Sexta, 19 Agosto 2022 08:33

 

O mais recente retrato do mercado de “empreendedorismo” no Brasil revela o grau de precarização das condições de vida e trabalho no país. Entre 2012 e 2021, o número de trabalhadores por conta própria no Brasil cresceu 26%, passando de 20,5 milhões para 25,9 milhões. Já o número de formalizações como MEI (Microempreendedor Individual) passou de 2,6 milhões para 11,3 milhões.

Os dados constam do Atlas dos Pequenos Negócios elaborado pelo Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), com base na PNAD Contínua, do IBGE.

O levantamento demonstra que nove em cada dez “donos” de negócios no Brasil não têm funcionários. São pessoas que desenvolvem todas as funções dentro da empresa, desde o investimento até a venda ou prestação de serviço.

Os valores que quase metade desses “empreendedores” consegue ter de “salário” não são altos. De acordo com o Atlas do Sebrae, 45% dos donos de negócios ganham até um salário mínimo como renda mensal. Outros 27% tiravam, por mês, de um a dois salários mínimos. Três em cada quatro não chegam a ganhar R$ 2.500 por mês.

Empreendedorismo x precarização

De acordo ainda com a pesquisa do Sebrae, 28% dos microempreendedores individuais já atuavam fora do mercado formal, sendo que suas ocupações principais eram empreendedorismo informal (13%) ou empregado sem carteira (15%), quando decidiram adotar o regime de MEI.

O Brasil ocupa a 5ª posição no ranking de “empreendedorismo” entre 50 economias avaliadas pelo GEM (Global Entrepreneurship Monitor), com 30,4% de trabalhadores por conta própria no total da população em idade de trabalhar.

“Empreender, no sentido estrito da palavra, está associado à inovação —seja a introdução de um novo produto, a criação ou aperfeiçoamento de um método de produção ou de venda e a abertura de novos mercados. Seria algo mais adequado ao que se propõem as startups”, argumenta o jornalista especializado em economia José Paulo Kupfer, ao analisar o Atlas do Sebrae.

“Quando, porém, se verifica que o empreendedorismo nada mais é do que uma palavra elegante para um cotidiano de dura sobrevivência e de correr atrás de alguma renda do jeito que for possível, a realidade traduz uma anomalia social. É também a realidade de um governo que se mostra incapaz de promover não só atividade econômica robusta e sustentável, como de executar políticas de emprego bem estruturada e eficazes. Resta, então, transferir aos "empreendedores" a responsabilidade de se virarem para conseguir seu sustento e o de sua família”, afirmou.

 

Fonte: CSP-Conlutas (com informações: Sebrae - Atlas dos Pequenos Negócios. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

 

Quinta, 06 Junho 2019 09:24

 

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Por Aldi Nestor de Souza*
 
 

A reportagem madrugou na casa de Alberto e se encarregou de contar cada detalhe de sua rotina: a hora em que acorda, faz compras no mercado de orgânicos, faz as tarefas do lar, prepara o almoço e os molhos do empreendimento. Mostrou ainda o beijo de bom dia na patroa, a cara de sono das crianças, o cocô do cachorro.

Alberto, segundo a reportagem, deu a volta por cima. Um exemplo de quem sabe superar os tempos de crise. No dizer da televisão, “ele é uma inspiração.” A reportagem disse ainda que Alberto anda ganhando mais do que ganhava quando trabalhava na empresa. Sem contar que é o patrão de si mesmo.

Alberto foi gerente de uma empresa graúda. Tinha carteira de trabalho com assinatura, décimo terceiro garantido, férias, fundo de garantia, direito as horas extras e mais de mil pessoas sob seu comando. Ele tem curso de graduação em administração de empresas e mestrado em gestão de negócios. É casado com uma professora e tem dois filhos. Torce pelo Palmeiras. Gosta de jogar vídeo game, de assistir séries e de ler. Lavar a louça, varrer a casa e fazer a comida também fazem parte de suas tarefas do lar.

A matéria tinha como objetivo, exclusivamente, o sucesso do empreendimento.  Depois de demitido e de passar quase um ano em busca de um novo emprego, Alberto decidiu trabalhar por conta própria e montou um carrinho-barraca de sanduiches naturais e de sucos de frutas, que funciona numa ponta de calçada, no centro da cidade.

Ele inovou nos sabores, nos ingredientes, nos nomes dos lanches e tem sanduiches pra todo mundo: pra quem é vegetariano, pra quem é vegano, pra quem é corintiano. A venda se dá à tarde, a partir das 15 h. Fica até às 19: 00h ou enquanto durar o estoque.

A reportagem o seguiu até a calçada do trabalho. Alberto deu entrevista satisfeito, sorriu entre as falas, concordou com o entrevistador sobre os temas: perseverança, criatividade,  esperança, auto estima, molho de tomate, salvar o planeta, comer menos carne, cair de boca nos naturais,  comida saudável, saúde, o gosto do jiló. Alguns clientes também engrossaram o caldo das falas e teceram lá seus elogios de tela.

Vendo todo aquele alvoroço, me ocorreu o seguinte fato: durante o trabalho, caso haja necessidade, onde será que Alberto faz xixi? Sim porque, no carrinho-barraca, que a TV mostrou todos os pormenores, não há espaço pra banheiro. Além disso, ele faz a venda sozinho, o que significa que, mesmo que consiga descolar um banheiro nas proximidades, não tem com quem deixar os sanduiches. Imaginei que ele deve se valer de um saquinho  e mijar ali mesmo, nas proximidades dos quitutes, das ervilhas, dos molhos , das carnes, dos orgânicos.

Essa situação me remeteu a de seu Madruga, personagem do seriado, Chaves, também famoso na TV. No episódio “A venda de churros’’, seu Madruga, também em um momento de crise econômica, torna-se sócio de dona Florinda e passam a fazer e vender churros. É de seu Madruga a tarefa de fazer a venda, na rua, em uma barraquinha também de ponta de calçada. Um certo dia, na hora de um aperto insuportável, seu Madruga pede ajuda ao Chaves para que olhe à barraquinha enquanto ele vai ao banheiro. Quando volta, Chaves, que é paupérrimo e famoso por suas trapalhadas,  havia comido todos os churros.

Pois bem, considerando que Alberto sai de casa todos os dias por volta das 13:00h , em alguma hora da tarde o xixi deve lhe bater à porta.

É claro que eu poderia ter pensado outras coisas, por exemplo: e se ele ficar doente? Se sofrer um acidente? Se alguém da família adoecer? E os dias de chuva? Mas isso poderia soar como agouro e resolvi pensar em algo mais prático, e inevitável, tipo mijar.

Tudo bem o sujeito não ter carteira assinada, não ter décimo terceiro salário, não ter direito a férias, não ter fundo de garantia, não poder adoecer, não poder sofrer acidente, mas não ter aonde dar uma mijadinha aí já é demais.

 

*Aldi Nestor de Souza
Professor do departamento de matemática/UFMT-CUIABÁ
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Sexta, 01 Março 2019 18:06

 

Incentivar o 'espírito empreendedor' do trabalhador é um meio para tornar legal a precarização do trabalho, aponta Fundação Perseu Abramo.

A reportagem é de Felipe Mascari, publicada por Rede Brasil Atual - RBA, 26-02-2019.

Jornadas longas, péssimas condições de trabalho, pouquíssimos direitos assegurados e insegurança sobre o futuro. Essas são as dificuldades apontadas por trabalhadores informais, que vivem sob a ótica do "incentivo empreendedor". Para pesquisadoras da Fundação Perseu Abramo (FPA), o termo "empreendedorismo" deveria ser substituído por "gestão da sobrevivência".

O incentivo para que o trabalhador se torne "empreendedor" é um meio para formalizar a precarização do trabalho, aponta um estudo publicado pela FPA, que ouviu manicures, domésticas, motoboys, ambulantes, costureiras e trabalhadores do setor de construção civil.

A cientista social e coordenadora executiva da pesquisa, Léa Marques, explica que a precariedade do mercado se relaciona a diversos aspectos, como a "uberização" do emprego, a incapacidade de organização coletiva e os efeitos da reforma trabalhista.

"Esse discurso do tal empreendedorismo é mais uma forma da precarização do trabalho. Isso se dá para os trabalhadores das periferias, que estão longe dos centros comerciais e precisam lidar com o mercado de trabalho sem nenhum direito. Esse discurso do empreendedor é para que o Estado não tenha responsabilidade sobre políticas públicas de emprego e renda", explica à RBA.

Já a socióloga e supervisora da pesquisa, Ludmila Costhek Abílio, lamenta que nos períodos de crise, a informalidade se torne a única opção para o trabalhador. "Nós vimos, por meio das entrevistas, que há uma 'uberização' do trabalho. São novas formas de organização da informalidade e que atingem diversas ocupações. É preciso desconstruir o discurso do empreendedorismo, de quem alcançaria o sucesso sozinho."

Formal em um dia, informal no outro

A pesquisa da Fundação Perseu Abramo aponta que o trabalhador vive num trânsito constante entre o trabalho formal, informal e outras atividades remuneradas. 

De acordo com Ludmila, o estudo mostra que o mercado formal e o informal são dois campos estáticos. "As pessoas fazem um monte de coisa ao mesmo tempo para garantir a sobrevivência. O motoboy usa o trabalho dele para ser sacoleiro também, a costureira abre um brechó na casa dela. São várias formas de garantir a própria sobrevivência", pontua.

Outro aspecto levantando pela pesquisa é de que a figura do Microempreendedor Individual (MEI) funciona mais como veículo de informalização do que de formalização do trabalho. "As manicures e os motoboys viraram MEI. Estão formalizando a informalidade. O mercado se apropriou dessa brecha para precarizar mais o trabalho", critica Ludmila.

Novas formas de organização

Perseu Abramo também identificou que, com o aumento do trabalho informal, os trabalhadores, desamparados pela lei trabalhista, criaram suas formas de organização coletiva. Entretanto, não são todas as categorias que conseguem e as que alcançam têm dificuldade de mobilização.

Os motoboys, por exemplo, possuem formas de organização ativas por meio das redes sociais. "Mas vimos categorias que têm dificuldade de organizar, como as manicures e empregadas domésticas, porque estão em espaços privados", conta a supervisora da pesquisa.

Por outro lado, Léa explica que é preciso entender como funcionam as novas relações de trabalho, já que a informalidade estimula o individualismo, sendo que as dificuldades devem ser enfrentadas coletivamente para serem superadas. 

"Tem motoboy relatando (na pesquisa) que houve uma manifestação contra a empresa do aplicativo e ele foi, mas como recebe por dia, não ganhou nada na ocasião. Quando teve a segunda manifestação, não foi e ganhou o dobro do valor, porque todos estavam paralisados. Há uma organização, mas é difícil colocar em prática", afirma Marques. "Os trabalhadores estão conectados, mas é difícil se organizar quando nada está garantido", acrescenta Costhek.

O estudo também mostra que os trabalhadores não buscam se formalizar com medo de perder a renda e por conta da precarização do mercado formal. Porém, eles admitem querer os direitos previstos da CLT. 

A cientista social acredita que o momento pede uma nova forma de articulação dos sindicatos para que representem os trabalhadores informais. "Isso mostra uma necessidade de os sindicatos criarem esse debate para incluir os informais nas suas formas de atuação", diz Léa.

Leia mais

 

Fonte: Revista Instituto Humanitas Unisinos

Quinta, 22 Novembro 2018 14:10

 

Conforme deliberação de assembleia geral, a Adufmat-Seção Sindical do ANDES Sindicato Nacional realizará, na próxima terça-feira, 27/11, o primeiro debate sobre Empreendedorismo e Universidade.

 

O evento será realizado no auditório do sindicato em dois horários: 8h e 19h, para contemplar o maior número possível de interessados.

 

Os convidados para trazer diferentes perspectivas da relação entre empreendedorismo e universidade pública são o professor da Universidade Federal de Itajubá, Dr. Edson Sadao (Administração), a professora da Universidade Estadual de Santa Catarina, Dra. Luiza Teixeira (Administração), a professora da Universidade Federal do Sergipe, Dra. Sônia Meire (Educação), e o professor da Universidade Federal de Mato Grosso, Dr. Reginaldo Araújo (Saúde Coletiva).

 

A atividade foi organizada pela Adufmat-Ssind em conjunto com a Faculdade de Administração e Ciências Contábeis da UFMT, representada pelo professor Dr. Elifas Gonçalves Junior.  

 

Os participantes receberão certificado. 

 

Quinta, 04 Outubro 2018 11:26
 
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Profa. Vanessa C Furtado
Departamento de Psicologia - IE/UFMT
 
  
Antes, eu, sinceramente estava radicalmente contra as aulas de empreendedorismo na UFMT, mas com o tempo fui mudando meu modo de compreender a necessidade de empreender. Por curiosidade, fui ler o que significa empreender e esta palavra está diretamente ligada com a capacidade de fazer, realizar coisas que são difíceis. A partir daí, entendi que o que faço, cotidianamente, para poder realizar meu trabalho é puro empreendedorismo!!
 
Vejam vocês, coordeno um grupo de extensão e realizamos um seminário anual sobre Saúde Mental, evento este que foi vencedor de editais para sua realização. Com o financiamento garantido, convidamos pessoas de renome e reconhecido trabalho científico na área que prontamente se dispuseram a vir. Toda a burocracia para realização do evento (reserva de espaço, solicitação de apoio de infraestrutura, certificados, etc) fora realizada.
 
Vamos ao evento!
 
Ao chegar no espaço reservado, por “sorte” as cadeiras estavam lá para o público se sentar, mas não havia caixa de som nem microfones para a palestra; não havia mesas para colocar no palco, não havia água para beber. Então, eis que vi na dificuldade uma grande oportunidade de por minhas habilidades empreendedoras em ação: realizamos o seminário! Contudo, foi exigido uma enorme capacidade empreendedora, pois como se não bastasse todas as faltas que já citei, no último dia a luz acabou! E, embora a universidade dispusesse de dois eletricistas para reparar o dano, não podiam dirigir o carro da universidade e não puderam fazê-lo. Haja resiliência! Diante do público inscrito, dos eminentes convidados, tivemos que encarar esta situação e, contando com a boa vontade de servidoras desta Universidade, conseguimos outro auditório para continuar nosso evento. E continuamos!
 
Fora as questões relacionadas ao evento, descobri, após minha pesquisa, que as atividades laborais docente são marcadas de atitudes empreendedoras, quem de nós nunca teve sua aula prejudicada porque não havia equipamentos necessários ou se eles existiam funcionavam de forma precária ou nem mesmo funcionavam? Quem de nós nunca deixou o seu próprio livro (comprado com parte de seu salário, sem qualquer custeio da instituição) na Xerox ou usa seus próprios computadores para dar aula? Ou vive dando jeitinhos para conseguir realizar seus projetos: seja uma parceria com empresas privadas, seja num contato amigo que libera o carro pra uma aula de campo fora do edital?
 
Logo, acredito que as aulas de empreendedorismo são fundamentais para que possamos fazer dessas adversidades oportunidades. Hoje defendo que elas sejam ampliadas ao corpo docente, porque entendi que esta habilidade nos será cada vez mais exigida a medida em que os projetos neoliberais avançam na universidade pública e a precarização está dada como projeto para Educação! Por outro lado, isto também está relacionado a pauta mais corrente na universidade: Saúde Mental!
 
Foi e é paradoxal discutir Saúde Mental na UFMT diante de tanta desvalorização do trabalho empreendido na universidade, por esta professora e todos os demais colegas, para realizar um evento científico e totalmente gratuito; diante da falta de respeito para com as pessoas que aqui estavam para prestigiar o evento; diante da violência que sofremos pelas péssimas condições estruturais para a realização de um evento nesta Universidade.
 
O processo de adoecimento mental se dá justamente nestas condições, em que individualizamos questões que são de cunho coletivo, culpabilizamos os sujeitos e os expomos enquanto incompetentes por não conseguirem resolver problemas, por não terem feito limonada dos limões que a vida lhe dá. E quando retiramos não culpabilizamos os indivíduos, limitamo-nos a jogar pra causalidade ou pro pensamento supersticiosos (sorte ou azar daquela pessoa) ao passo que exaltamos o empreendedorismo daqueles que, resilientes, enfrentam estas adversidades com criatividade! Nem um nem outro processo é menos enlouquecedor/adoecedor que o outro!
 
As ausências de infraestrutura básica para que exerçamos nossa atividade profissional nos impõe uma urgência em empreender. Num contexto em que as universidades tiveram um impacto real de 28% (número emblemático na UFMT) de cortes orçamentários, empreender deve mesmo ser a lógica para a realização de nosso trabalho docente. Venderemos, para o fórum de graduação, nossos standers às empresas privadas que virão decorá-los; venderemos nossas pesquisas de empresa em empresa para que consigamos os recursos necessários para desenvolver nosso trabalho; em breve, até os estágios curriculares obrigatórios deverão ser vendidos para termos financiamento de uma visita a comunidade, salas para atendimento, equipamentos que nos possibilitem a desenvolver a atividade... Numa sociabilidade em que tudo se transforma em mercadoria, seria incoerência nossa querer que a ciência não fosse tratada da mesma forma. Portanto, “ao empreendedorismo e além!” com o processo de desmonte da universidade pública brasileira e adoecimento de seus/suas servidoras/es e discentes.
 
 
 
Terça, 31 Julho 2018 11:30

 

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Por Aldi Nestor de Souza
  
 

E graças à China, o ser humano poderá chegar ao ponto de não precisar mais apertar o tubo da pasta de dentes. É que os chineses lançaram no mercado o Kit Dispenser Automático, um aparelho que funciona como suporte pro creme dental e que possibilita, com apenas um toque feito com a escova, que a pasta caia direto nas cerdas, na medida certa e pronta pra escovação.
 
Quando soube disso pensei que fosse só uma brincadeira, uma invenção maluca como aquelas do guarda chuva pros pés ou da gravata com espelho. Que nada. Na loja Mercado Livre, na internet, por exemplo, encontrei um rebanho com mais de 100 modelos diferentes do aparelho. Várias cores, tamanhos, preços, etc. Um mar de opções, a perder de vista e a nos forçar a acreditar que a coisa só pode ser séria.
 
De onde será que veio a ideia pra essa criação? Quem terá sido o empreendedor dessa façanha? O que fará o ser humano com o tempo economizado com mais essa comodidade? Estaríamos nós, humanos, desenvolvendo mais um instinto natural: o de transformar tudo em mercadoria, a qualquer custo, por mais desnecessária que esta venha a ser? Estaríamos a caminho do fim, da condenação de sermos obrigados a não fazer nada, não pensar, não se mover, apenas parar?
 
A partir desse kit, é bem possível que, neste momento, algum empreendedor já esteja pensando em algo como: um aparelho pra escovar nossos próprios dentes e em um outro pra abrir a nossa boca e ficar segurando nossos queixos durante a escovação.
 
Seja como for, o que parece certo é que o Kit Dispenser Automático contribui com o PIB da China, o PIB que se assenhora dos economistas e governos do mundo todo e os faz render-lhe graças, copiá-lo, estudá-lo, endeusá-lo. O PIB que determina o que o mundo é, o que as pessoas devem ser, o que deve ser feito. O PIB que reduz as pessoas a meros números, que suplanta o nosso ser e que transforma a vida das pessoas num imenso vazio.
 
Esse kit me remeteu aquela produção científica universitária, feita como numa linha de montagem, com datas, metas, números e resultados previamente estabelecidos e implacáveis, a troco de pontos pra engordar o currículo lattes e fazer existir o pobre do pesquisador, num processo em que pesquisa e pesquisador não passam de meras mercadorias. Nessa produção viciada, segundo afirma Daniel Lettier, no artigo “Por que professores universitários estão escrevendo coisas que ninguém lê?”, 80% de toda a produção de artigos acadêmicos ninguém jamais vai ler e portanto, se isso for mesmo verdade, tal produção não vai conseguir sequer transformar-se num Kit Dispenser Automático.
 
O que diria, desse kit, o filósofo grego Sócrates? do qual se conta que costumava andar pelas ruas do comércio de Atenas a ressaltar pros seus discípulos, em meio às lojas abarrotadas de produtos: “Vejam só, meus jovens, de quanta coisa eu não preciso para viver!”
 
Pensei também no que diria minha saudosa mãe, uma nordestina forjada no solo seco do sertão, sem nenhuma escolaridade formal, mas que sabia extrair,da casca do tronco do juazeiro, o creme dental de nossa casa. Com uma faca peixeira, ela raspava a casca, punha no sol pra secar e, depois de seca, esfarelava, ou batia num pilão e extraía um pó fininho com o qual a gente escovava os dentes.
 
Pensei, por fim, que, nesse ritmo,  não há analgésico que nos seja suficiente e que é preciso muita tarja preta pra suportar a angústia de existir nesse mundo que nos condena a ser apenas inutensílios, mercadorias expostas numa prateleira pra nada.
 
Que graça tem o mundo se existe uma tecnologia até pra apertar o tubo da pasta de dente?
 
 
Aldi Nestor de Souza
Professor do departamento de matemática da UFMT/Cuiabá
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Terça, 19 Junho 2018 09:52

 

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Eu vejo o futuro repetir o passado

Eu vejo um museu de grandes novidades

O tempo não para

(O tempo não para, Cazuza)

Maelison Silva Neves - Departamento de Psicologia/UFMT Cuiabá

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          Nos últimos dias, iniciou-se um produtivo debate em torno da questão do empreendedorismo no âmbito da UFMT. Acerca desse tema, já havia me posicionado no espaço aberto, conforme esse link. Lendo os comentários de facebook, falas e alguns textos que se posicionaram a favor do empreendedorismo, chamou atenção um núcleo argumentativo que caracterizava os críticos dessa perspectiva como retrógrados, como se fossem filiados a um pensamento já ultrapassado, referindo-se ao marxismo. Acerca da alegação de obsolescência do marxismo nos debates sobre temas sociais e políticos relevantes é que me posiciono nesse texto.

          Parece existir alguns pressupostos sobre história e ciência por trás de tal alegação. Do ponto de vista histórico, esse argumento concebe a história de forma linear e progressista: amanhã será melhor que hoje tal qual hoje é melhor que ontem. Tal concepção parece inspirar-se na evolução da tecnologia[i]: se olharmos os progressos da técnica, temos sempre esperança de que ela melhore, pois ao compararmos o aparato tecnológico que temos hoje (smart fone, por exemplo), constatamos que são bem mais desenvolvidos que as versões anteriores. Aplicando tal raciocínio à história da ciência, o senso comum tende a reconhecer as teorias científicas contemporâneas como sempre mais avançadas que as do passado, como se a história humana (incluindo a da ciência) fosse uma espiral de progresso contínuo.

          Em vez disso, parece ser mais rico para o pensamento científico sobre os fenômenos humanos e sociais adotar “uma interpretação dialética e não evolucionista da história, levando em conta ao mesmo tempo os progressos e as regressões” (LOWY, 2002, p.205).

          Ao aplicar a argumentação de história linear ao pensamento Marxista, a crítica do senso comum tende a refutá-lo alegando simplesmente que se trata de um pensador do século XIX. Como, obviamente, estamos no século XXI, ele nada mais teria a nos dizer, pois que o que foi dito depois dele, contrapondo-o, é a última novidade da verdade sobre nosso tempo. Quando me refiro ao senso comum, quero dizer que tal argumento não tem embasamento científico nem filosófico seja do ponto de vista do conceito de História, da História da Ciência, seja do ponto de vista das Ciências Sociais.

          Duas considerações são importantes para se desfazer a incoerência de tal alegação: Muitos autores do século XIX continuam sendo muito influentes no pensamento contemporâneo, principalmente porque os fenômenos descritos por eles continuam presentes e relevantes em pleno século XXI. Seria absurdo negar explicações sobre fenômenos biológicos baseadas na evolução porque Darwin a formulou no século XIX, posto que os princípios gerais dessa teoria continuam fundamentando as ciências naturais. Do mesmo modo, considerando que o Capital foi o grande objeto de crítica e reflexão teórica de Marx e que ainda vivemos sob o modo de produção capitalista (apesar de suas reconfigurações), ainda é possível analisar e criticar a dinâmica desse modo de produção a partir do pensamento marxista.

          Outra consideração a ser feita é que a propriedade privada, um conceito-valor caro para os críticos de Marx e defensores do Capital, tem origem bastante remota e suas fundamentações mais brilhantes são de filósofos políticos liberais do século XVIII e XIX. Além disso, nenhum pensador liberal contemporâneo, se for honesto, ousará ignorar o legado de Adam Smith. Entre ele e Marx há profundas diferenças, mas ambos refletiram sobre os mesmos processos sociais, colocando-se em posições filosóficas, epistemológicas e valorativas opostas. Ambos continuam importantes, quando se analisa os fundamentos das disputas de rumo da sociedade sob o prisma econômico, social e ético.

          Do ponto de vista da História e Filosofia da ciência, torna-se nonsense aplicar ao pensamento marxista a ideia de obsolescência: não houve uma revolução paradigmática nas ciências sociais e não sei se seria possível aplicar as teses de Kuhn ao conhecimento direcionado para a ciência dos processos humanos/sociais. Em vez de pensar esse campo de pensamento na perspectiva Kuhniana (fase pré-paradigmática→ ciência normal → crise → revolução →nova ciência normal, e assim sucessivamente), parece ser mais plausível pensar na perspectiva de um campo pluriparadigmático, no qual a diversidade teórica e interpretativa dos fenômenos sociais, que por sua vez implica em diferentes tecnologias, não se descola das pressuposições de sujeito, sociedade e valores.

          Desse modo, baseando-se na sociologia da ciência de Bourdieu, pode-se considerar que a dinâmica da produção científica, longe de uma progressão em espiral de contínuo aperfeiçoamento, constitui-se em um campo de lutas:

Dizer que o campo é um lugar de lutas não é simplesmente romper com a imagem irenista da "comunidade científica" tal como a hagiografia científica a descreve − e, muitas vezes, depois dela, a própria sociologia da ciência. Não é simplesmente romper com a ideia de uma espécie de "reino dos fins" que não conheceria senão as leis da concorrência pura e perfeita das ideias, infalivelmente recortada pela força intrínseca da ideia verdadeira. É também recordar que o próprio funcionamento do campo científico produz e supõe uma forma específica de interesse (as práticas científicas não aparecendo como "desinteressadas" senão quando referidas a interesses diferentes, produzidos e exigidos por outros campos) (BOURDIEU, 1983, p.123).

          As ideias acima precisariam ser melhor desenvolvidas para evitar imprecisões e por entrarem em debates acalorados no âmbito da História e Filosofia da Ciência, mas o que pretendo argumentar centralmente é: o pensamento de Marx continua vivo e atual. Obviamente ele não é unanimidade na sociedade nem na universidade (diferente do que pensa o senso comum das redes sociais), mas nada nesse mundo é unânime e isso não invalida o potencial analítico e crítico do pensamento marxista. Desse modo, as respostas nos debates sobre os rumos da sociedade de quem pensa diferente de Marx precisam ser dadas com o mesmo rigor teórico-metodológico desse autor, atendendo às exigências para um debate acadêmico enriquecedor para a universidade e para a sociedade.

 

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, P. O Campo Científico. In: ORTIZ, Renato (org.). 1983. Bourdieu – Sociologia. São Paulo: Ática. Coleção Grandes Cientistas Sociais, vol. 39. p. 122-15

KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 5. ed. São Paulo: Editora Perspectiva S.A, 1997.

LÖWY, Michael. A filosofia da história de Walter Benjamin . Estudos Avançados, São Paulo, v. 16, n. 45, p. 199-206 , aug. 2002. ISSN 1806-9592. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/eav/article/view/9877>. Acesso em: 17 june 2018. doi:http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142002000200013.

MARCUSE, H. A ideologia da sociedade industrial. Zahar: Rio de Janeiro, 1973.

Žižek, Slavoj. A atualidade de Marx. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2018/05/04/zizek-a-atualidade-de-marx/ . Publicado em 04/05/2018. Acessado em 17/06/2018.

 

 



[i] A ideia de uma evolução linear e progressista da tecnologia pode ser objeto de crítica, não sendo essa perspectiva defendida nesse texto, mas não será possível detalhar aqui por fugir do foco. Autores como Walter Benjamin, Herbert Marcuse e Martin Heidegger se dedicaram a refletir sobre o tema.

 

Quinta, 14 Junho 2018 19:05

 

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A despeito do equívoco e da repercussão negativa que teve o banner colocado em um dos postes da UFMT com os dizeres “Universidade pública não é empresa! Não à implementação de disciplinas de empreendedorismo [...] Professores da UFMT em defesa da universidade pública” me senti na obrigação de escrever, ao menos, sobre os pontos que conheço a respeito deste tema.

Há anos a disciplina de empreendedorismo existe como componente curricular, obrigatório ou optativo, em diversos cursos da UFMT além do tema ser trabalhado também em projetos de extensão e de pesquisa. Para comprovar o que estou falando, encaminho um artigo meu escrito em 2015 e publicado no Boletim dos Bacharelados - UFMT, Ano I, No 3. Nov/Dez 2015, página 7. Se alguém se interessar por ler o Boletim na íntegra, verá que esse número foi todo dedicado às ações de empreendedorismo e a inovação tecnológica existentes à época na UFMT.

A educação empreendedora não é uma corrente ou um modismo que vai contra a educação pública de qualidade e esse não é o único equívoco deste banner. Acredito que nós professores da UFMT, sempre estaremos em defesa da universidade pública de qualidade, mas isso não quer dizer que precisamos ir contra o ensino de empreendedorismo. Por fim, espero que um tema tão importante como esse, não seja mais usado como se fosse um posicionamento de toda a classe de professores que a Adufmat deveria representar e que seja trazido à discussão em plenária do sindicato.

 

O Ensino de Empreendedorismo nos Cursos de Computação[1]

O Instituto de Computação, campus Cuiabá, possui dois cursos de graduação: Ciência da Computação e Sistemas de Informação. Em ambos é ofertada a disciplina de empreendedorismo em informática com carga horária de 60h.

Esta disciplina tem como objetivos: fornecer ao aluno mecanismos para desenvolver habilidades do perfil de um empreendedor de TI; promover a implantação da cultura do jovem-empreendedor apoiando a integração com a classe empresarial e governamental como estímulo à criação de empresas de base tecnológica e estimular por meio da participação no Desafio Universitário Empreendedor do Sebrae a percepção e atitudes empreendedoras.

A dinâmica que tenho adotado à frente das disciplinas de empreendedorismo é trabalhar os conceitos técnicos e buscar desenvolver com mais afinco as atitudes comportamentais visando transformar o estudante num profissional com capacidade para aplicar seus conhecimentos de forma independente, inovadora e articulada com o mundo dos negócios por meio de uma visão organizacional dinâmica.

Para tanto, tenho utilizado um método desenvolvido por Fernando Dolabela chamado de “Os oito caminhos do empreendedor”. Este método considera que o empreendedor em potencial precisa percorrer oito caminhos que os levará a sua formação empreendedora. Em cada caminho ele vai se deparar com material de estudo, desafios e atividades que o fazem refletir e a buscar aprimorar suas habilidades tendo como foco desenvolver o perfil empreendedor e, por fim, a elaboração e a "venda" do seu plano de negócios.

Junto a este método também participamos do Programa Desafio Universitário Empreendedor do Sebrae, que a partir de uma competição por meio de jogos online visa estimular o desenvolvimento de habilidades empreendedoras. A competição inicia de forma individual e os melhores classificados em cada estado, formam grupos para competir em nível nacional. Prêmios são distribuídos aos melhores colocados inclusive uma viagem técnica ao exterior para conhecer algum tipo de empreendimento.

Por tudo isto, esta disciplina se desenvolve de forma bastante dinâmica, com leitura; estudo; muitas discussões; atividades diversas como entrevista, pesquisa de mercado, visita técnica e ainda bate-papo com empreendedores que são convidados a vir à sala de aula contar sua experiência no mercado local. E é com muito entusiasmo que planejo e organizo esta disciplina, que tem despertado o interesse e o desenvolvimento das habilidades empreendedoras em meus alunos.

 

Profa Dra Patricia Cristiane de Souza

Instituto de Computação, UFMT, Campus Cuiabá

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Nota de Rodapé

[1] Artigo originalmente publicado no Boletim dos Bacharelados - UFMT, Ano I, No 3. Nov/Dez 2015, página 7.

 

 

Quarta, 13 Junho 2018 14:26

 

 

               Nos últimos dias viralizou pelas redes sociais a foto de um cartaz atribuído à ADUFMAT onde se lê “NÃO À IMPLEMENTAÇÃO DE DISCIPLINAS DE EMPREENDEDORISMO!”. As postagens são seguidas por comentários irônicos, jocosos e ácidos sobre a postura do sindicato e dos professores da UFMT, comentários de deixar qualquer um envergonhado e que não valem a pena ser reproduzidos aqui.

A frase do cartaz, embora pareça ter sido redigida na melhor das intenções, foi um tiro pela culatra dado pela ADUFMAT. A julgar pela repercussão negativa nas redes sociais, foi um prato cheio para os inimigos da universidade pública, do movimento sindical e do serviço público, que se aproveitaram do ocorrido para dizer dentre outras coisas, que a universidade desperdiça dinheiro público com “doutrinação ideológica” (aspas minhas) e deve ser privatizada, esse o maior pesadelo de pessoas ligadas ao movimento de defesa da universidade pública.

Dizer “não” a uma disciplina aprovada em órgão colegiado, seja ela qual for, não me parece ser coerente com a autonomia didática, diversidade e liberdade de pensamento que deve existir na universidade, salvo em casos de infração legal ou falta de bases teóricas, práticas ou científicas para a disciplina proposta. Enquanto colégios de criança possuem empreendedorismo em seu currículo complementar como uma forma de ensinar liderança, respeito, cooperação e fomentar a formação de pensamento crítico e independente, setores da universidade demonizam uma proposta de disciplina em nível superior e, ao que parece, preferem ficar presos em doutrinas já superadas. Tais setores normalmente alegam que ao oferecer uma disciplina de empreendedorismo, a universidade se rende a uma “lógica de mercado”, seja lá o que isso signifique.  Então, tenho a ousadia de perguntar como um exercício retórico: então me digam onde os alunos vão trabalhar depois de formados? A universidade e o setor público não podem ser um fim em si mesmos.

Disciplinas sobre empreendedorismo, quando bem conduzidas, podem ser uma oportunidade de se encontrar e treinar futuros líderes que ajudarão na inovação tecnológica e desenvolvimento do país. Empreendedorismo não se resume a montar um negócio “ganancioso” para ficar rico e explorar o trabalhador através da “mais-valia”. Uma visão mais ampla de empreendedorismo envolve reconhecer pessoas inovadoras, criativas, artesões, artistas, “start-ups” e assentados do MST, dentre outros exemplos, como empreendedores. E o que dizer sobre o tão falado empreendedorismo social, onde empresas buscam crescer, mas ao mesmo tempo buscam soluções para problemas sociais.

Inovação, melhora da condição de vida das pessoas e solução de problemas, incluindo problemas sociais, esse é o papel do empreendedorismo. Um dos papéis da universidade tão repetido até pelo pessoal que diz não à implementação de disciplinas de empreendedorismo, é o da inovação e busca de soluções para problemas sociais. E isso é empreendedorismo puro! A universidade é empreendedora por natureza, por que não ensinar isso aos alunos?

 

Prof. Dr. Ricardo Stefani

Professor Associado

Bacharel em Química Industrial pela Universidade de Franca e Doutor em Química pela Universidade de São Paulo

ICET/CUA/UFMT

 

Segunda, 05 Março 2018 09:32

 

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O Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Prof. Me. Maelison Silva Neves

Departamento de Psicologia – UFMT/Cuiabá

Doutorando em Saúde Coletiva – ISC/UFMT

 

No contexto da crise de financiamento estatal das universidades públicas brasileiras, começamos a nos deparar com inúmeras propostas de solução, supostamente inovadoras, para sobrevivência dessas instituições. Sob o disfarce da novidade, o que temos é a velha disputa de projetos de sociedade da qual a Universidade não se exime, sendo até elemento estratégico. Nesse embate, há décadas o ANDES-SN e a ADUFMAT tem lutado por um o projeto de universidade pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada, inclusive com apresentação de uma proposta para a universidade brasileira que pode ser consultada clicando aqui.

Dentre as soluções inovadoras apresentadas em nosso cenário mato-grossense, chama atenção a ênfase dada ao empreendedorismo: tem sido objeto de eventos, seminários e cursos de capacitação para professores, com intuito de disseminar esse tema no currículo dos cursos oferecidos pela UFMT. Apesar de não ter sido assumido explicitamente pela reitoria, entendo que esse fomento para inserção do empreendedorismo no currículo e como ação de formação continuada de professores (denominada de capacitação) é uma das saídas escolhidas para dar resposta para a crise de financiamento.

Ações como essas são estratégicas para instalar uma cultura organizacional que propicie um “clima empreendedor” favorável às relações da universidade com o mercado, com parcerias no campo da pesquisa, da extensão e formação de profissionais, atrelando-os às necessidades do mercado. Todos sabemos que “quem paga a banda, escolhe a música”, ou seja, se a universidade for bancada por investimento privado, deverá seguir os interesses dos financiadores.

Aliás, há quem defenda exatamente isso, entendendo que seja essa a nossa missão na prestação de serviços à sociefade, como se as necessidades da sociedade brasileira fossem identificadas com as do mercado. Nada mais equivocado que isso!

O congelamento dos gastos públicos foi uma imposição do governo para “acalmar” o mercado, sendo um dos principais responsáveis pelo estrangulamento das políticas de educação, seguro social, assistência social e saúde. As reformas da previdência e trabalhista são demandas do mercado e estão em dissonância com as necessidades da população brasileira, sobretudo aqueles a quem são impostas condições indignas de vida. Assim, esse discurso de universidade pública como parceira do mercado é muito perigoso, pois ela deve servir ao povo brasileiro, cujas necessidades muitas vezes são antagônicas às de geração de lucro empresarial, sobretudo no que diz respeito aos bancos, latifundiários e multinacionais, os mimados investidores, cujos nervos tem sigo obsessão dos governos lacaios acalmar.

Além disso, o empreendedorismo, nos moldes do mercado, tem sido utilizado como discurso ideológico que disfarça o notável privilégio das grandes corporações no acesso ao crédito, concessão de baixas taxas de juros e perdão de dívidas e multas, enquanto o pequeno empreendedor sofre com maior taxação proporcional de impostos (nosso sistema é regressivo: quem ganha menos paga mais), maior dificuldade de acesso ao crédito ou, ao menos, em condições menos favoráveis que as grandes corporações, além de não ter sido beneficiado nas recentes anistias concedidas pelo congresso para o Itaú e agricultores-empresários-corporativos, por exemplo. Vide as diferenças de crédito para latifundiários, Eike Batista e agricultores familiares.

Partindo do princípio de defesa de uma sociabilidade igualitária, nota-se que o empreendedorismo (nos moldes capitalistas) não é a saída para nossos estudantes nem para a universidade. Implantar a lógica do mercado na produção/aplicação do conhecimento (razão implícita desse curso que a universidade nos oferece - qual o custo disso?) não vai resolver a crise estrutural da universidade pública, que tem nos cortes de financiamento público e desresponsabilização do Estado sua expressão mais palpável. O momento requer a ousadia de não se dobrar, não se isolar do povo, não ceder aos ditames neoliberais, mas fortalecer os laços da universidade pública com os movimentos sociais e populares, intensificar a luta por uma sociedade mais justa, igualitária e livre de explorações e opressões.