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Quinta, 14 Março 2019 10:40

CARNAVAL COMO PARÊNTESES - Roberto Boaventura

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O Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

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Agora é pra valer: o carnaval e o pós-carnaval terminaram mesmo, mas não sem deixar debates e embates.

Há muito tempo, o carnaval não nos marcava tanto, pois as críticas políticas foram revigoradas; ganharam personagens até então ignoradas pelo público, como, p. ex., as figuras e as ideias bizarras de Bolsonaro e sua turma.

Dentre tudo que visto, como não ter se emocionado com o desfile da Mangueira? Mais do que expor críticas sociais e políticas deste perigoso momento pelo qual estamos a atravessar, o samba-enredo da Mangueira – “História pra ninar gente grande” – serviu como maravilhosa aula de história, de cultura brasileira, de arte; em resumo, de sensibilidade, de brasilidade. 

Diante de tanta beleza estética exposta neste carnaval, ficou a impressão de que o momento político que vivemos deu novo ânimo às festas de Momo, mesmo com as dificuldades impostas por diversas prefeituras, dentre elas a do Rio, cidade, por natureza, tão maravilhosa quanto carnavalesca.

Muitas das prefeituras que tentaram “atravessar o samba” tomaram essa decisão não para conter gastos, como alegaram, mas por conta do moralismo-cristão que visa tomar conta do país, feito sombra repugnante herdada do medievo.

Do moralismo imperante, o destaque mais negativo ficou por conta da visibilidade que o presidente da República, em sua rede social, deu para um fato ocorrido isoladamente em desfile de um bloco paulistano: dois rapazes praticaram, em público, o golden shower (“ducha dourada”; ou seja, urinar sobre o/a parceiro/a).

Em nome da maldita “indignação” e do “repúdio” a “cenas imorais”, repito, compartilhadas pelo presidente Bolsonaro em sua rede social, atitude, aliás, bem próxima das produzidas por beatos fofoqueiros, quem não sabia passou a conhecer de mais essa modalidade de prática sexual, exercida por um contingente de seres humanos.

Portanto, pior do que a cena escatológica em si, inicialmente circunscrita a poucos internautas, foi a visibilidade lhe dada, inclusive no plano internacional. Tudo por conta do moralismo do presidente da República.

Nesse sentido, a capa da Revista Veja, desta semana, resume tudo isso, dizendo que ao divulgar aquele “vídeo pornográfico”, “o presidente Bolsonaro fica menos presidente e mais Bolsonaro”. Assim, provoca a “morte do decoro”; e se esse tipo de assassinato não lhe render um impedimento, já não lhe isentou de um grande desgaste político, principalmente sob o olhar do estrangeiro.

Pois bem. Se Bolsonaro fosse menos preconceituoso e preocupado com a vida alheia, saberia que, antes de tudo, por mais aberração que pudesse ser um golden shower, o carnaval é parênteses nos calendários religioso e civil, concedidos pela própria Igreja Católica desde idos tempos. O carnaval, diferentemente da Paixão de Cristo, é a festa da carne; por isso, é mais humano e menos cínico do que qualquer outra festa. 

Sendo assim, na condição de parênteses, nele tudo cabe, inclusive o golden shower, que, segundo os praticantes em questão, não passou de mise-en-scène para estabelecer uma crítica política deste momento, que continua tão asqueroso como antes.

Aliás, mais do que nojento, vivemos um momento de incertezas; daí, perigoso. Tão incerto que, diante de tantas aberrações, muitas vindas da própria família Bolsonaro, já há apostas no sentido de se saber quanto tempo o presidente conseguirá permanecer no poder.

Em outras palavras, quanto tempo faltaria para o vice – que é um militar – tomar assento na cadeira presidencial. 

 

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