Sexta, 22 Junho 2018 14:33

 

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O Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Vanessa C. Furtado e
Paulo Wescley Maia Pinheiro

Docentes da UFMT

 

Na última segunda-feira aconteceu uma reunião do CONSEPE, onde foi aprovado retorno do calendário acadêmico. Agora a PROEG solicita aos colegiados de curso que encaminhem propostas de calendário, porém na quarta-feira estudantes, em ampla MAIORIA, aprovaram a manutenção da greve, portanto, A ESTE DOCUMENTO da PROEG SÓ HÁ UMA RESPOSTA...


Não cabe à administração superior universitária ditar as pautas e/ou início ou fim de movimentos que se insurgem contra suas imposições. O movimento de greve é instrumento legítimo de luta, de resistência e, obviamente de subversão da lógica da ordem dada. E, neste caso, decidida em assembleia com ampla maioria de votos da categoria estudantil.


Vivemos uma burocratização de nossas vidas, a própria colocação das ações universitárias em sistemas que tem data para abrir e fechar nos dá a sensação que ficamos reféns dos prazos que nós mesmos nos damos. Quebrar essa lógica é próprio da atividade humana enquanto sujeitos instituintes que somos, em última análise, instituintes de nossa sociedade como todo. E se somos nós quem instituímos a regra, a lei, a ordem, então, cabe a nós questioná-las quando essas regras se voltam contra nós mesmos como ato de insurgência e luta, neste caso, contra o desmanche da universidade pública! O que será de nós, espécies em extinção, sem estudantes no campus? Daremos aulas às cadeiras? Pois a falta de políticas de permanência estudantil vai mitigar esta instituição e por fim a universidade pública brasileira! Portanto, em defesa de nossos empregos, SÓ HÁ UMA RESPOSTA A ESSE DOCUMENTO…


Por vezes, naturalizamos as letras e números dos que vem de cima, confundimos a suposta legalidade com legitimidade e tendemos a pensar espaços e decisões procedimentais como algo normal somente por serem pintadas pela aparência da institucionalidade, ainda  que não tenham sido efetivamente dialogadas nos espaços e que surjam como artifícios para supostas resoluções de problemas.


Dessa forma, não é de se entranhar que todos nós que estejamos em cargos de coordenação pedagógica, chefia de departamento, direções de faculdades, centros ou institutos ou somente compondo os nossos colegiados tenhamos estranhado e nos perguntado em como reagir diante da aberração criada pela administração superior dentro de sua saga para deslegitimar as ações dos nossos estudantes. Como trabalhadores dessa universidade temos o dever ético de questionar ações desse teor, como educadores não podemos vilipendiar o rolo compressor em curso, seja ele nesta ação, seja em tantas outras como as manobras de supostas negociações e na conivência judicialesca. Portanto, SÓ HÁ UMA FORMA DE RESPONDER  A ESSE DOCUMENTO...


Tenhamos cada um de nós posicionamentos quaisquer sobre a tática da greve, as pautas construídas ou o tempo que ela se estende, estamos todos preocupados com os impactos  de toda essa crise em nosso cotidiano de trabalho e, principalmente, temos o dever pedagógico de desvendar o percurso nebuloso que tem caminhado nossa universidade ao tentar fingir que não ocorre algo legítimo entre os discentes. Sejamos nós favoráveis ou não ao movimento grevista é inegável que todas as suas ações foram tomadas em assembleias amplas, convocadas legitimamente e que, quando a administração superior busca atropelar uma categoria, esse ataque é,na verdade, ao princípio da convivência paritária, ética, respeitosa  entre toda comunidade acadêmica. Logo, SÓ HÁ UMA FORMA DE RESPONDER A ESSE DOCUMENTO...


O ambiente acadêmico exige de nós a garantia de maturidade política para fomentar a tradição da pluralidade de ideias, ações e, portanto, devemos bradar pela autonomia das decisões do movimento discente. No mínimo, admitir uma ação dessa natureza sem crítica é deixar um precedente que pode chegar um dia em questionamento de qualquer ordem em nossas ações como professores e professoras e sem a devida discussão e normatização.
Ademais, a pauta da volta do calendário acadêmico teve uma votação atropelada que sequer cumpriu os trâmites corriqueiros de reuniões de conselhos deliberativos. Não houve discussão e o que temos é a imposição da administração superior em retomar o calendário acadêmico, como se isto fosse decisão suficiente para definir o fim ou não da greve que é estudantil! Por isso, SÓ HÁ APENAS UMA RESPOSTA A ESSE DOCUMENTO...


Não há como prever um calendário de atividades de cursos com uma greve em andamento, tampouco, ratificar a atitude autoritária de uma reitoria que sequer respeita os conselhos deliberativos desta instituição. Para tanto, já fora protocolado processo de anulação desta reunião dada a truculência com a qual a reitora a conduziu. Atitude, aliás, que desvela a intransigência com que ela vem conduzindo esta greve, se recusando a negociar com o Comando de Greve de Cuiabá. Então, SÓ HÁ UMA RESPOSTA A ESSE DOCUMENTO….


Não cabe aos colegiados de curso dizer o que e como devemos retomar as atividades acadêmicas, principalmente, após a manutenção da greve estudantil por assembleia. A nós, docentes que não estamos com nossa categoria em greve, cabe comparecer ao nosso espaço de trabalho, mas respeitando a autonomia da categoria estudantil e apoiar o movimento estudantil é justamente dar A ÚNICA RESPOSTA POSSÍVEL A ESSE DOCUMENTO...


Não vamos referendar, nesta universidade, posturas autoritárias e ditatoriais, nem, de forma alguma,  referendar a criminalização do movimento paredista legítimo de luta por seus direitos. Portanto, a saída pedagógica que temos e A ÚNICA RESPOSTA POSSÍVEL A ESTE DOCUMENTO é: dizer que aguardaremos o julgamento do recurso de anulação da reunião CONSEPE do dia 18 de junho 2018 (segunda-feira) e que nos posicionamos em respeito a greve da categoria estudantil e, ao término desta, discutiremos calendário de atividades, o que respeita, também, os espaço democráticos de decisão desta Universidade.

Segunda, 28 Maio 2018 14:47

 

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Estudantes, não se permitam mais serem chamados de (a)lunos, alunos são seres sem luz, que necessitam que alguém os instrua, por meio do conhecimento, ou seja, alunos são seres que recebem de seus/suas mestres/professoras/es a luz, coisa que vocês têm aos milhares de lúmens. Pois bem, demonstro, em meio a um prognóstico sombrio sobre o futuro de todo um país após as aprovações irrestritas das PEC do teto de gastos, estudantes da UFMT, diretamente atingidos por essa política, insurgem-se contra os cortes nas políticas de assistência estudantil, iluminam os 3 campi desta universidade e reacendem a chama de quem sabe que é só por meio das lutas coletivas que conseguiremos mudanças efetivas. Venho acompanhando o movimento estudantil e as movimentações para a deflagração da greve agora em curso, acompanhei os debates, algumas atividades, assembléias e… Sinceramente, quanta lucidez há nas análises feitas, no projeto de universidade que desejam e na manutenção da mobilização apesar das manobras reitorais.


Notei neste movimento, algo que não havia percebido nas outras vezes, uma lúcida consciência de que a luta é coletiva! Tirando uns ou outros que talvez tenham essa luz bloqueada pelas abas dos bonés ou chapéus ou insulfim das caminhonetes, no geral, o que se vê pelo campus em Cuiabá e inteiror são estudantes em luta! E que lição! Por isso, não se permitam mais serem chamados/as de (a)lunos/as.


Quem dera eu fazer parte de uma categoria de pessoas iluminadas, sabedoras das teorias  e que percebessem a mobilização coletiva como única forma de garantia de direitos, porém, o destino (pra quem acredita) foi mais tenebroso comigo e me entocou em uma oca, digo, caverna de onde mal se pôde observar as sombras das formas daquilo que estava ocorrendo à luz do dia, debaixo dos nossos narizes. Lá de dentro, muitos representantes da minha categoria, sem conseguir enxergar, apenas ouviam dizer que alguns direitos foram cortados, que uma mudança nas regras de contrato de trabalho foram feitas, que muita gente ficará sem poder se aposentar e que, alguns/mas estudantes ficarão sem comer. E foi lá de dentro que, mesmo sem conseguir ver sequer a porta por causa das luzes queimadas, a maioria dos “meus” decidiu que não havia conjuntura para realizarmos um enfrentamento à altura dos cortes aos nossos direitos. Prevaleceu o discurso de quem, talvez, ao aproximar o balão com o qual pairava sobre a materialidade da realidade, teve suas vistas ofuscadas pelo sol mato-grossense. Por isso, estudantes, não se permitam mais serem chamados de alunos/as.


Agora, vejam só vocês, os ilusionismos da vida, uma semana depois dessa opaca análise da categoria docente eis que, na calada da noite, temos mais 28,8% de nossos direitos ceifados e a disposição para uma greve reacende. Contudo, não se iludam achando que esse corte nos fez ver a importância da coletividade, a fotografia é de um cenário bem mais denso, o obscurantismo prevalece!


Portanto, estudantes sim, alunos não, pois o brilho da universidade tem resistido pela vitalidade da pedagogia coletiva que vem sendo forjada pelos faróis das pautas concretas. Do lado de cá, infelizmente, docentes inertes, nossa luz no fim do túnel, pode ser o trem da história, nos atropelando sem piedade.

 


Profa. Vanessa C. Furtado
Departamento de Psicologia - UFMT Cuiabá
 
 

Terça, 20 Junho 2017 13:50

 

 

Profa Vanessa C. Furtado

Departamento de Psicologia - UFMT

 

 

Quando vislumbrei a carreira acadêmica como possibilidade de atuação, muitos foram os estereótipos que permearam minha escolha: a possibilidade de realizar pesquisas que pudesse efetivamente trazer melhorias à sociedade; o trabalho em conjunto de ensino-aprendizagem enquanto processo dialético de produção de conhecimento; a integração da comunidade e universidade e a disseminação do conhecimento produzido pela universidade com a finalidade de dar acesso universal a essa produção. Hoje, cara a cara com a realidade, reconheço quão ambiciosos eram esses estereótipos que se tornaram planos de atuação quando fui convocada para assumir o cargo de professora.

 

Das condições materiais efetivas para o exercício de minha profissão dois me são ainda mais árduos   e   áridos:   a   falta   constante   de   recursos   e   profissionais   suficientes   em   meu departamento e a burocratização de meu trabalho. Um implica diretamente no outro, comecemos pela situação da falta de condições de trabalho, ou seja, de recursos. Logo em meu primeiro ano nesta universidade, participava de um curso de formação para professoras quando ouvi, da então reitora, que não deveríamos deixar de trabalhar pelo simples fato da universidade não nos dar as condições necessárias, se o problema fosse falta de data-show, então que o comprássemos com nossos excelentes salários. Na época, embora ainda engatinhando na profissão, achei a declaração absurda e me recuso terminantemente, até hoje, a comprar um data-show para dar aulas! No entanto, não me recuso a comprar livros dos quais a universidade não dispõe, não me recuso a buscar programas que escaneiam trechos de textos para disponibilizar para as turmas as quais dou aula e assim evitar que fiquem sem o material necessário, não me recuso a sair de casa com meu carro percorrer os campos de estágios (que são obrigatórios na grade curricular), às custas de parte do meu salário para abastecer o veículo, não me recuso de atravessar um prédio inteiro para utilizar os sanitários que vivem interditados por falta de água ou algum outro problema, não me recuso fazer orientações extra “PIA” para não deixar os/as discentes sem orientação, não me recuso a trabalhar três turnos e ainda finais de semana para dar conta das atividades que me são impostas. Enfim, nesta conta, o valor do data-show até que não me sairia tão mais caro!

 

Ah mas não só de sala de aula vive uma professora! Então, preciso integrar ensino-pesquisa- extensão (repetimos isso quase que como um mantra). E, para alguém como eu, que compreende a função social da universidade pública, congregar as teorias com as práticas de minha profissão e militância por uma sociedade mais justa é posto, também, como dever. Sem esquecer, é claro, que no mundo acadêmico tanto vale quanto maior for seu Lattes, portanto: PUBLIQUE! Assim, em algum momento entre todas as reuniões agendadas, aulas a serem preparadas e ministradas, trabalhos a serem avaliados, é preciso tempo para preencher os intermináveis formulários (e como se os já existentes não bastassem, criam mais um tal de REA),  que  devem  ser  “selado,  registrado,  carimbado  (protocolado)/Avaliado,  rotulado  se quiser voar”! Ou seja, TORNEI-ME UMA INEFICIENTE BUROCRATA! Alimentando os fantasmas da fiscalização do trabalho público, pois o mito da funcionária pública que não faz nada é tantas vezes propagado quanto se deseja acabar com essa espécie de serviço neste país.

 

E para que nos serve O burocratismo em uma universidade pública, onde tudo precisa de carimbos, etiquetas e protocolos? Respondo: para nos retirar do trabalho que nos é mais essencial nesta instituição: a produção de conhecimento (e aqui, leia-se: pesquisa, extensão e preparo de aulas). Quanto tempo dispomos do nosso dia-a-dia de trabalho para montar processos, carimbar folhas, levar ao local de registro, levar ao local de destino? Em meu caso, pelo menos, um turno do meu dia é ocupado por essa função, quando necessito montar um processo  para  legitimar  qualquer  ação  extra  sala  de  aula,  como  um  simples  projeto  de extensão que atenda as necessidades da comunidade matogrossense. Não são raras as vezes que eu penso em não realizar tais atividades, apenas para evitar todo esse ciclo de processos intermináveis. E não porque eu me ache incapaz de fazê-lo, mas por falta de tempo dentro daquela rotina já descrita acima.

 

Agora, o que mais me espanta e indigna é a naturalização desse processo burocrático, que atravanca os caminhos da produção e disseminação do conhecimento produzido em nossa universidade. Também não são raros os relatos de colegas que solicitam a estudantes que as auxilie nesse processo de preenchimento de formulários, usualmente atribui-se essa atividade a quem recebe bolsa, afinal precisa trabalhar. A naturalização dessa atividade é tamanha que, esquecemos que estudantes também recebem bolsa para pesquisar.

 

Para se ter ideia, apenas hoje, para correção de atividades em meu REA gastei cerca de 34 minutos (contados no relógio por pura birra) de um tempo que estava disponibilizando para preparar minhas aulas da semana. Ou seja, mais 34 minutos porque já havia gasto vários outros, em pleno feriado, preenchendo o tal do relatório com todas as atividades realizadas no semestre. E tome mais fiscalização! Como se não bastassem os imperativos do currículo lattes, do PIA, diário de classe, mais um REA. Pra meu espanto, só que não, as atividades registradas nesse  novo  relatório  ultrapassaram  as 40  horas  de trabalho  às  quais  deveria  me  dedicar exclusivamente.

 

Por um lado, achei ótimo ter uma forma de registro de atividades que chegam perto de demonstrar a realidade da atividade docente, por outro “que vantagem Maria leva?”. Estas horas-extras servirão para efeito de banco de horas ou adicional salarial? Não estranhem a pergunta,  pois  é  retórica,  contudo  necessária,  uma  vez  que,  são  estas  as  opções,  em instituições privadas, que se contrapõem ao conteúdo do e-mail que recebemos no início deste semestre, sob orientação da pró-reitoria de graduação, informando a necessidade de darmos aulas nos dias marcados, de justificarmos nossas faltas e planejarmos as reposições, caso contrário, nosso PONTO seria CORTADO! O que de fato não é um problema; entendo que faz parte de nossa obrigação enquanto funcionárias públicas, bem como, do compromisso que assumimos com discentes que necessitam das horas da disciplina para se formar. No entanto, estou tratando a questão por sua essência e não pela aparência, ou seja, muitos mecanismos se criam para regular e fiscalizar nossa atividade, porém, poucos para efetivarmos o trabalho que compreende ensino, pesquisa e extensão “aoommmmmmmm”

 

E desta forma, chegamos a meu último questionamento: a que se presta esse burocratismo fiscalizador? Qual a sua essência?

 

Pois bem, aprendi no movimento da luta anti-manicomial que, não adianta abrir as portas dos manicômios e sair das instituições manicomiais se o manicômio não sair de dentro da gente,

 

ou seja, a lógica que nos é ensinada de que a pessoa considerada “louca” é incapaz e deve ser tutelada e, de preferência, privada do convívio social se mantém. Enfrentamos, nesse âmbito, uma verdadeira resistência de se libertar da lógica manicomial “do passado” e assumir o novo modelo de  tratamento.  Transpondo essa  ideia para  nossa discussão  sobre  a  universidade pública, fizemos o contrário, paulatinamente estamos cedendo à nova lógica: a privatista, com resistências cada vez menores a cada nova leva de docentes que ingressam na universidade. O que vai deixando a “velha” lógica do trabalho docente de universidades públicas com ares de ultrapassada. Já sou capaz de vislumbrar as marchas para Brasília onde estaremos clamando por direitos tais quais os que tem os trabalhadores e trabalhadoras com regime de trabalho regido  pela  CLT  (e  sabe-se  lá  quanto  tempo esses direitos  durarão)  e  o  faremos  com as aspirações de que horas-extras e/ou banco de horas são grandes conquistas da luta para o funcionalismo público, para a carreira docente e venderemos alegre e servilmente nossa saúde ao   trabalho.   Quanto   mais   o   burocratismo   nos   retira   dos   espaços   de   produção   de conhecimento, mais privatizamos nossa sala de aula, nossa profissão e a universidade pública brasileira. “Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e divertimento, os escravos terão amor à sua escravidão” (Aldous Huxley).

 

E o que mais representa a lógica privatista do sistema se não a produção e metas? E o que mais representa essa lógica, hoje, na universidade pública do que a ilusão de que quanto mais se vale maior é o seu formulário de atividades docentes inócuas ao conhecimento, seja ele o Lattes, o REA ou quantos outros quisermos criarmos.

Sexta, 25 Novembro 2016 07:42

 

Profa Vanessa C Furtado*

Prof Paulo Wescley Maia Pinheiro*

Prof Kader Assad*

 

Em 2015 construímos a greve mais longa da categoria docente (4 meses e 22 dias), diante de um quadro crítico do ensino superior público no país. Naquele momento o governo optava pelo avanço dos cortes nas universidades, expressando as escolhas político-econômicas distantes dos interesses dos/das trabalhadores/as e próximas àqueles que buscam garantir as taxas de lucro em detrimento de qualquer direito.

 

Durante o processo de resistência que se espalhou pelas universidades de todo o país, alguns preferiram ficar como espectadores desse movimento, seja garantindo seus projetos individuais (continuidade das pesquisas, viagens, etc), seja de dentro de casa em frente ao seu computador. Muitos assistiram a greve de 2015 e ao serem convocados a retornarem à sala de aula, assim o fizeram, satisfeitos com seus 5.5% de “aumento” em agosto/2016 e 5% prometidos em janeiro/2017. Ainda que os anúncios de cortes no orçamento do MEC chegassem a 46%.

 

Dentro dessa parcela da comunidade acadêmica, seja pelo distanciamento dos debates e noção superficial de representatividade, ou  pela explícita discordância com o projeto de universidade pública, gratuita e socialmente referenciada, uma gama de argumentos, supostamente pertinentes, compunham o coro dos contrários a greve. Nessas assertivas, algumas questões se destacavam sem nenhuma novidade, já que, sempre retornam quando uma categoria toma como tática o movimento paredista, a saber: seria egoísmo/corporativismo pautar reajuste salarial no contexto de crise; seria preciso pensar outras formas de luta sem parar as atividades; e, a greve esvazia a universidade, não trazendo mobilizações massificadas para pressionar o governo.

 

No outro lado, atacada pelos setores conservadores dentro e fora da universidade, ignorada ou criminalizada pela grande mídia, duramente reprimida pela polícia nas manifestações e desconsiderada pelos governos, a parcela da comunidade acadêmica que se mobilizou naquele momento, via  suas reais pautas e seu histórico de diferentes formas de mobilização permanecerem invisíveis  para a grande maioria da sociedade.  

 

Nesse sentido, é preciso que desmitifiquemos algumas questões. Afinal, a greve teve como centralidade o reajuste salarial, não?

 

Não! É necessário recordar que, no momento da radicalização, várias universidades estavam com risco de pararem suas atividades por falta de verbas para questões básicas, como por exemplo, o pagamento de serviços terceirizados da limpeza (ponto revelador da privatização), cortes de bolsas, entre outros. O processo de desmantelamento das universidades era um projeto que se anunciava de modo explícito e progressivo como tática das escolhas econômicas e fiscais do estado.

 

Vale lembrar que quem tornou pública a falência das universidades como escolha política de governo, pressionando a abertura de contas das Instituições Federais de Ensino Superior – IFES –, mobilizando para que não se aumentassem os cortes e, pelo menos, jogando para o futuro os elementos mais amplos dessa desconstrução, foram, justamente, os setores em greve.

 

Dessa forma, se não houve avanço na pauta de correção dos salários de acordo com a inflação (e não de aumento salarial), se não se obteve êxito na mudança da carreira docente devastada em 2012, foram professores/as, técnico-administrativos e discentes que, mobilizados naquela greve, pressionaram para que houvesse condições mínimas de continuidade de funcionamento dos campi. Se por um lado, muitas reitorias estavam de “pires na mão”, por outro o processo de tensão consequente do movimento paredista não permitiu o aprofundamento dos cortes.  

 

Em 2015 o cenário posto para as IFES eram cortes que atingiram a casa dos 9 bilhões de reais, redução anunciada (pasmem!) pela equipe do então governo  Dilma – PT. Em setembro do mesmo ano a mesma equipe anunciou uma série de medidas de austeridade, conhecidas como “pacotaço”, prevendo vários cortes no orçamento da união. Em entrevista, o então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, apela ao congresso nacional que votem os projetos de leis e PEC que tramitavam (e ainda tramitam) pela casa. Aqui, o então ministro, já faziam referências à PEC 241, agora PEC 55, bem como ao PLP 257 enviado diretamente do gabinete da presidenta Dilma.

 

Ao sairmos da greve, indicamos a necessidade da construção da unidade na luta para enfrentar e barrar a aprovação das referidas matérias no Congresso Nacional e Senado. Desde então, viemos trabalhando duramente para a construção dessa articulação ampla em todo país, realizando mesas de debates, atos públicos unificados, reunião com parlamentares, visita aos gabinetes na câmara em Brasília-DF.

 

O ANDES-SN e suas seções sindicais não pouparam esforços em realizar todas as outras formas de enfrentamento contra a aprovação dos projetos em tramitação e que representam a retirada de direitos historicamente conquistados, ou seja, um ataque direto a nós trabalhadoras/es. Assim, nunca se tratou de uma luta corporativista da categoria docente apenas por seus direitos.

 

A partir da retirada de Dilma da presidência, o agente executor, o ilegítimo Michel Temer, vem cumprindo e ampliando a agenda regressiva já anunciada desde o ano passado. O mais afrontoso ataque é a Emenda Constitucional 241/55 que altera a Constituição Federal, limitando os investimentos em Seguridade Social (saúde, educação e assistência social) aos índices inflacionários do ano anterior, índices esses indicados pelas agências do governo. A proposta que vincula os investimentos do Estado aos ditames do mercado e não aos interesses e necessidades da população faz parte de um pacote de ataques que perpassa a contrarreforma da previdência, a desconstrução dos direitos trabalhistas, o ataque ao pluralismo e ao debate crítico na educação, entre outros.

Diante desse quadro, a construção da Greve Geral da classe trabalhadora se afirma como elemento fundamental de pressão e visibilidade das pautas contra as necessidades presentes para a população. A conjuntura atual urge a pela paralisação da produção e reprodução para pressionarmos o governo e aqueles que o financiam. São igualmente urgentes: a ocupação das escolas, universidades, fábricas, corações e mentes diante dos retrocessos, do avanço do ódio, da intolerância e da desigualdade. Nesse sentido, a Greve não é para atrasar a formação dos discentes, mas, sobretudo, para garantir que ela ainda exista de forma pública e gratuita.

 

A urgência de reconstruirmos uma educação e uma vida com sentido não são pautas partidárias, revanchistas e nem corporativistas, mas tarefas do nosso tempo histórico, exigência para que a universidade seja um direito e não um privilégio ou mercadoria. E, assim, para que nossos/as discentes tenham direito a qualidade, que, quando formados, possam ter direitos como trabalhadoras/es, que possam almejar condições de trabalho dignas, estabilidade e qualidade de vida.

 

É fundamental que possamos desconstruir os equívocos de que o processo de mobilização radical é uma construção imediata e irresponsável. É imperativo mantermos as diversas atividades, atos públicos, tentativas de negociação e demais iniciativas ao longo desses meses. É inexorável frisar que nenhuma greve surge do nada e nem é construída sem sujeitos. Dessa forma, o histórico esvaziamento da universidade, apontado por alguns grupos, só será superado com a ampliação do número de pessoas que ocupem os espaços de mobilização. Devemos fazer desse processo uma construção coletiva, pedagógica e cidadã, demonstrando que seremos capazes de ensinar, aprender e construir conhecimento de modo crítico, combativo, autônomo e pleno de sentido diante de um quadro devastador para a educação.

 

O chamamento da greve e ocupação não é para a paralisação, e sim para a mobilização. Paralisados estamos quando permanecemos inertes, mergulhados em nossas atividades, assoberbados na precarização, na esperança que nossos projetos individuais sejam capazes de nos fazer superar as dificuldades. A convocação para a luta não é para o esvaziamento da universidade, é para sua ocupação real e popular, com aulas públicas, com atos, manifestações, com a nossa comunidade acadêmica ultrapassando nossos muros e mostrando a importância dessa instituição, abrindo as portas e o diálogo para com a população. Assim sendo, possibilitar uma construção pedagógica muito mais ampla do que a formação técnica para a empregabilidade, mas como elemento da formação humana, questão que deveria ser fundante da universidade.

 

Portanto, a construção da greve é tão dura quanto necessária! Não porque lutamos pelo corporativismo salarial, mas sim porque acreditamos que este é o instrumento que nos resta de resistência contra os ataques que o governo vem efusivamente empenhando contra os direitos da população brasileira. Vamos á luta!

 

 

*Professores da UFMT

 

Terça, 13 Outubro 2015 12:40

 

A rotina da vida foi-se instituindo de forma radicalmente fundamentada no “trabalho”, mas não no sentido ontológico marxiano, e sim no sentido capitalista que elevou essa ontologia à máxima potência matemática, e em contradição nos despotencializou subjetiva, coletivamente e, por fim, humanamente.

Temos nossa casa, nossos horários, nossas relações permeadas pela rotina da atividade laboral; e a consequência disso?

Perdemos a capacidade para lidar com o extraordinário no sentido estrito do termo, como aquilo que está fora da ordem, sem programação, aquilo que não é o trivial, rotineiro, ou seja, ordinário. E quando os eventos extraordinários acontecem nos deslumbramos e paralisamos, depois buscamos encaixá-los na ordem, racionalizamos e nos incomodamos com sua existência, não sabemos lidar com os “estados de exceção” que tais eventos proporcionam. É assim quando nos apaixonamos, por exemplo, quando somos tomados de um sentimento que nos inunda a vida e que não faz sentido algum, a não ser o de tornar-se o sentido próprio da vida, até que transformemos esse sentimento em ordinário e, então, o encaixamos na rotina.

Este é também, o incômodo que nos causa o rompimento com a rotina laboral que uma greve nos provoca. Assim, vamos racionalizando sua função, seu objetivo, criticando a paralisação que ela causa, em última instância, em nossas vidas, afinal, em nossa sociedade, instituiu-se a máxima de que “somos aquilo que fazemos” enquanto atividade produtiva para o capital, ou seja, enquanto capacidade de produzir riqueza para o capital. Quantas vezes nos apresentamos às pessoas nos referindo a nossa atividade laboral? (Oi prazer, sou fulana, sou professora, psicóloga etc.). E quantas vezes, muitos de nós, julgamos como “vagabundos” aqueles que não produzem essa riqueza? FHC e seu discurso sobre os aposentados ilustra bem esse juízo de valores, que remunera mais às profissões que melhor servem ao capital.

Somos tão colonizados que transportamos para nossa vida íntima as metas produtivas que nos impõem o capital, num estado de competição eterno competimos com nossos pares, instauramos a competição em nossas relações cotidianas afetivas (sejam elas de amizade, de amor ou de trabalho). Quem cumpre melhor a meta ideal para ter uma vida perfeita e feliz?! Entre “ser feliz ou ter razão”, não há escolhas quando se faz da própria felicidade uma competição mascarada! Uma eterna busca do cumprimento da meta “felicidade”. Para tanto, aceitamos sem questionar que devemos ter isso, fazer aquilo e as eternas listas com receitas de como conseguir aquilo que não se tem ainda.

Na lógica social que nos damos e que nos é dada, de modo muito superficial, devemos ter uma boa casa, uma profissão em que sejamos socialmente reconhecidas e competimos com nossos colegas para sermos melhores, lógica absurda em que “melhor” se resume em ser “mais” (mais artigos, mais citações de seu nome, mais metas alcançadas, mais... mais... sempre mais!). Vivemos uma época das quantidades! E de “mais” em “mais” vamos nos tornando subjetivamente “menos” humanos, “mais” máquinas!

E seguimos na ilusão “máquina” de não sentir; o império da razão se sobrepôs à emoção e se instituiu (desde os gregos) que a razão coincide com pensamento e, em nossa sociedade atual, institui-se que pensar/razão é o que nos faz fortes e “melhores”. Aos sentimentos é relegada a fraqueza, a instabilidade, a insanidade. Não descumpra, não questione as regras, seja policamente correto! Controle-se! Não seja LOUCO! Não chores, não ria, não se irrite, não “perca a cabeça”, pois é nela, por herança de Platão, onde mora a razão.

Somos tão máquinas, que não aprendemos a lidar com a humanidade e a transformamos em superstição, transcendência, já dizia Espinosa: “(...) os homens são dominados pela superstição enquanto dura o temor (...)”. E seguimos cumprindo as metas das provas, das datas de formatura, dos prazos que nos impomos, em suma, aprisionamos a vida pública e privada, nossa razão e emoção à meta das quantidades.

Fomos colonizados, emoldurados, formatados para seguir o absurdo das conquistas imediatistas (a tão almejada meta). Agimos em prol dos resultados. E que resultados têm uma intensa atividade política que ultrapassou longos quatro meses?

Acúmulo histórico, político e resistente. It´s bullshit! Qual foi a meta, o resultado concreto, real e imediato alcançado?

Em tempos de imediatismo, “cagamos” para o acúmulo histórico, para as conquistas que não nos são palpáveis. Esquecemos que a política é parte de nosso “fazer ser” seres humanos. Deixamos o estágio abstrato e nos fixamos no concreto. Pobre Piaget, que entendia como natural, a partir da interação com o meio, essa passagem; talvez se sentisse perdido com a capacidade humana de não apenas aceitar, como “lutar” por permanecer na mediocridade concreta e imediatista.

 Pois bem, na contramão dessa lógica dos absurdos (eu invoco como um mantra) nosso saudoso poeta-menino Manoel de Barros e lhes digo: “Perdoai eu preciso ser outros!”.

 

Profa. Vanessa C. Furtado

Professora do Departamento de Psicologia

Instituto de Educação/ UFMT