, fortemente afetada, foram 918 mortes e ao menos 100 desaparecidos. Nova Friburgo registrou 426 óbitos na tragédia.

 

O desastre confirma o que vários especialistas têm afirmado diante da temporada de chuvas este ano, que também provocou destruição, mortes e caos em cidades da Bahia e de Minas Gerais: são “tragédias anunciadas” causadas pelo descaso e falta de políticas de prevenção por parte dos governos.

 

De acordo com dados do Portal Transparência, a gestão do governador Claudio Castro (PL) gastou menos da metade do previsto do orçamento para prevenção de desastres. Do total de R$ 407,8 milhões reservados, o governo empenhou apenas R$ 192,8 milhões, ou seja, 47%. Questionado pela imprensa, o governador, aliado de Bolsonaro, não comentou a baixa execução do programa.

 

Em nota, a direção estadual da CSP-Conlutas do Rio de Janeiro afirmou que a responsabilidade direta pela tragédia em Petrópolis é “provocada pela irresponsabilidade dos governos atuais e anteriores” e “trata-se da demonstração objetiva da falta de compromisso dos governos com as necessidades dos trabalhadores e do povo”.

 

“Começando por Bolsonaro, o governador Cláudio Castro (PL) e o prefeito de Petrópolis Rubens Bomtempo (PSB), não houve e não há nenhuma preocupação dos governos com a construção de um plano de obras públicas que prepare as cidades serranas para esses recorrentes eventos climáticos”, afirma.

 

“Apesar da contagem de vítimas fatais já alcançar a marca de 104 pessoas, a principal preocupação de Cláudio Castro segue sendo o religioso pagamento das dívidas para engordar os bolsos dos banqueiros nacionais e estrangeiros. O centro da administração de Castro, como do prefeito Bomtempo, é a recuperação fiscal”, denuncia a direção estadual da Central.

 

Crise climática

 

Outro aspecto destacado por ambientalistas é que as ocorrências climáticas extremas que vem sendo registradas no país, assim como em outras partes do mundo, são reflexo da crise ambiental no planeta, causada lógica predatória do capitalismo.

 

Em relatório publicado pelo IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) no ano passado, os pesquisadores ressaltaram ser inequívoca a influência humana sobre o superaquecimento do planeta. Entre 2011 e 2020, a média da temperatura global já atingiu 1.09°C acima dos níveis pré-industriais. O IPCC aponta que temperaturas extremas podem ser até nove vezes mais frequentes já na próxima década.

 

Especialistas defendem que, diante  da crise climática inequívoca, os governos precisam reconhecer essa realidade e agir, o que inclui de forma imediata estabelecer planos de adaptação climática para preparar as cidades para enfrentar essa situação, adaptando sua infraestrutura, saneamento básico, acessibilidade e assistência técnica, para reduzir a vulnerabilidade e exposição da população, principalmente os mais pobres que são sempre os mais afetados, perante os efeitos danosos das catástrofes.

 

Para a CSP-Conlutas, além de medidas de prevenção, é preciso principalmente uma luta contra o sistema capitalista que tem levado o planeta ao limite.

 

Basta de planos de ajuste fiscal 

 

A CSP-Conlutas RJ reafirma que, para além da solidariedade ativa por parte de todas as entidades sindicais e movimentos sociais, é necessária uma forte campanha política, com os trabalhadores e o povo nas ruas, para exigir a suspensão da sangria dos pagamentos da Dívida Pública, para que haja recursos suficientes para as obras que, de fato, combatam a erosão de encostas, permitam a drenagem segura das águas pluviais, dragagem dos rios, lagos e lagoas.

 

Para garantir a moradia é fundamental um plano de obras que construa casas não só para os desabrigados dessas enchentes ou trombas d’aguas, mas também para os atingidos por chuvas e outros fenômenos climáticos dos anos anteriores. O fortalecimento dessas medidas de interesse público exige também o aumento da arrecadação de impostos, com a taxação das grandes fortunas, dos lucros e dividendos das maiores empresas instaladas no território nacional.

 

Trabalhadores desempregados e atingidos devem ter isenção das contas de luz, água, no bilhete de transporte público e outras tarifas, e o pequeno negócio invadido pela lama e afetado pelos deslizamentos de terra devem receber apoio e subsídio da Prefeitura e governo do estado.

 

Por fim, é preciso barrar as privatizações, reestatizar as empresas privatizadas do Rio de Janeiro, retomar as ações da Petrobras vendidas no mercado internacional, garantindo uma empresa 100% pública que funcione a serviço da população, com combustível e gás a preço de custo. É necessário, enfim, fazer com que a economia fluminense funcione não para os lucros de 0,1% de bilionários, mas para a necessidade da maioria da população.

 

Solidariedade

 

O Sindicato dos Petroleiros do RJ deu inicio a uma campanha de arrecadação em solidariedade às vítimas  As doações devem ser feitas através do PIX O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. e o comprovante deve ser enviado para o e-mail O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo., especificando que a doação é direcionada aos afetados pela enchente de Petrópolis.

 

Fonte: CSP-Conlutas