Segunda, 18 Maio 2020 14:12

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Profa. Vanessa C Furtado
Depto de Psicologia 
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Hoje é 18 de maio, dia da Luta Antimanicomial, luta esta construída por pessoas em sofrimento psíquico, seus familiares profissionais da saúde que ousaram imaginar e ousaram fazer uma sociedade sem manicômio.. Romper com os manicômios é estratégia fundamental para lidar com o sofrimento psíquico.
 
Talvez agora, ouso eu imaginar, não seja mais tão difícil de compreender quão sofrido é ficar limitado a um único espaço quando nos vemos obrigadas a ficar em casa e/ou limitar nossas saídas. Somada às nossas próprias experiências com o período necessário desta quarentena, outro fato que denuncia os prejuízos e sofrimento psíquico que o isolamento causa é o volume das chamadas "lives" sobre Saúde Mental e Quarentena, bem como, o aumento de oferta de acolhimento psicológico on-line. Então, devemos perguntar: Por que uma prática de isolamento social é defendida como tratamento para o sofrimento psíquico?
 
A respostas não é simples, mas, longe de querer ser simplista, o que podemos dizer, baseada numa análise histórica das ciências médicas, psiquiátricas e dos manicômios em nosso país é que a lógica angular dessa prática foi a Eugenia. Essa mesma palavra que andou circulando nas redes sociais, quando o médico Lichtenstein diretor técnico do Hospital das Clínicas denuncia essa mesma lógica por trás das ações anti-quarentena.

Grasso modo, de acordo com o dicionário da língua portuguesa: Eugenia se caracteriza por uma técnica que visa à seleção nas coletividade humanas baseada na genética. Na prática, foi essa técnica utilizada por Hitler para produzir a raça pura ariana e é com este espírito nazista que as ideias eugênicas entram no Brasil, com o objetivo de embranquecer a população, castrar doentes mentais, eliminar os "depravados" e produzir, assim, seres humanos que chegassem perto da ideia de raça pura e superior, essencialmente branca baseada na estética européia, em suma, no ethos burguês.
Portanto, a Luta Antimanicomial é e deve ser, uma luta anti-racista, num contexto como o do Estado de MT, por exemplo, onde a grande maioria da população dos hospitais psiquiátricos é negra.  Não por pura coincidência histórica, o primeiro manicômio no Brasil data de 1852, quando começam a ganhar força os movimentos abolicionista. Sob a falácia do cuidado, os manicômios se tornariam, então e até hoje, mais uma forma de aprisionamento do povo preto.

Contudo, compreendo o processo saúde e doença como fruto de múltiplas determinações e diretamente influenciada pelas condições do meio, objetivas e materiais e por isso, também não se trata aqui de negar que a população negra está submetida, em sua maioria, a condições que serão marcadores determinantes no processo de sofrimento psíquico e devem dispor de condições dignas de atenção à sua saúde, consideradas suas particularidades.. São condições objetivas e materiais, por exemplo, quando no meio desse período de quarentena a população do Complexo do Alemão no RJ é surpreendida com uma chacina do BOPE, onde 13 pessoas foram assassinadas, moradores do complexo tiveram seus carros destruídos pelo "caveirão" e as suas casas marcadas de bala, violência e desespero. Onde, sob orientação de isolamento social, famílias vizinhas se viram obrigada a se aglomerarem juntas em único cômodo pra se protegerem das "balas perdidas".

A luta Antimanicomial, não tem a ver só a ver com o método de "tratamento" psiquiátrico, ela está relacionada com as entranhas de uma sociedade construída sobre opressões, ela é combate, enfrentamento dessas opressões. Quando a jornalista Daniela Arbex relata no livro "O Holocausto Brasileira" a realidade do manicômio de Barbacena-MG, ela conta histórias de mulheres que foram violentadas dentro e fora do manicômio. As que foram violentadas fora, estavam lá justamente pelas consequências da violência, adolescentes que ficaram grávidas em estupros, mulheres cujos maridos as internava mesmo sem laudo médico… As que foram violentadas dentro, das inúmeras violações que sofreram, a sexual e o roubo de seus bebês (frutos da violência sofrida) gerou um "comércio" de adoções. Por isso, a luta Antimanicomial deve ser uma luta contra o patriarcado e o machismo.

Machismo que historicamente tratou as psicopatologias como uma doença feminina, a doença que vem do útero - Histérica! Que se popularizou no vocabulário cotidiano como forma de deslegitimar e desqualificar o discurso de uma mulher, mas também como forma de desumanizar e desvincular do machismo estrutural de nossa sociedade o ato de violência sexual frequentemente cometida por homens.

No esteio dessa vulgarização do sofrimento psíquico, nas interpretações esotéricas e mágicas dos fenômenos psíquicos, nas romantizações da loucura ou nas soluções simplistas para cuidar da saúde mental instaura-se um jogo perverso onde o misto de vontade de ajudar ao próximo movido pela caridade cristã e a banalização do sofrimento sob a ditadura da felicidade individualizam e, culpabilizam apenas o sujeito por seu adoecimento seja por sua constituição genética seja por sua falta de fé e positividade. E mais, deslegitima-se o processo de acúmulo histórico de construção do conhecimento sobre este fenômenos, este fazer científico que desenvolve um conjunto técnico-operativo para tratar pessoa em sofrimento psíquico que prescinda do manicômio. Esta realidade já deixou, em algumas regiões do país, de ser uma utopia a ser alcançada, para se transformar em ações concretas que ao longo dos últimos 20 anos vêm demonstrando sua eficácia, e que são apoiadas em um referencial que é técnico, construído também a partir da prática de profissionais que lidam cotidianamente com pessoas em sofrimento psíquico. O modelo de atenção psicossocial emplementado no Brasil é hoje uma das principais referências mundiais. Esta prática em Saúde Mental se torna referência porque suas ações se demonstram efetivas na atenção às pessoas em sofrimento psíquico e seus familiares.
 
Desconsiderar todo esse acúmulo de experiências e conhecimento é, em última instância, acobertar o quão desumanizante é a forma de viver em uma sociedade onde eu, você, nossa força de trabalho, nossa saúde são só mais uma mercadoria. Onde se enxerga no adoecimento um mercado a ser explorado e extraído lucro. A psiquiatria é repleta de "cloroquinas" e, os anseios de uma pílula mágica que leve todo mal como que por um milagre ou decreto, já são nossos velhos e conhecidos fantasmas. 
 
A luta Antimanicomial, portanto, é resistência à mercadologizaçao da vida, a humanidade em nós, pois, agoniza nos sintomas da psicopatologia, transborda desesperada na tentativa de subverter a lógica ainda que seja a psíquica e resiste a não ser explorada, excluída, suprimida, coisificada. A luta Antimanicomial quebra a lógica de sujeitos objetos e descartáveis, ela não só deve analisar e se relaciona com as entranhas de nossa sociedade mas resgatar sua capacidade de sacudir suas estruturas, denunciar a insistência em nos desumanizar e deve somar esforços na tarefa árdua e cotidiana de continuar ousando uma sociedade sem manicômios em outra forma de organização social. 

Muitos me dizem louca por ousar sonhar, imaginar, pesquisar e agir para construir uma sociedade sem manicômios e uma outra forma de sociabilidade, mas irracionalista, pq não vou chamar de loucura, é quem me diz que é normal e naturaliza a sociedade do fetiche da mercadoria.
 

 
 

Quinta, 18 Maio 2017 16:56

A Luta Antimanicomial completa 30 anos nesta quinta-feira 18/07. Trata-se de um movimento nacional que traz luz à realidade de muitas pessoas que sofrem de algum transtorno psíquico e, por falta de políticas públicas adequadas, acabam expostas ou submetidas a tratamentos desumanos. Em Mato Grosso, o tema será discutido durante o Seminário "Desinstitucionalizando a Loucura: A Cidade Acolhendo a Loucura", que será realizado nos dias 19 e 20/05, no Centro Cultural da UFMT, em Cuiabá (MT). O evento é gratuito e aberto a todos os interessados.

O fim dos manicômios é uma das bandeiras apoiadas pelo Andes – Sindicato Nacional, explica a professora de Psicologia e diretora regional da entidade, Vanessa Furtado, também uma das organizadoras do evento.

“A base da luta antimanicomial é a organização popular do incentivo a participação dos usuários e técnicos nas decisões das instituições. Dessa forma, muito do que percebemos do fenômeno da loucura está ligado diretamente à violação dos direitos, com a dinâmica das opressões do sistema capitalista que tem de fundo a questão social. Se nós do Sindicado do Andes somos classistas, a questão social é primordial e vai além das questões cooperativas”, explica a docente.

Apesar da Luta contar com três décadas, a professora avalia um retrocesso nos direitos já adquiridos desde a promulgação da lei nº 10.216 de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.

“Parece que em trinta anos de luta estamos vendo um retrocesso na política. Em cidades que foram pioneiras na política do CAPS e dessa política da institucionalização, como Belém (PR) e a própria Cuiabá, vemos hoje um desmanche e o retorno aos hospitais, o que traz vários outras nuances. A questão não é só a privação da liberdade, tem toda uma questão que é mais violenta. Existe o lobby grande da indústria farmacêutica em que observamos, nos hospitais, altas dosagens de medicação. Aqui em Cuiabá ainda tem o recurso da contenção mecânica”.

Programação

Nos dois dias de atividades os participantes poderão conferir palestras, mesas redondas, oficina e intervenção. O encontro terá  início às 17h com o credenciamento dos participantes e na sequência a cerimônia de abertura.

A primeira palestra será ministrada pela professora Tatiane Bichara, do Instituto de Altos Estudos Nacionales (Quito – Equador) e o professor Cristiano Ribeiro Vianna, psicólogo clínico psicanalista, que atua como articulador social e agente micropolítico em projeto de Saúde Coletiva e Socioculturais. Eles apresentarão a palestra "O Direito à cidade e estratégia de intervenções para o acesso e criação de espaços públicos”.

No segundo dia do evento (20/05), o encontro segue com a palestra “Geração de renda e redução de danos: possibilidades de emancipação”, que será ministrada pela mestra em psicologia social, Evelyn Sayeg, e também pelo coordenador da Ong. ‘ÉdeLei’ e mestre em saúde pública, Bruno Ramos Gomes.

No período vespertino, as atividades serão retomadas às 14h com a mesa redonda “A atuação no CAPS e a arte como recurso”, que terá, como mediadores, Naiana Marinho Gonçalves, psicóloga do Grupo de Pesquisa em Psicologia da Infância GPPIN; e Filipe Willadino Braga, mestre em psicologia clínica e cultural e psicólogo do CAPS II.

Na sequência, haverá uma oficina, com início às 16h, que abordará temas como o teatro do oprimido, escritas poéticas, saúde mental e música, além das vivências na cultura popular. Já a intervenção cultural será a partir das 18h, com a participação de Luciene Carvalho. A artista fará uma batalha de rimas e também um grafite do Mural no MACP. 

O encerramento das atividades será às 20h com a mesa redonda "A História da luta antimanicomial em Mato Grosso”, que terá a participação da professora da UFMT, Soraya Danniza Barbosa Miter Simon, e da pesquisadora Ruzia Chaouchar dos Santos.

 

Priscilla Silva

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind