Quinta, 22 Junho 2017 09:31

FURIOSOS NO AR E EM SOLO - Roberto Boaventura

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Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT

 

Sem medo de errar, afirmo que a democracia é o melhor dos regimes sociais conhecidos. Contudo, paradoxalmente, é também o mais difícil de ser vivido. Do micro ao amplo, tudo é complexo.

Em meu local de trabalho, há quem me cause perplexidade por conta de atitudes antidemocráticas; têm dificuldades de acatar decisões aprovadas pelo coletivo. Com seres assim, não há argumentos que os modifiquem. Essa face egocêntrica é como se fosse a externalização de uma doença que circulasse pelas veias de seus corpos, diminuindo-os, por consequência, como profissionais e cidadãos. Impressionante.

Em âmbito mais amplo, também me impressiona ver que a maioria dos nossos políticos e séquitos imediatos seja tão antidemocrática. Digo isso porque não tolero ataques à imprensa e a jornalistas, ou seja, em geral, os primeiros alvos dos antidemocratas. Sobre a mídia e seus profissionais sempre caberá a crítica, mas em lugar correto. Nunca pode ser o ataque e/ou o cerceamento ao direito do outro de se expressar.

O parágrafo acima surgiu por conta do relato de Miriam Leitão, publicado em seu blog no jornal “O Globo”. Segundo ela, em recente voo de Brasília para o Rio, militantes do PT agrediram-na verbalmente. “Foram duas horas de gritos, xingamentos, palavras de ordem contra mim e contra a TV Globo”, relata.

De minha parte, não saberia dizer quantas vezes já critiquei a Globo e a própria jornalista em pauta. Todavia, reconheço o direito que têm de pensar e comungar de ideais diferentes dos meus. A referida emissora e seus trabalhadores têm o direito de acreditar no programa neoliberal.

Como não poderia ser diferente, as grandes entidades do nosso jornalismo repudiaram aquele constrangimento. Com este artigo, também manifesto meu repúdio. Na condição de articulista, percebo aumentarem as ofensas verbais por parte de destemperados. Depois de artigos que escrevi, principalmente criticando o PT e/ou expondo opiniões sobre temas religiosos, também já fui constrangido. Esses temas são veredas perigosas para os jornalistas. Neles, podem estar escondidas verdadeiras tocais. É a ditadura da reza na mesma cartilha.

Não ter o pleno direito de opinar sobre aquilo que se pensa é agressão que só sente quem por ela passa. A cada novo artigo, me armo psicologicamente para o que possa vir. É raro quando ofensas verbais não vêm. Além delas, há o constante risco das agressões físicas. Isso tudo é retrocesso. Contra eles, todos devemos lutar.

Diante do ocorrido com Leitão, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, lamentou o constrangimento. Disse que o PT orienta a militância a “não realizar manifestações em locais impróprios”. Todavia, disse que a Globo é, “em grande medida, responsável pelo clima de radicalização e ódio por que passa o Brasil”.

Ao dizer isso, Hoffmann enfraquece a orientação que diz ajudar a fazer à militância petista. No mais, discordo de sua leitura. Sem santificar o jornalismo da Globo, o buraco é mais embaixo. O problema não está na forma/intensidade da exposição de nossas mazelas, como a corrupção, p. ex., mas nos atos praticados em si.

Em outras palavras, a questão não está na incidência e na virulência com que tais fatos possam ser publicados pela mídia, mas neles próprios. Nosso problema não é a mídia, não são os jornalistas, mas a corrupção, a desfaçatez, o desrespeito que nossa elite, incluindo os “donos” da legenda petista, tem imposto à sociedade.

Nesse caos, ser democrático parece ser uma arte cada vez mais difícil de ser exibida, seja no ar ou em solo.  

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