Sexta, 15 Março 2024 13:49

 

Quem mandou matar Marielle Franco? Mais um 14 de março sem respostas. 

Amanhecer por Marielle na capital federal. Foto: Eline Luz/ANDES-SN

 

O Brasil amanheceu, nesta quinta-feira (14), pedindo justiça pelo brutal assassinato da vereadora carioca Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes. Representantes da diretoria do ANDES-SN participaram do ato “Amanhecer por Marielle”, em Brasília (DF), que aconteceu na região central da capital federal, às 6h30. O Sindicato Nacional participa das diversas atividades são realizadas ao longo do dia, em todo o país. 

No Rio de Janeiro, cidade onde Marielle e Anderson moravam e foram executados, o dia começou com missa na Igreja Nossa Senhora do Parto (Rua Rodrigo Silva, 07 – Centro), às 10h, e depois foi realizada uma marcha da estátua no Buraco do Lume até a Câmara Municipal, organizada pelo movimento de Mães e Familiares Vítimas de Violência do Estado e o movimento Parem de nos Matar. 

 

Manifestação no centro do Rio de Janeiro. Foto: Tomaz Silva / Agência Brasil

 

A partir das 17 horas, acontece o "Festival Justiça por Marielle e Anderson", na Praça Mauá, no centro da capital fluminense. O evento, organizado pelo Instituto Marielle Franco, prevê diversas ações para marcar a data, além da agenda colaborativa com transmissões ao vivo, debates, ações simbólicas individuais e coletivas. O festival também terá a participação de várias figuras artísticas, como as cantoras Urias e Ebony, e oferecerá oficinas de bordado, exposições no Museu do Amanhã, recreação infantil no Museu de Arte do Rio (MAR), entre outras. 

Vereadora em seu primeiro mandato, companheira da Monica, irmã da Anielle, mãe da Luayara, filha da Marinete, Marielle era uma orgulhosa cria da Maré. Durante sua trajetória política, exemplo de resistência. Atuou em movimentos populares, sociais, lutou pelas mulheres, com foco nas negras e lésbicas, denunciava corajosamente abusos da polícia nas favelas do Rio de Janeiro. 

“O 14 de março é uma data que transformamos do luto para a luta. São seis anos sem Marielle Franco. Hoje é um dia de defender a memória, a trajetória e lutar por justiça por Marielle Franco!", comentou Caroline Lima, 1ª secretária do ANDES-SN.

 

Ato nas escadarias da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

 

O crime


A vereadora e seu motorista, Anderson Gomes, foram assassinados em 2018, em uma emboscada no centro do Rio quando voltavam de uma agenda do mandato. O caso tomou repercussão internacional, mas até hoje não foi totalmente solucionado.

Em julho de 2023, o ex-policial militar Élcio Queiroz, que dirigia o carro usado no crime, deu detalhes da execução. No final do ano, Ronie Lessa, também ex-PM, apontado como autor dos disparos e preso desde 2019, delatou o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ), Domingos Brazão, como um dos mandantes. Contudo, devido ao foro privilegiado do investigado, o Supremo Tribunal Federal precisa homologar o acordo da delação.

Outro suspeito de envolvimento preso é o ex-bombeiro Maxwell Simões Correia, conhecido como Suel. Seria dele a responsabilidade de entregar o Cobalt usado por Lessa para desmanche. Segundo investigações, todos têm envolvimento com milícias.

No fim de fevereiro, a polícia prendeu Edilson Barbosa dos Santos, conhecido como Orelha. Ele é o dono do ferro-velho acusado de fazer o desmanche e o descarte do veículo usado no assassinato. O homem já havia sido denunciado pelo Ministério Público em agosto de 2023. Ele é acusado de impedir e atrapalhar investigações.

Apesar das prisões, seis anos após o crime ninguém foi condenado. Desde 2023, a investigação iniciada pela polícia do Rio de Janeiro está sendo conduzida pela Polícia Federal.

Na última terça-feira (12), o Ministério Público do Rio (MP-RJ) pediu que o ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, também suspeito de envolvimento no caso, vá a júri popular. Ele teria monitorado a rotina de Marielle e ajudado no desmanche do carro usado no crime. A motivação do assassinato da vereadora ainda não foi esclarecida, nem seus mandantes.

 

Fonte: Andes-SN (com informações do Brasil de Fato e Agência Brasil)

Terça, 28 Maio 2019 15:36

 

Por decisão do Superior Tribunal Militar, os agentes do exército que executaram trabalhador no Rio de Janeiro vão responder em liberdade. “Isso me parece estar diretamente vinculado a uma herança da nossa última ditadura”, afirma Carlos Zacarias, professor de História da Universidade Federal da Bahia.

O Superior Tribunal Militar (STM) decidiu soltar nove militares que participaram da operação que desferiu 237 tiros contra um carro de família no bairro de Guadalupe, zona norte do Rio de Janeiro (RJ). Outros três militares já respondiam o processo judicial em liberdade.

Militares atiraram 237 vezes contra o carro em Guadalupe

O músico Evaldo Rosa dos Santos, que levava sua família a um chá de bebê, morreu na hora. O catador de lixo Luciano Macedo, que tentou ajudar Evaldo, morreu dias depois no hospital.

A decisão do STM foi tomada na quinta-feira (23), com apenas um voto contrário. Agora, os militares responderão em liberdade por homicídio qualificado, tentativa de homicídio qualificada e omissão de socorro.

Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, que é uma das cinco civis do STM, votou contra a liberação dos militares. “Quando um negro pobre no subúrbio do Rio de Janeiro é confundido com um assaltante, tenho dúvidas se o mesmo ocorreria com um loiro em Ipanema vestindo camisa Hugo Boss”, afirmou. A juíza também citou, em seu voto, que os militares mentiram ao dizer que foram atacados por traficantes.

No dia dos disparos, 7 de abril, o Comando Militar do Leste (CML), por meio de nota, disse que os militares tinham respondido a "injusta agressão" de criminosos ao desferir os tiros. A versão só mudou depois da ampla divulgação de um vídeo da execução na internet.

Luciana Nogueira, viúva do músico, disse que militares debocharam dos assassinatos

As permanências de uma cultura autoritária

O ataque do Exército em Guadalupe ocorreu, coincidentemente, uma semana após o “aniversário” do golpe de 1964, que deu início à ditadura empresarial-militar (1964-1985). Em 31 de março, o Planalto havia divulgado um vídeo celebrando a data. O poder executivo também orientou às Forças Armadas que celebrassem a data.

Mais do que uma coincidência de datas, há um traço comum entre os 257 tiros desferidos no Rio de Janeiro e o último regime militar: a cultura autoritária brasileira. A ditadura acabou, mas muitas práticas totalitárias permaneceram. E com a eleição do capitão reformado, Jair Bolsonaro, à Presidência da República, os resquícios totalitários ganham força.

Carlos Zacarias, docente do departamento de história na Universidade Federal da Bahia (UFBA), opina que “a ascensão de Bolsonaro, a ameaça do fascismo e a presença de militares no governo relaciona-se às muitas batalhas que perdemos, inclusive àquelas que se deram no terreno da memória”. Zacarias avalia que os dirigentes do processo de redemocratização no Brasil apostaram na conciliação. “A sociedade brasileira dos últimos 30 anos foi incentivada a esquecer a ditadura, em nome da conciliação”, aponta Carlos.

O docente conhece bem alguns desses traços totalitários. Em 2018, ele chegou a ser intimado judicialmente a depor, pelo simples fato de ministrar na UFBA uma disciplina chamada “Tópicos Especiais em História: o golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”.

“A execução de um trabalhador, um pai de família, um homem negro que ia com parentes para um chá de bebê, nos diz muito sobre a forma como o Estado brasileiro lida com a violência que pratica cotidianamente. E isso me parece estar diretamente vinculado a uma herança da nossa última ditadura, mas não apenas dela”, afirma o docente da UFBA. Para Carlos Zacarias, a Lei de Segurança Nacional, criada em 1935, é um dos exemplos dessa herança que vem de longa data.

Criada por Vargas, reeditada por Figueiredo

Foi Getúlio Vargas o primeiro a editar a Lei de Segurança Nacional, em 1935. A aprovação no Congresso Nacional foi difícil. A intenção de Vargas era transferir para uma legislação especial os crimes contra a segurança do Estado, submetendo-os a um regime mais rigoroso, com o abandono das garantias processuais. Em 1936, foi criado o Tribunal de Segurança Nacional.

Muitas edições foram feitas até o texto atualmente em vigor. A Lei 7170/83, promulgada por João Baptista Figueiredo, prevê sanções a crimes que ameacem ou comprometam a soberania nacional, o regime democrático e os chefes dos Três Poderes. Também se atribui à Polícia Federal a responsabilidade por apurar quem desafia a essa lei.

“Desde que foi instituída a Lei de Segurança Nacional em 1935, a chamada Lei Monstro, que formas deliberadas de praticar a exceção vem sendo consolidadas. Nossa última ditadura foi pródiga em usar os dispositivos já existentes, mas não deixou de criar os seus próprios, alguns dos quais permaneceram no período de redemocratização”, comenta Carlos Zacarias.

Outra herança totalitária é a Lei da Anistia. Para o docente da UFBA, essa lei e seus complementos instituíram o esquecimento como política pública. “Sem que nenhuma forma de justiça pudesse ser estabelecida, asseguraram a impunidade dos que cometeram crimes na ditadura, a começar pelos generais-presidentes. Também os torturadores e todos aqueles que, à sombra do Estado, praticaram todo tipo de violência e arbítrio”, avalia.

Para Carlos Zacarias, as leis que estabeleceram a anistia tiveram um resultado dúbio. “Se de um lado pavimentaram o caminhou para alguma forma de reparação individual, não foram capazes de dizer quem foram as vítimas e quem foram os culpados”, diz. As leis deixaram, portanto, de abrigar a necessidade de reparação coletiva, o que viria na forma de promoção da Justiça, algo indispensável para a sociedade como um todo.

Cultura autoritária

O docente da UFBA ressalta que há, no Brasil, uma cultura autoritária que se aprofundou no século XX, em especial nos momentos em que houve Estados de Exceção. “Essa cultura está inscrita na forma como a sociedade brasileira está estruturada e é algo que remonta ao abandono promovido pelo Estado da população negra libertada na Abolição, que adentrou o século sem nenhum tipo de reparação”, cita Carlos.

Para Zacarias, a desigualdade estruturada nunca impediu o desenvolvimento econômico do país. Ao mesmo tempo, gerou do Estado uma violência institucional demarcada pelo que se define por uma “Razão de Estado”.

“Ou seja, a ideia de que vivemos uma permanente guerra civil oferece aos sucessivos governos a legitimidade para, em nome da sociedade, agir com extrema violência contra os mais pobres. Enquanto essa noção persistir e enquanto perdurarem as desigualdades, teremos a perpetuação da violência cotidiana e a naturalização da violência estatal”, diz.

“Isso se reforça pela justificativa utilizada pelas ditaduras do século XX de que o Estado vive ameaçado pelos criminosos, pelos comunistas, pelas classes perigosas ou pelos homens e mulheres negros e negras, que vivem em estado de pobreza e parecem ser sempre uma ameaça ao establishment”, conclui Carlos Zacarias.

 

Fonte: ANDES-SN

Terça, 15 Maio 2018 11:33

 

A Agência de Inteligência dos Estados Unidos (CIA, em inglês) divulgou um documento secreto de 1974 no qual o ditador Ernesto Geisel (1974-1979) deu sua aprovação para uma política de "execução sumária” de "subversivos” durante a ditadura empresarial-militar brasileira. No documento, Geisel incumbe o general João Baptista Figueiredo, que chefiava o Serviço Nacional de Informações (SNI), de analisar e autorizar pessoalmente qualquer execução. Depois, Figueiredo viria a ser seu sucessor na Presidência.

Intitulado "Decisão do presidente brasileiro Ernesto Geisel de dar continuidade à execução sumária de subversivos perigosos sob certas condições”, o documento foi assinado pelo então chefe da CIA, William Colby, e enviado originalmente para Henry Kissinger, então secretário de Estado do governo estadunidense de Richard Nixon.

O documento americano, de 11 de abril de 1974, descreve uma reunião entre Geisel, Figueiredo e os generais Milton Tavares de Souza e Confúcio Danton de Paula Avelino que havia ocorrido no dia 30 de março daquele ano. Milton Tavares foi o chefe de Centro de Informações do Exército (CIE) no governo de Emílio Médici (1969-1974), o antecessor de Geisel.

O informe faz parte de um lote de documentos liberados pelo Departamento de Estado em 2015 e foi tornado público no Brasil por Matias Spektor, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV). "É o documento secreto mais perturbador que já li em vinte anos de pesquisa”, disse.

Leia o documento em inglês aqui

Avaliação

Milton Pinheiro, docente da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e um dos coordenadores da Comissão da Verdade do ANDES-SN, afirma que os pesquisadores do tema já sabiam da anuência e conivência da cúpula da ditadura com os crimes, mas que esse é o primeiro documento que pode comprovar, de fato, isso.

“Ainda que os meios de comunicação tenham agido para desinformar os brasileiros sobre os crimes da ditadura empresarial-militar, quem pesquisa o tema já tinha a ideia de que a cúpula do regime tinha conhecimento e inclusive ordenava a tortura e execução de militantes opositores à ditadura. Isso, no entanto, nunca tinha sido público. Foi necessário que a CIA liberasse os documentos para confirmar a anuência dos líderes da ditadura com os crimes cometidos”, comenta.

“Lamento que a consciência pública brasileira só tenha tomado conhecimento disso por meio de um órgão, a CIA, que ajudou a ditadura empresarial-militar do Brasil, inclusive ajudou a cometer esses crimes”, completa o docente. Para Milton Pinheiro, a luta por memória, justiça e reparação deve seguir no país. “É necessário ir mais a fundo nesse tema. Onde estão as covas dos militantes assassinados? Quem foram os responsáveis? E mudar a Lei da Anistia para punir os torturadores e assassinos da ditadura empresarial-militar brasileira”, conclui.

As vítimas

Oitenta e nove pessoas morreram ou desapareceram no Brasil por motivos políticos, a partir de 1º de abril de 1974 (dois dias após a reunião documentada pela CIA) e até o fim da ditadura, segundo levantamento do portal G1 com base nos registros da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

De acordo com o levantamento do G1, além dos 89 casos confirmados, há outras 11 pessoas que podem ter morrido ou desaparecido a partir de 1º de abril de 1974 – a data não foi esclarecida pela CNV. Além disso, pode haver mortes e desaparecimentos durante a esse período da ditadura que não foram registrados.

Entre as vítimas desse período estão o jornalista Vladimir Herzog, assassinado em 25 de outubro de 1975, após se apresentar voluntariamente ao Centro de Operações de Defesa Interna, um órgão militar da ditadura; e o metalúrgico Manoel Fiel Filho, que foi torturado até a morte, em 17 de janeiro de 1976, nas dependências do Destacamento de Operações de Informações (DOI) do II Exército, em São Paulo.

Com informações de EBC, Departamento de Estado dos EUA, DW Brasil e G1. Foto: Getty Images

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Fonte: ANDES-SN