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O Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
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Por Aldi Nestor de Souza*
Uma notícia, que ocupou o noticiário recentemente e que agora vive na internet, dá conta de uma casa que saiu das entranhas de uma impressora 3D. É uma casa de verdade, de gente morar, foi feita lá nos Estados Unidos e tem 60 metros quadrados de área coberta. Todo o processo de impressão e montagem leva menos de 24 horas e sai bem mais barato do que nos moldes tradicionais.
Muitas reflexões acerca desse fato são inevitáveis. Por exemplo, o que farão os futuros engenheiros civis? Serão vendedores de software? E os arquitetos? E o que acontecerá com o cimento, os tijolos, os pedreiros, os serventes de pedreiro? E com as telhas, as madeiras, as lojas de material de construção? A serviço de quem estarão essas casas?
Se não precisarmos mais nem fazer casa pra morar, iremos, enfim, inaugurar uma nova era, uma nova sociedade? Teremos tempo de folga pra desenvolver outras habilidades humanas e nos dedicarmos a arte, a leitura, ao ócio, ao que quisermos?
Essa notícia me fez lembrar de uma outra, de 1969, dada pelas ondas do rádio a pilha, e ouvida por um jovem casal, na hora do almoço, numa casinha de taipa lá do sertão nordestino. Família reunida, mesa posta, rádio ligado, chovia forte quando o locutor interrompeu o programa para comunicar que o homem acabara de pisar na lua.
João, o patriarca da família, que nesse dia nem tomou banho pro almoço e portanto ainda guardava nos pés os restos da terra revolvida pela enxada, protestou: Eu não acredito! Eles podem dizer o que quiser, não tem como a gente saber se é verdade ou mentira. Ninguém vai conseguir ir lá pra conferir.
Benedita, a matriarca, ponderou: Sossega, João! Seja como for, se o homem conseguiu ir à Lua, é sinal de que vai ser fácil conseguir acabar com a seca no sertão e com a fome no mundo. E mesmo que seja mentira, se alguém diz que descobriu como ir à lua, com que cara vai dizer que não sabe resolver um problema como o nosso, tão terreno.
Foi imediato, portanto, pensar na reflexão feita por Benedita. Se uma casa, feita nessa máquina, fica pronta em menos de 24 horas, e é bem mais barata do que o normal, resolver o grave problema de moradia no Brasil e no mundo parece coisa fácil e ninguém vai ter coragem de negar como resolvê-lo.
Mas aí, num átimo, lembro que hoje, passados quase 50 anos daquele almoço e da ida do homem à lua, 815 milhões de pessoas continuam passando fome no mundo e que 1 bilhão não tem moradia digna. Só no Brasil, por exemplo, são quase sete milhões de famílias sem casa pra morar.
Por fim imaginei, quem sabe na mesma hora do almoço de 1969, nas mesmas ondas de rádio e na mesma casa de taipa, inúmeras vezes retocada de barro, como reagiram ou reagirão o casal, agora seu João e dona Benedita, ao saber da notícia de que existe uma máquina que, num apertar de botão, lança no mundo uma casa de morar, novinha em folha?
Seu João, que agora nem consegue mais se sujar de barro, vive em casa e almoça limpo, talvez, como antes e como sempre, duvide. Dona Benedita, por sua vez, depois de meio século de decepções e olhando pras repetidas secas e pras repetidas fomes, talvez apenas diga. Sossega, João! Coma logo essa comida senão esfria.
* Aldi Nestor de Souza
Departamento de matemática - UFMT/Cuiabá
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